TJRR 10080100968
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
Apelação Cível n.º 010 08 010096-8 – Boa Vista
Apelante: RONILDO BEZERRA DA SILVA
Advogado: JOHNSON ARAÚJO PEREIRA
Apelado: ESTADO DE RORAIMA
Advogado: PAULO ESTEVÃO SALES CRUZ (PGE/RR)
Relator: DES. CARLOS HENRIQUES
R E L A T Ó R I O
RONILDO BEZERRA DA SILVA, Policial Militar deste Estado, ajuizou ação anulatória c/c indenização por danos morais em decorrência de assédio moral contra o ESTADO DE RORAIMA julgada improcedente pelo MM Juiz de Direito da 8ª Vara Cível desta Comarca, em sentença acostada às fls. 233/236.
Em sua petição inicial, o apelante narrou, em síntese, que em 14 de dezembro de 2005 deslocou-se para a cidade de Manaus/AM através do TFD/RR n.º 863/05, a fim de realizar cirurgia de menisco no joelho direito, ficando hospedado no “Jacuna Hotel”, estabelecimento conveniado pelo Estado de Roraima para receber pacientes enfermos que não dispõem de tratamento especializado neste Estado.
Aduz que por não ter recebido em momento algum o apoio logístico da Representação do Estado de Roraima em Manaus enviou um requerimento em 29/12/2006 para a Secretária de Saúde de Roraima informando sua situação e pleiteando inclusão de sua acompanhante em seu TFD além do acréscimo de mais dias para que pudesse dar continuidade à tentativa de realizar a cirurgia no joelho.
Conta que em 04.01.06 retornou para Boa Vista tendo prestado contas de sua estada no “Jacuna Hotel”.
Em 09.01.06, foi até a Promotoria de Saúde Estadual denunciar a situação vexatória vivida por ele e por sua cônjuge, bem como observou diversas irregularidades no “Jacuna Hotel”, como falta de cortesia e de higiene.
Em 01.02.06 operou-se com o Dr. Sérgio F. Abreu Segui, ficando afastado totalmente de suas atividades laborais para recuperação, período em que o Sub-Comandante Geral da Polícia Militar Estadual editou a Portaria n.º 068/CORREGP/2006, de 15.02.06 designando o Ten. QOPM José Magalhães Pereira como oficial encarregado de proceder aos andamentos da Sindicância visando a apuração de possíveis denúncias de ilícitos administrativos em desfavor do apelante, em virtude de um comunicado manuscrito enviado à CORREGE/PM subscrito pelo Sr. Antônio Mendes de Souza Neto, representante do Governo de Roraima em Manaus.
Requereu a decretação da nulidade da Sindicância bem como a anulação da pena de advertência por desobediência aos princípios constitucionais, como o da ampla defesa e do contradiório além da sindicância ter sido pautada nas Lei Federais que regem somente os Policiais do ex-território de Roraima.
Pugnou pela condenação a títulos de danos morais pois desde a instauração do “procedimento administrativo disciplinar” até a sua conclusão foi perseguido através da Rede de Rádio, chamado duas vezes para dar explicações, ouviu comentários desairosos entre os oficiais de que é folgado, tendo passado por constrangimento, depressão e angústia que o marcarão para o resto da vida.
Em sede de apelação, (fls. 241/243) alega que o Magistrado foi induzido pelo Procurador do Estado e que a Súmula do STJ 343 veio ao encontro de suas aspirações ao afirmar categoricamente que a ausência de advogado nomeado pelo autoridade que preside a sindicância é fato ensejador de nulidade.
Requer o provimento do recurso para desconstituir ato administrativo que lhe causou desconforto e profundo dano, assim como seja concedido o pedido de condenação em danos morais.
Em contra-razões (fls. 246/249) o ESTADO DE RORAIMA aduz inexistir irregularidades na sindicância estando o ato administrativo motivado.
Sustenta que ao contrário do alegado pelo apelante a apuração para aplicação de advertência prescinde de processo administrativo disciplinar – PAD, sendo certo que somente nesse tipo de procedimento é assegurada ao acusado a ampla defesa, conforme art. 137, caput da Lei Complementar Estadual 53/2001.
Requer a manutenção da sentença.
Coube-me por distribuição, o munus relatorial.
Com vista do autos o representante do Parquet não se manifestou por alegada ausência de interesse (fls. 256/258)
É o breve relato.
À douta revisão, para exame e análise regimental dos autos.
Boa Vista(RR), 01 de OUTUBRO de 2008.
Des. CARLOS HENRIQUES
Relator
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
Apelação Cível n.º 010 08 010096-8 – Boa Vista
Apelante: RONILDO BEZERRA DA SILVA
Advogado: JOHNSON ARAÚJO PEREIRA
Apelado: ESTADO DE RORAIMA
Advogado: PAULO ESTEVÃO SALES CRUZ (PGE/RR)
Relator: DES. CARLOS HENRIQUES
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.
A ação foi julgada improcedente nos seguintes termos:
“Portanto, a sindicância é mero procedimento investigativo, sendo incabível a apresentação de defesa, visto que somente pode haver defesa após a formalização de acusação, e esta somente se formaliza quando da instauração do processo administrativo disciplinar. Assim, conforme se verifica nos autos o autor ficou ciente de todos os atos praticados na sindicância, ou seja, todos os princípios norteadores foram seguidos.” (fls. 235) - DESTAQUEI
Embora cediço da existência de jurisprudência a amapar a conclusão a que chegou o ilustre Magistrado a quo, qual seja, ser incabível defesa na sindicância administrativa, peço vênia para acompanhar outra corrente, no sentido contrário, atualmente majoritária.
Destaque-se que o Poder Judiciário pode realizar o controle judicial do ato administrativo apenas sob o aspecto da legalidade, sendo-lhe vedado decidir sobre o mérito do ato.
A sindicância foi inicialmente concebida como um instrumento apuratório que não comportava sanção, valhe dizer, tratava-se de simples expediente de verificação de irregularidade, e não de base para punição, equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal”, segundo doutrina de Hely Lopes Meirelles, que assim a conceituava: “É o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição do infrator.”
O próprio Hely já assinalava que “a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada”. (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo, 22ª edição, São Paulo, p. 593)
E o legislador, em harmonia com a realidade, acabou por legitimar a sindicância como meio apuratório para aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (dias), com observância do contraditório e da ampla defesa, garantidos pela nossa Carta, em seu art. 5º, inciso LV.”
Ocorre o cerceamento de defesa com ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório se ao autor, em sindicância, não é permitido saber a infração de que é acusado e a pena que lhe pode ser imposta, nem permitida a apresentação de defesa ou realização de prova.
Lúcia Vale de Figueiredo, ao tratar do tema "procedimento e processo administrativo", sustenta, assim como o fez Hely, a aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa na sindicância quando, como no caso, esta implicar em aplicação de pena:
"A sindicância - via de regra - é apenas a apuração do fato e da provável autoria, como nos inquéritos policiais. Portanto, na sindicância, normalmente, não é necessário o direito de defesa. Todavia, como já prefalado, se houver aplicação de penalidade, diretamente, em consequência da sindicância, as regras são as mesmas. Ainda, em casos especiais, mesmo na sindicância, pode se colocar o direito de defesa. (in Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 2003, 6ª edição, p. 432)"
No mesmo sentido leciona Odete Medauar:
"Nesta acepção, a sindicância não se instaura contra um servidor; visa a apurar possíveis fatos irregulares e seu possível autor. Inexistem, então, acusados ou litigantes a ensejar as garantias do contraditório e ampla defesa, previstas na Constituição Federal, art. 5º, LV.
...
A segunda modalidade é a sindicância de caráter processual, pois destina-se a apurar a reponsabilidade de servidor identificado, por falta leve, podendo resultar em aplicação de pena....Nesta modalidade, o contraditório e a ampla defesa hão de ser assegurados, ainda que sumário o processo, pois existe acusado. (in Direito Administrativo Moderno, RT, 2003, 6ª edição, p. 375)"
Gizadas estas considerações, entretanto, quanto à ausência de contraditório e ampla defesa, labora em equívoco o apelante, eis que, independentemente de estar assistido por seu advogado ou defensor, teve a oportunidade de utilizar-se dos meios de defesa cabíveis, tanto que juntou documentos, apresentou defesa (38 laudas), indicou testemunhas que foram ouvidas, tendo sido cientificado para acompanhar as oitivas. Prova disso é o inteiro teor da sindicância juntada aos autos pelo autor às fls. 40/ 201.
Portanto, estando regular a sindicância, o pedido de reforma da sentença não deve ser provido, mantendo-se a improcedência do pedido para decretação da nulidade da sindicância.
Merece também ser repelido o pedido de condenação em danos morais advindo do assédio moral porque ausente prova de humilhação ou exposição vexatória perante os colegas de trabalho.
Neste diapasão peço vênia para compliar o significado de assédio moral conforme ensina Margarida Maria Silveira Barreto (2000), Médica do Trabalho, professora e pesquisadora da UNICAMP, assédio moral no trabalho (BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde, trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC – Editora da Puc-SP, 2000):
“É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.”
Ad argumentandum tantum, a afirmação de que o enunciado da Súmula do STJ n.º 343 tornaria a sindicância nula por inexistência da presença de advogado, após a edição da Súmula vinculante n.º do STF não prospera. Vejamos os enunciados:
Súmula 343 do STJ: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.”
Súmula Vinculante 5 do STF: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”
Ocorre que com a aprovação da sua 5ª Súmula Vinculante, o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento do poder Judiciário em um tema que envolve mais de 25 mil processos em tramitação no poder Executivo Federal desde 2003, confirmando e ao mesmo tempo trazendo segurança jurídica às decisões já tomadas, ou em vias de ser proferidas.
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 434059, que levou à edição da súmula, os ministros entenderam, no entanto, que, no PAD, a presença do advogado é uma faculdade de que o servidor público dispõe, dada pelo artigo 156 da Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos), mas não uma obrigatoriedade, e que a sua ausência não implica em nulidade do processo.
Manteve-se então o entendimento de que a ausência da defesa em PAD não é ilegal. Ora, inexistindo ilegalidade na ausência de advogado no Procedimento Administrativo Disciplinar, também inexisite ilegalidade na ausência de advogado na sindicância.
Por fim, quanto às alegações de ilegalidade na aplicação de normas federais específicas que regem servidores do ex-território e hoje estão na condição de cedidos ao Estado de Roraima aos Policiais e Bombeiros Militares estaduais, por não haver previsão legal, devendo ser aplicada às Leis 027/98 e 051/01, esta Corte no julgamento do HC 010 07 007012-2 (Rel. Juiz Convocado Cristõvão Suter, j. em 20.03.2007, DPJ 3583, de 13/04/07) e do RSE 010 07 007416-5 já decidiu no sentido de haver legalidade.
Peço vênia para compilar o voto do Relator:
“Não há que se falar em não aplicação das disposições constantes no Decreto-lei n.º 158/1981 e na Lei Federal n.º 6.652/79, frente o contido na Lei Estadual Complementar n.º 051/01.
Com efeito, referida Lei Complementar Estadual dispõe “sobre a Carreira, Remuneração e o Quadro do Efetivo da Polícia Militar do Estado de Roraima”, sequer fazendo referência às questões concernentes ao regime disciplinar da corporação.
Logo, tem-se como claro que o precedente judicial a que faz menção a Impetrante diz respeito a Mandado de Segurança(1), em que se declarou a necessidade de lei específica para a aplicação de prova de capacitação física em relação ao certame promovido pela Corporação, não possuindo o julgado qualquer vínculo com a matéria tratada nestes autos.
Tal conclusão decorre da própria ementa do decisum:
“MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO, CONCURSO PÚBLICO. CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE RORAIMA. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA LEGALIDADE. FALTA DE PREVISÃO. INADMISSIBILIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. (...).”
Assim, tem-se como claro que a afirmação “Não se aplicam os servidores públicos militares estaduais” diz respeito à prova de aptidão física no concurso patrocinado pela Polícia Militar, jamais se estendendo à aferição e punição das infrações disciplinares militares, matéria totalmente estranha ao objeto do sobredito mandamus.
Por sua vez, ao estabelecer expressamente a Constituição Federal em seu art. 144, § 6.º, que As polícias militares e corpos de bombeiros militares são forças auxiliares e reserva do Exército, tem-se como afastada qualquer possibilidade de se cogitar da alegada analogia in malam partem na aplicação das disposições constantes do Decreto-lei n.º 158/1981 e da Lei Federal n.º 6.652/79, na medida em que referidos diplomas legais regulam expressa e previamente a matéria relativa às transgressões disciplinares dos militares.
Logo, existindo diploma legal disciplinando a matéria, não há lugar sequer para se cogitar da alegada impossibilidade de sua aplicação, sob pena da implantação de verdadeiro caos na corporação, traduzido na total impossibilidade de punição atual e futura dos membros faltosos, posto que nesta última hipótese, se argumentaria que o novo estatuto não poderia retroagir para prejudicar a situação do réu.
Na verdade, perfeitamente admissível a aplicação das regras constantes no Decreto-lei n.º 158/1981 e na Lei Federal n.º 6.652/79 ao caso sub examine, na medida em que, tratando-se a Polícia Militar de força auxiliar do Exército e ante à falta de norma incompatibilizadora, possível até mesmo a aplicação do Estatuto do Militar:
“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HABEAS CORPUS – SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM – PUNIÇÃO DISCIPLINAR IMPOSTA À MILITAR – IDENTIDADE ENTRE OFENDIDO E AUTORIDADE COMPETENTE PARA PUNIR – LEI Nº 9.784/99 – AUSÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE COM O ESTATUTO DO MILITAR – 1 – Não se verifica a existência de disposição, expressa ou tacitamente, que incompatibilize a aplicação do disposto no artigo 18, inciso I, da Lei nº 9.784/99 com as regras contidas no Estatuto do Militar (Lei nº 6.880/80). 2 – Não pode a autoridade contra quem foi promovida a insubordinação participar do processo disciplinar que culminou com a punição do militar. 3 – Recurso não provido.” (TRF 4ª R. – RCr-SE 2002.71.00.046153-3 – RS – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado – DJU 12.11.2003 – p. 602).”
Isto posto, conheço do recurso, mas NEGO-LHE provimento, mantendo-se intacta a sentença monocrática.
É como voto.
Boa Vista (RR), 14 de OUTUBRO de 2008.
Des. CARLOS HENRIQUES
Relator
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
Apelação Cível n.º 010 08 010096-8 – Boa Vista
Apelante: RONILDO BEZERRA DA SILVA
Advogado: JOHNSON ARAÚJO PEREIRA
Apelado: ESTADO DE RORAIMA
Advogado: PAULO ESTEVÃO SALES CRUZ (PGE/RR)
Relator: DES. CARLOS HENRIQUES
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO C/C PEDIDO DE DANOS MORAIS – IRREGULARIDADE DA SINDICÂNCIA – APLICAÇÃO DA SÚMULA 343 DO STJ – UTILIZAÇÃO DE NORMAS FEDERAIS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
Recurso IMPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso de Apelação Cível N.º 010 08 010096-8, acordam, à unanimidade de votos, os Desembargadores integrantes da Câmara Única do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, em NEGAR provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos QUATORZE dias do mês de OUTUBRO do ano de dois mil e OITO (14.10.2008).
Des. CARLOS HENRIQUES
Presidente e Relator
Juíza Convocada TÂNIA VASCONCELOS
Julgadora
Des. ALMIRO PADILHA
Julgador
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3955, Boa Vista-RR, 25 de Outubro de 2008, p. 01.
( : 14/10/2008 ,
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Ementa
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
Apelação Cível n.º 010 08 010096-8 – Boa Vista
Apelante: RONILDO BEZERRA DA SILVA
Advogado: JOHNSON ARAÚJO PEREIRA
Apelado: ESTADO DE RORAIMA
Advogado: PAULO ESTEVÃO SALES CRUZ (PGE/RR)
Relator: DES. CARLOS HENRIQUES
R E L A T Ó R I O
RONILDO BEZERRA DA SILVA, Policial Militar deste Estado, ajuizou ação anulatória c/c indenização por danos morais em decorrência de assédio moral contra o ESTADO DE RORAIMA julgada improcedente pelo MM Juiz de Direito da 8ª Vara Cível desta Comarca, em sentença acostada às fls. 233/236.
Em sua petição inicial, o apelante narrou, em síntese, que em 14 de dezembro de 2005 deslocou-se para a cidade de Manaus/AM através do TFD/RR n.º 863/05, a fim de realizar cirurgia de menisco no joelho direito, ficando hospedado no “Jacuna Hotel”, estabelecimento conveniado pelo Estado de Roraima para receber pacientes enfermos que não dispõem de tratamento especializado neste Estado.
Aduz que por não ter recebido em momento algum o apoio logístico da Representação do Estado de Roraima em Manaus enviou um requerimento em 29/12/2006 para a Secretária de Saúde de Roraima informando sua situação e pleiteando inclusão de sua acompanhante em seu TFD além do acréscimo de mais dias para que pudesse dar continuidade à tentativa de realizar a cirurgia no joelho.
Conta que em 04.01.06 retornou para Boa Vista tendo prestado contas de sua estada no “Jacuna Hotel”.
Em 09.01.06, foi até a Promotoria de Saúde Estadual denunciar a situação vexatória vivida por ele e por sua cônjuge, bem como observou diversas irregularidades no “Jacuna Hotel”, como falta de cortesia e de higiene.
Em 01.02.06 operou-se com o Dr. Sérgio F. Abreu Segui, ficando afastado totalmente de suas atividades laborais para recuperação, período em que o Sub-Comandante Geral da Polícia Militar Estadual editou a Portaria n.º 068/CORREGP/2006, de 15.02.06 designando o Ten. QOPM José Magalhães Pereira como oficial encarregado de proceder aos andamentos da Sindicância visando a apuração de possíveis denúncias de ilícitos administrativos em desfavor do apelante, em virtude de um comunicado manuscrito enviado à CORREGE/PM subscrito pelo Sr. Antônio Mendes de Souza Neto, representante do Governo de Roraima em Manaus.
Requereu a decretação da nulidade da Sindicância bem como a anulação da pena de advertência por desobediência aos princípios constitucionais, como o da ampla defesa e do contradiório além da sindicância ter sido pautada nas Lei Federais que regem somente os Policiais do ex-território de Roraima.
Pugnou pela condenação a títulos de danos morais pois desde a instauração do “procedimento administrativo disciplinar” até a sua conclusão foi perseguido através da Rede de Rádio, chamado duas vezes para dar explicações, ouviu comentários desairosos entre os oficiais de que é folgado, tendo passado por constrangimento, depressão e angústia que o marcarão para o resto da vida.
Em sede de apelação, (fls. 241/243) alega que o Magistrado foi induzido pelo Procurador do Estado e que a Súmula do STJ 343 veio ao encontro de suas aspirações ao afirmar categoricamente que a ausência de advogado nomeado pelo autoridade que preside a sindicância é fato ensejador de nulidade.
Requer o provimento do recurso para desconstituir ato administrativo que lhe causou desconforto e profundo dano, assim como seja concedido o pedido de condenação em danos morais.
Em contra-razões (fls. 246/249) o ESTADO DE RORAIMA aduz inexistir irregularidades na sindicância estando o ato administrativo motivado.
Sustenta que ao contrário do alegado pelo apelante a apuração para aplicação de advertência prescinde de processo administrativo disciplinar – PAD, sendo certo que somente nesse tipo de procedimento é assegurada ao acusado a ampla defesa, conforme art. 137, caput da Lei Complementar Estadual 53/2001.
Requer a manutenção da sentença.
Coube-me por distribuição, o munus relatorial.
Com vista do autos o representante do Parquet não se manifestou por alegada ausência de interesse (fls. 256/258)
É o breve relato.
À douta revisão, para exame e análise regimental dos autos.
Boa Vista(RR), 01 de OUTUBRO de 2008.
Des. CARLOS HENRIQUES
Relator
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
Apelação Cível n.º 010 08 010096-8 – Boa Vista
Apelante: RONILDO BEZERRA DA SILVA
Advogado: JOHNSON ARAÚJO PEREIRA
Apelado: ESTADO DE RORAIMA
Advogado: PAULO ESTEVÃO SALES CRUZ (PGE/RR)
Relator: DES. CARLOS HENRIQUES
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.
A ação foi julgada improcedente nos seguintes termos:
“Portanto, a sindicância é mero procedimento investigativo, sendo incabível a apresentação de defesa, visto que somente pode haver defesa após a formalização de acusação, e esta somente se formaliza quando da instauração do processo administrativo disciplinar. Assim, conforme se verifica nos autos o autor ficou ciente de todos os atos praticados na sindicância, ou seja, todos os princípios norteadores foram seguidos.” (fls. 235) - DESTAQUEI
Embora cediço da existência de jurisprudência a amapar a conclusão a que chegou o ilustre Magistrado a quo, qual seja, ser incabível defesa na sindicância administrativa, peço vênia para acompanhar outra corrente, no sentido contrário, atualmente majoritária.
Destaque-se que o Poder Judiciário pode realizar o controle judicial do ato administrativo apenas sob o aspecto da legalidade, sendo-lhe vedado decidir sobre o mérito do ato.
A sindicância foi inicialmente concebida como um instrumento apuratório que não comportava sanção, valhe dizer, tratava-se de simples expediente de verificação de irregularidade, e não de base para punição, equiparável ao inquérito policial em relação à ação penal”, segundo doutrina de Hely Lopes Meirelles, que assim a conceituava: “É o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição do infrator.”
O próprio Hely já assinalava que “a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada”. (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo, 22ª edição, São Paulo, p. 593)
E o legislador, em harmonia com a realidade, acabou por legitimar a sindicância como meio apuratório para aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (dias), com observância do contraditório e da ampla defesa, garantidos pela nossa Carta, em seu art. 5º, inciso LV.”
Ocorre o cerceamento de defesa com ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório se ao autor, em sindicância, não é permitido saber a infração de que é acusado e a pena que lhe pode ser imposta, nem permitida a apresentação de defesa ou realização de prova.
Lúcia Vale de Figueiredo, ao tratar do tema "procedimento e processo administrativo", sustenta, assim como o fez Hely, a aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa na sindicância quando, como no caso, esta implicar em aplicação de pena:
"A sindicância - via de regra - é apenas a apuração do fato e da provável autoria, como nos inquéritos policiais. Portanto, na sindicância, normalmente, não é necessário o direito de defesa. Todavia, como já prefalado, se houver aplicação de penalidade, diretamente, em consequência da sindicância, as regras são as mesmas. Ainda, em casos especiais, mesmo na sindicância, pode se colocar o direito de defesa. (in Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 2003, 6ª edição, p. 432)"
No mesmo sentido leciona Odete Medauar:
"Nesta acepção, a sindicância não se instaura contra um servidor; visa a apurar possíveis fatos irregulares e seu possível autor. Inexistem, então, acusados ou litigantes a ensejar as garantias do contraditório e ampla defesa, previstas na Constituição Federal, art. 5º, LV.
...
A segunda modalidade é a sindicância de caráter processual, pois destina-se a apurar a reponsabilidade de servidor identificado, por falta leve, podendo resultar em aplicação de pena....Nesta modalidade, o contraditório e a ampla defesa hão de ser assegurados, ainda que sumário o processo, pois existe acusado. (in Direito Administrativo Moderno, RT, 2003, 6ª edição, p. 375)"
Gizadas estas considerações, entretanto, quanto à ausência de contraditório e ampla defesa, labora em equívoco o apelante, eis que, independentemente de estar assistido por seu advogado ou defensor, teve a oportunidade de utilizar-se dos meios de defesa cabíveis, tanto que juntou documentos, apresentou defesa (38 laudas), indicou testemunhas que foram ouvidas, tendo sido cientificado para acompanhar as oitivas. Prova disso é o inteiro teor da sindicância juntada aos autos pelo autor às fls. 40/ 201.
Portanto, estando regular a sindicância, o pedido de reforma da sentença não deve ser provido, mantendo-se a improcedência do pedido para decretação da nulidade da sindicância.
Merece também ser repelido o pedido de condenação em danos morais advindo do assédio moral porque ausente prova de humilhação ou exposição vexatória perante os colegas de trabalho.
Neste diapasão peço vênia para compliar o significado de assédio moral conforme ensina Margarida Maria Silveira Barreto (2000), Médica do Trabalho, professora e pesquisadora da UNICAMP, assédio moral no trabalho (BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde, trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC – Editora da Puc-SP, 2000):
“É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.”
Ad argumentandum tantum, a afirmação de que o enunciado da Súmula do STJ n.º 343 tornaria a sindicância nula por inexistência da presença de advogado, após a edição da Súmula vinculante n.º do STF não prospera. Vejamos os enunciados:
Súmula 343 do STJ: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.”
Súmula Vinculante 5 do STF: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”
Ocorre que com a aprovação da sua 5ª Súmula Vinculante, o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento do poder Judiciário em um tema que envolve mais de 25 mil processos em tramitação no poder Executivo Federal desde 2003, confirmando e ao mesmo tempo trazendo segurança jurídica às decisões já tomadas, ou em vias de ser proferidas.
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 434059, que levou à edição da súmula, os ministros entenderam, no entanto, que, no PAD, a presença do advogado é uma faculdade de que o servidor público dispõe, dada pelo artigo 156 da Lei 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos), mas não uma obrigatoriedade, e que a sua ausência não implica em nulidade do processo.
Manteve-se então o entendimento de que a ausência da defesa em PAD não é ilegal. Ora, inexistindo ilegalidade na ausência de advogado no Procedimento Administrativo Disciplinar, também inexisite ilegalidade na ausência de advogado na sindicância.
Por fim, quanto às alegações de ilegalidade na aplicação de normas federais específicas que regem servidores do ex-território e hoje estão na condição de cedidos ao Estado de Roraima aos Policiais e Bombeiros Militares estaduais, por não haver previsão legal, devendo ser aplicada às Leis 027/98 e 051/01, esta Corte no julgamento do HC 010 07 007012-2 (Rel. Juiz Convocado Cristõvão Suter, j. em 20.03.2007, DPJ 3583, de 13/04/07) e do RSE 010 07 007416-5 já decidiu no sentido de haver legalidade.
Peço vênia para compilar o voto do Relator:
“Não há que se falar em não aplicação das disposições constantes no Decreto-lei n.º 158/1981 e na Lei Federal n.º 6.652/79, frente o contido na Lei Estadual Complementar n.º 051/01.
Com efeito, referida Lei Complementar Estadual dispõe “sobre a Carreira, Remuneração e o Quadro do Efetivo da Polícia Militar do Estado de Roraima”, sequer fazendo referência às questões concernentes ao regime disciplinar da corporação.
Logo, tem-se como claro que o precedente judicial a que faz menção a Impetrante diz respeito a Mandado de Segurança(1), em que se declarou a necessidade de lei específica para a aplicação de prova de capacitação física em relação ao certame promovido pela Corporação, não possuindo o julgado qualquer vínculo com a matéria tratada nestes autos.
Tal conclusão decorre da própria ementa do decisum:
“MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO, CONCURSO PÚBLICO. CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE RORAIMA. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA LEGALIDADE. FALTA DE PREVISÃO. INADMISSIBILIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. (...).”
Assim, tem-se como claro que a afirmação “Não se aplicam os servidores públicos militares estaduais” diz respeito à prova de aptidão física no concurso patrocinado pela Polícia Militar, jamais se estendendo à aferição e punição das infrações disciplinares militares, matéria totalmente estranha ao objeto do sobredito mandamus.
Por sua vez, ao estabelecer expressamente a Constituição Federal em seu art. 144, § 6.º, que As polícias militares e corpos de bombeiros militares são forças auxiliares e reserva do Exército, tem-se como afastada qualquer possibilidade de se cogitar da alegada analogia in malam partem na aplicação das disposições constantes do Decreto-lei n.º 158/1981 e da Lei Federal n.º 6.652/79, na medida em que referidos diplomas legais regulam expressa e previamente a matéria relativa às transgressões disciplinares dos militares.
Logo, existindo diploma legal disciplinando a matéria, não há lugar sequer para se cogitar da alegada impossibilidade de sua aplicação, sob pena da implantação de verdadeiro caos na corporação, traduzido na total impossibilidade de punição atual e futura dos membros faltosos, posto que nesta última hipótese, se argumentaria que o novo estatuto não poderia retroagir para prejudicar a situação do réu.
Na verdade, perfeitamente admissível a aplicação das regras constantes no Decreto-lei n.º 158/1981 e na Lei Federal n.º 6.652/79 ao caso sub examine, na medida em que, tratando-se a Polícia Militar de força auxiliar do Exército e ante à falta de norma incompatibilizadora, possível até mesmo a aplicação do Estatuto do Militar:
“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HABEAS CORPUS – SENTENÇA CONCESSIVA DA ORDEM – PUNIÇÃO DISCIPLINAR IMPOSTA À MILITAR – IDENTIDADE ENTRE OFENDIDO E AUTORIDADE COMPETENTE PARA PUNIR – LEI Nº 9.784/99 – AUSÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE COM O ESTATUTO DO MILITAR – 1 – Não se verifica a existência de disposição, expressa ou tacitamente, que incompatibilize a aplicação do disposto no artigo 18, inciso I, da Lei nº 9.784/99 com as regras contidas no Estatuto do Militar (Lei nº 6.880/80). 2 – Não pode a autoridade contra quem foi promovida a insubordinação participar do processo disciplinar que culminou com a punição do militar. 3 – Recurso não provido.” (TRF 4ª R. – RCr-SE 2002.71.00.046153-3 – RS – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado – DJU 12.11.2003 – p. 602).”
Isto posto, conheço do recurso, mas NEGO-LHE provimento, mantendo-se intacta a sentença monocrática.
É como voto.
Boa Vista (RR), 14 de OUTUBRO de 2008.
Des. CARLOS HENRIQUES
Relator
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
Apelação Cível n.º 010 08 010096-8 – Boa Vista
Apelante: RONILDO BEZERRA DA SILVA
Advogado: JOHNSON ARAÚJO PEREIRA
Apelado: ESTADO DE RORAIMA
Advogado: PAULO ESTEVÃO SALES CRUZ (PGE/RR)
Relator: DES. CARLOS HENRIQUES
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO C/C PEDIDO DE DANOS MORAIS – IRREGULARIDADE DA SINDICÂNCIA – APLICAÇÃO DA SÚMULA 343 DO STJ – UTILIZAÇÃO DE NORMAS FEDERAIS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
Recurso IMPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso de Apelação Cível N.º 010 08 010096-8, acordam, à unanimidade de votos, os Desembargadores integrantes da Câmara Única do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, em NEGAR provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Sala das Sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos QUATORZE dias do mês de OUTUBRO do ano de dois mil e OITO (14.10.2008).
Des. CARLOS HENRIQUES
Presidente e Relator
Juíza Convocada TÂNIA VASCONCELOS
Julgadora
Des. ALMIRO PADILHA
Julgador
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3955, Boa Vista-RR, 25 de Outubro de 2008, p. 01.
( : 14/10/2008 ,
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Data do Julgamento
:
14/10/2008
Data da Publicação
:
25/10/2008
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. CARLOS HENRIQUES RODRIGUES
Tipo
:
Acórdão
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