TJRR 10080103533
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS Nº 010.08. 010353-3/Boa Vista
Impetrante: Francisco Evangelista dos Santos Araújo, OAB/RR nº 457
Paciente: Juscelino Moreira
Autoridade Coatora: Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá/RR
Relator: Des. Mauro Campello
RELATÓRIO
Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, interposto pelo advogado Francisco Evangelista dos Santos Araújo, contra decisão do MM. Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá, que denegou anterior pedido de revogação de prisão preventiva em favor de Juscelino Moreira, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal e por garantia da ordem pública, conforme art. 312 do Código de Processo Penal.
Aduz o impetrante, preliminarmente, a ocorrência de vícios durante o curso do processo que ensejariam a declaração de nulidade do feito principal, e, por conseguinte a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente.
Dentre as supostas nulidades absolutas nos autos, citou: irregular citação do réu por edital; decretação de ofício da revelia sem a devida manifestação da defesa; substituição das testemunhas em comum sem a vênia da defesa; oitiva de testemunha de acusação sem a presença de defensor dativo; ausência de oitiva de testemunhas de defesa; cerceamento de defesa por ausência de defensor técnico; insuficiência de fundamentação na sentença de pronúncia.
Sustenta ainda o impetrante que se encontra “virtualmente prescrita a pena em abstrato”, tendo em vista a eventual condenação do réu em patamar mínimo, em cotejo à previsão do art. 109, III, do Código Penal.
Acrescentou que o paciente possui excelentes predicados pessoais, como primariedade, ausência de antecedentes criminais, residência fixa, família constituída e profissão lícita.
Refutou os argumentos apresentados pelo MM. Juiz a quo na decretação da custódia provisória, asseverando que “o paciente não é um indivíduo periculoso e nem tem personalidade voltada para a prática de delinqüência”.
Mencionou que o paciente encontra-se preso há três meses, o que configuraria constrangimento ilegal por excesso de prazo, requerendo, ao final, a concessão de liminar, decretando-se a revogação da prisão do paciente, e, posteriormente, a concessão definitiva da ordem.
Em informações prestadas pela autoridade coatora, às fls. 320/321, as quais vieram acompanhadas dos documentos de fls. 322/335, esclarece o digníssimo magistrado que o paciente foi denunciado em 30.06.1986, sendo impossível a realização de interrogatório do acusado por estar foragido.
Informa ainda que, após a apresentação da defesa prévia, através da Assistência Judiciária designada ao caso, o réu foi pronunciado em 14.12.1993, sendo que, somente em 04.04.2008 foi efetivamente cumprido o mandado de prisão contra o ora paciente.
Consta, por fim, das citadas informações, que os autos encontram-se aguardando a devolução e Carta Precatória destinada a intimar pessoalmente o réu acerca da sentença de pronúncia, para que o processo seja incluído na pauta de julgamento do Tribunal do Júri.
Opina o Ministério Público de Roraima, em parecer de fls. 337/347, pelo indeferimento da ordem, sugerindo, ainda, que o paciente permaneça preso até o julgamento final.
É o relatório.
Boa Vista – RR, 26 de agosto de 2008.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS Nº 010.08. 010353-3/Boa Vista
Impetrante: Francisco Evangelista dos Santos Araújo, OAB/RR nº 457
Paciente: Juscelino Moreira
Autoridade Coatora: Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá/RR
Relator: Des. Mauro Campello
VOTO
Merece ser concedida a presente ordem de habeas corpus.
Concernente a 1ª preliminar suscitada pelo impetrante, relativa ao pedido de nulidade do processo principal, dentre os vícios alegados, reconheço presente o cerceamento de defesa em virtude da ausência de manifestação desta acerca das testemunhas que foram dispensadas pelo Ministério Público de Roraima, uma vez que tais testemunhas foram também arroladas pela Defensoria, conforme defesa preliminar de fl. 184, violando desta forma o Princípio Constitucional da ampla defesa.
Consoante certidão de fl. 188v, as testemunhas de acusação não foram localizadas, motivo pelo qual determinou o magistrado a quo a manifestação do Ministério Público de Roraima para que optasse pela insistência na oitiva de tais testemunhas ou mesmo para requerer a substituição delas, não sendo oportunizada à Defesa do acusado a possibilidade de se manifestar quanto à necessidade de tais testemunhas, configurando a existência de vício processual insanável, que prescinde de demonstração do prejuízo causado, mas que notoriamente ocasionou para o paciente.
Ademais, o Código de Processo Penal traz expressamente em seu art. 404 a possibilidade das partes desistirem da inquirição das testemunhas arroladas. Ora, se há tal previsão, logicamente, torna-se imprescindível a manifestação de ambas as partes, quando as testemunhas forem comuns. Fato que não ocorreu, pelo menos em relação à Defesa do acusado, ocasionando-lhe prejuízo irreparável, verbis:
“Art. 404 - As partes poderão desistir do depoimento de qualquer das testemunhas arroladas, ou deixar de arrolá-las, se considerarem suficientes as provas que possas ser ou tenham sido produzidas (...) ”
Embora o texto não fale expressamente da necessidade de manifestação das partes no caso das testemunhas não serem localizadas, o próprio verbo utilizado (poder) já traz em si a necessidade de consulta prévia acerca de tal possibilidade de desistência, não cabendo, de forma alguma, a presunção do juízo que preside a ação penal de que no momento em que o Ministério Público de Roraima desiste e requer a substituição de tais testemunhas, a Defesa igualmente o faria, posto que se tratam das mesmas testemunhas, podendo inclusive fornecer o novo endereço destas.
Ora, as partes estão em lados opostos! A presunção de que as testemunhas comuns não mais interessariam a Defesa, por não mais terem interesse nelas o Ministério Público de Roraima, é totalmente infundada.
Ad argumentandum tantum, apesar da defesa não ter alegado tal nulidade em sede de alegações finais, entendo que se trata de nulidade absoluta pela natureza insanável do vício processual ocorrido, podendo ser reconhecida a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição, a demonstrar também que o defensor dativo não foi diligente o suficiente para exercer a defesa técnica do paciente.
Ressalte-se que a nulidade por falta de defesa técnica é absoluta e não se confunde com a nulidade por deficiência da defesa, que é relativa e prescinde de demonstração do prejuízo.
In casu, não se faz necessária a comprovação do prejuízo, uma vez que se trata de inobservância de Princípios Constitucionais, quais sejam, do devido processo legal e da ampla defesa, motivo pela qual reconheço a nulidade absoluta do processo principal
Igualmente não consta da assentada de fls. 236/237 a presença de defensor dativo, no momento em que foi inquirida a testemunha substituída a pedido do Ministério Público de Roraima.
Nesse sentido:
“CRIMINAL. HC. ESTELIONATO. AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. INEXISTÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC. NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA. I. Ausente, na audiência de inquirição das testemunhas arroladas na denúncia, o advogado constituído, deve o Juiz nomear um defensor ad hoc para o ato, sob pena de nulidade absoluta. Precedentes. II. A falta de defensor na realização da oitiva das testemunhas de acusação gerou prejuízo ao paciente, pois as declarações colhidas não foram contraditadas pela defesa, em afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa. III. Mister se faz a concessão da ordem, para anular o processo, tão-somente em relação ao paciente, a partir da audiência de oitiva das testemunhas de acusação, expedindo-se alvará de soltura em seu favor. IV. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (STJ - HC 40.673/AL, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26.04.2005, DJ 23.05.2005 p. 320)”
“AÇÃO PENAL. Processo. Defesa. Alegações finais. Não apresentação pelo patrono constituído. Intimação prévia regular. Nomeação de defensor dativo ou público para suprir a falta. Medida não providenciada pelo juízo. Julgamento subseqüente da causa. Condenação do réu. Inadmissibilidade. Cerceamento de defesa caracterizado. Violação do devido processo legal. Nulidade processual absoluta. Pronúncia. HC concedido, em parte, para esse fim. Precedentes. Interpretação dos arts. 5º, LIV e LV, da CF, e 261, 499, 500 e 564 do CPP. Padece de nulidade absoluta o processo penal em que, devidamente intimado, o advogado constituído do réu deixa de apresentar alegações finais, sem que o juízo, antes de proferir sentença condenatória, lhe haja designado defensor dativo ou público para suprir a falta.”.(STF - HC 92680 / SP - São Paulo, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Julgamento: 11/03/2008; Órgão Julgador: Segunda Turma, DJ 25/04/2008 ).
No tocante a alegação de citação editalícia inválida, a doutrina especifica a condição sine qua non para que fique configurada a necessidade e posterior validade da citação feita por edital, qual seja, o esgotamento de todas as tentativas possíveis de se localizar o réu.
Assim entende o ilustre professor Guilherme Nucci(1):
“Esgotamento dos meios de localização: é providência indispensável para validar a fictícia citação por edital.(..). Caso haja alguma referência, feita por vizinho ou parente, de onde se encontra, também deve aí ser procurado.(...).”(grifei)
Tal posicionamento encontra-se cristalizado nas cortes superiores, verbis:
“Citação por edital regular, porquanto só foi feita depois de esgotados os meios possíveis para a localização do ora paciente. - Reconhecimento do ora paciente feito regularmente. - Não é o habeas corpus o instrumento processual hábil para o reexame do conjunto probatório, a fim de se verificar se foi ele, ou não, suficiente para a condenação. ‘Habeas corpus’ indeferido.” (STF - HC 74328/SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. Moreira Alves,Julgamento: 15/09/1996, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação: DJ 28-02-1997).
“PROCESSUAL PENAL. CITAÇÃO EDITALÍCIA. DOIS ENDEREÇOS DO RÉU. NÃO ESGOTAMENTO DAS POSSIBILIDADES DE CHAMAMENTO PESSOAL. NULIDADE. OCORRÊNCIA. 1 - È nula a citação por edital se não esgotadas as diligências necessárias para o chamamento do réu, via mandado, em processo onde se tem notícia de dois endereços. Precedentes desta Corte. 2 - Ordem concedida.” (STJ - HC 7967 – SP, Relator: Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma, Julgado em 06/05/99).
Ademais, consta nos autos documentos que provam a residência dos familiares do paciente nesta capital, bem como documentos que atestam a sua real intenção ao se ausentar do distrito da culpa, a qual não está ligada à possibilidade de se furtar à aplicação da lei penal, no caso de ser condenado, como, por exemplo, cópia de sua conta de energia (fl. 59).
Fica inclusive caracterizada a sua idoneidade moral, posto que, ao se mudar para a cidade de Acreolândia, Município do Estado do Acre, o paciente pediu a transferência do seu domicílio eleitoral, tendo, inclusive, votado nas últimas eleições, conforme comprovante de votação, à fl. 105, fato que se contrapõe ao animus de permanecer na ilegalidade.
Sendo assim, depreende-se facilmente que não foram esgotadas todas as possibilidades de se localizar o réu, restando evidente que não era justificada sua citação por edital e a posterior decretação de sua revelia, motivo pelo qual acolho a também a preliminar de citação inválida.
No tocante à “prescrição virtual da pena”, deixo de tecer maiores comentários por entender que, além de não haver amparo legal para tal instituto jurídico, o acolhimento das preliminares anteriormente reconhecidas já afasta a necessidade de se adentrar à matéria pertinente ao caso.
Quanto ao mérito, estão presentes os requisitos para a concessão da ordem, eis que o processo deve ser anulado a partir do despacho de citação, devendo esta ser repetida, com possibilidade de interrogatório do acusado e, em querendo, apresentar nova defesa prévia, bem como os motivos que autorizaram o decreto de prisão preventiva não mais subsistem, não ficando comprovado que existiu o animus de se evadir do distrito da culpa e nem que o crime gerou grande repercussão no seio da sociedade local.
Ademais, ausentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, aliado ao fato do paciente ser primário, possuir bons antecedentes, ter residência física, família constituída e profissão lícita, amplamente comprovada, sendo inclusive presidente da Cooperativa Algodoeiro dos Produtores de Acreolândia Ltda. – COAPA (fls. 66/68), não há fundamentação plausível a justificar a segregação cautelar do acusado.
Ante o exposto, contrariando o parecer ministerial e deferindo as preliminares suscitadas pelo impetrante, voto no sentido de ser conhecida a impetração, eis que adequada à espécie, para CONCEDER a presente ordem de Habeas Corpus, tendo em vista a ocorrência de vício insanável, a caracterizar nulidade absoluta por inobservância dos Princípios Constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, bem como pela inexistência de fato concreto a ensejar o decreto cautelar preventivo.
Expeça-se competente alvará de soltura em favor do acusado.
Boa Vista, 26 de agosto de 2008.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
(1) NUCCI, Guilherme de Souza – Código de Processo Penal – 5. ed. Ver, atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pg. 650.
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS Nº 010.08. 010353-3/Boa Vista
Impetrante:Francisco Evangelista dos Santos Araújo, OAB/RR nº 457
Paciente: Juscelino Moreira
Autoridade Coatora: Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá/RR
Relator: Des. Mauro Campello
EMENTA
PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO - LESÃO CORPORAL - REU FORAGIDO - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA - OCORRÊNCIA – CITAÇÃO EDITALÍCIA – INVÁLIDA - NÃO ESGOTAMENTO DAS POSSIBILIDADES DE LOCALIZAR O RÉU – ANULAÇÃO DO PROCESSO DESDE A DATA EM QUE FICOU CONSTATADO O VÍCIO - INOBSERVÂNCIA DE PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS - DEVIDO PROCESSO LEGAL - AMPLA DEFESA - NULIDADE ABSOLUTA – CARACTERIZAÇÃO – RELAXAMENTO DA PRISÃO - ORDEM CONCEDIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores da Câmara Única – Turma Criminal - por unanimidade, e em dissonância com o parecer ministerial, em conhecer do pedido e conceder a ordem.
Boa Vista (RR), 26 de agosto de 2008.
DES. CARLOS HENRIQUES
Presidente da Câmara Única
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
DES. RICARDO OLIVEIRA
Julgador
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3916, Boa Vista-RR, 02 de Setembro de 2008, p. 06.
( : 26/08/2008 ,
: ,
: 0 ,
Ementa
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS Nº 010.08. 010353-3/Boa Vista
Impetrante: Francisco Evangelista dos Santos Araújo, OAB/RR nº 457
Paciente: Juscelino Moreira
Autoridade Coatora: Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá/RR
Relator: Des. Mauro Campello
RELATÓRIO
Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, interposto pelo advogado Francisco Evangelista dos Santos Araújo, contra decisão do MM. Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá, que denegou anterior pedido de revogação de prisão preventiva em favor de Juscelino Moreira, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal e por garantia da ordem pública, conforme art. 312 do Código de Processo Penal.
Aduz o impetrante, preliminarmente, a ocorrência de vícios durante o curso do processo que ensejariam a declaração de nulidade do feito principal, e, por conseguinte a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente.
Dentre as supostas nulidades absolutas nos autos, citou: irregular citação do réu por edital; decretação de ofício da revelia sem a devida manifestação da defesa; substituição das testemunhas em comum sem a vênia da defesa; oitiva de testemunha de acusação sem a presença de defensor dativo; ausência de oitiva de testemunhas de defesa; cerceamento de defesa por ausência de defensor técnico; insuficiência de fundamentação na sentença de pronúncia.
Sustenta ainda o impetrante que se encontra “virtualmente prescrita a pena em abstrato”, tendo em vista a eventual condenação do réu em patamar mínimo, em cotejo à previsão do art. 109, III, do Código Penal.
Acrescentou que o paciente possui excelentes predicados pessoais, como primariedade, ausência de antecedentes criminais, residência fixa, família constituída e profissão lícita.
Refutou os argumentos apresentados pelo MM. Juiz a quo na decretação da custódia provisória, asseverando que “o paciente não é um indivíduo periculoso e nem tem personalidade voltada para a prática de delinqüência”.
Mencionou que o paciente encontra-se preso há três meses, o que configuraria constrangimento ilegal por excesso de prazo, requerendo, ao final, a concessão de liminar, decretando-se a revogação da prisão do paciente, e, posteriormente, a concessão definitiva da ordem.
Em informações prestadas pela autoridade coatora, às fls. 320/321, as quais vieram acompanhadas dos documentos de fls. 322/335, esclarece o digníssimo magistrado que o paciente foi denunciado em 30.06.1986, sendo impossível a realização de interrogatório do acusado por estar foragido.
Informa ainda que, após a apresentação da defesa prévia, através da Assistência Judiciária designada ao caso, o réu foi pronunciado em 14.12.1993, sendo que, somente em 04.04.2008 foi efetivamente cumprido o mandado de prisão contra o ora paciente.
Consta, por fim, das citadas informações, que os autos encontram-se aguardando a devolução e Carta Precatória destinada a intimar pessoalmente o réu acerca da sentença de pronúncia, para que o processo seja incluído na pauta de julgamento do Tribunal do Júri.
Opina o Ministério Público de Roraima, em parecer de fls. 337/347, pelo indeferimento da ordem, sugerindo, ainda, que o paciente permaneça preso até o julgamento final.
É o relatório.
Boa Vista – RR, 26 de agosto de 2008.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS Nº 010.08. 010353-3/Boa Vista
Impetrante: Francisco Evangelista dos Santos Araújo, OAB/RR nº 457
Paciente: Juscelino Moreira
Autoridade Coatora: Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá/RR
Relator: Des. Mauro Campello
VOTO
Merece ser concedida a presente ordem de habeas corpus.
Concernente a 1ª preliminar suscitada pelo impetrante, relativa ao pedido de nulidade do processo principal, dentre os vícios alegados, reconheço presente o cerceamento de defesa em virtude da ausência de manifestação desta acerca das testemunhas que foram dispensadas pelo Ministério Público de Roraima, uma vez que tais testemunhas foram também arroladas pela Defensoria, conforme defesa preliminar de fl. 184, violando desta forma o Princípio Constitucional da ampla defesa.
Consoante certidão de fl. 188v, as testemunhas de acusação não foram localizadas, motivo pelo qual determinou o magistrado a quo a manifestação do Ministério Público de Roraima para que optasse pela insistência na oitiva de tais testemunhas ou mesmo para requerer a substituição delas, não sendo oportunizada à Defesa do acusado a possibilidade de se manifestar quanto à necessidade de tais testemunhas, configurando a existência de vício processual insanável, que prescinde de demonstração do prejuízo causado, mas que notoriamente ocasionou para o paciente.
Ademais, o Código de Processo Penal traz expressamente em seu art. 404 a possibilidade das partes desistirem da inquirição das testemunhas arroladas. Ora, se há tal previsão, logicamente, torna-se imprescindível a manifestação de ambas as partes, quando as testemunhas forem comuns. Fato que não ocorreu, pelo menos em relação à Defesa do acusado, ocasionando-lhe prejuízo irreparável, verbis:
“Art. 404 - As partes poderão desistir do depoimento de qualquer das testemunhas arroladas, ou deixar de arrolá-las, se considerarem suficientes as provas que possas ser ou tenham sido produzidas (...) ”
Embora o texto não fale expressamente da necessidade de manifestação das partes no caso das testemunhas não serem localizadas, o próprio verbo utilizado (poder) já traz em si a necessidade de consulta prévia acerca de tal possibilidade de desistência, não cabendo, de forma alguma, a presunção do juízo que preside a ação penal de que no momento em que o Ministério Público de Roraima desiste e requer a substituição de tais testemunhas, a Defesa igualmente o faria, posto que se tratam das mesmas testemunhas, podendo inclusive fornecer o novo endereço destas.
Ora, as partes estão em lados opostos! A presunção de que as testemunhas comuns não mais interessariam a Defesa, por não mais terem interesse nelas o Ministério Público de Roraima, é totalmente infundada.
Ad argumentandum tantum, apesar da defesa não ter alegado tal nulidade em sede de alegações finais, entendo que se trata de nulidade absoluta pela natureza insanável do vício processual ocorrido, podendo ser reconhecida a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição, a demonstrar também que o defensor dativo não foi diligente o suficiente para exercer a defesa técnica do paciente.
Ressalte-se que a nulidade por falta de defesa técnica é absoluta e não se confunde com a nulidade por deficiência da defesa, que é relativa e prescinde de demonstração do prejuízo.
In casu, não se faz necessária a comprovação do prejuízo, uma vez que se trata de inobservância de Princípios Constitucionais, quais sejam, do devido processo legal e da ampla defesa, motivo pela qual reconheço a nulidade absoluta do processo principal
Igualmente não consta da assentada de fls. 236/237 a presença de defensor dativo, no momento em que foi inquirida a testemunha substituída a pedido do Ministério Público de Roraima.
Nesse sentido:
“CRIMINAL. HC. ESTELIONATO. AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. INEXISTÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC. NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA. I. Ausente, na audiência de inquirição das testemunhas arroladas na denúncia, o advogado constituído, deve o Juiz nomear um defensor ad hoc para o ato, sob pena de nulidade absoluta. Precedentes. II. A falta de defensor na realização da oitiva das testemunhas de acusação gerou prejuízo ao paciente, pois as declarações colhidas não foram contraditadas pela defesa, em afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa. III. Mister se faz a concessão da ordem, para anular o processo, tão-somente em relação ao paciente, a partir da audiência de oitiva das testemunhas de acusação, expedindo-se alvará de soltura em seu favor. IV. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (STJ - HC 40.673/AL, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26.04.2005, DJ 23.05.2005 p. 320)”
“AÇÃO PENAL. Processo. Defesa. Alegações finais. Não apresentação pelo patrono constituído. Intimação prévia regular. Nomeação de defensor dativo ou público para suprir a falta. Medida não providenciada pelo juízo. Julgamento subseqüente da causa. Condenação do réu. Inadmissibilidade. Cerceamento de defesa caracterizado. Violação do devido processo legal. Nulidade processual absoluta. Pronúncia. HC concedido, em parte, para esse fim. Precedentes. Interpretação dos arts. 5º, LIV e LV, da CF, e 261, 499, 500 e 564 do CPP. Padece de nulidade absoluta o processo penal em que, devidamente intimado, o advogado constituído do réu deixa de apresentar alegações finais, sem que o juízo, antes de proferir sentença condenatória, lhe haja designado defensor dativo ou público para suprir a falta.”.(STF - HC 92680 / SP - São Paulo, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Julgamento: 11/03/2008; Órgão Julgador: Segunda Turma, DJ 25/04/2008 ).
No tocante a alegação de citação editalícia inválida, a doutrina especifica a condição sine qua non para que fique configurada a necessidade e posterior validade da citação feita por edital, qual seja, o esgotamento de todas as tentativas possíveis de se localizar o réu.
Assim entende o ilustre professor Guilherme Nucci(1):
“Esgotamento dos meios de localização: é providência indispensável para validar a fictícia citação por edital.(..). Caso haja alguma referência, feita por vizinho ou parente, de onde se encontra, também deve aí ser procurado.(...).”(grifei)
Tal posicionamento encontra-se cristalizado nas cortes superiores, verbis:
“Citação por edital regular, porquanto só foi feita depois de esgotados os meios possíveis para a localização do ora paciente. - Reconhecimento do ora paciente feito regularmente. - Não é o habeas corpus o instrumento processual hábil para o reexame do conjunto probatório, a fim de se verificar se foi ele, ou não, suficiente para a condenação. ‘Habeas corpus’ indeferido.” (STF - HC 74328/SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. Moreira Alves,Julgamento: 15/09/1996, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação: DJ 28-02-1997).
“PROCESSUAL PENAL. CITAÇÃO EDITALÍCIA. DOIS ENDEREÇOS DO RÉU. NÃO ESGOTAMENTO DAS POSSIBILIDADES DE CHAMAMENTO PESSOAL. NULIDADE. OCORRÊNCIA. 1 - È nula a citação por edital se não esgotadas as diligências necessárias para o chamamento do réu, via mandado, em processo onde se tem notícia de dois endereços. Precedentes desta Corte. 2 - Ordem concedida.” (STJ - HC 7967 – SP, Relator: Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma, Julgado em 06/05/99).
Ademais, consta nos autos documentos que provam a residência dos familiares do paciente nesta capital, bem como documentos que atestam a sua real intenção ao se ausentar do distrito da culpa, a qual não está ligada à possibilidade de se furtar à aplicação da lei penal, no caso de ser condenado, como, por exemplo, cópia de sua conta de energia (fl. 59).
Fica inclusive caracterizada a sua idoneidade moral, posto que, ao se mudar para a cidade de Acreolândia, Município do Estado do Acre, o paciente pediu a transferência do seu domicílio eleitoral, tendo, inclusive, votado nas últimas eleições, conforme comprovante de votação, à fl. 105, fato que se contrapõe ao animus de permanecer na ilegalidade.
Sendo assim, depreende-se facilmente que não foram esgotadas todas as possibilidades de se localizar o réu, restando evidente que não era justificada sua citação por edital e a posterior decretação de sua revelia, motivo pelo qual acolho a também a preliminar de citação inválida.
No tocante à “prescrição virtual da pena”, deixo de tecer maiores comentários por entender que, além de não haver amparo legal para tal instituto jurídico, o acolhimento das preliminares anteriormente reconhecidas já afasta a necessidade de se adentrar à matéria pertinente ao caso.
Quanto ao mérito, estão presentes os requisitos para a concessão da ordem, eis que o processo deve ser anulado a partir do despacho de citação, devendo esta ser repetida, com possibilidade de interrogatório do acusado e, em querendo, apresentar nova defesa prévia, bem como os motivos que autorizaram o decreto de prisão preventiva não mais subsistem, não ficando comprovado que existiu o animus de se evadir do distrito da culpa e nem que o crime gerou grande repercussão no seio da sociedade local.
Ademais, ausentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, aliado ao fato do paciente ser primário, possuir bons antecedentes, ter residência física, família constituída e profissão lícita, amplamente comprovada, sendo inclusive presidente da Cooperativa Algodoeiro dos Produtores de Acreolândia Ltda. – COAPA (fls. 66/68), não há fundamentação plausível a justificar a segregação cautelar do acusado.
Ante o exposto, contrariando o parecer ministerial e deferindo as preliminares suscitadas pelo impetrante, voto no sentido de ser conhecida a impetração, eis que adequada à espécie, para CONCEDER a presente ordem de Habeas Corpus, tendo em vista a ocorrência de vício insanável, a caracterizar nulidade absoluta por inobservância dos Princípios Constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, bem como pela inexistência de fato concreto a ensejar o decreto cautelar preventivo.
Expeça-se competente alvará de soltura em favor do acusado.
Boa Vista, 26 de agosto de 2008.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
(1) NUCCI, Guilherme de Souza – Código de Processo Penal – 5. ed. Ver, atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pg. 650.
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS Nº 010.08. 010353-3/Boa Vista
Impetrante:Francisco Evangelista dos Santos Araújo, OAB/RR nº 457
Paciente: Juscelino Moreira
Autoridade Coatora: Juiz de Direito da Comarca de São Luiz do Anauá/RR
Relator: Des. Mauro Campello
EMENTA
PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO - LESÃO CORPORAL - REU FORAGIDO - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA - OCORRÊNCIA – CITAÇÃO EDITALÍCIA – INVÁLIDA - NÃO ESGOTAMENTO DAS POSSIBILIDADES DE LOCALIZAR O RÉU – ANULAÇÃO DO PROCESSO DESDE A DATA EM QUE FICOU CONSTATADO O VÍCIO - INOBSERVÂNCIA DE PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS - DEVIDO PROCESSO LEGAL - AMPLA DEFESA - NULIDADE ABSOLUTA – CARACTERIZAÇÃO – RELAXAMENTO DA PRISÃO - ORDEM CONCEDIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores da Câmara Única – Turma Criminal - por unanimidade, e em dissonância com o parecer ministerial, em conhecer do pedido e conceder a ordem.
Boa Vista (RR), 26 de agosto de 2008.
DES. CARLOS HENRIQUES
Presidente da Câmara Única
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
DES. RICARDO OLIVEIRA
Julgador
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO X - EDIÇÃO 3916, Boa Vista-RR, 02 de Setembro de 2008, p. 06.
( : 26/08/2008 ,
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Data do Julgamento
:
26/08/2008
Data da Publicação
:
02/09/2008
Classe/Assunto
:
Habeas Corpus )
Relator(a)
:
DES. MAURO JOSE DO NASCIMENTO CAMPELO
Tipo
:
Acórdão
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