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Jurisprudência


TJRR 10080104341

Ementa
CÂMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL 010 08 010434-1 COMARCA DE MUCAJAÍ APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA APELADO: FRANCISCO ALVES CHAVES ADVOGADO: TEREZINHA MUNIZ (DPE) RELATOR: DES. MAURO CAMPELLO R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA em virtude da sentença de fls. 128/138, que condenou o réu FRANCISCO ALVES CHAVES, incurso nas penas do art. 214 (atentado violento ao pudor) c/c o art. 224, a, (presunção de violência), do Código Penal, à pena de 07 (sete) anos e 07 (sete) meses de reclusão, a serem cumpridos inicialmente em regime semi-aberto. Através das razões articuladas (fls. 148/154), pretende o apelante a reforma da sentença, para ver reconhecidas 07 (sete) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao apelado, e não 04 (quatro), como foi considerado pelo magistrado a quo, além do aumento do quantum da pena base, e a fixação do regime inicial de cumprimento da pena para fechado. Defende que a conduta social do réu, personalidade e circunstâncias do crime tem relevância jurídica como desfavoráveis ao réu, não constituindo desta forma elementares do tipo nem bis in idem. Em contra-razões, o réu, às fls. 162/164, refuta o arrazoado sustentando que o magistrado monocrático sentenciou acertadamente, pois a pena imposta é medida suficiente para a reparação e prevenção do crime, aduzindo que o Ministério Público desconsiderou a idade do réu, os bons antecedentes, a religião e a família do mesmo. Pugnou, ao final, pela mantença integral do julgado hostilizado. Nesta instância recursal, a Procuradoria de Justiça, em judicioso parecer acostado às fls. 171/182, opina pelo conhecimento do recurso, para, no mérito, dar-lhe parcial provimento, reconhecendo mais duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (personalidade do réu e circunstâncias do crime), além do aumento do quantum da pena-base e a modificação do regime inicial de cumprimento da pena, de semi-aberto para fechado. É o relatório. Remetam-se os autos à revisão regimental (art. 178, inc. II RITJRR). Boa Vista/RR, 29 de julho de 2009. Des. MAURO CAMPELLO Relator CÂMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL 010 08 010434-1 COMARCA DE MUCAJAÍ APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA APELADO: FRANCISCO ALVES CHAVES ADVOGADO: TEREZINHA MUNIZ (DPE) RELATOR: DES. MAURO CAMPELLO V O T O O recurso é tempestivo e escorreito quanto aos demais pressupostos recursais, a merecer, pois, juízo positivo de admissibilidade. Assim, passa-se ao mérito. Narra a denúncia, em síntese, que, no mês de maio do ano de 2007, o acusado, em sua residência, constrangeu as menores ZAIANE VITÓRIA LOPES DA SILVA, de 06 (seis) anos de idade, e ANTONIA CLÉIA NASCIMENTO DA COSTA, de 09 (nove) anos de idade, a permitir que com elas praticasse atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Após a regular instrução criminal, sobreveio a sentença condenatória contra a qual se insurge o Ministério Público, asseverando que o Juízo de 1º grau, na dosimetria da pena, considerou desfavoráveis apenas 04 (quatro) das 08 (oito) circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal Brasileiro, quando na verdade pesam sobre o acusado 07 (sete) dessas condições desfavoráveis. Argumentou, ainda, que a fixação da pena base pouco acima do mínimo legal não apresenta a reprovabilidade que se espera do Poder Judiciário, e que o regime inicial de cumprimento da pena compatível com o crime cometido pelo réu deveria ser o fechado, e não o semi-aberto, como foi imposto, pelo que maneja o presente recurso com o fito de ver reformada a sentença, nos termos das suas razões de recurso. Confrontando os argumentos apresentados pelo apelante e os fundamentos lançados na sentença, vejo que assiste parcial razão ao Parquet, conforme veremos adiante. O primeiro ponto do inconformismo apontado pelo Órgão Ministerial é o reconhecimento de 07 (sete) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu. A sentença considerou como desfavoráveis a culpabilidade, os motivos, consequências e contribuição da vítima. Desta forma, pretende o Apelante ver reconhecidas também a conduta social, a personalidade do réu e as circunstâncias do crime. Para a situação em apreço faz-se necessário analisar separadamente cada condição desfavorável suscitada pelo órgão ministerial, a saber: I – da conduta social Quanto a essa circunstância, pouco há nos autos a se analisar. Conforme os depoimentos das testemunhas de defesa, o réu é pessoa querida na comunidade, não havendo nenhuma atitude que desabone a sua conduta. Além disso, o Apelado presta serviço voluntário na Igreja que frequenta. Em relação à família, não há nenhuma informação. Assim, conclui-se a impossibilidade de inferência dessa circunstância de forma negativa. II – personalidade do réu Julio Fabrini Mirabete (Código Penal Interpretado, p. 470) assim se manifesta: Quanto à personalidade, registram-se qualidades morais, a boa ou má índole, o sentido moral do criminoso, bem como sua agressividade e o antagonismo com a ordem social intrísecos a seu temperamento. Deve-se incluir, portanto, nessa circunstância, a periculosidade do agente, ou seja, as condições que indiquem a probabilidade de voltar a delinquir. Embora a r. sentença tenha julgado que a personalidade do réu ainda não está voltada para a prática de delitos, esta circunstância não se verifica apenas pela habitualidade delitiva, mas também quanto à moralidade, a índole, a sensibilidade ético-social, entre outros. No caso em testilha, não é demais considerar como desfavorável essa circunstância, pois o acusado, ao abusar sexualmente de duas crianças, demonstrou desvio de caráter, insensibilidade. III – circunstâncias do crime Apesar de o juízo a quo não entender como desfavoráveis ao réu as circunstâncias em que ocorreram os delitos, verifica-se que não as considerar desta maneira contraria todo o conjunto probatório colacionado nos autos. Embora as vítimas freqüentassem a casa do acusado com o consentimento dos seus familiares, assim o faziam por tê-lo como pessoa carinhosa, bem querida, gozando de total confiança destes, e este se valia dessa confiança para esconder suas verdadeiras intenções, conquistando as vítimas em troca de guloseimas para assim poder abusar delas. Sobeja nos autos, assim, que o apelado faz jus à exasperação da reprimenda. O reconhecimento de mais 02 (duas) circunstâncias desfavoráveis ao réu justifica ao aumento do quantum atribuído a pena-base, assim como pretendido pelo Parquet de 1º grau. Desta forma, correto o entendimento legal de que quanto maior a reprovação da conduta, maior deve ser o valor da reprimenda aplicada. Sobre o tema, trago à baila os ensinamentos do renomado Guilherme de Souza Nucci: Não se compreende o que leva o Judiciário, majoritariamente, a eleger a pena mínima como base para a aplicação das demais circunstâncias legais. Afinal, o art. 59, mencionando oito elementos diversos, almeja aplicação da pena em parâmetros diferenciados para os réus submetidos a julgamento. A padronização da pena é contrária à individualização, de modo que é preciso alterar a conduta ainda predominante. Demonstrando sua contrariedade a esse método e cuidando da reprovação social prevista no art. 59 do Código Penal, manifesta-se Luiz Antônio Guimarães Marrey, nos seguintes termos: “Este juízo de reprovação tem por base a conduta realizada pelo agente, cabendo ao juiz ponderar, na aplicação da pena, a 'forma e o modo de execução da ação descuidada, em face das exigências concretas de cuidado', para estabelecer 'a gradação material do perigo”. Justifica-se, portanto, o aumento da pena-base, em atenção à culpabilidade do acusado e às circunstâncias em que delinqüiu, quando menos para não assimilar hipóteses distintas a situações rotineiras, como se não apresentassem uma gravidade específica, peculiar e inconfundível com modestas vulnerações à ordem pública. A lei procura, claramente, separar o joio do trigo, recomendando o aumento da pena de modo proporcional aos efeitos da conduta, tanto mais quando sempre manda ter em conta, na primeira fase do cálculo, as “conseqüências” do crime (CP art. 59). Logicamente a maior extensão dos danos deve repercutir na dimensão das penas, forçando a elevação do castigo. A despeito disso, há anos generalizou-se no foro o hábito de impor os castigos nos limites mínimos, com abstração das circunstâncias peculiares a cada delito. Entretanto, pena-base não é sinônimo de pena mínima. (...) Com a indiscriminada imposição das penas mínimas, vem-se tratando de modo igual situações completamente distintas, de sorte a que, na prática, não se notem diferenças sensíveis na punição, que é a mesma ou quase a mesma, tenha sido o roubo cometido sob um impulso momentâneo, figurando como objeto bem de escasso valor, com subjugação de uma única vítima, sem requintes de perversidade, ou decorra, ao contrário, de um premeditado projeto, lentamente acalentado, com intimidação de diversas pessoas, para obtenção de lucro fácil, destinado a sustentar o ócio de profissionais da malandragem. Essa tendência encerra, em verdade, dupla injustiça. A mais evidente é com a própria sociedade, pois, devendo a sentença refletir no castigo o senso de justiça da pessoas de bem, não atende a tão elevado propósito essa praxe de relegar a plano subalterno os critérios legais de fixação da pena, preordenados a torná-la “necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. (Código Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 7ª edição, São Paulo, 2007) Com tais considerações, passo à dosimetria da pena, com base no que consta dos autos e da sentença: 1ª Fase: Circunstâncias Judiciais do Artigo 59 do Código Penal Brasileiro: CULPABILIDADE: No caso em tela a culpabilidade encontra-se comprovada, estando presente a potencial consciência da ilicitude de sua conduta, bem como era amplamente possível outro comportamento dentro do exato contexto de circunstâncias fáticas em que o crime ocorreu, mas o réu optou pelo cometimento do delito. ANTECEDENTES CRIMINAIS: No que diz respeito à prova dos antecedentes criminais, há que se considerar a certidão cartorária de antecedentes criminais, com explícita referência à data do trânsito em julgado da eventual condenação. No caso em tela o réu possui bons antecedentes, uma vez que não há registro de antecedentes em desfavor do mesmo, conforme fls. 38 e 127. CONDUTA SOCIAL e PERSONALIDADE: O exame da conduta social e a personalidade do réu – conjunto dos atributos psicológicos que determinam o caráter e a postura social da pessoa, traduz-se na verdadeira "culpabilidade pelos fatos da vida" (ao invés da "culpabilidade pelo fato praticado"). Na análise da conduta social devem ser examinados os elementos indicativos da inadaptação ou do bom relacionamento do agente perante a sociedade em que está integrado (e não na sociedade que o Magistrado considera saudável ou ideal). Aufere-se a conduta social do apenado, basicamente, da análise de três fatores que fazem parte da vida do cidadão comum: família, trabalho e religião. A personalidade é definida pela doutrina como a índole do agente, sua maneira de agir e de sentir, seu grau de senso moral, ou seja, a totalidade de traços emocionais e comportamentais do indivíduo, elemento estável de sua conduta, formado por inúmeros fatores endógenos ou exógenos. No caso em testilha, conforme dito alhures, a conduta social do réu se mostra favorável, ao passo que a personalidade do mesmo tem-se como desfavorável. MOTIVOS, CIRCUNSTÂNCIAS e CONSEQUÊNCIAS: Os motivos, não o favorecem, eis que não passam de satisfação pessoal. As circunstâncias relatadas nos autos não favorecem o réu, eis que o crime foi cometido na casa do mesmo, atraindo as crianças com guloseimas, abusando da confiança que os pais e as próprias vítimas depositavam nele. As conseqüências do delito são desfavoráveis ao réu, uma vez que são incontestes os danos psíquicos causados nas crianças, além do desassossego causado na sociedade. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: Por fim, deverá o juiz analisar também o comportamento da vítima, sendo que "é preciso perquirir em que medida a vítima, com a sua atuação, contribuiu para a ação delituosa. Muito embora o crime não possa de modo algum ser justificado, não há dúvida de que em alguns casos a vítima, com o seu agir, contribui ou facilita o agir criminoso, devendo essa circunstância refletir favoravelmente ao agente na dosimetria da pena”. (TRF da 4ª Região, 2ª Turma, Apelação Criminal Nº 9404572004/RS, Rel. Juíza Federal Tânia Terezinha Cardoso Escobar, DJU 30/04/1997) Restou provado que não se pode cogitar da contribuição da vítima à realização do delito, dada a baixa idade e capacidade de discernimento. FIXAÇÃO DA PENA-BASE: Destarte, considerando o conjunto circunstancial, fixo a pena-base em 07 anos de reclusão. Ressalte-se que a pena-base foi fixada nesses termos em virtude de serem 06 circunstâncias desfavoráveis. 2ª Fase: Circunstâncias Agravantes ou Atenuantes previstas nos arts. 61 e seguintes do Código Penal Brasileiro: Não há circunstâncias atenuantes e/ou agravantes. O artigo 224, “a”, do Código Penal, diz respeito à presunção de violência quando a vítima é menor de quatorze anos, razão pela qual não se configura circunstância agravante a autorizar a elevação da pena. 3ª Fase: Causas de Diminuição e Aumento de Pena encontradas tanto na parte geral como na parte especial do Código Penal: Não há causas de aumento e/ou diminuição de pena. Contudo, uma vez que, conforme a regra do art. 71 do Código Penal, os fatos foram praticados em continuidade delitiva, considerando a semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução dos crimes, aplico na pena-base um acréscimo de 1/4, resultando em uma pena definitiva de 08 anos e 9 meses de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime fechado. Diante do exposto, em consonância com o parecer ministerial de segundo grau, conheço deste apelo, para lhe dar parcial provimento, nos termos acima expostos. É como voto. Boa Vista/RR, 04 de agosto de 2009. Des. MAURO CAMPELLO Relator CÂMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL 010 08 010434-1 COMARCA DE MUCAJAÍ APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RORAIMA APELADO: FRANCISCO ALVES CHAVES ADVOGADO: TEREZINHA MUNIZ (DPE) RELATOR: DES. MAURO CAMPELLO E M E N T A APELAÇÃO CRIMINAL – ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – RECURSO MINISTERIAL – PRETENDIDO AUMENTO DA PENA-BASE – PRESENÇA DE DIVERSAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS AO AGENTE – MODIFICAÇÃO DO REGIME SEMI-ABERTO PARA O INICIALMENTE FECHADO – APELO PARCIAL PROVIDO. 1. Preponderando as circunstâncias judiciais desfavoráveis do réu, impõe-se maior reprimenda, aumentando-se o quantum estabelecido. 2. Recurso parcialmente provido. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CRIMINAL Nº 010 08 010434-1, da Comarca de Mucajaí, em que são partes as acima identificadas. ACORDAM, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Câmara Única, Turma Criminal, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, à unanimidade de votos, em harmonia com o parecer da Procuradoria de Justiça, em conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste julgado. SALA DAS SESSÕES DA CÂMARA ÚNICA DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA, AOS QUATRO DIAS DO MÊS DE AGOSTO DO ANO DE DOIS MIL E NOVE. Des. MAURO CAMPELLO Presidente/Relator Des. LUPERCINO NOGUEIRA Revisor Des. RICARDO OLIVEIRA Julgador Procurador de Justiça: Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4144, Boa Vista, 22 de agosto de 2009, p. 009. ( : 04/08/2009 , : XII , : 9 ,

Data do Julgamento : 04/08/2009
Data da Publicação : 22/08/2009
Classe/Assunto : Apelação Criminal )
Relator(a) : DES. MAURO JOSE DO NASCIMENTO CAMPELLO
Tipo : Acórdão
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