TJRR 10080108722
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 010.08.010872-2
Apelante: ANSELMO THOMÁS NETO
Advogado: VANDERLEI OLIVEIRA (DPE)
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
Relator: DES. MAURO CAMPELLO
R E L A T Ó R I O
O menor Anselmo Thomas Neto, inconformado com a r. sentença do MM. Juízo de Direito da Comarca de Alto Alegre, que aplicou medida sócio-educativa de internação em estabelecimento educacional, com possibilidade de atividades externas, pelo cometimento de ato infracional correspondente ao crime de tentativa de homicídio, apresentou o presente apelo, visando a reforma da mesma.
Em suas razões, o apelante alega que inexiste prova da materialidade do crime, em virtude da ausência do exame de corpo de delito.
Aduz ainda, que inexiste prova da autoria, pois na verdade estaria presente a excludente da legítima defesa, requerendo assim a absolvição.
Ao final requereu o conhecimento e provimento do recurso, com a reforma integral da sentença guerreada.
Em contrarrazões, o representante do Ministério Público, refuta as alegações da defesa, inicialmente argumentando que a prova da materialidade restou apresentada através das fotografias e prontuário médico da vítima, entendendo que o exame de corpo de delito não é a única forma de comprovar a materialidade das infrações que deixam vestígios.
Aduz ainda, que existem provas suficientes de autoria e que a tese de legítima defesa não encontra amparo nas provas carreadas aos autos.
Por fim, requer que o recurso seja conhecido e no mérito negado provimento, mantendo-se a sentença a quo.
A D. Procuradoria de Justiça opina pelo improvimento do apelo, filiando-se à tese do apelado.
É o sucinto relatório.
Remetam-se os autos à douta revisão, na forma regimental.
Boa Vista, 02 de junho de 2009.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 010.08.010872-2
Apelante: ANSELMO THOMÁS NETO
Advogado: VANDERLEI OLIVEIRA (DPE)
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
Relator: DES. MAURO CAMPELLO
V O T O
Tempestivo e cabível à espécie, conheço do presente recurso, ficando permitido o juízo de mérito.
Consta dos autos que no dia 30 de julho de 2006, por volta das 08 horas, no Município de Alto Alegre, o menor infrator Anselmo Thomas Neto, na companhia de outros quatro, todos maiores, com a utilização de facões e pedras, causou lesões na vítima, Evaristo de Souza, que não morreu por circunstâncias alheias à vontade dos agentes.
Como dito alhures, o apelante alega que não há prova de materialidade, em virtude da inexistência do exame de corpo de delito e considerando a importância da materialidade para o julgamento da causa, cabe inicialmente analisa-la.
Compulsando detidamente os autos, verifica-se que realmente inexiste exame de corpo de delito, constando dos autos apenas fotos e prontuário médico da vítima que foi atendida no Hospital Geral do Estado.
Como dito em linhas volvidas, o fato ocorreu em 30 de julho de 2006, e conforme relatório policial, a vítima não foi ouvida em decorrência de ter sido encaminhado ao Hospital Geral de Roraima, na cidade de Boa Vista, informando ainda o delegado ter oficiado(fls.44) ao pronto socorro Francisco Elesbão, solicitando o prontuário médico do paciente/vítima, Evaristo de Souza.
Às fls.45/48, constam fotos, que segundo certidão lavrada pelo Escrivão de Polícia Aldrim Prates, são da vítima, no leito do hospital.
O feito transcorreu sem que fosse juntado aos autos o exame de corpo de delito, ou requisitado o mesmo, pelas autoridades competentes.
Às fls.36 consta oitiva da vítima, que foi ouvida em 29 de agosto de 2007.
Consta de fls.149 que no dia 06.03.2008, o Ministério público proferiu o seguinte despacho:
“A fim de comprovar a materialidade, verifico que não há, nos autos exame pericial da vítima, tampouco seu prontuário médico requisitado pelo delegado de polícia(fls.44).
Destarte, requeiro com urgência, seja determinado o cumprimento do ofício de fls.44, mediante ordem judicial, sob pena de desobediência, no prazo de 24 hs.”
A MM. Juíza da Comarca de Alto Alegre deferiu a cota ministerial e às fls.155/164 foi juntado o prontuário médico solicitado.
Nas alegações finais o Ministério Público aceitou as fotos e prontuário médico como provas da materialidade, não tecendo qualquer comentário acerca da ausência do exame de corpo de delito.
Nas alegações finais da defesa, dentre outras teses, esta alegou que absolvição era medida que se impunha, por ausência de materialidade(exame de corpo de delito).
Corroborando com o entendimento ministerial a MM. Juíza da Comarca de Alto Alegre proferiu sentença considerando como prova da materialidade, as fotos e o prontuário médico.
Contudo, apesar da argumentação ministerial nas contrarrazões recursais acerca da possibilidade de dispensa do exame de corpo de delito, em face das fotos e do prontuário, entendo assistir razão ao recorrente.
Vejamos o que dispõem os arts. 158 e 167 do CPP:
“Art.158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão.”
“Art.167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”
Guilherme de Souza Nucci leciona sobre o assunto em seu Código de Processo Penal Comentado. Vejamos:
“ ...especificou o art.158 antecedente que, nas infrações que deixarem vestígios materiais, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto. Assim, é preciso que os peritos façam a análise da causa mortis ou dos rastros deixados pelo delito, podendo ser lesões corporais, sinais de arrombamento, causas de um incêndio, entre outros fatores, conforme a natureza do crime..............Baseado nisso, forma-se a materialidade do homicídio, permitindo então, a punição do réu. Nesse sentido: STJ: “O exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido pela prova testemunhal quando os vestígios tenham desaparecido. Portanto, se era possível sua realização, e esta não ocorreu de acordo com as normas pertinentes (art.159 do CPP), a prova testemunhal não supre sua ausência.”(Resp 901.856-RS, 5ª T., rel. Felix Fischer, 26.06.2007,v.u.). Acrescente-se, ainda, não ser válida a formação do corpo de delito indireto(por testemunhas), quando a responsabilidade pelo sumiço dos rastros deve-se, exclusivamente a desídia(ou outra causa similar) dos agentes do Estado. Portanto, se o objeto da análise pericial deixou de existir porque não houve perícia a tempo, em virtude do descaso estatal, a prova testemunhal é imprestável.(grifo nosso)
Quanto à validade dos prontuários médicos, vejamos comentários de Damásio de Jesus em sua obra Código de Processo Penal anotado:
“Boletim de Socorro do hospital
Não substitui o exame feito por dois legistas(Nilo Batista, Decisões criminais comentadas, Rio de Jeneiro, Líber-Juris, 1976, p. 103) Isto porque “o exame de corpo de delito indireto não pode ser admitido quando é possível a realização do exame direto”(op.cit. p.105). Assim, também, as informações dos Boletins não tem valia quando v.g.,não se realizou o exame direto porque a vítima deixou de comparecer.”(grifo nosso)
Em sua obra Processo Penal Esquematizado, Norberto Avena assim responde à pergunta acerca do assunto:
“Terceira: a regra do art.167 do CPP é aplicável a qualquer hipótese na qual tenham desaparecido os vestígios deixados pela infração penal?
Em termos legais, não há, no Código de Processo Penal exceções. Doutrinariamente e em nível de jurisprudência, contudo, estabelecem-se algumas situações nas quais não seria possível o suprimento da perícia. Um primeiro exemplo de impossibilidade de suprimento ocorre quando o desaparecimento do vestígio tenha ocorrido por culpa (latu sensu) atribuída ao Estado, v.g., o desaparecimento da droga apreendida por agentes policiais, inviabilizando-se a constatação da natureza entorpecente. Nesses casos, há entendimento contrário à possibilidade de comprovar-se a materialidade do crime por outros meios de prova.” (grifo nosso)
Assim, a lei só autoriza exame de corpo de delito indireto, se não há possibilidade de fazer o direto e somente pode ser complementado pelo depoimento de testemunhas.
No caso em tela, a sentença considerou que a materialidade do delito estava comprovada através das fotografias e prontuário médico, o que não é legalmente permitido.
Ademais, ainda que o juízo quisesse validar o depoimento das testemunhas, não haveria como, haja vista que, o exame não foi realizado, por desídia dos agentes públicos envolvidos, pois, segundo os prontuários o réu teve alta no dia 02 de agosto de 2006, 03 dias depois do ocorrido, data inclusive em que as fotos foram tiradas, e ainda assim a vítima não foi encaminhada para realização do necessário exame.
Se a necessária prova da materialidade não está presente, a absolvição é medida que se impõe, de acordo com o que preceitua o art.386, II, do CPP.
Comentando este artigo, em sua obra ao norte mencionada, Norberto Avena, assim leciona:
“A sentença absolutória é aquela que julga improcedente a acusação por qualquer das razões mencionadas no art.386 do CPP, quais sejam:
I. omissis
II. Não haver prova da existência do fato: aqui o fato criminoso até pode ter ocorrido. Contudo, não logrou a acusação comprovar sua existência ou materialidade.”
Vejamos o entendimento jurisprudencial acerca do assunto:
“FURTO - ENERGIA ELÉTRICA - CRIME QUE DEIXA VESTÍGIOS - LAUDO PERICIAL - NECESSIDADE - ABSOLVIÇÃO - POSSIBILIDADE - Para caracterizar o furto de energia elétrica, na conformidade do previsto no art. 158 do CPP, mostra-se imprescindível o laudo pericial, comprovando que o agente fez uso da mesma em detrimento do fornecedor, seja no todo ou em parte. Recurso provido.( TJMG Número do processo: 1.0598.05.005391-0/001(1) Relator: ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS Data do Julgamento: 26/02/2008 Data da Publicação: 01/04/2008)”
“APELAÇÃO CRIMINAL - ARTIGO 306 DA LEI 9.503/97 - MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO. Inexistindo meios de comprovar a materialidade do delito previsto no artigo 306 da Lei 9.503/97, com a nova redação dada pela Lei 11.705/08, é de se absolver o apelante por ausência de prova da existência do fato considerado delituoso. Provimento ao recurso que se impõe. V.V.(TJMG Número do processo: 1.0349.07.017109-6/001(1) Relator: JANE SILVA Data do Julgamento: 14/04/2009 Data da Publicação: 27/05/2009)”
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE INCÊNDIO. AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL. NECESSIDADE. ARTS. 158 E 173 DO CPP. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Relativamente às infrações que deixam vestígios, a realização de exame pericial se mostra indispensável, podendo ser suprida pela prova testemunhal apenas se os vestígios do crime tiverem desaparecido. 2. Na hipótese, tratando-se de delito de incêndio, inserido entre os que deixam vestígios, apenas poderia ter sido comprovada a materialidade do crime por meio de exame pericial, já que os vestígios não haviam desaparecido. 3. "No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato" (art. 173 do CPP). 4. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória. (HC 65.667/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2008, DJe 15/09/2008)”
“HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. ESCALADA. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. INCIDÊNCIA DE QUALIFICADORA. CONFISSÃO DO RÉU. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL. PRECEDENTES. 1. O exame de corpo de delito é indispensável para comprovar a materialidade do crime, sendo que sua realização de forma indireta somente é possível quando os vestígios tiverem desaparecido por completo ou o lugar se tenha tomado impróprio para a constatação dos peritos. 2. Sendo possível realizar a perícia de local, a prova testemunhal ou a confissão do acusado - essa por expressa determinação legal - não se prestam a suprir o exame de corpo de delito. Precedentes. 3. Impõe-se afastar a incidência das qualificadoras porque, na ausência de laudo pericial, não existe prova concreta que comprove inequivocamente a materialidade do arrombamento ou da escalada. 4. Ordem concedida para, reformando a sentença condenatória e o acórdão impugnado, afastar da condenação do Paciente as qualificadoras do art. 155, § 4º, incisos I e II, do Código Penal. (HC 85.901/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2007, DJ 29/10/2007 p. 294)”
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À SUBTRAÇÃO DA COISA. INCIDÊNCIA DE QUALIFICADORA.NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL. AFASTAMENTO DO PRIVILÉGIO DO ART. 155, § 2º, DO CP. PREJUDICADO. I - O exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido pela prova testemunhal quando os vestígios tenham desaparecido. Portanto, se era possível sua realização, e esta não ocorreu de acordo com as normas pertinentes (art.159 do CPP), a prova testemunhal não supre sua ausência. Entender em sentido contrário exigiria o reexame do material fático-probatório, o que não é possível nesta via (Súmula 07/STJ). II - Tendo em vista o não reconhecimento da qualificadora do rompimento de obstáculo à subtração da coisa, resta prejudicado o pedido de afastamento do privilégio constante do art. 155, § 2º, do CP. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 1053043/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 10/11/2008)”
Diante do exposto, em dissonância com o parecer ministerial de segundo grau, conheço deste apelo, e dou-lhe provimento para absolver o réu, em virtude de ausência de prova da materialidade do delito que lhe foi imputado.
É como voto.
Boa Vista, 09 de junho de 2009.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 010.08.010872-2
Apelante: ANSELMO THOMÁS NETO
Advogado: VANDERLEI OLIVEIRA (DPE)
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
Relator: DES. MAURO CAMPELLO
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL – TENTATIVA DE HOMICÍDIO – AUSENCIA DO EXAME DE CORPO DE DELITO – SENTENÇA QUE CONSIDEROU PROVA DA MATERIALIDADE FOTOGRAFIAS E PRONTUÁRIO MÉDICO DA VÍTIMA – EXAME QUE DEIXOU DE SER REALIZADO POR DESIDIA ESTATAL - NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL – INTELIGENCIA DO ART.167 DO CPP – AUSENCIA DE MATERIALIDADE – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – CONHECIMENTO E PROVIMENTO.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Turma Criminal da Colenda Câmara Única do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por maioria, vencido o Des. Lupercino Nogueira, em conhecer do recurso, e em dissonância com a douta manifestação da Procuradoria de Justiça, dar-lhe provimento, na forma do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Sala das sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos nove dias do mês de junho do ano de dois mil e nove.
Des. MAURO CAMPELLO
Presidente/Relator
Des. LUPERCINO NOGUEIRA
Revisor
Des. RICARDO OLIVEIRA
Julgador
Procurador de Justiça:
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4129, Boa Vista, 31 de julho de 2009, p. 027.
( : 09/06/2009 ,
: XII ,
: 27 ,
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 010.08.010872-2
Apelante: ANSELMO THOMÁS NETO
Advogado: VANDERLEI OLIVEIRA (DPE)
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
Relator: DES. MAURO CAMPELLO
R E L A T Ó R I O
O menor Anselmo Thomas Neto, inconformado com a r. sentença do MM. Juízo de Direito da Comarca de Alto Alegre, que aplicou medida sócio-educativa de internação em estabelecimento educacional, com possibilidade de atividades externas, pelo cometimento de ato infracional correspondente ao crime de tentativa de homicídio, apresentou o presente apelo, visando a reforma da mesma.
Em suas razões, o apelante alega que inexiste prova da materialidade do crime, em virtude da ausência do exame de corpo de delito.
Aduz ainda, que inexiste prova da autoria, pois na verdade estaria presente a excludente da legítima defesa, requerendo assim a absolvição.
Ao final requereu o conhecimento e provimento do recurso, com a reforma integral da sentença guerreada.
Em contrarrazões, o representante do Ministério Público, refuta as alegações da defesa, inicialmente argumentando que a prova da materialidade restou apresentada através das fotografias e prontuário médico da vítima, entendendo que o exame de corpo de delito não é a única forma de comprovar a materialidade das infrações que deixam vestígios.
Aduz ainda, que existem provas suficientes de autoria e que a tese de legítima defesa não encontra amparo nas provas carreadas aos autos.
Por fim, requer que o recurso seja conhecido e no mérito negado provimento, mantendo-se a sentença a quo.
A D. Procuradoria de Justiça opina pelo improvimento do apelo, filiando-se à tese do apelado.
É o sucinto relatório.
Remetam-se os autos à douta revisão, na forma regimental.
Boa Vista, 02 de junho de 2009.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 010.08.010872-2
Apelante: ANSELMO THOMÁS NETO
Advogado: VANDERLEI OLIVEIRA (DPE)
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
Relator: DES. MAURO CAMPELLO
V O T O
Tempestivo e cabível à espécie, conheço do presente recurso, ficando permitido o juízo de mérito.
Consta dos autos que no dia 30 de julho de 2006, por volta das 08 horas, no Município de Alto Alegre, o menor infrator Anselmo Thomas Neto, na companhia de outros quatro, todos maiores, com a utilização de facões e pedras, causou lesões na vítima, Evaristo de Souza, que não morreu por circunstâncias alheias à vontade dos agentes.
Como dito alhures, o apelante alega que não há prova de materialidade, em virtude da inexistência do exame de corpo de delito e considerando a importância da materialidade para o julgamento da causa, cabe inicialmente analisa-la.
Compulsando detidamente os autos, verifica-se que realmente inexiste exame de corpo de delito, constando dos autos apenas fotos e prontuário médico da vítima que foi atendida no Hospital Geral do Estado.
Como dito em linhas volvidas, o fato ocorreu em 30 de julho de 2006, e conforme relatório policial, a vítima não foi ouvida em decorrência de ter sido encaminhado ao Hospital Geral de Roraima, na cidade de Boa Vista, informando ainda o delegado ter oficiado(fls.44) ao pronto socorro Francisco Elesbão, solicitando o prontuário médico do paciente/vítima, Evaristo de Souza.
Às fls.45/48, constam fotos, que segundo certidão lavrada pelo Escrivão de Polícia Aldrim Prates, são da vítima, no leito do hospital.
O feito transcorreu sem que fosse juntado aos autos o exame de corpo de delito, ou requisitado o mesmo, pelas autoridades competentes.
Às fls.36 consta oitiva da vítima, que foi ouvida em 29 de agosto de 2007.
Consta de fls.149 que no dia 06.03.2008, o Ministério público proferiu o seguinte despacho:
“A fim de comprovar a materialidade, verifico que não há, nos autos exame pericial da vítima, tampouco seu prontuário médico requisitado pelo delegado de polícia(fls.44).
Destarte, requeiro com urgência, seja determinado o cumprimento do ofício de fls.44, mediante ordem judicial, sob pena de desobediência, no prazo de 24 hs.”
A MM. Juíza da Comarca de Alto Alegre deferiu a cota ministerial e às fls.155/164 foi juntado o prontuário médico solicitado.
Nas alegações finais o Ministério Público aceitou as fotos e prontuário médico como provas da materialidade, não tecendo qualquer comentário acerca da ausência do exame de corpo de delito.
Nas alegações finais da defesa, dentre outras teses, esta alegou que absolvição era medida que se impunha, por ausência de materialidade(exame de corpo de delito).
Corroborando com o entendimento ministerial a MM. Juíza da Comarca de Alto Alegre proferiu sentença considerando como prova da materialidade, as fotos e o prontuário médico.
Contudo, apesar da argumentação ministerial nas contrarrazões recursais acerca da possibilidade de dispensa do exame de corpo de delito, em face das fotos e do prontuário, entendo assistir razão ao recorrente.
Vejamos o que dispõem os arts. 158 e 167 do CPP:
“Art.158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão.”
“Art.167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”
Guilherme de Souza Nucci leciona sobre o assunto em seu Código de Processo Penal Comentado. Vejamos:
“ ...especificou o art.158 antecedente que, nas infrações que deixarem vestígios materiais, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto. Assim, é preciso que os peritos façam a análise da causa mortis ou dos rastros deixados pelo delito, podendo ser lesões corporais, sinais de arrombamento, causas de um incêndio, entre outros fatores, conforme a natureza do crime..............Baseado nisso, forma-se a materialidade do homicídio, permitindo então, a punição do réu. Nesse sentido: STJ: “O exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido pela prova testemunhal quando os vestígios tenham desaparecido. Portanto, se era possível sua realização, e esta não ocorreu de acordo com as normas pertinentes (art.159 do CPP), a prova testemunhal não supre sua ausência.”(Resp 901.856-RS, 5ª T., rel. Felix Fischer, 26.06.2007,v.u.). Acrescente-se, ainda, não ser válida a formação do corpo de delito indireto(por testemunhas), quando a responsabilidade pelo sumiço dos rastros deve-se, exclusivamente a desídia(ou outra causa similar) dos agentes do Estado. Portanto, se o objeto da análise pericial deixou de existir porque não houve perícia a tempo, em virtude do descaso estatal, a prova testemunhal é imprestável.(grifo nosso)
Quanto à validade dos prontuários médicos, vejamos comentários de Damásio de Jesus em sua obra Código de Processo Penal anotado:
“Boletim de Socorro do hospital
Não substitui o exame feito por dois legistas(Nilo Batista, Decisões criminais comentadas, Rio de Jeneiro, Líber-Juris, 1976, p. 103) Isto porque “o exame de corpo de delito indireto não pode ser admitido quando é possível a realização do exame direto”(op.cit. p.105). Assim, também, as informações dos Boletins não tem valia quando v.g.,não se realizou o exame direto porque a vítima deixou de comparecer.”(grifo nosso)
Em sua obra Processo Penal Esquematizado, Norberto Avena assim responde à pergunta acerca do assunto:
“Terceira: a regra do art.167 do CPP é aplicável a qualquer hipótese na qual tenham desaparecido os vestígios deixados pela infração penal?
Em termos legais, não há, no Código de Processo Penal exceções. Doutrinariamente e em nível de jurisprudência, contudo, estabelecem-se algumas situações nas quais não seria possível o suprimento da perícia. Um primeiro exemplo de impossibilidade de suprimento ocorre quando o desaparecimento do vestígio tenha ocorrido por culpa (latu sensu) atribuída ao Estado, v.g., o desaparecimento da droga apreendida por agentes policiais, inviabilizando-se a constatação da natureza entorpecente. Nesses casos, há entendimento contrário à possibilidade de comprovar-se a materialidade do crime por outros meios de prova.” (grifo nosso)
Assim, a lei só autoriza exame de corpo de delito indireto, se não há possibilidade de fazer o direto e somente pode ser complementado pelo depoimento de testemunhas.
No caso em tela, a sentença considerou que a materialidade do delito estava comprovada através das fotografias e prontuário médico, o que não é legalmente permitido.
Ademais, ainda que o juízo quisesse validar o depoimento das testemunhas, não haveria como, haja vista que, o exame não foi realizado, por desídia dos agentes públicos envolvidos, pois, segundo os prontuários o réu teve alta no dia 02 de agosto de 2006, 03 dias depois do ocorrido, data inclusive em que as fotos foram tiradas, e ainda assim a vítima não foi encaminhada para realização do necessário exame.
Se a necessária prova da materialidade não está presente, a absolvição é medida que se impõe, de acordo com o que preceitua o art.386, II, do CPP.
Comentando este artigo, em sua obra ao norte mencionada, Norberto Avena, assim leciona:
“A sentença absolutória é aquela que julga improcedente a acusação por qualquer das razões mencionadas no art.386 do CPP, quais sejam:
I. omissis
II. Não haver prova da existência do fato: aqui o fato criminoso até pode ter ocorrido. Contudo, não logrou a acusação comprovar sua existência ou materialidade.”
Vejamos o entendimento jurisprudencial acerca do assunto:
“FURTO - ENERGIA ELÉTRICA - CRIME QUE DEIXA VESTÍGIOS - LAUDO PERICIAL - NECESSIDADE - ABSOLVIÇÃO - POSSIBILIDADE - Para caracterizar o furto de energia elétrica, na conformidade do previsto no art. 158 do CPP, mostra-se imprescindível o laudo pericial, comprovando que o agente fez uso da mesma em detrimento do fornecedor, seja no todo ou em parte. Recurso provido.( TJMG Número do processo: 1.0598.05.005391-0/001(1) Relator: ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS Data do Julgamento: 26/02/2008 Data da Publicação: 01/04/2008)”
“APELAÇÃO CRIMINAL - ARTIGO 306 DA LEI 9.503/97 - MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO. Inexistindo meios de comprovar a materialidade do delito previsto no artigo 306 da Lei 9.503/97, com a nova redação dada pela Lei 11.705/08, é de se absolver o apelante por ausência de prova da existência do fato considerado delituoso. Provimento ao recurso que se impõe. V.V.(TJMG Número do processo: 1.0349.07.017109-6/001(1) Relator: JANE SILVA Data do Julgamento: 14/04/2009 Data da Publicação: 27/05/2009)”
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE INCÊNDIO. AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL. NECESSIDADE. ARTS. 158 E 173 DO CPP. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Relativamente às infrações que deixam vestígios, a realização de exame pericial se mostra indispensável, podendo ser suprida pela prova testemunhal apenas se os vestígios do crime tiverem desaparecido. 2. Na hipótese, tratando-se de delito de incêndio, inserido entre os que deixam vestígios, apenas poderia ter sido comprovada a materialidade do crime por meio de exame pericial, já que os vestígios não haviam desaparecido. 3. "No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato" (art. 173 do CPP). 4. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória. (HC 65.667/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2008, DJe 15/09/2008)”
“HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. ESCALADA. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. INCIDÊNCIA DE QUALIFICADORA. CONFISSÃO DO RÉU. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL. PRECEDENTES. 1. O exame de corpo de delito é indispensável para comprovar a materialidade do crime, sendo que sua realização de forma indireta somente é possível quando os vestígios tiverem desaparecido por completo ou o lugar se tenha tomado impróprio para a constatação dos peritos. 2. Sendo possível realizar a perícia de local, a prova testemunhal ou a confissão do acusado - essa por expressa determinação legal - não se prestam a suprir o exame de corpo de delito. Precedentes. 3. Impõe-se afastar a incidência das qualificadoras porque, na ausência de laudo pericial, não existe prova concreta que comprove inequivocamente a materialidade do arrombamento ou da escalada. 4. Ordem concedida para, reformando a sentença condenatória e o acórdão impugnado, afastar da condenação do Paciente as qualificadoras do art. 155, § 4º, incisos I e II, do Código Penal. (HC 85.901/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2007, DJ 29/10/2007 p. 294)”
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À SUBTRAÇÃO DA COISA. INCIDÊNCIA DE QUALIFICADORA.NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL. AFASTAMENTO DO PRIVILÉGIO DO ART. 155, § 2º, DO CP. PREJUDICADO. I - O exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido pela prova testemunhal quando os vestígios tenham desaparecido. Portanto, se era possível sua realização, e esta não ocorreu de acordo com as normas pertinentes (art.159 do CPP), a prova testemunhal não supre sua ausência. Entender em sentido contrário exigiria o reexame do material fático-probatório, o que não é possível nesta via (Súmula 07/STJ). II - Tendo em vista o não reconhecimento da qualificadora do rompimento de obstáculo à subtração da coisa, resta prejudicado o pedido de afastamento do privilégio constante do art. 155, § 2º, do CP. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 1053043/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 10/11/2008)”
Diante do exposto, em dissonância com o parecer ministerial de segundo grau, conheço deste apelo, e dou-lhe provimento para absolver o réu, em virtude de ausência de prova da materialidade do delito que lhe foi imputado.
É como voto.
Boa Vista, 09 de junho de 2009.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 010.08.010872-2
Apelante: ANSELMO THOMÁS NETO
Advogado: VANDERLEI OLIVEIRA (DPE)
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DE RORAIMA
Relator: DES. MAURO CAMPELLO
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL – TENTATIVA DE HOMICÍDIO – AUSENCIA DO EXAME DE CORPO DE DELITO – SENTENÇA QUE CONSIDEROU PROVA DA MATERIALIDADE FOTOGRAFIAS E PRONTUÁRIO MÉDICO DA VÍTIMA – EXAME QUE DEIXOU DE SER REALIZADO POR DESIDIA ESTATAL - NECESSIDADE DE LAUDO PERICIAL – INTELIGENCIA DO ART.167 DO CPP – AUSENCIA DE MATERIALIDADE – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – CONHECIMENTO E PROVIMENTO.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Turma Criminal da Colenda Câmara Única do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por maioria, vencido o Des. Lupercino Nogueira, em conhecer do recurso, e em dissonância com a douta manifestação da Procuradoria de Justiça, dar-lhe provimento, na forma do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Sala das sessões do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos nove dias do mês de junho do ano de dois mil e nove.
Des. MAURO CAMPELLO
Presidente/Relator
Des. LUPERCINO NOGUEIRA
Revisor
Des. RICARDO OLIVEIRA
Julgador
Procurador de Justiça:
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4129, Boa Vista, 31 de julho de 2009, p. 027.
( : 09/06/2009 ,
: XII ,
: 27 ,
Data do Julgamento
:
09/06/2009
Data da Publicação
:
31/07/2009
Classe/Assunto
:
Apelação Criminal )
Relator(a)
:
DES. MAURO JOSE DO NASCIMENTO CAMPELLO
Tipo
:
Acórdão