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Jurisprudência


TJRR 10080109357

Ementa
CÂMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA N.° 0010.08.010935-7. Suscitante: Juízo de Direito da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Boa Vista. Suscitado: Juízo de Direito da 4.ª Vara Criminal da Comarca de Boa Vista. Relator: Des. Ricardo Oliveira. RELATÓRIO Trata-se de conflito negativo de competência, instaurado entre os Juízos de Direito da 2.ª e da 4.ª Varas Criminais, para processar e julgar a Ação Penal n.º 0010.02.022601-4, em que se atribui a Isaac Ricardo Correia Lima a prática do crime previsto no art. 155, § 4.º, II, do CP. Alega o suscitante, em resumo, que o crime foi perpetrado contra pessoa jurídica (Guimarães Ouro) e, embora seu proprietário seja pessoa idosa, tal fato não tem o condão de deslocar a competência para a vara especializada. Sustenta, ainda, que a ampliação da competência da 2.ª Vara Criminal, para abrigar “os crimes praticados contra o idoso” (art. 41, IV, do COJERR), não implica incompetência superveniente do juízo em que se iniciou a ação penal, sob pena de gerar insegurança jurídica e violar os princípios do juiz natural e da perpetuatio jurisdictionis. Aduz, por fim, que o art. 41, IV, do COJERR não pode receber uma exegese meramente literal, devendo ser procedida uma “interpretação conforme” do citado dispositivo, de modo a restringir a competência da 2.ª Vara Criminal para os crimes previstos no Estatuto do Idoso. As informações das autoridades em conflito foram dispensadas (fl. 90). Foram juntadas, a pedido do custos legis, cópias dos documentos arquivados em nome da empresa Guimarães Ouro na Junta Comercial do Estado de Roraima (fls. 100/106). Em parecer de fls. 109/112, o Ministério Público de 2.º grau opina pela improcedência do conflito, declarando-se a competência do suscitante. É o relatório. Boa Vista, 24 de março de 2009. Des. RICARDO OLIVEIRA Relator CÂMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA N.° 0010.08.010935-7. Suscitante: Juízo de Direito da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Boa Vista. Suscitado: Juízo de Direito da 4.ª Vara Criminal da Comarca de Boa Vista. Relator: Des. Ricardo Oliveira. VOTO Não assiste razão ao suscitante. Esta Corte, reiteradamente, tem proclamado que “a competência da 2.ª Vara Criminal não se restringe aos crimes previstos no Estatuto do Idoso ou àqueles em que a idade da vítima seja elementar do tipo penal, pois o referido dispositivo não fez tal distinção, não cabendo ao intérprete fazê-la” (TJRR, CNC n.º 0010.07.008228-3, C. Única – T. Crim., Rel. Des. Carlos Henriques, j. 30/10/2007). Logo, compete ao suscitante processar e julgar quaisquer infrações em que são vítimas pessoas idosas, ressalvada apenas a competência constitucional do júri e das chamadas “jurisdições especiais” (eleitoral, militar e juizados). Registre-se, ainda, que a especialização em comento implicou o estabelecimento de competência em razão da matéria e, portanto, absoluta, o que determina a remessa dos feitos, mesmo em andamento, para a vara especializada, não incidindo a regra da perpetuatio jurisdictionis, conforme se extrai da parte final do art. 87 do CPC, c/c o art. 3.º do CPP. Diante disso, não há que se falar em violação ao princípio do juiz natural, pois “a regra da ‘perpetuatio iurisdictionis’ somente se aplica às hipóteses de competência relativa” (Nelson Nery Júnior, Código de Processo Civil Comentado..., 9.ª ed., São Paulo, RT, 2006, p. 280), como, por exemplo, nos precedentes jurisprudenciais colacionados pelo suscitante, que dizem respeito à competência ratione loci (fl. 82). Nesse sentido: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS, LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO FISCAL ETC. CONEXIDADE ENTRE OS CRIMES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CRIAÇÃO DE VARA ESPECIALIZADA. REDISTRIBUIÇÃO DOS FEITOS. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA, PORTANTO, ABSOLUTA. 1. Entre os vários delitos perpetrados, evidencia-se o liame entre os agentes, pretensamente integrantes de uma organização criminosa, dedicada primordialmente ao tráfico internacional de drogas, o que enseja a competência da Justiça Federal. 2. A especialização da 3.ª Vara Federal de Campo Grande - SJ/MS para os crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de capital implica o estabelecimento de competência em razão da matéria e, portanto, absoluta, o que determina a remessa dos feitos, mesmo em andamento, para a Vara Especializada, atraindo, também, as ações conexas. 3. Conflito conhecido, sendo declarado competente o Juízo Federal da 3.ª Vara de Campo Grande - SJ/MS, devendo os autos da ação penal autuada sob o n.º 019.00.004207-0 serem a este imediatamente remetidos. Medida Cautelar n.º 11.205/MS, em apenso, julgada prejudicada por perda de seu objeto.” (STJ, CC 57.838/MS, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, 3.ª Seção, j. 26/04/2006, DJ 15/05/2006, p. 157). “TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES (PROCESSO). COMPETÊNCIA (ESPECIALIZAÇÃO). PRECATÓRIA (EXPEDIÇÃO). PRISÃO. PROVAS. 1. A especialização de vara, em caso de competência pela natureza da infração, não implica, por si só, ofensa ao princípio do juízo natural. Decerto que não significa ofensa ao princípio que veda, entre nós, a existência de tribunal de exceção. (...) 5. Habeas corpus indeferido.” (STJ, HC 36.931/MG, Rel. Min. Nilson Naves, 6.ª Turma, j. 03.02.2005, DJ 04.04.2005, p. 357). Por outro lado, depreende-se dos autos que Isaac Ricardo Correia Lima foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 155, § 4.º, II, do CP, uma vez que teria subtraído, com abuso de confiança, três cordões de ouro e uma pulseira chapeada, do estabelecimento comercial Guimarães Ouro, de propriedade do Sr. Raimundo Lopes Guimarães, que tinha, à época, 69 (sessenta e nove) anos de idade. Nesse contexto, entende o suscitante que a vítima não é idoso, pessoa natural, mas sim a pessoa jurídica Guimarães Ouro, verdadeiro sujeito passivo do delito, sendo irrelevante a idade do proprietário do estabelecimento comercial. Ocorre que, conforme documentos fornecidos pela Junta Comercial do Estado de Roraima (fls. 100/106), o empreendimento Guimarães Ouro, é, na verdade, uma firma individual, denominada pelo novo Código Civil como empresa individual ou, simplesmente, empresário individual. É cediço o entendimento de que o patrimônio de uma empresa individual se confunde com o de seu sócio. A divisão entre pessoa jurídica (firma individual) e pessoa física (sócio), nessas hipóteses, é mera ficção, com fito de habilitar a pessoa física a praticar atos de comércio, concedendo-lhe algumas vantagens tributárias. Por isso, não há bipartição entre a pessoa natural e a firma por ele constituída. Elas se fundem, para todos os fins de direito, em um todo único e indivisível. Nesse sentido leciona Rubens Requião: “De acordo com a Lei 9.841/99, considera-se microempresa a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que tiver receita bruta igual ou inferior a R$ 244.000,00. A firma individual (hoje denominada firma mercantil individual pela Lei 8.934/94, art. 32, II, ‘a’), do empresário individual, registrada no Registro do Comércio, atualmente Registro Público das Empresas Mercantis, chama-se também de empresa individual e empresário, pelo Código Civil. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda (Ap. Cív. 8.447/Lajes, in. Bol. Jur. ADCOAS, nº 18.878/73).” (Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, 1.º vol., 27.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 78). A jurisprudência já consolidou igual entendimento: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE CHEQUE, PROPOSTA, EM NOME PRÓPRIO, PELO TITULAR DA EMPRESA INDIVIDUAL EM FAVOR DE QUEM O CHEQUE FOI PASSADO. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE UM DOS ARGUMENTOS UTILIZADOS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que a empresa individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal. Assim, o patrimônio de uma empresa individual se confunde com o de seu sócio, de modo que não há ilegitimidade ativa na cobrança, pela pessoa física, de dívida contraída por terceiro perante a pessoa jurídica. Precedente. (...) 5. Recurso especial não conhecido.” (STJ, REsp. 487995/AP, 3.ª Turma, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, j. 20/04/2006, DJ 22/05/2006, p. 191). “EXECUÇÃO - Empresário individual - Inclusão do proprietário no pólo passivo - Desnecessidade - Sendo o empresário individual, ou integrante de firma individual, a própria pessoa física se confunde com a jurídica, não há diferenciação, pois a pessoa jurídica distinta é mera ficção tributária para o fim exclusivo de tratamento Fiscal - Quebra de sigilo Fiscal em relação a ambos, relativamente à requisição de informações à Receita Federal - Viabilidade - Decisão mantida. MULTA - Ausência de indicação de bens penhoráveis, por si só, não enseja a aplicação da multa prevista no art. 601 do CPC, mormente quando a devedora afirma não os possuir - Em principio, não se pode afirmar que ela se opôs maliciosamente à execução - Cancelamento por ora da multa, até que se prove o contrário. Agravo provido em parte.” (TJSP, Ag. 7284484700, 20.ª Cam. Dir. Privado, Rel. Des. Álvaro Torres Júnior, j. 02/02/2009). Assim, no caso em apreço, mesmo que a subtração dos bens tenha ocorrido dentro do estabelecimento comercial, é indiferente que figure no pólo passivo a figura da pessoa jurídica ou da pessoa física do seu sócio, vez que não há dissociação entre ambos, tampouco entre seus bens. Nesses casos, sendo idoso a pessoa do sócio, à época do crime, desloca-se a competência para a vara especializada. ISTO POSTO, em consonância com parecer ministerial, julgo improcedente o conflito, declarando a competência do Juízo de Direito da 2.ª Vara Criminal (suscitante), para processar e julgar o feito. É como voto. Boa Vista, 24 de março de 2009. Des. RICARDO OLIVEIRA Relator CÂMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA N.° 0010.08.010935-7. Suscitante: Juízo de Direito da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Boa Vista. Suscitado: Juízo de Direito da 4.ª Vara Criminal da Comarca de Boa Vista. Relator: Des. Ricardo Oliveira. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – FURTO QUALIFICADO – EMPRESA INDIVIDUAL – FICÇÃO JURÍDICA, CRIADA PARA HABILITAR A PESSOA NATURAL A PRATICAR ATOS DE COMÉRCIO, COM VANTAGENS DO PONTO DE VISTA FISCAL – PATRIMÔNIO DA PESSOA JURÍDICA QUE SE CONFUNDE COM O DA PESSOA FÍSICA – PROPRIETÁRIO QUE, À ÉPOCA DO DELITO, CONTAVA COM 69 ANOS – CRIME CONTRA IDOSO – OCORRÊNCIA – COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da Câmara Única – Turma Criminal, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por unanimidade, em consonância com o parecer ministerial, em julgar improcedente o conflito, declarando a competência do Juízo de Direito da 2.ª Vara Criminal (suscitante), nos termos do voto do Relator. Sala das Sessões, em Boa Vista, 24 de março de 2009. Des. MAURO CAMPELLO Presidente Des. RICARDO OLIVEIRA Relator Des. LUPERCINO NOGUEIRA Julgador Esteve presente: Dr. EDSON DAMAS DA SILVEIRA Procurador de Justiça Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4072, Boa Vista, 6 de maio de 2009, p. 019. ( : 24/03/2009 , : XII , : 19 ,

Data do Julgamento : 24/03/2009
Data da Publicação : 06/05/2009
Classe/Assunto : Conflito de Competência )
Relator(a) : DES. RICARDO DE AGUIAR OLIVEIRA
Tipo : Acórdão