TJRR 10080110512
APELAÇÃO CÍVEL Nº 01008011051-2
APELANTE: BANCO SUDAMERIS BRASIL S/A
ADVOGADO: GUTEMBERG DANTAS LICARIÃO
APELADO: MANOEL NONATO DE SOUZA
ADVOGADA: MARGARIDA BEATRIZ ORUÊ ARZA
RELATOR: DES. JOSÉ PEDRO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo Banco Sudameris Brasil S/A contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível na Ação de Cobrança nº 01007163949-5, em que julgou procedente o pedido autoral para condenar o réu, ora apelante, “ao pagamento da diferença dos valores do rendimento das contas poupanças indicadas na petição inicial” – fls. 66-73.
Alega o Apelante, preliminarmente, a) ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, vez que apenas aplica as normas que lhes são impostas pelo Poder Público, sendo que a apelada deveria ter deduzido a pretensão em face do Banco Central ou da União Federal, de modo que a ação deve ser extinta sem exame do mérito e nos termos do inciso VI, do artigo 267, do CPC; b) que a apelada não trouxe aos autos uma só prova de que tenha sido titular de conta de depósitos no período de vigência do plano econômico “Bresser”, razão pela qual a ação deve ser extinta sem exame do mérito, nos termos dos incisos IV e VI, do artigo 267, do CPC.
Aduz que, acaso superadas as preliminares, deve ser acolhida a prejudicial de mérito, visto que, em se tratando de relação entre as partes de consumo, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos já havia decorrido quando da interposição desta ação; que a pretensão para cobrança de juros, a teor do §10, do inciso II, do artigo 178, do Código Civil de 1916, prescreve em três anos; que os juros ou quaisquer outras prestações acessórias, dentre as quais se inclui a correção monetária, restam prescritos na presente demanda.
Sustenta, quanto ao mérito, que a cada pagamento se aplicou a lei vigente no momento; as cláusulas contratuais não podem ensejar o direito adquirido dos particulares em relação às normas de direito público, como são as referentes à moeda, à cidadania ou à tributação; cita julgado do Superior Tribunal de Justiça, datado de 30.08.1993, no sentido de que eventual diferença de correção monetária decorrente da aplicação de plano econômico não era devida pelos bancos, que não mais detinham os recursos por eles captados do público, por terem sido transferidos ex vi legis para o Banco Central – fls. 87-101.
Ao final, requer a reforma da sentença vergastada e a inversão do ônus sucumbencial.
Contra-razões apresentadas às fls. 105-107, onde o apelado pleiteia o improvimento do recurso.
Eis o relatório, que submeto à douta revisão regimental, nos moldes do art. 178, III do RITJ/RR.
Boa Vista, 23 de janeiro de 2009.
Des. JOSÉ PEDRO – Relator
VOTO – PRELIMINAR
a) Da ilegitimidade passiva do recorrente:
Afirma o apelante que não tem legitimidade para figurar no pólo passivo da presente relação processual, já que os índices por ele aplicados ao realizar a correção dos saldos de caderneta de poupança são aqueles normatizados pelo Poder Público, sendo que nunca influenciou na fixação de tais índices.
Todavia, tal entendimento não merece prosperar.
É que a incidência da correção monetária sobre saldos de cadernetas de poupança é promovida pelo banco em que se encontra depositada a quantia. Por esta razão, se o titular da caderneta de poupança não concorda com os índices de correção aplicados, ou entende que não houve a incidência da correção, esta irresignação deve ser demonstrada à instituição financeira.
Nestas condições, não há que se falar em ilegitimidade passiva do apelante, pois este é o único sujeito que tem interesse de resistir à pretensão do apelado, mesmo porque, a perda econômica decorrente da incidência do índice de correção requerido será deles.
Neste sentido colacionam-se os seguintes julgados:
““APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. CADERNETA DE POUPANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PLANO COLLOR I. CRUZADOS BLOQUEADOS. INOCORRÊNCIA. PLEITEANDO O AUTOR A DIFERENÇA DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA SOMENTE NO QUE DIZ RESPEITO AOS VALORES NÃO BLOQUEADOS PELO PLANO COLLOR I, É DE SER RECONHECIDA A LEGITIMIDADE PASSIVA DO RÉU, PORQUANTO PERMANECEU NA ADMINISTRAÇÃO DOS REFERIDOS VALORES. PRELIMINAR DESACOLHIDA. (...). (TJRS. Apelação Cível Nº 70016952160, Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 05/10/2006)”.
“CIVIL. CONTRATO. POUPANÇA. PLANO BRESSER (JUNHO DE 1987) E PLANO VERÃO (JANEIRO DE 1989). BANCO DEPOSITANTE. LEGITIMIDADE PASSIVA. PRESCRIÇÃO. VINTENÁRIA. CORREÇÃO. DEFERIMENTO.
Quem deve figurar no pólo passivo de demanda onde se pede diferenças de correção monetária, em caderneta de poupança, nos meses de junho de 1987 e janeiro de 1989, é a instituição bancária onde depositado o montante objeto da demanda. (...). (STJ. REsp 707151 / SP. Min. Fernando Gonçalves. 4ª Turma. 17/05/05.)”.
“AÇÃO DE COBRANÇA - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - PRESCRIÇÃO AFASTADA - CORREÇÃO MONETÁRIA - PLANO BRESSER - DIFERENÇA DEVIDA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ -INOCORRÊNCIA.
A instituição financeira depositária responde pela correção monetária incidente sobre o saldo de conta poupança, porquanto firmou com o depositante o contrato bancário. (...). (TJMG. Apel. nº 2.0000.00.493962-2/000. Rel. Teresa Cristina da Cunha Peixoto. 08/06/05.)”.
Nestas condições, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva do apelante.
b) Da ausência de documentação:
Sustenta o apelante que a ação deve ser extinta sem resolução do mérito, vez que o apelado não juntou aos autos documentos que pudessem comprovar que este possuía caderneta de poupança durante o plano econômico em debate.
Porém, conforme se verifica nos autos, o apelado juntou documentos comprovando a existência de cadernetas de poupança durante o plano econômico Bresser (fls.07/08), cuja administração competia à instituição financeira apelante.
De outra banda, houve inversão do ônus da prova, cabendo ao ora recorrente comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (Art. 333, II).
Logo, não merece acolhimento a preliminar suscitada.
c) Da prescrição do principal e dos juros:
Afirma o apelante que se operou a prescrição da pretensão do apelado de receber o valor relativo aos expurgos inflacionários. Tenho que não lhe assiste razão.
Ora, a pretensão do recorrido é de direito pessoal tendo em vista que aspira ao recebimento de crédito relativo a expurgos inflacionários, e por esta razão se aplica o prazo prescricional vintenário previsto no art. 177, do Código Civil de 1916, inclusive no tocante aos juros. A quantia referente aos expurgos não são parcelas acessórias, pelo contrário, integram o saldo existente na caderneta de poupança, e por esta razão não há que se falar em aplicação do disposto no §10º, III, do art. 178, do citado diploma legal.
Desta forma, se os juros remuneratórios e os expurgos buscados são referentes a junho de 1987, conclui-se que a prescrição relativa à pretensão apresentada pelo recorrido só se configuraria em junho de 2007.
Sobre este tema, colacionam-se as decisões abaixo:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO ECONÔMICO. CADERNETA DE POUPANÇA. MESES DE JUNHO DE 1987 E JANEIRO DE 1989. PRESCRIÇÃO. AÇÃO PESSOAL. PRAZO VINTENÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APLICAÇÃO DO PERCENTUAL DE 42,72%. CRUZADOS NOVOS BLOQUEADOS. MARÇO A JULHO DE 1990. FEVEREIRO DE 1991. CORREÇÃO MONETÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA.
Nas ações de cobrança de expurgos inflacionários em caderneta de poupança, o pedido de incidência de determinado índice de correção monetária constitui-se no próprio crédito, e não em acessório, sendo, descabida, assim, a incidência do prazo qüinqüenal do artigo 178, §10, III, do Código Civil. Na espécie, tratando-se de ação pessoal, o prazo prescricional é o vintenário. (...). (STJ. REsp 149255 / SP. Rel. Cesar Asfor Rocha. 26/10/99.).
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. COBRANÇA. CADERNETA DE POUPANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. PLANOS BRESSER E VERÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ADEQUADAMENTE FIXADOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
É o Banco HSBC, sucessor do Banco Bamerindus, parte passiva legítima. Precedentes da Corte. É a instituição financeira, beneficiária dos pagamentos feitos a menor, parte passiva legítima. Preliminar rejeitada PRESCRIÇÃO. Aplica-se o prazo vintenário e não o qüinqüenário ou trienal, consoante o artigo 177 do CC/16 e 2028 do NCC. Preliminar rejeitada. (...). (TJRS. Apel. nº 70017314147, Primeira Câmara Especial Cível, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 19/12/2006.).
"...PRESCRIÇÃO. AÇÃO PESSOAL. PRAZO VINTENÁRIO... Nas opções de cobrança de expurgos inflacionários em caderneta de poupança, o pedido de incidência de determinado índice de correção monetária constitui-se no próprio crédito e não em acessório, sendo descabida assim, a incidência do prazo qüinqüenal do art. 178, § 10, III, do Código Civil. Na espécie, tratando-se de ação pessoal, o prazo prescricional é o vintenário..." (In Resp. nº 149255/SP, Relator Ministro César Asfor Rocha, publicado in DJU de 21.2.2000, pág. 128).
ECONÔMICO - PROCESSUAL CIVIL - CADERNETA DE POUPANÇA - CORREÇÃO - Monetária. Juros. Prescrição qüinqüenal. Inexistente. I. Descabida a incidência de prescrição qüinqüenal dos juros com base no art. 178, parágrafo 10, inciso III, do Código Civil, em ação em que se discute correção monetária de caderneta de poupança. Aplicável a regra geral (art. 177 do CCB). II. Precedentes do STJ. III. Recurso Especial não conhecido. (STJ - RESP 509296 - SP - 4ª T. - Rel. Min. Aldir Passarinho Junior - DJU 08.09.2003 - p. 00341).
Não há que se cogitar, tampouco, da prescrição qüinqüenal prevista no CDC ou de qualquer outra, pois, tratando-se de ação pessoal o lapso temporal é de vinte anos, que se mantém, pela aplicação da regra do art. 2.028 do novo Código Civil, segundo a qual "serão os da lei anterior os prazos quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".
Desta forma, não se tendo operado a prescrição da pretensão autoral, voto pela rejeição da preliminar prejudicial do mérito.
Boa Vista, 10 de fevereiro de 2009.
Des. JOSÉ PEDRO – Relator
VOTO – MÉRITO
Antes de adentrar ao mérito propriamente dito - correção de eventuais perdas decorrentes do Plano Bresser - insta evidenciar que a caderneta de poupança constitui "sistema de captação de recursos populares incentivado pelo Estado" como mecanismo de controle da economia interna e da inflação.
Enquanto negócio jurídico, a caderneta de poupança é um contrato de depósito bancário de trato sucessivo, através do qual o agente financeiro se obriga a creditar, a cada mês, os juros e a correção monetária, segundo as normas vigentes no primeiro dia do prazo, e, do outro lado, o poupador tem o direito de receber os rendimentos estipulados.
Oportuno destacar que muito embora o Executivo Federal detenha competência para regulamentação e fiscalização dos contratos relativos às aplicações financeiras em cadernetas de poupança, sendo-lhe, inclusive, facultado intervir para alterar prazos de aplicação, carência, ativos, bem como índices a serem adotados no cálculo do rendimento prometido, não pode atingir contratos em curso à época da implementação de eventuais mudanças, pois, inobstante a publicização do direito privado venha ganhando espaço, a intervenção deve-se dar com prudência, respeitados os princípios basilares do ordenamento jurídico, dentre os quais o do pacta sunt servanda.
Neste sentido, aos contratos em vigência não se aplicam leis posteriores, pois o contratante-consumidor já havia aderido às condições pré-definidas do contrato - ato jurídico perfeito e acabado.
Sobre o tema leciona Caio Mário da Silva Pereira (in "Instituições de Direito Civil", vol. I, p. 153):
"O direito das obrigações rege-se pela lei do tempo em que se constituíram no que diz respeito à formação do vínculo, seja contratual, seja extracontratual. Assim, a lei que regula a formação do contrato não pode alcançar os que se celebraram na forma da lei anterior. Os efeitos jurídicos do contrato regem-se pela lei do tempo em que se celebraram".
No caso, a aplicação financeira em caderneta de poupança anteriormente em vigor ao advento das referidas normas não poderia ter sido por elas atingida, pois, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, o ato jurídico perfeito é insuscetível de alcance por lei nova, eis que vedada, em hipótese tal, a retroatividade da lei.
Igualmente, e em conseqüência do que prescreve o § 2º, do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, o apelante, por ocasião da aplicação mencionada, submetia-se às regras que orientavam o contrato de caderneta de poupança, dele nascendo o direito do poupador.
Trata-se de questão pacificada na jurisprudência, face às reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça:
"CADERNETA DE POUPANÇA. REMUNERAÇÃO NOS MESES DE JUNHO DE 1987 E JANEIRO DE 1989. PLANOS BRESSER E VERÃO. PRESCRIÇÃO. DIREITO ADQUIRIDO. QUITAÇÃO TÁCITA. FUNDAMENTO INATACADO. IPC de 42,72%. DATAS-BASES DAS CADERNETAS DE POUPANÇA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 07/STJ. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. PRECEDENTE DA CORTE.
1. (...)
2. Os critérios de remuneração estabelecidos na Resolução BACEN nº 1.338 e no art. 17, inciso I, da Lei nº 7.730/89 não têm aplicação às cadernetas de poupança com períodos aquisitivos já iniciados. (...)" (REsp 433.003/SP, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, publ.: DJ. 25.11.2001).
Assim, devem ser observados os princípios da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito, para evitar que norma posterior retroaja para alcançar situações pretéritas.
Superada esta questão, verifica-se, quanto a matéria de fundo, que razão não assiste ao apelante.
É sabido que a correção monetária visa manter o poder aquisitivo da moeda quando este é reduzido pela incidência de altos índices inflacionários. Logo, ela é simples recomposição da moeda; nada acrescenta, apenas preserva o seu valor. A utilização da correção monetária não representa um ganho, um plus; visa apenas evitar uma perda, pois, como dito, sua função é apenas a manutenção do poder aquisitivo da moeda.
Para que haja efetiva recomposição do poder aquisitivo da moeda, os índices de correção monetária devem espelhar a verdade do ocorrido, ou seja, devem refletir a real variação monetária no respectivo período. E isto somente é possível se forem incluídos, na correção monetária, os expurgos inflacionários.
No caso em comento, não se aplicando os expurgos em questão, estar-se-ia proporcionado ao apelante enriquecimento sem causa, pois o apelado não receberia aquilo que lhe é efetivamente devido.
Importa destacar, ainda, que os poupadores têm direito adquirido aos índices previamente estipulados quando do início do período aquisitivo, tendo em vista o disposto no art. 5°, inc. XXXVI da CF/88. Logo, eventuais alterações dos critérios de correção da caderneta de poupança não poderão ser aplicadas de forma retroativa.
Nesse sentido:
DIREITO ECONÔMICO. CADERNETA DE POUPANÇA. ALTERAÇÃO DO CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO. JANEIRO/1989. DIREITO ADQUIRIDO. NORMA DE ORDEM PÚBLICA. INTERESSE COLETIVO. RECURSO DESACOLHIDO.
I- INICIADA OU RENOVADA CADERNETA DE POUPANÇA, NORMA POSTERIOR QUE ALTERE O ÍNDICE DE CORREÇÃO INCIDENTE SOBRE TAL MODALIDADE DE INVESTIMENTO NÃO PODE RETROAGIR PARA ALCANÇÁ-LA. TENDO INCIDÊNCIA IMEDIATA E DISPONDO PARA O FUTURO, NÃO AFETA AS SITUAÇÕES JURÍDICAS JA CONSTITUÍDAS.
II- O CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO ESTABELECIDO QUANDO DA ABERTURA OU RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DAS CADERNETAS DE POUPANÇA, PARA VIGORAR DURANTE O PERÍODO MENSAL SEGUINTE, PASSA A SER, A PARTIR DE ENTÃO, DIREITO ADQUIRIDO DO POUPADOR. (REsp n.º 36.839-1-RJ, Quarta Turma, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo, julgado 03/11/1992)
De acordo com o disposto nos Decretos-Lei nºs 2.284/86, 2.290/86 e 2.311/86, os depósitos em cadernetas de poupança eram remunerados pelo índice que obtivesse o maior resultado entre o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) e a LBC (Letras do Banco Central).
Com a Resolução n° 1338/87 do BACEN, datada de 15.06.87, restou estabelecido que a OTN no mês de julho de 1987 seria atualizada pelo rendimento produzido pelas Letras do Banco Central, sendo que os saldo das cadernetas de poupança seriam atualizados naquele mês pelos mesmos índices do valor nominal da OTN.
Diante dessa situação, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a Resolução n° 1.338/87 do BACEN aplica-se, tão-somente, no período aquisitivo iniciado após a edição da referida Resolução (15.06.87). Até então deve incidir a correção monetária de acordo com a variação do IPC, que em junho de 1987 foi de 26,64%.
Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CADERNETA DE POUPANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. PLANOS BRESSER E VERÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. É a instituição financeira, beneficiária dos pagamentos feitos a menor, parte passiva legítima. Preliminar rejeitada PRESCRIÇÃO. Aplica-se o prazo vintenário e não o qüinqüenário ou trienal, consoante o artigo 177 do CC/16 e 2028 do NCC. Preliminar rejeitada. MÉRITO. PLANO BRESSER DE 1987. A Lei 2335/86 aplica-se às cadernetas de poupança que aniversariam após a sua entrada em vigor, em 12.06.1987, e a Resolução do Bacen de n. 1338/87 aplica-se para período aquisitivo posterior a 15.06.1987, devendo ser considerado o INPC como índice de correção monetária incidente até esta data, no percentual de 26,06%.
(...)
REJEITARAM AS PRELIMINARES. DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU E NEGARAM PROVIMENTO Á APELAÇÃO DOS AUTORES. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70018641985, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 13/03/2007)
Desta forma, induvidosamente assiste razão à parte recorrida ao sustentar o equívoco, sendo que de fato deveria ter incidido sobre o saldo de sua caderneta de poupança o índice de 26,6% em junho de 1987.
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. CONTRATO. POUPANÇA. PLANO BRESSER (JUNHO DE 1987) E PLANO VERÃO (JANEIRO DE 1989). BANCO DEPOSITANTE. LEGITIMIDADE PASSIVA. PRESCRIÇÃO. VINTENÁRIA. CORREÇÃO. DEFERIMENTO.
(...). Nos termos do entendimento dominante nesta Corte são devidos, na correção de caderneta de poupança, o IPC de junho de 1987 (26,06%) e o IPC de janeiro de 1989 (42,72%). (...). (STJ. REsp 707151 / SP. Rel. Min. Fernando Gonçalves. 4ª Turma. 17/05/05.).
Ressalta-se que embora não tenha sido apresentado nenhum documento comprovando a existência de saldo nas referidas cadernetas de poupança e atestando o percentual que foi aplicado para correção, tais afirmações não foram refutadas pelo apelante na contestação, tornando-as incontroversas, eis que este, além das preliminares, limitou-se a afirmar que os índices estavam corretos e foram aplicados conforme determinação do órgão responsável.
Desta forma, o pagamento a ser feito pelo apelante deverá ser do valor equivalente à diferença do índice realmente devido, e aquele que foi pago, cujos valores deverão ser apurados em liquidação de sentença, conforme determinado na decisão vergastada.
Ante o exposto, rejeitadas as preliminares, nego provimento ao recurso, mantendo intacta a sentença hostilizada.
É como voto.
Boa Vista, 10 de fevereiro de 2009.
Des. JOSÉ PEDRO – Relator
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS SALDOS DE CADERNETA DE POUPANÇA. PLANO BRESSER. PRELIMINARES: ILEGITIMIDADE PASSIVA E AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. REJEIÇÃO. PRESCRIÇÃO - PRAZO VINTENÁRIO. APLICAÇÃO DO IPC NO PATAMAR DE 26,26% PARA O MÊS DE JUNHO DE 1987. RECURSO IMPROVIDO.
1. Nas ações em que se discute correção monetária a incidir sobre saldo de caderneta de poupança tem legitimidade passiva o banco em que se encontra depositada a quantia.
2. O STJ já pacificou o entendimento em relação à prescrição vintenária incidente sobre o pedido de devolução dos expurgos inflacionários dos depósitos de caderneta de poupança, nos quais estão incluídos os juros remuneratórios de conta de poupança, posto que, incidentes mensalmente e capitalizados, agregam-se ao capital, assim como a correção monetária, perdendo, pois, a natureza de acessórios.
3. A correção monetária é simples recomposição do poder aquisitivo da moeda; nada acrescenta, apenas preserva o seu valor.
4. Às cadernetas de poupança abertas até 15/01/89 aplica-se o IPC no índice de 26,6% para o mês de junho de 1987, devendo o percentual ser compensado com o que já foi aplicado pela instituição financeira.
5. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os membros da Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por sua Turma Cível, em rejeitar as preliminares suscitadas e, no mérito, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Boa Vista, 10 de fevereiro de 2009.
DES. JOSÉ PEDRO – Presidente, em exercício, e Relator
DES. ALMIRO PADILHA – Julgador
DR. JÉSUS RODRIGUES – Juiz Convocado
Esteve presente o Dr. , Procurador de Justiça
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO XII - EDIÇÃO 4026, Boa Vista, 17 de fevereiro de 2009, p. 005.
( : 10/02/2009 ,
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Ementa
APELAÇÃO CÍVEL Nº 01008011051-2
APELANTE: BANCO SUDAMERIS BRASIL S/A
ADVOGADO: GUTEMBERG DANTAS LICARIÃO
APELADO: MANOEL NONATO DE SOUZA
ADVOGADA: MARGARIDA BEATRIZ ORUÊ ARZA
RELATOR: DES. JOSÉ PEDRO
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo Banco Sudameris Brasil S/A contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível na Ação de Cobrança nº 01007163949-5, em que julgou procedente o pedido autoral para condenar o réu, ora apelante, “ao pagamento da diferença dos valores do rendimento das contas poupanças indicadas na petição inicial” – fls. 66-73.
Alega o Apelante, preliminarmente, a) ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, vez que apenas aplica as normas que lhes são impostas pelo Poder Público, sendo que a apelada deveria ter deduzido a pretensão em face do Banco Central ou da União Federal, de modo que a ação deve ser extinta sem exame do mérito e nos termos do inciso VI, do artigo 267, do CPC; b) que a apelada não trouxe aos autos uma só prova de que tenha sido titular de conta de depósitos no período de vigência do plano econômico “Bresser”, razão pela qual a ação deve ser extinta sem exame do mérito, nos termos dos incisos IV e VI, do artigo 267, do CPC.
Aduz que, acaso superadas as preliminares, deve ser acolhida a prejudicial de mérito, visto que, em se tratando de relação entre as partes de consumo, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos já havia decorrido quando da interposição desta ação; que a pretensão para cobrança de juros, a teor do §10, do inciso II, do artigo 178, do Código Civil de 1916, prescreve em três anos; que os juros ou quaisquer outras prestações acessórias, dentre as quais se inclui a correção monetária, restam prescritos na presente demanda.
Sustenta, quanto ao mérito, que a cada pagamento se aplicou a lei vigente no momento; as cláusulas contratuais não podem ensejar o direito adquirido dos particulares em relação às normas de direito público, como são as referentes à moeda, à cidadania ou à tributação; cita julgado do Superior Tribunal de Justiça, datado de 30.08.1993, no sentido de que eventual diferença de correção monetária decorrente da aplicação de plano econômico não era devida pelos bancos, que não mais detinham os recursos por eles captados do público, por terem sido transferidos ex vi legis para o Banco Central – fls. 87-101.
Ao final, requer a reforma da sentença vergastada e a inversão do ônus sucumbencial.
Contra-razões apresentadas às fls. 105-107, onde o apelado pleiteia o improvimento do recurso.
Eis o relatório, que submeto à douta revisão regimental, nos moldes do art. 178, III do RITJ/RR.
Boa Vista, 23 de janeiro de 2009.
Des. JOSÉ PEDRO – Relator
VOTO – PRELIMINAR
a) Da ilegitimidade passiva do recorrente:
Afirma o apelante que não tem legitimidade para figurar no pólo passivo da presente relação processual, já que os índices por ele aplicados ao realizar a correção dos saldos de caderneta de poupança são aqueles normatizados pelo Poder Público, sendo que nunca influenciou na fixação de tais índices.
Todavia, tal entendimento não merece prosperar.
É que a incidência da correção monetária sobre saldos de cadernetas de poupança é promovida pelo banco em que se encontra depositada a quantia. Por esta razão, se o titular da caderneta de poupança não concorda com os índices de correção aplicados, ou entende que não houve a incidência da correção, esta irresignação deve ser demonstrada à instituição financeira.
Nestas condições, não há que se falar em ilegitimidade passiva do apelante, pois este é o único sujeito que tem interesse de resistir à pretensão do apelado, mesmo porque, a perda econômica decorrente da incidência do índice de correção requerido será deles.
Neste sentido colacionam-se os seguintes julgados:
““APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. CADERNETA DE POUPANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PLANO COLLOR I. CRUZADOS BLOQUEADOS. INOCORRÊNCIA. PLEITEANDO O AUTOR A DIFERENÇA DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA SOMENTE NO QUE DIZ RESPEITO AOS VALORES NÃO BLOQUEADOS PELO PLANO COLLOR I, É DE SER RECONHECIDA A LEGITIMIDADE PASSIVA DO RÉU, PORQUANTO PERMANECEU NA ADMINISTRAÇÃO DOS REFERIDOS VALORES. PRELIMINAR DESACOLHIDA. (...). (TJRS. Apelação Cível Nº 70016952160, Décima Oitava Câmara Cível, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 05/10/2006)”.
“CIVIL. CONTRATO. POUPANÇA. PLANO BRESSER (JUNHO DE 1987) E PLANO VERÃO (JANEIRO DE 1989). BANCO DEPOSITANTE. LEGITIMIDADE PASSIVA. PRESCRIÇÃO. VINTENÁRIA. CORREÇÃO. DEFERIMENTO.
Quem deve figurar no pólo passivo de demanda onde se pede diferenças de correção monetária, em caderneta de poupança, nos meses de junho de 1987 e janeiro de 1989, é a instituição bancária onde depositado o montante objeto da demanda. (...). (STJ. REsp 707151 / SP. Min. Fernando Gonçalves. 4ª Turma. 17/05/05.)”.
“AÇÃO DE COBRANÇA - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - PRESCRIÇÃO AFASTADA - CORREÇÃO MONETÁRIA - PLANO BRESSER - DIFERENÇA DEVIDA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ -INOCORRÊNCIA.
A instituição financeira depositária responde pela correção monetária incidente sobre o saldo de conta poupança, porquanto firmou com o depositante o contrato bancário. (...). (TJMG. Apel. nº 2.0000.00.493962-2/000. Rel. Teresa Cristina da Cunha Peixoto. 08/06/05.)”.
Nestas condições, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva do apelante.
b) Da ausência de documentação:
Sustenta o apelante que a ação deve ser extinta sem resolução do mérito, vez que o apelado não juntou aos autos documentos que pudessem comprovar que este possuía caderneta de poupança durante o plano econômico em debate.
Porém, conforme se verifica nos autos, o apelado juntou documentos comprovando a existência de cadernetas de poupança durante o plano econômico Bresser (fls.07/08), cuja administração competia à instituição financeira apelante.
De outra banda, houve inversão do ônus da prova, cabendo ao ora recorrente comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (Art. 333, II).
Logo, não merece acolhimento a preliminar suscitada.
c) Da prescrição do principal e dos juros:
Afirma o apelante que se operou a prescrição da pretensão do apelado de receber o valor relativo aos expurgos inflacionários. Tenho que não lhe assiste razão.
Ora, a pretensão do recorrido é de direito pessoal tendo em vista que aspira ao recebimento de crédito relativo a expurgos inflacionários, e por esta razão se aplica o prazo prescricional vintenário previsto no art. 177, do Código Civil de 1916, inclusive no tocante aos juros. A quantia referente aos expurgos não são parcelas acessórias, pelo contrário, integram o saldo existente na caderneta de poupança, e por esta razão não há que se falar em aplicação do disposto no §10º, III, do art. 178, do citado diploma legal.
Desta forma, se os juros remuneratórios e os expurgos buscados são referentes a junho de 1987, conclui-se que a prescrição relativa à pretensão apresentada pelo recorrido só se configuraria em junho de 2007.
Sobre este tema, colacionam-se as decisões abaixo:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO ECONÔMICO. CADERNETA DE POUPANÇA. MESES DE JUNHO DE 1987 E JANEIRO DE 1989. PRESCRIÇÃO. AÇÃO PESSOAL. PRAZO VINTENÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APLICAÇÃO DO PERCENTUAL DE 42,72%. CRUZADOS NOVOS BLOQUEADOS. MARÇO A JULHO DE 1990. FEVEREIRO DE 1991. CORREÇÃO MONETÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA.
Nas ações de cobrança de expurgos inflacionários em caderneta de poupança, o pedido de incidência de determinado índice de correção monetária constitui-se no próprio crédito, e não em acessório, sendo, descabida, assim, a incidência do prazo qüinqüenal do artigo 178, §10, III, do Código Civil. Na espécie, tratando-se de ação pessoal, o prazo prescricional é o vintenário. (...). (STJ. REsp 149255 / SP. Rel. Cesar Asfor Rocha. 26/10/99.).
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. COBRANÇA. CADERNETA DE POUPANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. PLANOS BRESSER E VERÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ADEQUADAMENTE FIXADOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
É o Banco HSBC, sucessor do Banco Bamerindus, parte passiva legítima. Precedentes da Corte. É a instituição financeira, beneficiária dos pagamentos feitos a menor, parte passiva legítima. Preliminar rejeitada PRESCRIÇÃO. Aplica-se o prazo vintenário e não o qüinqüenário ou trienal, consoante o artigo 177 do CC/16 e 2028 do NCC. Preliminar rejeitada. (...). (TJRS. Apel. nº 70017314147, Primeira Câmara Especial Cível, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 19/12/2006.).
"...PRESCRIÇÃO. AÇÃO PESSOAL. PRAZO VINTENÁRIO... Nas opções de cobrança de expurgos inflacionários em caderneta de poupança, o pedido de incidência de determinado índice de correção monetária constitui-se no próprio crédito e não em acessório, sendo descabida assim, a incidência do prazo qüinqüenal do art. 178, § 10, III, do Código Civil. Na espécie, tratando-se de ação pessoal, o prazo prescricional é o vintenário..." (In Resp. nº 149255/SP, Relator Ministro César Asfor Rocha, publicado in DJU de 21.2.2000, pág. 128).
ECONÔMICO - PROCESSUAL CIVIL - CADERNETA DE POUPANÇA - CORREÇÃO - Monetária. Juros. Prescrição qüinqüenal. Inexistente. I. Descabida a incidência de prescrição qüinqüenal dos juros com base no art. 178, parágrafo 10, inciso III, do Código Civil, em ação em que se discute correção monetária de caderneta de poupança. Aplicável a regra geral (art. 177 do CCB). II. Precedentes do STJ. III. Recurso Especial não conhecido. (STJ - RESP 509296 - SP - 4ª T. - Rel. Min. Aldir Passarinho Junior - DJU 08.09.2003 - p. 00341).
Não há que se cogitar, tampouco, da prescrição qüinqüenal prevista no CDC ou de qualquer outra, pois, tratando-se de ação pessoal o lapso temporal é de vinte anos, que se mantém, pela aplicação da regra do art. 2.028 do novo Código Civil, segundo a qual "serão os da lei anterior os prazos quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".
Desta forma, não se tendo operado a prescrição da pretensão autoral, voto pela rejeição da preliminar prejudicial do mérito.
Boa Vista, 10 de fevereiro de 2009.
Des. JOSÉ PEDRO – Relator
VOTO – MÉRITO
Antes de adentrar ao mérito propriamente dito - correção de eventuais perdas decorrentes do Plano Bresser - insta evidenciar que a caderneta de poupança constitui "sistema de captação de recursos populares incentivado pelo Estado" como mecanismo de controle da economia interna e da inflação.
Enquanto negócio jurídico, a caderneta de poupança é um contrato de depósito bancário de trato sucessivo, através do qual o agente financeiro se obriga a creditar, a cada mês, os juros e a correção monetária, segundo as normas vigentes no primeiro dia do prazo, e, do outro lado, o poupador tem o direito de receber os rendimentos estipulados.
Oportuno destacar que muito embora o Executivo Federal detenha competência para regulamentação e fiscalização dos contratos relativos às aplicações financeiras em cadernetas de poupança, sendo-lhe, inclusive, facultado intervir para alterar prazos de aplicação, carência, ativos, bem como índices a serem adotados no cálculo do rendimento prometido, não pode atingir contratos em curso à época da implementação de eventuais mudanças, pois, inobstante a publicização do direito privado venha ganhando espaço, a intervenção deve-se dar com prudência, respeitados os princípios basilares do ordenamento jurídico, dentre os quais o do pacta sunt servanda.
Neste sentido, aos contratos em vigência não se aplicam leis posteriores, pois o contratante-consumidor já havia aderido às condições pré-definidas do contrato - ato jurídico perfeito e acabado.
Sobre o tema leciona Caio Mário da Silva Pereira (in "Instituições de Direito Civil", vol. I, p. 153):
"O direito das obrigações rege-se pela lei do tempo em que se constituíram no que diz respeito à formação do vínculo, seja contratual, seja extracontratual. Assim, a lei que regula a formação do contrato não pode alcançar os que se celebraram na forma da lei anterior. Os efeitos jurídicos do contrato regem-se pela lei do tempo em que se celebraram".
No caso, a aplicação financeira em caderneta de poupança anteriormente em vigor ao advento das referidas normas não poderia ter sido por elas atingida, pois, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, o ato jurídico perfeito é insuscetível de alcance por lei nova, eis que vedada, em hipótese tal, a retroatividade da lei.
Igualmente, e em conseqüência do que prescreve o § 2º, do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, o apelante, por ocasião da aplicação mencionada, submetia-se às regras que orientavam o contrato de caderneta de poupança, dele nascendo o direito do poupador.
Trata-se de questão pacificada na jurisprudência, face às reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça:
"CADERNETA DE POUPANÇA. REMUNERAÇÃO NOS MESES DE JUNHO DE 1987 E JANEIRO DE 1989. PLANOS BRESSER E VERÃO. PRESCRIÇÃO. DIREITO ADQUIRIDO. QUITAÇÃO TÁCITA. FUNDAMENTO INATACADO. IPC de 42,72%. DATAS-BASES DAS CADERNETAS DE POUPANÇA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 07/STJ. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. PRECEDENTE DA CORTE.
1. (...)
2. Os critérios de remuneração estabelecidos na Resolução BACEN nº 1.338 e no art. 17, inciso I, da Lei nº 7.730/89 não têm aplicação às cadernetas de poupança com períodos aquisitivos já iniciados. (...)" (REsp 433.003/SP, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, publ.: DJ. 25.11.2001).
Assim, devem ser observados os princípios da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito, para evitar que norma posterior retroaja para alcançar situações pretéritas.
Superada esta questão, verifica-se, quanto a matéria de fundo, que razão não assiste ao apelante.
É sabido que a correção monetária visa manter o poder aquisitivo da moeda quando este é reduzido pela incidência de altos índices inflacionários. Logo, ela é simples recomposição da moeda; nada acrescenta, apenas preserva o seu valor. A utilização da correção monetária não representa um ganho, um plus; visa apenas evitar uma perda, pois, como dito, sua função é apenas a manutenção do poder aquisitivo da moeda.
Para que haja efetiva recomposição do poder aquisitivo da moeda, os índices de correção monetária devem espelhar a verdade do ocorrido, ou seja, devem refletir a real variação monetária no respectivo período. E isto somente é possível se forem incluídos, na correção monetária, os expurgos inflacionários.
No caso em comento, não se aplicando os expurgos em questão, estar-se-ia proporcionado ao apelante enriquecimento sem causa, pois o apelado não receberia aquilo que lhe é efetivamente devido.
Importa destacar, ainda, que os poupadores têm direito adquirido aos índices previamente estipulados quando do início do período aquisitivo, tendo em vista o disposto no art. 5°, inc. XXXVI da CF/88. Logo, eventuais alterações dos critérios de correção da caderneta de poupança não poderão ser aplicadas de forma retroativa.
Nesse sentido:
DIREITO ECONÔMICO. CADERNETA DE POUPANÇA. ALTERAÇÃO DO CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO. JANEIRO/1989. DIREITO ADQUIRIDO. NORMA DE ORDEM PÚBLICA. INTERESSE COLETIVO. RECURSO DESACOLHIDO.
I- INICIADA OU RENOVADA CADERNETA DE POUPANÇA, NORMA POSTERIOR QUE ALTERE O ÍNDICE DE CORREÇÃO INCIDENTE SOBRE TAL MODALIDADE DE INVESTIMENTO NÃO PODE RETROAGIR PARA ALCANÇÁ-LA. TENDO INCIDÊNCIA IMEDIATA E DISPONDO PARA O FUTURO, NÃO AFETA AS SITUAÇÕES JURÍDICAS JA CONSTITUÍDAS.
II- O CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO ESTABELECIDO QUANDO DA ABERTURA OU RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DAS CADERNETAS DE POUPANÇA, PARA VIGORAR DURANTE O PERÍODO MENSAL SEGUINTE, PASSA A SER, A PARTIR DE ENTÃO, DIREITO ADQUIRIDO DO POUPADOR. (REsp n.º 36.839-1-RJ, Quarta Turma, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo, julgado 03/11/1992)
De acordo com o disposto nos Decretos-Lei nºs 2.284/86, 2.290/86 e 2.311/86, os depósitos em cadernetas de poupança eram remunerados pelo índice que obtivesse o maior resultado entre o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) e a LBC (Letras do Banco Central).
Com a Resolução n° 1338/87 do BACEN, datada de 15.06.87, restou estabelecido que a OTN no mês de julho de 1987 seria atualizada pelo rendimento produzido pelas Letras do Banco Central, sendo que os saldo das cadernetas de poupança seriam atualizados naquele mês pelos mesmos índices do valor nominal da OTN.
Diante dessa situação, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a Resolução n° 1.338/87 do BACEN aplica-se, tão-somente, no período aquisitivo iniciado após a edição da referida Resolução (15.06.87). Até então deve incidir a correção monetária de acordo com a variação do IPC, que em junho de 1987 foi de 26,64%.
Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CADERNETA DE POUPANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA. PLANOS BRESSER E VERÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. É a instituição financeira, beneficiária dos pagamentos feitos a menor, parte passiva legítima. Preliminar rejeitada PRESCRIÇÃO. Aplica-se o prazo vintenário e não o qüinqüenário ou trienal, consoante o artigo 177 do CC/16 e 2028 do NCC. Preliminar rejeitada. MÉRITO. PLANO BRESSER DE 1987. A Lei 2335/86 aplica-se às cadernetas de poupança que aniversariam após a sua entrada em vigor, em 12.06.1987, e a Resolução do Bacen de n. 1338/87 aplica-se para período aquisitivo posterior a 15.06.1987, devendo ser considerado o INPC como índice de correção monetária incidente até esta data, no percentual de 26,06%.
(...)
REJEITARAM AS PRELIMINARES. DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU E NEGARAM PROVIMENTO Á APELAÇÃO DOS AUTORES. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70018641985, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 13/03/2007)
Desta forma, induvidosamente assiste razão à parte recorrida ao sustentar o equívoco, sendo que de fato deveria ter incidido sobre o saldo de sua caderneta de poupança o índice de 26,6% em junho de 1987.
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. CONTRATO. POUPANÇA. PLANO BRESSER (JUNHO DE 1987) E PLANO VERÃO (JANEIRO DE 1989). BANCO DEPOSITANTE. LEGITIMIDADE PASSIVA. PRESCRIÇÃO. VINTENÁRIA. CORREÇÃO. DEFERIMENTO.
(...). Nos termos do entendimento dominante nesta Corte são devidos, na correção de caderneta de poupança, o IPC de junho de 1987 (26,06%) e o IPC de janeiro de 1989 (42,72%). (...). (STJ. REsp 707151 / SP. Rel. Min. Fernando Gonçalves. 4ª Turma. 17/05/05.).
Ressalta-se que embora não tenha sido apresentado nenhum documento comprovando a existência de saldo nas referidas cadernetas de poupança e atestando o percentual que foi aplicado para correção, tais afirmações não foram refutadas pelo apelante na contestação, tornando-as incontroversas, eis que este, além das preliminares, limitou-se a afirmar que os índices estavam corretos e foram aplicados conforme determinação do órgão responsável.
Desta forma, o pagamento a ser feito pelo apelante deverá ser do valor equivalente à diferença do índice realmente devido, e aquele que foi pago, cujos valores deverão ser apurados em liquidação de sentença, conforme determinado na decisão vergastada.
Ante o exposto, rejeitadas as preliminares, nego provimento ao recurso, mantendo intacta a sentença hostilizada.
É como voto.
Boa Vista, 10 de fevereiro de 2009.
Des. JOSÉ PEDRO – Relator
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS SALDOS DE CADERNETA DE POUPANÇA. PLANO BRESSER. PRELIMINARES: ILEGITIMIDADE PASSIVA E AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. REJEIÇÃO. PRESCRIÇÃO - PRAZO VINTENÁRIO. APLICAÇÃO DO IPC NO PATAMAR DE 26,26% PARA O MÊS DE JUNHO DE 1987. RECURSO IMPROVIDO.
1. Nas ações em que se discute correção monetária a incidir sobre saldo de caderneta de poupança tem legitimidade passiva o banco em que se encontra depositada a quantia.
2. O STJ já pacificou o entendimento em relação à prescrição vintenária incidente sobre o pedido de devolução dos expurgos inflacionários dos depósitos de caderneta de poupança, nos quais estão incluídos os juros remuneratórios de conta de poupança, posto que, incidentes mensalmente e capitalizados, agregam-se ao capital, assim como a correção monetária, perdendo, pois, a natureza de acessórios.
3. A correção monetária é simples recomposição do poder aquisitivo da moeda; nada acrescenta, apenas preserva o seu valor.
4. Às cadernetas de poupança abertas até 15/01/89 aplica-se o IPC no índice de 26,6% para o mês de junho de 1987, devendo o percentual ser compensado com o que já foi aplicado pela instituição financeira.
5. Sentença mantida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os membros da Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por sua Turma Cível, em rejeitar as preliminares suscitadas e, no mérito, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Boa Vista, 10 de fevereiro de 2009.
DES. JOSÉ PEDRO – Presidente, em exercício, e Relator
DES. ALMIRO PADILHA – Julgador
DR. JÉSUS RODRIGUES – Juiz Convocado
Esteve presente o Dr. , Procurador de Justiça
Publicado no Diário do Poder Judiciário, ANO XII - EDIÇÃO 4026, Boa Vista, 17 de fevereiro de 2009, p. 005.
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Data do Julgamento
:
10/02/2009
Data da Publicação
:
17/02/2009
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. JOSE PEDRO FERNANDES
Tipo
:
Acórdão
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