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Jurisprudência


TJRR 10080110629

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL Nº 01008011062-9 APELANTE: ARTHUR GOMES BARRADAS ADVOGADOS: FRANCISCO DAS CHAGAS BATISTA E OUTROS APELADA: UTILAR MÓVEIS E REFRIGERAÇÃO LTDA. ADVOGADO: ÁLVARO RIZZI DE OLIVEIRA RELATOR: DES. JOSÉ PEDRO RELATÓRIO Trata-se de apelação interposta por Arthur Gomes Barradas contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Cível na Ação de Reintegração de Posse, processo nº 01001005557-1, em que julgou parcialmente procedente o pedido, para reintegrar a autora, ora apelada, “definitivamente na posse da área de terras descrita na exordial, fixando multa de cinco mil reais ao dia para o caso de nova turbação” – fls. 818-825. Alega o Apelante, preliminarmente, inexistir uma das condições da ação, qual seja, a possibilidade jurídica do pedido, já que houve inadequação da via eleita pela autora, pois o art. 1.210, §2º do Código Civil veda a propositura de ação possessória com base no domínio. Sustenta, quanto ao mérito, que “a sentença objurgada nega vigência, contraria e dissente de outros julgados quanto aos Arts. 1.210, caput, do Código Civil, e Art. 927, do Código de Processo, porque, em não tendo a Apelada se desincumbido do ônus de comprovar, à saciedade, justa posse e delimitação real da área litigada, a posse há de se conferir ao Apelante” – (sic) fl. 850. Ao final, requer a reforma da sentença vergastada, a fim de desconstituir a propriedade declarada judicialmente e imitir o Apelante na posse do imóvel. Contra-razões apresentadas às fls. 855-859, onde a recorrida argui preliminar de intempestividade e, no mérito, pleiteia o improvimento do recurso. Eis o relatório, que submeto à douta revisão regimental, nos moldes do art. 178, III do RITJ/RR. Boa Vista, 09 de fevereiro de 2009. Des. JOSÉ PEDRO – Relator VOTO – PRELIMINAR a) Da impossibilidade jurídica do pedido por inadequação da via eleita: Afirma o apelante que o art. 1210, §2º do Código Civil, veda a propositura de ação possessória com base no domínio. Tendo em vista que a preliminar arguida confunde-se com o mérito, por coerência, não a conheço neste momento. É como voto. b) Da intempestividade: Afirma a apelada que o prazo para interposição do recurso sub examine teve início no dia 27.06.2008, tendo como termo final o dia 11.07.2008. Sustenta, porém, que a interposição do apelo se deu no dia 14.07.2008. Não é, pois, o que se verifica nos autos à fl. 837v, onde consta o recebimento da apelação no dia 11.07.2008, ou seja, no dies ad quem do prazo recursal. Assim sendo, rejeito a preliminar suscitada. Boa Vista, 03 de março de 2009. Des. JOSÉ PEDRO – Relator VOTO – MÉRITO A sentença não merece reparos. Com efeito. dispõe o art. 927, do CPC: "Art. 927. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração." Diante do texto legal, conclui-se que, para a concessão da proteção de reintegração de posse, deve o requerente comprovar, no processo, a posse anterior, o esbulho praticado pelo requerido, com a perda da posse e a data da prática de tal ato. Importa esclarecer que a ação de reintegração de posse consubstancia instituto passível de ser aviado por aquele que foi desapossado da coisa, injustamente, com o fim de reavê-la e restaurar a posse perdida. Preceitua o art. 1.204 do Código Civil que "adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade". Como se vê, em uma ação possessória, o que se decide é a própria posse, tendo o requerente o dever de provar a sua posse anterior e a perda, por violência ou por clandestinidade. Sob o enfoque, observa Orlando Gomes que: "(...) em caso de esbulho, a ação cabível é a reintegração de posse. Seu fim específico é obter a recuperação da coisa. Tem todo possuidor direito a consegui-la se da posse for privado por violência, clandestinidade ou precariedade" (in "Direitos Reais", Forense, 18ª ed., p. 91). Quanto ao processo e julgamento das ações possessórias, ensina Humberto Theodoro Júnior: "O que se apura nas ações possessórias" - adverte Márcio Sollero - "é a posse - o ius possessionis, e não o direito à posse -, o ius possidendi". "Uma vez apurada a posse do autor, o elemento mais importante da fase inicial do interdito possessório é a determinação da data em que teria se dado o atentado a ela, já que se tal tiver ocorrido a menos de ano e dia, terá direito o autor de ver restaurada plenamente a posse violada, antes mesmo da contestação do demandado. (...) Os títulos de domínio, outrossim, não revelam, de ordinário, nenhuma influência sobre a liminar possessória, posto que o que se discute, nessas ações, é o fato da posse, e não o direito de propriedade sobre a coisa." (in Curso de Direito Processual Civil, vol. III, 32 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 123-124) Consoante já ressaltado, para se valer da ação de reintegração de posse, o autor deve provar, primeiramente, sua condição de possuidor, sendo assim considerado, nos termos do art. 1.196, do Código Civil de 2002, de redação equivalente à do art. 485 do codex anterior, "aquele que tem, de fato, o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade". Assim, tem-se que a posse decorre de um poder de fato sobre a coisa e independe do título jurídico que liga a coisa a seu possuidor (poder de direito). Nesse sentido, importa fazer a clássica distinção entre ius possidendi e ius possessionis: o primeiro diz respeito ao direito de posse com fundamento na propriedade, em outro direito real ou mesmo obrigacional (faculdade jurídica de possuir), enquanto o segundo, por sua vez, é o direito fundado na posse considerada em si mesma (fato da posse), independentemente do título jurídico que o embasa. Deste modo, é de se convir que, no âmbito das ações possessórias, discute-se o ius possessionis, isto é, o poder de fato sobre determinado bem, sendo, portanto, irrelevante a invocação do domínio (ius possidendi). Com efeito, para o acolhimento do pedido de reintegração mostra-se necessário àquele que se diz vítima de esbulho demonstrar, unicamente sob a ótica da posse, todos os requisitos essenciais à tutela pretendida, dispensando perquirir-se acerca da propriedade do bem imóvel, razão pela qual é descabida a análise do justo título, conforme debatido pelo recorrido. Nesse sentido doutrina Sérgio Sahione Fadel que: "(...) A prova da posse é pressuposto básico para o ingresso em juízo. A discussão não é sobre domínio. Por isso, irrelevante no caso é fazer prova do domínio. A posse direta é que deve pertencer ao autor" (in Código de Processo Civil Comentado: Arts. 1º a 1.220, 7. ed., Rio de Janeiro : 2003, p. 1.129). De tal entendimento não destoa a jurista Maria Helena Diniz: "Cabe ao proprietário do bem defender seu domínio contra quem, injustamente, o possua mediante ação de reivindicação. A posse, por sua vez, merece proteção legal por si mesma, independentemente da alegação do domínio. O Juízo possessório independe do petitório. Não se deve cogitar, em regra, em matéria de ius possessionis, que é um instituto jurídico autônomo, protegido por ações especiais, com a defesa do domínio, que é objeto de outra defesa processual." (in Código Civil Anotado, 9.ed., São Paulo : Saraiva, 2003, p. 764-765). Como cediço, para que o pleito possessório possa ser acolhido é imprescindível que se prove a existência fática da posse antes do esbulho, não bastando para tanto o simples título de domínio. Nesse sentido: "CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. Não basta ao autor da ação de reintegração de posse provar o domínio. Exige-se que demonstre a sua posse. Recurso não conhecido." (STJ - REsp. 150267/PE - Rel. Min. César Asfor Rocha, in DJ de 29.05.2000) " POSSESSÓRIA - ALEGAÇÃO DE DOMÍNIO - IRRELEVÂNCIA - PROVA DE POSSE - INEXISTÊNCIA - ESBULHO NÃO DEMONSTRADO - ARTIGO 927 - REQUISITOS. É irrelevante a alegação de domínio em discussão possessória. Não pode ser deferido pedido possessório, sem a demonstração cabal dos requisitos do artigo 927 do CPC." (TJMG, Apelação Cível nº 471.809-6, rel. Des. Nilo Nivio Lacerda, 23-02-2005) No caso dos autos, conforme ressaltou o MM. juiz singular, a prova testemunhal demonstrou o anterior exercício da posse por parte da autora/recorrida, verbis: “(...) além da posse pleiteada em razão do título, também demonstrou que exercia de fato os poderes do domínio (...)” – fl. 822. Ademais, no seguinte trecho do depoimento da testemunha Ademar Coelho de Oliveira, verifica-se, além da posse anterior, o esbulho sofrido pela recorrida, verbis: “(...) a venda da área litigiosa foi feita em favor da Utilar; que tal venda ocorreu provavelmente no ano de 82; que, efetuada a venda, permaneceu na área litigiosa, vigiando-a em favor da autora; que também ‘olhava’ outros lotes próximos pertencentes a terceiras pessoas; que não se lembra de ter o requerido negociado lotes com o proprietário anterior; que o requerido possui um lote próximo à área litigiosa; (...) que há aproximadamente oito meses a área foi invadida pelo requerido; que na data da invasão foram deslocados para o terreno vários homens e máquinas.” – fl. 168. Ressalta-se que, nas ações possessórias, além dos requisitos previstos no mencionado art. 927 do CPC, exige-se a delimitação da área do imóvel com a precisa definição de seus contornos. Sobre o tema leciona Humberto Theodoro Júnior: "Quanto à individuação da coisa possuída, trata-se de imposição categórica derivada da natureza da ação possessória. (...) "Assim como não se pode reivindicar área imprecisa de imóvel, também não de admite pretender alguém reintegração ou manutenção de posse sobre local não identificado com precisão. Mesmo porque, o mandado possessório (objetivo final da ação) seria inexeqüível se a sentença acolhesse pretensão relativa a gleba sem divisas exatas e definidas." (Curso de Direito Processual Civil, Rio de janeiro, Forense, 2000, 23ª edição, vol. III, p. 122/123). Logo, deve a ação possessória conter não só documento que individualize o imóvel esbulhado, mas, também, que permita a precisa identificação da área esbulhada, a fim de que o provimento jurisdicional seja perfeitamente exeqüível. Os tribunais pátrios já decidiram neste sentido: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - DESCRIÇÃO DO IMÓVEL - NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA ÁREA ESBULHADA - ART. 927 DO CPC - REQUISITOS - AUSÊNCIA - CARÊNCIA DE AÇÃO. Para a possibilidade jurídica do pedido de reintegração de posse, faz-se necessário observar alguns requisitos, dentre os quais destaca-se a prova do esbulho ou turbação que, no caso de imóveis, deve constar da individualização da área dita esbulhada, sob pena de inviabilizar a ordem judicial que conceder a reintegração. (TAMG - Apelação: 0379416-1 - Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível - Relator: Mauro Soares de Freitas - Data do Julgamento: 19/02/2003 ) Tal requisito restou devidamente comprovado por meio da perícia realizada com presteza às fls. 648-750, dirimindo-se a controvérsia acerca da área efetivamente esbulhada. Desta forma, é possível afirmar, com segurança, que a autora detinha a posse em momento anterior ao esbulho, ocorrido em dezembro de 1998, tendo sido observando o disposto no art. 333, I, do CPC, que lhe atribui o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito. Ante o exposto, restando devidamente preenchidos os requisitos do artigo 927 do Código de Processo Civil, nego provimento à apelação, mantendo intacta a sentença que reintegrou a apelada na posse da área de terras descrita na exordial. É como voto. Boa Vista, 03 de março de 2009. Des. JOSÉ PEDRO – Relator APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PRELIMINARES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO E INTEMPESTIVIDADE – REJEIÇÃO – ELEMENTOS FÁTICOS E JURÍDICOS PREVISTOS NO ART. 927 DO CPC – COMPROVAÇÃO – RECURSO IMPROVIDO. 1. A posse decorre de um poder de fato e independe do título dominial. 2. Na esteira do artigo 927 do Código de Processo Civil, a tutela possessória pleiteada só é devida quando o requerente comprova a sua posse anterior, o esbulho realizado pela parte ré e a conseqüente perda da posse. 3. Sentença mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam os membros da Câmara Única do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, por sua Turma Cível, em rejeitar as preliminares suscitadas e, no mérito, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Boa Vista, 03 de março de 2009. Des. MAURO CAMPELLO – Presidente Des. JOSÉ PEDRO – Relator Des. ALMIRO PADILHA – Revisor Esteve presente o Dr. , Procurador de Justiça. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4039, Boa Vista, 13 de março de 2009, p. 05. ( : 03/03/2009 , : , : 0 ,

Data do Julgamento : 03/03/2009
Data da Publicação : 13/03/2009
Classe/Assunto : Apelação Cível )
Relator(a) : DES. JOSE PEDRO FERNANDES
Tipo : Acórdão
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