TJRR 10090116442
Câmara Única – Turma Cível
Reexame Necessário nº. 09.011644-2
Autor: Ronaldo da Silva Marinho
Réu: O Estado de Roraima
Relator: Exmo. Sr. Des. Robério Nunes
R E L A T Ó R I O
Cuidam os autos de reexame necessário da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 8ª Vara Cível, nos autos da ação de Indenização – proc. nº. 07.177.890-5 – ajuizada por Ronaldo da Silva Marinho, em que julgou parcialmente procedente o pleito autoral, para condenar o requerido ao pagamento da quantia de R$ 38.000,00 (trinta e oito mil reais), em razão da prisão ilegal realizada por agentes públicos em face do requerente, por exatos 204 (duzentos e quatro) dias, no período de 22 de setembro de 2006 (quando foi encarcerado) até 13 de abril de 2007 (data em que foi posto em liberdade, por sentença judicial).
A requerente alegou, em síntese, ter sido preso ilegalmente por um período de 204 (duzentos e quatro) dias, tendo se sujeitado a processo criminal, do qual foi absolvido, em razão de inexistência de provas contra si dos crimes previstos nos artigos 12 e 18, inciso III, da Lei nº. 6.368/76.
Aduziu nunca ter sido preso ou processado, sendo taxista conhecido na praça e que a sua prisão lhe causou constrangimentos, feriu sua honra e sua imagem, pois, além da ilegalidade promovida pelos agentes públicos que efetuaram seu encarceramento, teve sua foto estampada em periódico de grande circulação no estado.
Ao final, requereu indenização por danos morais, pela ilegalidade de sua prisão, e por danos materiais, em razão dos dias em que permaneceu sem trabalhar como taxista, além de lucros cessantes.
O requerido, em sua defesa, relatou ser caso de exercício regular de direito do estado à persecução criminal com ajuizamento de ação penal.
Inexistindo recurso voluntário, os autos foram remetidos para reexame onde, devidamente distribuídos, fui sorteado relator.
É o relatório.
Encaminhem-se os autos à douta revisão.
Boa Vista, 23 de março de 2009.
Des. Robério Nunes
Relator
Câmara Única – Turma Cível
Reexame Necessário nº. 09.011644-2
Autor: Ronaldo da Silva Marinho
Réu: O Estado de Roraima
Relator: Exmo. Sr. Des. Robério Nunes
V O T O
A decisão monocrática em reexame, por força do disposto no artigo 475, I, do Código de Processo Civil, merece ser integrada pelos judiciosos fundamentos em que se baseou o eminente Magistrado a quo. (fls. 575/581)
Analisando o conjunto probatório dos autos, verifico ser evidente a responsabilidade do estado pelo ato ilegal praticado pelos agentes púbicos que efetuaram a prisão do requerente, sem observarem as cautelas necessárias garantidoras dos seus direitos individuais e coletivos.
Não se pode admitir que policiais, sob alegação de exercício do poder legal, tenham atitude de coatores, infringindo as obrigações previstas em lei, saindo da esfera da legalidade, abusando de sua autoridade.
Em momento algum, desde a prisão ilegal do autor, houve qualquer demonstração de ser traficante de drogas ou de sua associação com seu irmão, réu confesso, para a prática de venda e distribuição de entorpecentes.
Num estado democrático de direito, como o nosso, preza-se os princípios constitucionais da presunção de inocência, da inviolabilidade da vida privada e da honra (Artigo 5º., incisos LVII e X, da Constituição Federal), sem se esquecer do ônus probandi (encargo probatório da acusação), a inércia e a imparcialidade judicial.
O estado é responsável por erros, por má-fé, por incompetência funcional, por negligência, por imprudência, por atos de corrupção de seus agentes, por desvio de função e por abuso de autoridade, quando tais atos provocar danos morais e/ou materiais aos administrados.
No caso, além da prisão ilegal, posto inexistir sequer indícios de participação do requerente no ilícito, não haviam denúncias em seu desfavor e as diligências de investigação se desenrolaram em face de seu irmão, Inácio Marinho Filho, vulgo “picolé”, acerca de cinco meses anteriores ao seu encarceramento, além de não ter sido procedida pelo digno representante do Parquet a análise legal da existência de dolo ou de culpa para a denunciação do autor, como se pode ver da peça apresentada pelo Ministério Público fls. 239/241, pois, além do fato de o autor residir junto com seu irmão no imóvel onde foi encontrada a droga, não há qualquer prova, sequer testemunhal, de sua participação no crime objeto da ação penal.
É totalmente vazia a denúncia interposta contra o requerente, não há motivação, tampouco fundamentação de fato e de direito.
É flagrante a ilegalidade da prisão, como também a humilhação, o constrangimento e o atentado à honra do requerente, sem falar da suspensão, sem justa causa, por duzentos e quatro dias, do seu direito constitucional de ir e vir, pois não foi apresentada, desde o seu encarceramento e durante toda a instrução criminal, prova ou informação sobre qualquer conduta ilícita do autor, menos ainda em relação à prática do crime que lhe fora injustamente imputado.
Há comprovação nos autos, da prática de ato ilícito por agentes públicos, quando do encarceramento ilegal do autor, do dano (presumido) e do nexo de causalidade, fazendo por esta razão, exsurgir a responsabilidade objetiva do estado.
Acerca da matéria, MARIA HELENA DINIZ, em sua obra Curso de direito civil brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva. v. 7. p. 76, ensina que
"a responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a ação que o provocou. O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se ´nexo causal´, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.”
Os incisos V e X, do art. 5º, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988, estabelecem que:
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Ainda sobre a matéria, peço vênia para transcrever excerto da obra do renomado CARLOS ALBERTO BITTAR ( Responsabilidade civil: teoria e prática. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 2):
"a teoria da responsabilidade civil relaciona-se à liberdade e à racionalidade humanas, que impõe à pessoa o dever de assumir os ônus correspondentes a fatos a ela referentes. Nesse sentido, a responsabilidade é o corolário da faculdade de escolha e de iniciativa que a pessoa possui no mundo fático, submetendo-a, ou o respectivo patrimônio, aos resultados de suas ações, que, quando contrários à ordem jurídica, geram-lhe no campo civil, a obrigação de ressarcir o dano, ao atingir componentes pessoais, morais ou patrimoniais da esfera jurídica de outrem.”
Come se vê, estão presentes os pressupostos ensejadores do dever de indenizar, com a finalidade de compensar o sofrimento experimentado pelo requerente, além do caráter pedagógico da medida no intuito de coibir ações ou omissões capazes de provocar novos infortúnios.
Quanto ao valor arbitrado pelo MM Juiz a quo, verifico ter sido fixado em harmonia com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mormente se se levar em consideração o período de 204 (duzentos e quatro) dias, em que o autor deixou de prover os meios necessários ao sustento de sua mulher e filho, pois teve cerceado indevidamente o exercício de seu labor diário como taxista.
No caso do dano moral, a fixação do quantum indenizatório ancora-se na necessidade de compensação, com o escopo de minorar os efeitos psicológicos e traumáticos causados pelo ato danoso.
Sobre a matéria, leciona YUSSEF SAID CAHALI que:
"no estágio atual de nosso direito, com a consagração definitiva, até constitucional, do princípio da reparabilidade do dano moral, não mais se questiona que esses sentimentos feridos pela dor moral comportam ser indenizados; não se trata de ressarcir o prejuízo material representado pela perda de um familiar economicamente proveitoso, mas de reparar a dor com bens de natureza distinta, de caráter compensatório e que, de alguma forma, servem como lenitivo" (Dano moral. p. 111).
No presente caso, revela-se indiscutível a dor e o sofrimento suportados pelo requerente, visto que restou privado de sua liberdade, da convivência com seus familiares e amigos e de seu trabalho, além da humilhação de ver sua foto estampada em página policial de periódico de grande circulação no estado, por prisão relacionada a tráfico de entorpecente, em virtude de negligência da autoridade policial.
Em relação à fixação do quantum indenizatório do dano moral, o julgador, ao arbitrá-lo, deve analisar as peculiaridades do caso, levando em consideração a equidade e todas as diretrizes estabelecidas na doutrina e na jurisprudência. Neste sentido, verifico que o MM juiz a quo atuou em harmonia com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não havendo necessidade de qualquer alteração do valor consignado a título de indenização por danos morais.
Em apoio ao entendimento ora esposado, transcrevo excertos do voto proferido por S. Exa., Ministro Luiz Fux, no julgamento do Recurso Especial nº. 612.108/PR, publicado no Diário da Justiça de 03 de novembro de 2004:
“( ... )
“Sob esse enfoque temos assentado que ‘a exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que ‘todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos’. Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual’ (REsp 612.108/PR, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 03.11.2004). 12. Recurso especial desprovido. (STJ – REsp 802.435/PE – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 30.10.2006)”
Diante do exposto, integro a sentença de primeiro grau.
É como voto.
Boa Vista, 1º. De outubro de 2009.
Des. Robério Nunes – Relator
Câmara Única – Turma Cível
Reexame Necessário nº. 09.011644-2
Autor: Ronaldo da Silva Marinho
Réu: O Estado de Roraima
Relator: Exmo. Sr. Des. Robério Nunes
ACÓRDÃO
EMENTA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – REEXAME NECESSÁRIO – PRISÃO INDEVIDA – DURAÇÃO 204 DIAS – INEXISTÊNCIA DE PROVA DE PRÁTICA DE CRIME - INSTRUÇÃO CRIMINAL – ABSOLVIÇÃO – DANOS MORAIS COMPROVADOS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – DEVER DE INDENIZAR.
1 - Comprovada a negligência do agente público, a lesão a terceiro e o nexo de causalidade, caracterizada está a responsabilidade civil do estado, devendo responder pelo dano causado, independentemente da aferição de culpa.
2 - É pacífica na doutrina e na jurisprudência pátria a possibilidade de condenação do estado ao pagamento de indenização por danos morais decorrente de privação ilegal da liberdade do cidadão, em decorrência de negligência de seus agentes, por atuação sem observação das cautelas necessárias ao desenvolvimento regular de suas funções.
3 - O valor do quantum indenizatório fixado pelo MM Juiz a quo deve ser mantido quando observadas as diretrizes estabelecidas na doutrina e na jurisprudência, mormente no que se refere aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Reexame Necessário, acordam, à unanimidade de votos, os eminentes Desembargadores integrantes da Câmara Única do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, em integrar a sentença monocrática, nos termos do voto do relator.
Boa Vista, sala das sessões do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, 1º de outubro de 2009.
Des. Mauro Campello – Presidente/Revisor
Des. Robério Nunes - Relator
Des. Ricardo Oliveira - Julgador
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4194, Boa Vista, 7 de novembro de 2009, p. 03.
( : 01/10/2009 ,
: XII ,
: 3 ,
Ementa
Câmara Única – Turma Cível
Reexame Necessário nº. 09.011644-2
Autor: Ronaldo da Silva Marinho
Réu: O Estado de Roraima
Relator: Exmo. Sr. Des. Robério Nunes
R E L A T Ó R I O
Cuidam os autos de reexame necessário da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 8ª Vara Cível, nos autos da ação de Indenização – proc. nº. 07.177.890-5 – ajuizada por Ronaldo da Silva Marinho, em que julgou parcialmente procedente o pleito autoral, para condenar o requerido ao pagamento da quantia de R$ 38.000,00 (trinta e oito mil reais), em razão da prisão ilegal realizada por agentes públicos em face do requerente, por exatos 204 (duzentos e quatro) dias, no período de 22 de setembro de 2006 (quando foi encarcerado) até 13 de abril de 2007 (data em que foi posto em liberdade, por sentença judicial).
A requerente alegou, em síntese, ter sido preso ilegalmente por um período de 204 (duzentos e quatro) dias, tendo se sujeitado a processo criminal, do qual foi absolvido, em razão de inexistência de provas contra si dos crimes previstos nos artigos 12 e 18, inciso III, da Lei nº. 6.368/76.
Aduziu nunca ter sido preso ou processado, sendo taxista conhecido na praça e que a sua prisão lhe causou constrangimentos, feriu sua honra e sua imagem, pois, além da ilegalidade promovida pelos agentes públicos que efetuaram seu encarceramento, teve sua foto estampada em periódico de grande circulação no estado.
Ao final, requereu indenização por danos morais, pela ilegalidade de sua prisão, e por danos materiais, em razão dos dias em que permaneceu sem trabalhar como taxista, além de lucros cessantes.
O requerido, em sua defesa, relatou ser caso de exercício regular de direito do estado à persecução criminal com ajuizamento de ação penal.
Inexistindo recurso voluntário, os autos foram remetidos para reexame onde, devidamente distribuídos, fui sorteado relator.
É o relatório.
Encaminhem-se os autos à douta revisão.
Boa Vista, 23 de março de 2009.
Des. Robério Nunes
Relator
Câmara Única – Turma Cível
Reexame Necessário nº. 09.011644-2
Autor: Ronaldo da Silva Marinho
Réu: O Estado de Roraima
Relator: Exmo. Sr. Des. Robério Nunes
V O T O
A decisão monocrática em reexame, por força do disposto no artigo 475, I, do Código de Processo Civil, merece ser integrada pelos judiciosos fundamentos em que se baseou o eminente Magistrado a quo. (fls. 575/581)
Analisando o conjunto probatório dos autos, verifico ser evidente a responsabilidade do estado pelo ato ilegal praticado pelos agentes púbicos que efetuaram a prisão do requerente, sem observarem as cautelas necessárias garantidoras dos seus direitos individuais e coletivos.
Não se pode admitir que policiais, sob alegação de exercício do poder legal, tenham atitude de coatores, infringindo as obrigações previstas em lei, saindo da esfera da legalidade, abusando de sua autoridade.
Em momento algum, desde a prisão ilegal do autor, houve qualquer demonstração de ser traficante de drogas ou de sua associação com seu irmão, réu confesso, para a prática de venda e distribuição de entorpecentes.
Num estado democrático de direito, como o nosso, preza-se os princípios constitucionais da presunção de inocência, da inviolabilidade da vida privada e da honra (Artigo 5º., incisos LVII e X, da Constituição Federal), sem se esquecer do ônus probandi (encargo probatório da acusação), a inércia e a imparcialidade judicial.
O estado é responsável por erros, por má-fé, por incompetência funcional, por negligência, por imprudência, por atos de corrupção de seus agentes, por desvio de função e por abuso de autoridade, quando tais atos provocar danos morais e/ou materiais aos administrados.
No caso, além da prisão ilegal, posto inexistir sequer indícios de participação do requerente no ilícito, não haviam denúncias em seu desfavor e as diligências de investigação se desenrolaram em face de seu irmão, Inácio Marinho Filho, vulgo “picolé”, acerca de cinco meses anteriores ao seu encarceramento, além de não ter sido procedida pelo digno representante do Parquet a análise legal da existência de dolo ou de culpa para a denunciação do autor, como se pode ver da peça apresentada pelo Ministério Público fls. 239/241, pois, além do fato de o autor residir junto com seu irmão no imóvel onde foi encontrada a droga, não há qualquer prova, sequer testemunhal, de sua participação no crime objeto da ação penal.
É totalmente vazia a denúncia interposta contra o requerente, não há motivação, tampouco fundamentação de fato e de direito.
É flagrante a ilegalidade da prisão, como também a humilhação, o constrangimento e o atentado à honra do requerente, sem falar da suspensão, sem justa causa, por duzentos e quatro dias, do seu direito constitucional de ir e vir, pois não foi apresentada, desde o seu encarceramento e durante toda a instrução criminal, prova ou informação sobre qualquer conduta ilícita do autor, menos ainda em relação à prática do crime que lhe fora injustamente imputado.
Há comprovação nos autos, da prática de ato ilícito por agentes públicos, quando do encarceramento ilegal do autor, do dano (presumido) e do nexo de causalidade, fazendo por esta razão, exsurgir a responsabilidade objetiva do estado.
Acerca da matéria, MARIA HELENA DINIZ, em sua obra Curso de direito civil brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva. v. 7. p. 76, ensina que
"a responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a ação que o provocou. O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se ´nexo causal´, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.”
Os incisos V e X, do art. 5º, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988, estabelecem que:
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Ainda sobre a matéria, peço vênia para transcrever excerto da obra do renomado CARLOS ALBERTO BITTAR ( Responsabilidade civil: teoria e prática. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 2):
"a teoria da responsabilidade civil relaciona-se à liberdade e à racionalidade humanas, que impõe à pessoa o dever de assumir os ônus correspondentes a fatos a ela referentes. Nesse sentido, a responsabilidade é o corolário da faculdade de escolha e de iniciativa que a pessoa possui no mundo fático, submetendo-a, ou o respectivo patrimônio, aos resultados de suas ações, que, quando contrários à ordem jurídica, geram-lhe no campo civil, a obrigação de ressarcir o dano, ao atingir componentes pessoais, morais ou patrimoniais da esfera jurídica de outrem.”
Come se vê, estão presentes os pressupostos ensejadores do dever de indenizar, com a finalidade de compensar o sofrimento experimentado pelo requerente, além do caráter pedagógico da medida no intuito de coibir ações ou omissões capazes de provocar novos infortúnios.
Quanto ao valor arbitrado pelo MM Juiz a quo, verifico ter sido fixado em harmonia com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mormente se se levar em consideração o período de 204 (duzentos e quatro) dias, em que o autor deixou de prover os meios necessários ao sustento de sua mulher e filho, pois teve cerceado indevidamente o exercício de seu labor diário como taxista.
No caso do dano moral, a fixação do quantum indenizatório ancora-se na necessidade de compensação, com o escopo de minorar os efeitos psicológicos e traumáticos causados pelo ato danoso.
Sobre a matéria, leciona YUSSEF SAID CAHALI que:
"no estágio atual de nosso direito, com a consagração definitiva, até constitucional, do princípio da reparabilidade do dano moral, não mais se questiona que esses sentimentos feridos pela dor moral comportam ser indenizados; não se trata de ressarcir o prejuízo material representado pela perda de um familiar economicamente proveitoso, mas de reparar a dor com bens de natureza distinta, de caráter compensatório e que, de alguma forma, servem como lenitivo" (Dano moral. p. 111).
No presente caso, revela-se indiscutível a dor e o sofrimento suportados pelo requerente, visto que restou privado de sua liberdade, da convivência com seus familiares e amigos e de seu trabalho, além da humilhação de ver sua foto estampada em página policial de periódico de grande circulação no estado, por prisão relacionada a tráfico de entorpecente, em virtude de negligência da autoridade policial.
Em relação à fixação do quantum indenizatório do dano moral, o julgador, ao arbitrá-lo, deve analisar as peculiaridades do caso, levando em consideração a equidade e todas as diretrizes estabelecidas na doutrina e na jurisprudência. Neste sentido, verifico que o MM juiz a quo atuou em harmonia com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não havendo necessidade de qualquer alteração do valor consignado a título de indenização por danos morais.
Em apoio ao entendimento ora esposado, transcrevo excertos do voto proferido por S. Exa., Ministro Luiz Fux, no julgamento do Recurso Especial nº. 612.108/PR, publicado no Diário da Justiça de 03 de novembro de 2004:
“( ... )
“Sob esse enfoque temos assentado que ‘a exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que ‘todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos’. Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual’ (REsp 612.108/PR, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 03.11.2004). 12. Recurso especial desprovido. (STJ – REsp 802.435/PE – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 30.10.2006)”
Diante do exposto, integro a sentença de primeiro grau.
É como voto.
Boa Vista, 1º. De outubro de 2009.
Des. Robério Nunes – Relator
Câmara Única – Turma Cível
Reexame Necessário nº. 09.011644-2
Autor: Ronaldo da Silva Marinho
Réu: O Estado de Roraima
Relator: Exmo. Sr. Des. Robério Nunes
ACÓRDÃO
EMENTA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – REEXAME NECESSÁRIO – PRISÃO INDEVIDA – DURAÇÃO 204 DIAS – INEXISTÊNCIA DE PROVA DE PRÁTICA DE CRIME - INSTRUÇÃO CRIMINAL – ABSOLVIÇÃO – DANOS MORAIS COMPROVADOS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – DEVER DE INDENIZAR.
1 - Comprovada a negligência do agente público, a lesão a terceiro e o nexo de causalidade, caracterizada está a responsabilidade civil do estado, devendo responder pelo dano causado, independentemente da aferição de culpa.
2 - É pacífica na doutrina e na jurisprudência pátria a possibilidade de condenação do estado ao pagamento de indenização por danos morais decorrente de privação ilegal da liberdade do cidadão, em decorrência de negligência de seus agentes, por atuação sem observação das cautelas necessárias ao desenvolvimento regular de suas funções.
3 - O valor do quantum indenizatório fixado pelo MM Juiz a quo deve ser mantido quando observadas as diretrizes estabelecidas na doutrina e na jurisprudência, mormente no que se refere aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Reexame Necessário, acordam, à unanimidade de votos, os eminentes Desembargadores integrantes da Câmara Única do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, em integrar a sentença monocrática, nos termos do voto do relator.
Boa Vista, sala das sessões do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, 1º de outubro de 2009.
Des. Mauro Campello – Presidente/Revisor
Des. Robério Nunes - Relator
Des. Ricardo Oliveira - Julgador
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4194, Boa Vista, 7 de novembro de 2009, p. 03.
( : 01/10/2009 ,
: XII ,
: 3 ,
Data do Julgamento
:
01/10/2009
Data da Publicação
:
07/11/2009
Classe/Assunto
:
Reexame Necessário )
Relator(a)
:
DES. ROBERIO NUNES DOS ANJOS
Tipo
:
Acórdão
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