TJRR 10090118547
APELAÇÃO CÍVEL N.º 0010.09.011854-7
Apelante: O Estado de Roraima
Procurador do Estado: Marcos Gil Barbosa Dias
Apelada: Oriana Barreiros Mendonça
Advogados: Alexander Ladilau Menezes e Outros
Relator: DES. MAURO CAMPELLO
DECISÃO
Trata-se de Apelação Cível ajuizada pelo Estado de Roraima, contra sentença que julgou procedente o pedido, declarando a ilegalidade do exame psicotécnico realizado durante o Curso de Formação de Soldados do Quadro da Polícia Militar do Estado de Roraima e via de conseqüência, determinando a reintegração da apelada ao referido curso.
Em suas razões de fls.114/132, alega preliminarmente, as seguintes questões: a) cerceamento de defesa; b) carência de ação; c) legalidade da avaliação psicológica; d) legalidade da avaliação psicológica segundo a Lei Complementar n.º 051/2001; e) princípio da harmonia entre os Poderes; f) princípio da segurança pública; g) princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e eficiência; h) limites constitucionais de despesa pública.
Por fim, requer no mérito a improcedência do pedido, ou no caso do acolhimento das preliminares a extinção do processo sem resolução do mérito (art., 267, VI, do CPC), ou, ainda, o reconhecimento do cerceamento de defesa.
Em contrarrazões requer o apelado a manutenção da sentença em todos os seus termos.
Face ao reiterado posicionamento da Procuradoria de Justiça em abster-se de intervir em feitos desta natureza, deixei de encaminhar os autos para parecer
É o relatório.
Atendidos os pressupostos recursais, fica permitida a análise do feito.
A priori, dispõe o art. 557 do CPC:
“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.”
Seguindo tal permissivo legal, passo a decidir.
Em razão da existência de preliminar de cerceamento de defesa relevante para o deslinde da apelação, analiso-a primeiramente.
A sentença recorrida, indeferiu o pedido de apreciação do exame psicológico, em virtude da matéria ser unicamente de direito, não havendo a necessidade de produção de provas em audiência, julgando, assim, antecipadamente a lide.
Assiste razão o douto juízo de 1º grau, quando afirma ser a matéria unicamente de direito, posto que não a que se falar em apreciação do exame psicotécnico por meio de peritos arrolados pelas partes, tendo em vista que a ação ajuizada é justamente em razão da parte não ter acesso ao referido laudo.
Diante de tal fato deixo de acolher a preliminar suscitada.
Por confundirem-se com o cerne da questão, passo a analisar as demais preliminares no decorrer do mérito.
Compulsando os autos, discute-se no mesmo a legalidade do exame psicotécnico exigido no Curso de Formação da Policial Militar do Estado de Roraima.
Nos Tribunais de Justiça, inclusive nas Cortes Superiores, tornou-se pacífico o entendimento de que é admissível a exigência, contida em Edital de concurso público para provimento de determinados cargos, de aprovação em exame psicotécnico.
Entretanto, é imprescindível a ocorrência de alguns requisitos, a saber: 1º) a exigência do exame psicotécnico deve estar prevista em lei stricto sensu, sendo insuficiente sua mera previsão no edital, e, 2º) os testes não podem ser realizados segundo critérios subjetivos e sigilosos, sem previsão de recurso, o que de ordinário, dificulta a tarefa do Judiciário em verificar eventual lesão de direito individual pelo uso destes critérios, violando o princípio da impessoalidade e gerando possibilidade de preterição de ordem subjetiva, caracterizadora de eventual ato discriminatório ou segregatório.
A Carta Magna em seu art. 37, incisos I e II trata das condições para o acesso aos cargos públicos:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"
"I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;"
"II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;"
Destarte, vê-se que a exigência de aprovação em exame psicotécnico somente é possível quando decorrer de expressa previsão legal – lei strictu sensu.
Registre-se por oportuno o enunciado da Súmula 686 da Corte Superior de Justiça:
“Súmula 686 – Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.
No caso em tela, há previsão legal a exigir que os candidatos à Admissão ao Quadro da Polícia Militar do Estado de Roraima devam se sujeitar à habilitação em exame psicotécnico.
A LC n.º 051/01, que dispõe sobre a carreira, a remuneração e o quadro de organização e distribuição do efetivo da Polícia Militar do Estado de Roraima, prevê, em seu art. 11, caput e § 1.º, que o exame psicológico será realizado durante o Curso de Formação.
Assim, quanto a este 1º requisito, não merece reparo a atitude da Polícia Militar de Roraima, contudo, quanto ao 2º requisito, este não se encontra presente.
Os critérios descritos no Edital do concurso, fls.38/39 se referem à 4ª fase do concurso e não ao Curso de Formação. O referido edital elencou os aspectos que seriam avaliados no teste psicológico previsto como uma das fases do certame. Entretanto, o mesmo não se pode aferir em relação ao exame aplicado durante o Curso de Formação. Houve, assim, desrespeito a preceitos essenciais para a sua validade.
Ademais, não foi oportunizado ao apelado o conhecimento das razões que justificaram sua inaptidão, fls.32/33.
Nesse contexto, a administração pública limitou-se a divulgar uma lista dos considerados recomendados e não-recomendados pelo exame, o que, obviamente, inviabilizou a interposição de recurso devidamente fundamentado, em manifesta afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, isonomia, legalidade, impessoalidade, motivação e publicidade.
Dessa forma, restou fulminado o requisito da objetividade, pois, segundo o STJ, “a revisibilidade do resultado do exame psicotécnico e a publicidade são fundamentais para se alcançar a mais ampla objetividade que o processo de seleção possa exigir” (RMS 14395/PI, Rel. Min. Paulo Medina, 6.ª Turma, DJ 26/04/2004, p. 220).
Conclui-se, portanto, ter havido ofensa a diversos princípios básicos constitucionais, o que legitima a intervenção do Poder Judiciário, conforme já decidiu o STF:
“(...) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE – CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADO DA PMDF – EXAME PSICOTÉCNICO – CANDIDATO NÃO RECOMENDADO – ATO ADMINISTRATIVO PASSÍVEL DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO – SUJEIÇÃO ÀS CONCLUSÕES EXCLUSIVAS DO AVALIADOR – INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA A SUA REALIZAÇÃO – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E AMPLA DEFESA – PERMANÊNCIA DA APELADA NAS DEMAIS ETAPAS DO CERTAME SEM A NECESSIDADE DE SUBMISSÃO À NOVA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA – SENTENÇA MANTIDA – APELO IMPROVIDO. (...) II. Embora dotados de certa dose de discricionariedade, ao Poder Judiciário é permitida a análise da legalidade e legitimidade dos atos administrativos, constatando-se que, no particular, houve afronta a alguns princípios básicos constitucionais, a exemplo do princípio da legalidade e da ampla defesa, vez que a candidata foi considerada não recomendada na avaliação psicológica a que foi submetida, sem que lhe tivessem sido objetivamente esclarecidos os critérios a tanto erigidos pela banca examinadora. III. Outrossim, não se mostra legítima, tampouco razoável, a submissão do exame psicotécnico às conclusões exclusivas do avaliador, pois, se assim fosse, estar-se-ia oportunizando a eliminação de candidatos arbitrariamente.” (STF, trecho do voto condutor proferido no Ag. Reg. no AI 584.574-1/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 06/06/2006, DJ 30/06/2006).
Quanto às alegações de ofensa aos princípios da separação dos poderes, segurança pública, proporcionalidade, razoabilidade e eficiência, também não assiste razão ao Apelante. Isso porque, mesmo tratando de ato discricionário da Administração, o Judiciário tem o condão de revê-lo ou anulá-lo caso observe ilegalidade resultante de abuso ou desvio de poder. Consoante ao tema, Hely Lopes Meirelles explica:
" [...] os concursos não têm forma ou procedimento estabelecido na Constituição, mas é de toda conveniência que sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os candidatos se inteirem de suas bases e matérias exigidas. Suas normas, desde que conformes com a CF e a lei, obrigam tanto os candidatos quanto a Administração. Como atos administrativos, devem ser realizados através de bancas ou comissões examinadoras, regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos dos quadros do funcionalismo ou não, e com recurso para órgãos superiores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis. De qualquer forma, caberá sempre reapreciação judicial do resultado dos concursos, limitada ao aspecto da ilegalidade da constituição das bancas ou comissões examinadoras, dos critérios adotados para o julgamento e classificação dos candidatos. Isso porque nenhuma lesão ou ameaça a direito individual poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5º. XXXV)." ( Direito Administrativo Brasileiro, 33ª edição, pág. 437)- grifo nosso.
Outrossim, as regras de um concurso público tratam-se de ato administrativo vinculado, sujeito, pois, ao controle de legalidade pelo Judiciário.
Se o edital prevê avaliação psicológica ausente de fundamento legal, ao assim determinar, torna um ato vinculado eivado de ilegalidade, o qual jamais poderá ser validado pelo Judiciário apenas em respeito aos demais princípios que regem a atuação da Administração Pública.
A suscitada violação ao art. 169, §1º, da CF também não procede.
O Recorrente simplesmente alega a infringência à Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não produziu qualquer prova nesse sentido, sendo que não basta a mera alegação de existência de vícios, faz-se necessário prová-los.
Sendo assim, quaisquer que sejam a procedência, a natureza e o objeto do ato, se abrigar a possibilidade de lesão a direito individual ou ao patrimônio público, ficará sujeito à apreciação judicial, exatamente para que a Justiça diga se foi ou não praticado com fidelidade à lei e se ofendeu direitos do indivíduo ou interesses da coletividade.
Gize-se que a matéria não é noviça nesta Corte, conforme se abstrai dos precedentes que perfilham dessa afirmação, in verbis:
“AÇÃO ORDINÁRIA. DECISÃO QUE CONCEDEU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA MANTER A AGRAVADA NO CARGO DE POLICIAL MILITAR, E PARA DETERMINAR SUA REINTEGRAÇÃO À ACADEMIA DE POLÍCIA. CANDIDATA REPROVADA NO EXAME PSICOLÓGICO REALIZADO DURANTE O CURSO DE FORMAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR. IMPOSSIBILIDADE DE ACESSO AO LAUDO DE AVALIAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.( Número do Processo: 10070082200 Tipo: Acórdão Relator: DES. ALMIRO PADILHA Julgado em: 07/10/2008 Publicado em: 18/10/2008)”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – CANDIDATO REPROVADO NO EXAME PSICOLÓGICO REALIZADO DURANTE O CURSO DE FORMAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR. IMPOSSIBILIDADE DE ACESSO AO LAUDO DE AVALIAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.( Número do Processo: 10080102873 Tipo: Acórdão Relator: JUIZA TANIA MARIA VASCONCELOS DIAS DE SOUZA CRUZ Julgado em: 21/10/2008 Publicado em: 24/10/2008)”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO ANTECIPATÓRIA DOS EFEITOS DA TUTELA. MANUTENÇÃO PROVISÓRIA DA RECORRIDA NO CARGO DE POLICIAL MILITAR DE 2ª CLASSE. REPROVAÇÃO EM EXAME PSICOLÓGICO PREVISTO EM LEI. AUSÊNCIA DE ASPECTOS A SEREM ANALISADOS. INOBSERVÂNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA TANTO. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. 1. O teste psicológico deve observar, além da previsão legal, critérios objetivos previamente divulgados aos candidatos. 2. Recurso a que se nega provimento.( Número do Processo: 10090114017 Tipo: Acórdão Relator: DES. JOSE PEDRO FERNANDES Julgado em: 15/09/2009 Publicado em: 10/10/2009)”
Assim, com apoio da jurisprudência dominante deste sodalício e do Supremo Tribunal Federal, bem como autorizado pelo art. 557 do CPC, conheço do recurso, e nego-lhe provimento, mantendo na íntegra a sentença a quo.
Publique-se. Intimem-se.
Boa Vista, 17 de dezembro de 2009.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4238, Boa Vista, 15 de janeiro de 2010, p. 008.
( : 17/12/2009 ,
: XIII ,
: 8 ,
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL N.º 0010.09.011854-7
Apelante: O Estado de Roraima
Procurador do Estado: Marcos Gil Barbosa Dias
Apelada: Oriana Barreiros Mendonça
Advogados: Alexander Ladilau Menezes e Outros
Relator: DES. MAURO CAMPELLO
DECISÃO
Trata-se de Apelação Cível ajuizada pelo Estado de Roraima, contra sentença que julgou procedente o pedido, declarando a ilegalidade do exame psicotécnico realizado durante o Curso de Formação de Soldados do Quadro da Polícia Militar do Estado de Roraima e via de conseqüência, determinando a reintegração da apelada ao referido curso.
Em suas razões de fls.114/132, alega preliminarmente, as seguintes questões: a) cerceamento de defesa; b) carência de ação; c) legalidade da avaliação psicológica; d) legalidade da avaliação psicológica segundo a Lei Complementar n.º 051/2001; e) princípio da harmonia entre os Poderes; f) princípio da segurança pública; g) princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e eficiência; h) limites constitucionais de despesa pública.
Por fim, requer no mérito a improcedência do pedido, ou no caso do acolhimento das preliminares a extinção do processo sem resolução do mérito (art., 267, VI, do CPC), ou, ainda, o reconhecimento do cerceamento de defesa.
Em contrarrazões requer o apelado a manutenção da sentença em todos os seus termos.
Face ao reiterado posicionamento da Procuradoria de Justiça em abster-se de intervir em feitos desta natureza, deixei de encaminhar os autos para parecer
É o relatório.
Atendidos os pressupostos recursais, fica permitida a análise do feito.
A priori, dispõe o art. 557 do CPC:
“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.”
Seguindo tal permissivo legal, passo a decidir.
Em razão da existência de preliminar de cerceamento de defesa relevante para o deslinde da apelação, analiso-a primeiramente.
A sentença recorrida, indeferiu o pedido de apreciação do exame psicológico, em virtude da matéria ser unicamente de direito, não havendo a necessidade de produção de provas em audiência, julgando, assim, antecipadamente a lide.
Assiste razão o douto juízo de 1º grau, quando afirma ser a matéria unicamente de direito, posto que não a que se falar em apreciação do exame psicotécnico por meio de peritos arrolados pelas partes, tendo em vista que a ação ajuizada é justamente em razão da parte não ter acesso ao referido laudo.
Diante de tal fato deixo de acolher a preliminar suscitada.
Por confundirem-se com o cerne da questão, passo a analisar as demais preliminares no decorrer do mérito.
Compulsando os autos, discute-se no mesmo a legalidade do exame psicotécnico exigido no Curso de Formação da Policial Militar do Estado de Roraima.
Nos Tribunais de Justiça, inclusive nas Cortes Superiores, tornou-se pacífico o entendimento de que é admissível a exigência, contida em Edital de concurso público para provimento de determinados cargos, de aprovação em exame psicotécnico.
Entretanto, é imprescindível a ocorrência de alguns requisitos, a saber: 1º) a exigência do exame psicotécnico deve estar prevista em lei stricto sensu, sendo insuficiente sua mera previsão no edital, e, 2º) os testes não podem ser realizados segundo critérios subjetivos e sigilosos, sem previsão de recurso, o que de ordinário, dificulta a tarefa do Judiciário em verificar eventual lesão de direito individual pelo uso destes critérios, violando o princípio da impessoalidade e gerando possibilidade de preterição de ordem subjetiva, caracterizadora de eventual ato discriminatório ou segregatório.
A Carta Magna em seu art. 37, incisos I e II trata das condições para o acesso aos cargos públicos:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"
"I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;"
"II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;"
Destarte, vê-se que a exigência de aprovação em exame psicotécnico somente é possível quando decorrer de expressa previsão legal – lei strictu sensu.
Registre-se por oportuno o enunciado da Súmula 686 da Corte Superior de Justiça:
“Súmula 686 – Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.
No caso em tela, há previsão legal a exigir que os candidatos à Admissão ao Quadro da Polícia Militar do Estado de Roraima devam se sujeitar à habilitação em exame psicotécnico.
A LC n.º 051/01, que dispõe sobre a carreira, a remuneração e o quadro de organização e distribuição do efetivo da Polícia Militar do Estado de Roraima, prevê, em seu art. 11, caput e § 1.º, que o exame psicológico será realizado durante o Curso de Formação.
Assim, quanto a este 1º requisito, não merece reparo a atitude da Polícia Militar de Roraima, contudo, quanto ao 2º requisito, este não se encontra presente.
Os critérios descritos no Edital do concurso, fls.38/39 se referem à 4ª fase do concurso e não ao Curso de Formação. O referido edital elencou os aspectos que seriam avaliados no teste psicológico previsto como uma das fases do certame. Entretanto, o mesmo não se pode aferir em relação ao exame aplicado durante o Curso de Formação. Houve, assim, desrespeito a preceitos essenciais para a sua validade.
Ademais, não foi oportunizado ao apelado o conhecimento das razões que justificaram sua inaptidão, fls.32/33.
Nesse contexto, a administração pública limitou-se a divulgar uma lista dos considerados recomendados e não-recomendados pelo exame, o que, obviamente, inviabilizou a interposição de recurso devidamente fundamentado, em manifesta afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, isonomia, legalidade, impessoalidade, motivação e publicidade.
Dessa forma, restou fulminado o requisito da objetividade, pois, segundo o STJ, “a revisibilidade do resultado do exame psicotécnico e a publicidade são fundamentais para se alcançar a mais ampla objetividade que o processo de seleção possa exigir” (RMS 14395/PI, Rel. Min. Paulo Medina, 6.ª Turma, DJ 26/04/2004, p. 220).
Conclui-se, portanto, ter havido ofensa a diversos princípios básicos constitucionais, o que legitima a intervenção do Poder Judiciário, conforme já decidiu o STF:
“(...) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE – CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADO DA PMDF – EXAME PSICOTÉCNICO – CANDIDATO NÃO RECOMENDADO – ATO ADMINISTRATIVO PASSÍVEL DE APRECIAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO – SUJEIÇÃO ÀS CONCLUSÕES EXCLUSIVAS DO AVALIADOR – INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA A SUA REALIZAÇÃO – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E AMPLA DEFESA – PERMANÊNCIA DA APELADA NAS DEMAIS ETAPAS DO CERTAME SEM A NECESSIDADE DE SUBMISSÃO À NOVA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA – SENTENÇA MANTIDA – APELO IMPROVIDO. (...) II. Embora dotados de certa dose de discricionariedade, ao Poder Judiciário é permitida a análise da legalidade e legitimidade dos atos administrativos, constatando-se que, no particular, houve afronta a alguns princípios básicos constitucionais, a exemplo do princípio da legalidade e da ampla defesa, vez que a candidata foi considerada não recomendada na avaliação psicológica a que foi submetida, sem que lhe tivessem sido objetivamente esclarecidos os critérios a tanto erigidos pela banca examinadora. III. Outrossim, não se mostra legítima, tampouco razoável, a submissão do exame psicotécnico às conclusões exclusivas do avaliador, pois, se assim fosse, estar-se-ia oportunizando a eliminação de candidatos arbitrariamente.” (STF, trecho do voto condutor proferido no Ag. Reg. no AI 584.574-1/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 06/06/2006, DJ 30/06/2006).
Quanto às alegações de ofensa aos princípios da separação dos poderes, segurança pública, proporcionalidade, razoabilidade e eficiência, também não assiste razão ao Apelante. Isso porque, mesmo tratando de ato discricionário da Administração, o Judiciário tem o condão de revê-lo ou anulá-lo caso observe ilegalidade resultante de abuso ou desvio de poder. Consoante ao tema, Hely Lopes Meirelles explica:
" [...] os concursos não têm forma ou procedimento estabelecido na Constituição, mas é de toda conveniência que sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os candidatos se inteirem de suas bases e matérias exigidas. Suas normas, desde que conformes com a CF e a lei, obrigam tanto os candidatos quanto a Administração. Como atos administrativos, devem ser realizados através de bancas ou comissões examinadoras, regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos dos quadros do funcionalismo ou não, e com recurso para órgãos superiores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis. De qualquer forma, caberá sempre reapreciação judicial do resultado dos concursos, limitada ao aspecto da ilegalidade da constituição das bancas ou comissões examinadoras, dos critérios adotados para o julgamento e classificação dos candidatos. Isso porque nenhuma lesão ou ameaça a direito individual poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5º. XXXV)." ( Direito Administrativo Brasileiro, 33ª edição, pág. 437)- grifo nosso.
Outrossim, as regras de um concurso público tratam-se de ato administrativo vinculado, sujeito, pois, ao controle de legalidade pelo Judiciário.
Se o edital prevê avaliação psicológica ausente de fundamento legal, ao assim determinar, torna um ato vinculado eivado de ilegalidade, o qual jamais poderá ser validado pelo Judiciário apenas em respeito aos demais princípios que regem a atuação da Administração Pública.
A suscitada violação ao art. 169, §1º, da CF também não procede.
O Recorrente simplesmente alega a infringência à Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não produziu qualquer prova nesse sentido, sendo que não basta a mera alegação de existência de vícios, faz-se necessário prová-los.
Sendo assim, quaisquer que sejam a procedência, a natureza e o objeto do ato, se abrigar a possibilidade de lesão a direito individual ou ao patrimônio público, ficará sujeito à apreciação judicial, exatamente para que a Justiça diga se foi ou não praticado com fidelidade à lei e se ofendeu direitos do indivíduo ou interesses da coletividade.
Gize-se que a matéria não é noviça nesta Corte, conforme se abstrai dos precedentes que perfilham dessa afirmação, in verbis:
“AÇÃO ORDINÁRIA. DECISÃO QUE CONCEDEU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA MANTER A AGRAVADA NO CARGO DE POLICIAL MILITAR, E PARA DETERMINAR SUA REINTEGRAÇÃO À ACADEMIA DE POLÍCIA. CANDIDATA REPROVADA NO EXAME PSICOLÓGICO REALIZADO DURANTE O CURSO DE FORMAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR. IMPOSSIBILIDADE DE ACESSO AO LAUDO DE AVALIAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.( Número do Processo: 10070082200 Tipo: Acórdão Relator: DES. ALMIRO PADILHA Julgado em: 07/10/2008 Publicado em: 18/10/2008)”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – CANDIDATO REPROVADO NO EXAME PSICOLÓGICO REALIZADO DURANTE O CURSO DE FORMAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR. IMPOSSIBILIDADE DE ACESSO AO LAUDO DE AVALIAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.( Número do Processo: 10080102873 Tipo: Acórdão Relator: JUIZA TANIA MARIA VASCONCELOS DIAS DE SOUZA CRUZ Julgado em: 21/10/2008 Publicado em: 24/10/2008)”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO ANTECIPATÓRIA DOS EFEITOS DA TUTELA. MANUTENÇÃO PROVISÓRIA DA RECORRIDA NO CARGO DE POLICIAL MILITAR DE 2ª CLASSE. REPROVAÇÃO EM EXAME PSICOLÓGICO PREVISTO EM LEI. AUSÊNCIA DE ASPECTOS A SEREM ANALISADOS. INOBSERVÂNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA TANTO. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. 1. O teste psicológico deve observar, além da previsão legal, critérios objetivos previamente divulgados aos candidatos. 2. Recurso a que se nega provimento.( Número do Processo: 10090114017 Tipo: Acórdão Relator: DES. JOSE PEDRO FERNANDES Julgado em: 15/09/2009 Publicado em: 10/10/2009)”
Assim, com apoio da jurisprudência dominante deste sodalício e do Supremo Tribunal Federal, bem como autorizado pelo art. 557 do CPC, conheço do recurso, e nego-lhe provimento, mantendo na íntegra a sentença a quo.
Publique-se. Intimem-se.
Boa Vista, 17 de dezembro de 2009.
DES. MAURO CAMPELLO
Relator
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4238, Boa Vista, 15 de janeiro de 2010, p. 008.
( : 17/12/2009 ,
: XIII ,
: 8 ,
Data do Julgamento
:
17/12/2009
Data da Publicação
:
15/01/2010
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. MAURO JOSE DO NASCIMENTO CAMPELLO
Tipo
:
Decisão Monocrática
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