TJRR 10090123968
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 010 09 012396-8
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
APELADA: JONATHAS EDMUNDO DOS PRAZERES
RELATOR: EXMO. SR. DES. ROBÉRIO NUNES
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação cível aviado pelo Estado de Roraima em face da sentença (fls. 158/163) proferida pelo MM. Juiz de Direito da 8ª Vara Cível desta Comarca que, nos autos da ação de indenização n.º 010.08.188828-0, julgou procedente o pedido, nos seguintes termos, verbis:
“Isto posto, julgo procedente o pedido inicial, extinguindo o processo com julgamento do mérito, com fulcro no art. 269, I, CPC, condenando o Réu a pagar os Autores (Eliana Souza dos Prazeres e Jonathas Edmundo Souza dos Prazeres), a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), para cada um, com correção monetária pelo índice adotado pelo Poder Judiciário Estadual ou outro que venha a substituí-lo e juros de um por cento ao mês capitalizados anualmente, a partir desta data.
Condeno a parte ré ainda, em honorários advocatícios fixados, em 10% do valor da condenação. Sem custas..” sic
O apelante argúi, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do requerente, tendo em vista que a suposta companheira e filhos do falecido, titulares do direito de ação, já deram início ao pleito judicial, excluindo a legitimidade de outros parentes, e a sua ilegitimidade passiva, em razão da ausência de imputação de ato ilícito aos agentes carcerários.
No mérito, sustenta a ausência de responsabilidade dada a inexistência de comprovação de culpa administrativa e, na hipótese de manutenção da sentença, requer a redução do valor da condenação e a exclusão dos danos materiais.
Contra-razões pela manutenção do decisum (fls. 185/201).
Encaminhados os autos ao representante do Ministério Público, este se absteve de intervir no feito.
É o relatório.
À douta revisão, nos termos do art. 178, IV do RITJRR.
Boa Vista, 22 de março de 2010.
Des. Robério Nunes
Relator
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 010 09 012396-8
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
APELADA: JONATHAS EDMUNDO DOS PRAZERES
RELATOR: EXMO. SR. DES. ROBÉRIO NUNES
VOTO
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO APELADO
A decisão recorrida está em harmonia com o entendimento jurisprudencial do STJ sobre a possibilidade de os irmãos pleitearem indenização por danos morais em razão do falecimento de outro irmão. Neste sentido:
"Os irmãos têm direito à reparação do dano moral sofrido com a morte de outro irmão, haja vista que o falecimento da vítima provoca dores, sofrimentos e traumas aos familiares próximos, sendo irrelevante qualquer relação de dependência econômica entre eles" (AgRg nos EDcl no Ag 678.435/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 11.09.2006)
"A irmã da vítima tem direito à reparação do dano moral. Precedentes do STJ" (REsp n. 596.102/RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 27.3.2006).
Assim, rejeito a preliminar.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
Não merece acolhimento a alegação de ilegitimidade passiva.
A morte ocorreu no interior da penitenciária estadual, devendo o estado compor a lide, por força do estabelecido no art. 37, § 6º da Constituição Federal.
Ademais, o art. 5º, XLIX da CF, assegura aos presos sua integridade física e moral durante o cumprimento da pena.
Por estas razões, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva, passando ao exame do mérito.
MÉRITO
Dois são os fundamentos básicos da irresignação estatal na tentativa da reforma da sentença de piso que o condenou a indenizar a recorrida na quantia de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), a título de danos morais, pelo fato da morte de seu irmão dentro do presídio, pela omissão no seu dever de zelar pela integridade física dos detentos. Assevera a necessidade de prova, posto ser subjetiva a culpa nas hipóteses de omissão, e a exorbitância da quantia fixada.
Certo que a Constituição da República erige como regra geral o dever de indenizabilidade do Estado na presunção de sua culpa objetiva, equivale dizer dispensar-se a prova do fenômeno culposo nas ações dos prepostos estatais. É a regra do art. 37, §6º, da Constituição Federal:
“As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvando direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
Esta regra, contudo, não prevalece em todas as relações em que o Estado figure passivamente nas cobranças de indenização do dano moral, posto existirem situações que ensejam a verificação da culpa para a configuração da sua responsabilidade civil.
Esta exceção se ajusta, sem qualquer dúvida ou discrepância, quando se trata da omissão de possível dever do ente público, hipótese em que, segundo a melhor doutrina e farto repertório jurisprudencial, a responsabilidade é subjetiva, cabendo ao pretendente à indenização o ônus de provar o descumprimento culposo da obrigação do Estado. Há distinguir, nesta hipótese, a omissão específica da omissão genérica; é específica quando o ente estatal tem o dever imediato de evitar o dano e, genérica, quando o dever do Estado constitui-se na prevenção de danos eventuais e incertos aos seus administrados.
Por outro lado, ao adotar o constituinte a teoria do risco administrativo, não o confundiu com o risco integral, não se podendo impor ao estado a responsabilização pelos atos que genericamente lhe incumbia evitar, salvo nas situações em que seus agentes agiram comprovadamente com dolo ou culpa.
Weverton Marcos de Oliveira Góis, em percuciente trabalho sobre “A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal”, asseverou:
“A teoria da responsabilidade subjetiva por atos omissivos, capitaneada por Celso ANTÔNIO Bandeira de Mello, seguindo os ensinamentos de seu pai Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ladeado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho, dentre outros, sustenta, ressalvadas pequenas variações de pensamentos, que a omissão estatal não é causa do resultado danoso, mas sim a sua condição, pelo que para haver responsabilização do Estado por sua conduta omissiva imprescindível a análise do elemento subjetivo.
Destarte, o Estado não seria, propriamente o autor do dano. Sua omissão ou deficiência constituiria condição do dano, esta considerada como um evento que não ocorreu, mas se tivesse ocorrido seria capaz de impedir o resultado.
Argumenta-se que não seria razoável o Estado responder objetivamente por um dano que, a rigor, não causou, mas apenas não atuou no sentido de impedi-lo. Segundo os defensores da teoria subjetiva, nas condutas omissivas o Estado responderá subjetivamente com fundamento na teoria da culpa do serviço, ou faute du service, como denominada pelos franceses. A culpa do serviço, falta do serviço ou, simplesmente, culpa anônima da administração estará caracterizada em três situações, a saber: a ausência do serviço, o serviço defeituoso ou o serviço demorado.
Nesse particular, destaca-se a precisa lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano. E se não foi o autor, só se pode responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo.
Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente modalidades de responsabilidade subjetiva. (MELLO, 2007, p. 976-977). (sic)
Esta é a tendência atual abraçada pela quase unanimidade dos doutrinadores e pela jurisprudência dominante atualmente nos tribunais superiores. Heletícia Oliveira, após apresentar resumidamente considerações de diversos autores sobre a responsabilidade civil do Estado em omissões no exercício da função administrativa, resume magistralmente:
“Com efeito, a análise e interpretação dos diplomas legais, da doutrina e jurisprudência pátrios leva a crer que a responsabilidade será objetiva quando se tratar de atos comissivos, ou seja, quando ocorre a atuação dos servidores públicos: “Por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros”. Contudo, nos caso de conduta omissiva do ente estatal a responsabilidade será subjetiva porque há o anonimato, algo que a Administração não fez quando era exigível que o fizesse. Nesse caso, é necessária a prova de dolo/culpa do Estado que dará direito a respectiva indenização.”
João Agnaldo Donizetti Gandini e Diana Paola da Silva Salomão, em aprofundado estudo sobre a responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva, trazem à colação autores do mais renomado conceito e da mais alta respeitabilidade na área da doutrina administrativa, assim resumida
“Para Celso Antônio Bandeira de Mello deve ser aplicada a Teoria Subjetiva à responsabilidade do Estado por conduta omissiva. Para isso, argumenta o autor que a palavra “causarem” do artigo 37 parágrafo 6.º da Constituição Federal somente abrange os atos comissivos, e não os omissivos, afirmando que estes últimos somente “condicionam” o evento danoso.
Comentando o supracitado artigo constitucional, ensina:
De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado.
Maria Helena Diniz também entende que a teoria subjetiva é a que deverá ser aplicada aos casos de responsabilidade do Estado por conduta omissiva, haja vista ter-se a necessidade de ser avaliada a culpa ou o dolo. Ensina, ainda, que o artigo 15 do antigo Código Civil foi modificado somente em parte pelo artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
Corroborando os ensinamentos acima, a ilustre doutrinadora Odília Ferreira da Luz entende que:
Isso não significa, necessariamente, adoção da tese objetiva com exclusividade, pois ainda existe a responsabilidade decorrente da falta do serviço, que é a regra; na verdade, coexistem a responsabilidade objetiva e a subjetiva, esta fundada na faute de service e não mais na culpa do agente público (a não ser nos casos em que o Estado se iguale juridicamente ao administrado.
Entre estes juristas também estão Caio Tácito e Themístocles Brandão Cavalcanti. O próprio Aguiar Dias, embora manifeste preferência pela responsabilidade objetiva, admite que predomina a teoria subjetiva quando da falta do serviço”.
O Tribunal de Justiça de Roraima, à sua vez, já firmou semelhante entendimento ao julgar a Apelação Cível nº 010.05.004036-8, sendo relator o Eminente Desembargador Almiro Padilha.
“Assevere-se que essa afirmativa refere-se àquelas condutas comissivas dos agentes, pois no que concerne aos atos omissivos, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade civil será subjetiva”.
E ainda, recentemente:
“EMENTA: INDENIZAÇÃO - ADMINISTRATIVO - DANO MORAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO - MORTE DE DETENTO POR OUTROS PRESOS - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA – IMPRESCINDÍVEL A DEMONSTRAÇÃO DA CULPA OU FAUTE DU SERVICE – RECURSO PROVIDO.
Embora vigente a regra geral de responsabilização objetiva do Estado, tratando-se de danos oriundos de comportamentos omissivos aplica-se a responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa administrativa, dada a necessidade de se provar dever de agir do estado.”
(AC 010.09.013225-5, Rel. Des. Robério Nunes, j. em 01.12.09)
O próprio Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 170.014-SP, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão assentou:
“ Responsabilidade civil do Estado. Não há responsabilidade objetiva do Estado, ante a omissão no serviço de vigilância dos presos, quando um desses é assassinado dentro da própria cela por outro detento”.
O Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível n.º 100.112-5/9-00 de relatoria do Desembargador Castilho Barbosa ementou:
“ Responsabilidade Civil do Estado – Morte de preso ocorrida no presídio – Ausência de comprovação do nexo de causalidade (ação ou omissão dos agentes pacíficos e a morte do preso) – Não basta, assim, encontrar-se recolhido em Presídios na ocasião da morte para propiciar indenização – Recurso improvido.” (sic)
No caso sob julgamento, o autor não trouxe qualquer elemento de prova no sentido de firmar a conduta culposa dos agentes do Estado, a ponto de dispensar a produção de outras provas, como se vê da petição de fl. 139, nem mesmo asseverou-a quando trouxe os fatos em que se fundou a pretensão indenizatória na inicial, ao afirmar:
“O crime aconteceu inesperadamente. Não houve rebelião. Como no presídio impera entre os detentos a “lei do silêncio”, ninguém sabe, ninguém viu e ninguém explicou à Requerente as circunstâncias ou causa em que se deu a morte do jovem irmão.
O corpo do irmão do Autor fora encontrado com vários hematomas em sua face e rosto, o que comprova que o mesmo fora executado, descartando a possibilidade de suicídio.
Assim, o irmão do Requerente fora cruelmente assassinado nas dependências e sob a tutela do Estado Requerido, que se não permitiu a prática de tal crime, ao menos se omitiu, no sentido de evitar que outro detento o fizesse”. (sic)
Ressalte-se, ademais, em se tratando de culpa subjetiva, o nexo causal também deve ser objeto da prova, principalmente não sendo a autora ascendente ou descendente do falecido, mas apenas sua irmã, maior de idade e sem anunciar qualquer vínculo de afetividade que não o decorrente da condição fraterna. Não se está a afirmar não haver o recorrido experimentado sofrimento íntimo com o falecimento de seu irmão, o que é obvio e natural. Mas, observando-se ser este sentimento natural, não cabendo ao Estado a indenização das pessoas que expressam a dor, a saudade e outras sequelas do ato decorrentes. Se houvesse uma relação de dependência afetiva, econômica, de convivência mais aprofundada, de laços mais estreitos no relacionamento familiar, poder-se-ia afirmar ser o sofrimento, na hipótese de prova da omissão, indenizável.
Diante do quanto exposto, dou provimento ao apelo para, reformando a sentença de fls. 158/163, julgar improcedente a ação e impor ao vencido os efeitos da sucumbência com o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em R$ 500,00 (quinhentos reais), respeitando o disposto no art. 12 da Lei n.º 1.060/50.
É como voto.
Boa Vista, 13 de abril de 2010.
Des. Robério Nunes – Relator.
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 010 09 012396-8
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
APELADA: JONATHAS EDMUNDO DOS PRAZERES
RELATOR: EXMO. SR. DES. ROBÉRIO NUNES
A C Ó R D Ã O
EMENTA: INDENIZAÇÃO - ADMINISTRATIVO - DANO MORAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO - MORTE DE DETENTO POR OUTROS PRESOS - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA – IMPRESCINDÍVEL A DEMONSTRAÇÃO DA CULPA OU FAUTE DU SERVICE – RECURSO PROVIDO.
Embora vigente a regra geral de responsabilização objetiva do Estado, tratando-se de danos oriundos de comportamentos omissivos aplica-se a responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa administrativa, dada a necessidade de se provar dever de agir do estado.
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam, à unanimidade de votos, os Desembargadores integrantes da Câmara Única, por sua Turma Cível, em dar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.
Boa Vista, Sala de Sessões do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos treze dias do mês de abril do ano de dois mil e dez.
Des. Mauro Campello
Presidente e Revisor
Des. Robério Nunes
Relator
Des. Lupercino Nogueira
Julgador
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4297, Boa Vista, 17 de abril de 2010, p. 004.
( : 13/04/2010 ,
: XIII ,
: 4 ,
Ementa
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 010 09 012396-8
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
APELADA: JONATHAS EDMUNDO DOS PRAZERES
RELATOR: EXMO. SR. DES. ROBÉRIO NUNES
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação cível aviado pelo Estado de Roraima em face da sentença (fls. 158/163) proferida pelo MM. Juiz de Direito da 8ª Vara Cível desta Comarca que, nos autos da ação de indenização n.º 010.08.188828-0, julgou procedente o pedido, nos seguintes termos, verbis:
“Isto posto, julgo procedente o pedido inicial, extinguindo o processo com julgamento do mérito, com fulcro no art. 269, I, CPC, condenando o Réu a pagar os Autores (Eliana Souza dos Prazeres e Jonathas Edmundo Souza dos Prazeres), a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), para cada um, com correção monetária pelo índice adotado pelo Poder Judiciário Estadual ou outro que venha a substituí-lo e juros de um por cento ao mês capitalizados anualmente, a partir desta data.
Condeno a parte ré ainda, em honorários advocatícios fixados, em 10% do valor da condenação. Sem custas..” sic
O apelante argúi, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do requerente, tendo em vista que a suposta companheira e filhos do falecido, titulares do direito de ação, já deram início ao pleito judicial, excluindo a legitimidade de outros parentes, e a sua ilegitimidade passiva, em razão da ausência de imputação de ato ilícito aos agentes carcerários.
No mérito, sustenta a ausência de responsabilidade dada a inexistência de comprovação de culpa administrativa e, na hipótese de manutenção da sentença, requer a redução do valor da condenação e a exclusão dos danos materiais.
Contra-razões pela manutenção do decisum (fls. 185/201).
Encaminhados os autos ao representante do Ministério Público, este se absteve de intervir no feito.
É o relatório.
À douta revisão, nos termos do art. 178, IV do RITJRR.
Boa Vista, 22 de março de 2010.
Des. Robério Nunes
Relator
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 010 09 012396-8
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
APELADA: JONATHAS EDMUNDO DOS PRAZERES
RELATOR: EXMO. SR. DES. ROBÉRIO NUNES
VOTO
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO APELADO
A decisão recorrida está em harmonia com o entendimento jurisprudencial do STJ sobre a possibilidade de os irmãos pleitearem indenização por danos morais em razão do falecimento de outro irmão. Neste sentido:
"Os irmãos têm direito à reparação do dano moral sofrido com a morte de outro irmão, haja vista que o falecimento da vítima provoca dores, sofrimentos e traumas aos familiares próximos, sendo irrelevante qualquer relação de dependência econômica entre eles" (AgRg nos EDcl no Ag 678.435/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 11.09.2006)
"A irmã da vítima tem direito à reparação do dano moral. Precedentes do STJ" (REsp n. 596.102/RJ, Quarta Turma, Relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 27.3.2006).
Assim, rejeito a preliminar.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
Não merece acolhimento a alegação de ilegitimidade passiva.
A morte ocorreu no interior da penitenciária estadual, devendo o estado compor a lide, por força do estabelecido no art. 37, § 6º da Constituição Federal.
Ademais, o art. 5º, XLIX da CF, assegura aos presos sua integridade física e moral durante o cumprimento da pena.
Por estas razões, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva, passando ao exame do mérito.
MÉRITO
Dois são os fundamentos básicos da irresignação estatal na tentativa da reforma da sentença de piso que o condenou a indenizar a recorrida na quantia de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), a título de danos morais, pelo fato da morte de seu irmão dentro do presídio, pela omissão no seu dever de zelar pela integridade física dos detentos. Assevera a necessidade de prova, posto ser subjetiva a culpa nas hipóteses de omissão, e a exorbitância da quantia fixada.
Certo que a Constituição da República erige como regra geral o dever de indenizabilidade do Estado na presunção de sua culpa objetiva, equivale dizer dispensar-se a prova do fenômeno culposo nas ações dos prepostos estatais. É a regra do art. 37, §6º, da Constituição Federal:
“As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvando direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
Esta regra, contudo, não prevalece em todas as relações em que o Estado figure passivamente nas cobranças de indenização do dano moral, posto existirem situações que ensejam a verificação da culpa para a configuração da sua responsabilidade civil.
Esta exceção se ajusta, sem qualquer dúvida ou discrepância, quando se trata da omissão de possível dever do ente público, hipótese em que, segundo a melhor doutrina e farto repertório jurisprudencial, a responsabilidade é subjetiva, cabendo ao pretendente à indenização o ônus de provar o descumprimento culposo da obrigação do Estado. Há distinguir, nesta hipótese, a omissão específica da omissão genérica; é específica quando o ente estatal tem o dever imediato de evitar o dano e, genérica, quando o dever do Estado constitui-se na prevenção de danos eventuais e incertos aos seus administrados.
Por outro lado, ao adotar o constituinte a teoria do risco administrativo, não o confundiu com o risco integral, não se podendo impor ao estado a responsabilização pelos atos que genericamente lhe incumbia evitar, salvo nas situações em que seus agentes agiram comprovadamente com dolo ou culpa.
Weverton Marcos de Oliveira Góis, em percuciente trabalho sobre “A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal”, asseverou:
“A teoria da responsabilidade subjetiva por atos omissivos, capitaneada por Celso ANTÔNIO Bandeira de Mello, seguindo os ensinamentos de seu pai Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ladeado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho, dentre outros, sustenta, ressalvadas pequenas variações de pensamentos, que a omissão estatal não é causa do resultado danoso, mas sim a sua condição, pelo que para haver responsabilização do Estado por sua conduta omissiva imprescindível a análise do elemento subjetivo.
Destarte, o Estado não seria, propriamente o autor do dano. Sua omissão ou deficiência constituiria condição do dano, esta considerada como um evento que não ocorreu, mas se tivesse ocorrido seria capaz de impedir o resultado.
Argumenta-se que não seria razoável o Estado responder objetivamente por um dano que, a rigor, não causou, mas apenas não atuou no sentido de impedi-lo. Segundo os defensores da teoria subjetiva, nas condutas omissivas o Estado responderá subjetivamente com fundamento na teoria da culpa do serviço, ou faute du service, como denominada pelos franceses. A culpa do serviço, falta do serviço ou, simplesmente, culpa anônima da administração estará caracterizada em três situações, a saber: a ausência do serviço, o serviço defeituoso ou o serviço demorado.
Nesse particular, destaca-se a precisa lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano. E se não foi o autor, só se pode responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo.
Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente modalidades de responsabilidade subjetiva. (MELLO, 2007, p. 976-977). (sic)
Esta é a tendência atual abraçada pela quase unanimidade dos doutrinadores e pela jurisprudência dominante atualmente nos tribunais superiores. Heletícia Oliveira, após apresentar resumidamente considerações de diversos autores sobre a responsabilidade civil do Estado em omissões no exercício da função administrativa, resume magistralmente:
“Com efeito, a análise e interpretação dos diplomas legais, da doutrina e jurisprudência pátrios leva a crer que a responsabilidade será objetiva quando se tratar de atos comissivos, ou seja, quando ocorre a atuação dos servidores públicos: “Por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros”. Contudo, nos caso de conduta omissiva do ente estatal a responsabilidade será subjetiva porque há o anonimato, algo que a Administração não fez quando era exigível que o fizesse. Nesse caso, é necessária a prova de dolo/culpa do Estado que dará direito a respectiva indenização.”
João Agnaldo Donizetti Gandini e Diana Paola da Silva Salomão, em aprofundado estudo sobre a responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva, trazem à colação autores do mais renomado conceito e da mais alta respeitabilidade na área da doutrina administrativa, assim resumida
“Para Celso Antônio Bandeira de Mello deve ser aplicada a Teoria Subjetiva à responsabilidade do Estado por conduta omissiva. Para isso, argumenta o autor que a palavra “causarem” do artigo 37 parágrafo 6.º da Constituição Federal somente abrange os atos comissivos, e não os omissivos, afirmando que estes últimos somente “condicionam” o evento danoso.
Comentando o supracitado artigo constitucional, ensina:
De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado.
Maria Helena Diniz também entende que a teoria subjetiva é a que deverá ser aplicada aos casos de responsabilidade do Estado por conduta omissiva, haja vista ter-se a necessidade de ser avaliada a culpa ou o dolo. Ensina, ainda, que o artigo 15 do antigo Código Civil foi modificado somente em parte pelo artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
Corroborando os ensinamentos acima, a ilustre doutrinadora Odília Ferreira da Luz entende que:
Isso não significa, necessariamente, adoção da tese objetiva com exclusividade, pois ainda existe a responsabilidade decorrente da falta do serviço, que é a regra; na verdade, coexistem a responsabilidade objetiva e a subjetiva, esta fundada na faute de service e não mais na culpa do agente público (a não ser nos casos em que o Estado se iguale juridicamente ao administrado.
Entre estes juristas também estão Caio Tácito e Themístocles Brandão Cavalcanti. O próprio Aguiar Dias, embora manifeste preferência pela responsabilidade objetiva, admite que predomina a teoria subjetiva quando da falta do serviço”.
O Tribunal de Justiça de Roraima, à sua vez, já firmou semelhante entendimento ao julgar a Apelação Cível nº 010.05.004036-8, sendo relator o Eminente Desembargador Almiro Padilha.
“Assevere-se que essa afirmativa refere-se àquelas condutas comissivas dos agentes, pois no que concerne aos atos omissivos, é pacífico o entendimento de que a responsabilidade civil será subjetiva”.
E ainda, recentemente:
“ INDENIZAÇÃO - ADMINISTRATIVO - DANO MORAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO - MORTE DE DETENTO POR OUTROS PRESOS - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA – IMPRESCINDÍVEL A DEMONSTRAÇÃO DA CULPA OU FAUTE DU SERVICE – RECURSO PROVIDO.
Embora vigente a regra geral de responsabilização objetiva do Estado, tratando-se de danos oriundos de comportamentos omissivos aplica-se a responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa administrativa, dada a necessidade de se provar dever de agir do estado.”
(AC 010.09.013225-5, Rel. Des. Robério Nunes, j. em 01.12.09)
O próprio Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 170.014-SP, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão assentou:
“ Responsabilidade civil do Estado. Não há responsabilidade objetiva do Estado, ante a omissão no serviço de vigilância dos presos, quando um desses é assassinado dentro da própria cela por outro detento”.
O Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível n.º 100.112-5/9-00 de relatoria do Desembargador Castilho Barbosa ementou:
“ Responsabilidade Civil do Estado – Morte de preso ocorrida no presídio – Ausência de comprovação do nexo de causalidade (ação ou omissão dos agentes pacíficos e a morte do preso) – Não basta, assim, encontrar-se recolhido em Presídios na ocasião da morte para propiciar indenização – Recurso improvido.” (sic)
No caso sob julgamento, o autor não trouxe qualquer elemento de prova no sentido de firmar a conduta culposa dos agentes do Estado, a ponto de dispensar a produção de outras provas, como se vê da petição de fl. 139, nem mesmo asseverou-a quando trouxe os fatos em que se fundou a pretensão indenizatória na inicial, ao afirmar:
“O crime aconteceu inesperadamente. Não houve rebelião. Como no presídio impera entre os detentos a “lei do silêncio”, ninguém sabe, ninguém viu e ninguém explicou à Requerente as circunstâncias ou causa em que se deu a morte do jovem irmão.
O corpo do irmão do Autor fora encontrado com vários hematomas em sua face e rosto, o que comprova que o mesmo fora executado, descartando a possibilidade de suicídio.
Assim, o irmão do Requerente fora cruelmente assassinado nas dependências e sob a tutela do Estado Requerido, que se não permitiu a prática de tal crime, ao menos se omitiu, no sentido de evitar que outro detento o fizesse”. (sic)
Ressalte-se, ademais, em se tratando de culpa subjetiva, o nexo causal também deve ser objeto da prova, principalmente não sendo a autora ascendente ou descendente do falecido, mas apenas sua irmã, maior de idade e sem anunciar qualquer vínculo de afetividade que não o decorrente da condição fraterna. Não se está a afirmar não haver o recorrido experimentado sofrimento íntimo com o falecimento de seu irmão, o que é obvio e natural. Mas, observando-se ser este sentimento natural, não cabendo ao Estado a indenização das pessoas que expressam a dor, a saudade e outras sequelas do ato decorrentes. Se houvesse uma relação de dependência afetiva, econômica, de convivência mais aprofundada, de laços mais estreitos no relacionamento familiar, poder-se-ia afirmar ser o sofrimento, na hipótese de prova da omissão, indenizável.
Diante do quanto exposto, dou provimento ao apelo para, reformando a sentença de fls. 158/163, julgar improcedente a ação e impor ao vencido os efeitos da sucumbência com o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em R$ 500,00 (quinhentos reais), respeitando o disposto no art. 12 da Lei n.º 1.060/50.
É como voto.
Boa Vista, 13 de abril de 2010.
Des. Robério Nunes – Relator.
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 010 09 012396-8
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
APELADA: JONATHAS EDMUNDO DOS PRAZERES
RELATOR: EXMO. SR. DES. ROBÉRIO NUNES
A C Ó R D Ã O
INDENIZAÇÃO - ADMINISTRATIVO - DANO MORAL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO - MORTE DE DETENTO POR OUTROS PRESOS - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA – IMPRESCINDÍVEL A DEMONSTRAÇÃO DA CULPA OU FAUTE DU SERVICE – RECURSO PROVIDO.
Embora vigente a regra geral de responsabilização objetiva do Estado, tratando-se de danos oriundos de comportamentos omissivos aplica-se a responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa administrativa, dada a necessidade de se provar dever de agir do estado.
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, acordam, à unanimidade de votos, os Desembargadores integrantes da Câmara Única, por sua Turma Cível, em dar provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.
Boa Vista, Sala de Sessões do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, aos treze dias do mês de abril do ano de dois mil e dez.
Des. Mauro Campello
Presidente e Revisor
Des. Robério Nunes
Relator
Des. Lupercino Nogueira
Julgador
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4297, Boa Vista, 17 de abril de 2010, p. 004.
( : 13/04/2010 ,
: XIII ,
: 4 ,
Data do Julgamento
:
13/04/2010
Data da Publicação
:
17/04/2010
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. ROBERIO NUNES DOS ANJOS
Tipo
:
Acórdão
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