TJRR 10090131334
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Nº 010.09.013133-4/Boa Vista
Impetrante: Dr. Francisco Salismar Oliveira de Souza, OAB/RR nº 564
Paciente: Khylvio Alves Valões
Autoridade Coatora: MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre– RR
Relator: Des. Mauro Campello
RELATÓRIO
Trata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar impetrado pelo advogado Francisco Salismar Oliveira de Souza em favor do paciente KHYLVIO ALVES VALÕES, preso preventivamente pela prática em tese dos delitos previstos nos artigos 311, § 1º (adulteração de sinal identificador de veículo automotor) e 312 (peculato), ambos do Código Penal Brasileiro, sendo indicado como autoridade coatora o MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre.
A impetração está fundada na desnecessidade da custódia cautelar, na medida em que os seus argumentos estão divorciados da verdade dos fatos.
Aduz o impetrante que a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal (fundamentos do decreto preventivo) somente podem ser invocados quando houver a efetiva demonstração de que, solto, o réu estaria propenso a cometer delitos, ou de alguma forma ameaçaria o bom andamento da instrução processual, o que, segundo alega, não restou demonstrado.
Sustenta, de resto, que sendo o paciente primário, portador de bons antecedentes, possuidor de residência fixa e de profissão definida, imprescindível a comprovação da necessidade da medida, que nada se confunde com descrições genéricas de que o acusado dificultará a busca da verdade real e se furtará à ação da autoridade.
Pugna, liminarmente, pela suspensão dos efeitos da medida constritiva, e, em sede de mérito, a concessão definitiva da ordem.
Às fls. 180/182, a liminar foi deferida.
Parecer Ministerial às fls. 188/193 pela denegação da ordem com a conseqüente cassação da liminar anteriormente concedida.
É o breve relatório.
Boa Vista, 10 de novembro de 2009.
Des. Mauro Campello
Relator
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Nº 010.09.013133-4/Boa Vista
Impetrante: Dr. Francisco Salismar Oliveira de Souza
Paciente: Khylvio Alves Valões
Autoridade Coatora: MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre– RR
Relator: Des. Mauro Campello
VOTO
A meu ver, o habeas corpus deve ser concedido em definitivo.
Khylvio Alves Valões, o paciente, foi preso preventivamente em 24/09/2009 com fundamento na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal, sendo denunciado como incurso nos artigos 311, § 1º (adulteração de sinal identificador de veículo automotor) e 312 (peculato), ambos do Código Penal Brasileiro, em peça que tem o seguinte teor:
“Extrai-se dos autos que no mês de agosto de 2008, chegou ao conhecimento das autoridades policiais deste município, que o denunciado, estava de posse de uma motocicleta Yamaha, modelo XTZ, pertencente ao Ministério da Saúde, mas acautelada para a Secretaria Municipal de Saúde do Município de Alto Alegre, utilizando-a para fins particulares.
No dia 31/08/2009, por volta das 17h00min, na pista de ‘speedway’ localizada na Avenida Duque de Caxias, neste Município, o denunciado foi abordado por policiais militares, para verificação do veículo junto ao CIRETRAN, tendo o mesmo se evadido do local, conduzindo a própria motocicleta.
Através de consulta ao Sistema do DETRAN, pelo agente de trânsito deste município, Elias Pereira Oliveira, foi constatado, que a motocicleta com o motor nº E333E-013788, então de posse do denunciado, é na verdade patrimônio público, pertencente ao Ministério da Saúde e destinada aos serviços da secretaria municipal de saúde de Alto Alegre.
Consta ainda nos autos, que o denunciado alterou as características da referida motocicleta, trocando placa, retirando os retrovisores, piscas, adesivos onde indicava o veículo como propriedade do Ministério da Saúde e fez substituição da cor branca original, pela cor preta.
Foi decretado o Mandado de Busca e Apreensão da Motocicleta, fl. 72, não tendo sido, porém, encontrada.
Devido estarem preenchidos os requisitos legais necessários, para adoção de medida cautelar constritiva de liberdade, foi decretada a Prisão Preventiva do denunciado, fls. 86/87.
Ante o exposto, e de tudo que dos autos consta, o Ministério Público denuncia KHYLVIO ALVES VALÕES, imputando-lhe a prática dos delitos previstos no art. 312 e Art.311, parágrafo 1º, combinados com o art. 69 (concurso material), do Código Penal Brasileiro, requerendo o recebimento da presente exordial e a instauração da conseqüente ação penal, fazendo citá-lo para, querendo, apresentar defesa preliminar, ouvindo-se as testemunhas do rol acusatório, e, ao final, julgada procedente, seja o réu condenado nas penas dos crimes que praticou.”
Pretende o impetrante obter a concessão da ordem de habeas corpus mediante a revogação da prisão preventiva, ao passo que o paciente é possuidor de predicados pessoais favoráveis, como primariedade, bons antecedentes, profissão lícita (servidor municipal), domicílio no distrito da culpa e família constituída.
Argumenta ainda que a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal (fundamentos do decreto preventivo) somente podem ser invocados quando houver a efetiva demonstração de que, solto, o réu estaria propenso a cometer delitos, ou de alguma forma ameaçaria o bom andamento da instrução processual, o que, segundo aduz, não restou evidenciado.
Após, análise dos elementos que instruem o presente feito, tenho que o writ merece ser deferido.
Inicialmente, cumpre assinalar que por ocasião da medida liminar por mim deferida em 15/10/2009, às fls. 180/182, manifestei o entendimento de que a competência para processar e julgar a ação penal pela qual responde o ora paciente seria da Justiça Federal, uma vez que os elementos até então constantes dos autos (especificamente da denúncia acima transcrita) relatavam que a motocicleta noticiada como desaparecida do Hospital Municipal de Alto Alegre, tratava-se de bem pertencente ao Ministério da Saúde e encontrava-se somente acautelada ao município.
Ocorre que ao lançar o judicioso parecer acostado aos autos às fls.188/193, o diligente Procurador-Geral de Justiça, Dr. Alessandro Tramujas Assad, juntou aos autos o Termo de Doação nº 0134/2004, (fls. 194/195) em que é possível concluir que o referido bem passou a integrar efetivamente o patrimônio municipal, fato que justifica, deste modo, a manutenção da competência da Justiça Estadual no processamento do feito em comento.
Todavia, quanto ao mérito, entendo que merece guarida o pedido de revogação da prisão preventiva formulado pela Defesa.
O crime de peculato, na lição do Professor Paulo José da Costa Jr., in Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 1.017, consuma-se “com a efetividade concreta da apropriação ou do desvio, realizando-se este quando o funcionário dá à coisa destino diverso daquele para o qual foi ela entregue”.
Por outro giro, o texto da lei prevê expressamente no art. 312 do CPP que um dos requisitos para decretação da prisão preventiva é a prova da materialidade, e não somente meros indícios.
Desta forma, não sendo demonstrada inequivocamente a “prova da existência do crime”, usando a expressão usada no art. 312 do CPP, entendo que resta inviabilizada a decretação da custódia cautelar, porquanto não deve o magistrado adiantar o cumprimento da pena a ser eventualmente imposta, valendo-se da instrução processual para demonstrar um pressuposto que deve anteceder à adoção de qualquer ato de constrição da liberdade, porquanto se trata, como assinala a jurisprudência pátria, de medida de exceção somente admissível em situações excepcionais, de efetivo risco à comunidade ou à persecução criminal.
Neste sentido:
“A prisão preventiva, pela sistemática do nosso Direito Positivo, é medida de exceção. Só é cabível em situações especiais. Aboliu-se seu caráter obrigatório. Assim, não havendo razões sérias e objetivas para sua decretação e tratando-se de réu primário, sem antecedentes criminais, com profissão definida e residente no foro do delito, não há motivos que a autorizem (TACrimSP, RT 528/315)”
Destarte, não há notícias nos autos do destino da referida motocicleta pertencente ao patrimônio público. O que se tem de concreto até então, é tão-somente o desaparecimento do bem, mas não há como se apontar, neste momento, o paciente como autor do delito, até porque as informações contidas neste feito dão conta somente de versões que ainda carecem de confirmação. Porém, como assinalado anteriormente, se sequer houve a apreensão, não há como se identificar, sem a indispensável perícia técnica, a motocicleta eventualmente conduzida pelo acusado, como sendo aquela subtraída do patrimônio público.
Neste sentido, leciona o Professor Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, 7ª edição, pág. 611, “a materialidade é a prova da existência do crime (...), isto é, a certeza de que ocorreu uma infração penal, não se determinando o recolhimento cautelar de uma pessoa presumidamente inocente, quando há séria dúvida quanto à própria existência do evento típico.”
A propósito, os seguintes precedentes:
“(...) A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. Em razão disso, não se justifica decreto de prisão apegado à gravidade genérica do crime, bem assim, a atos indemonstrados na realidade. O fato de o réu possuir condição financeira peculiar, não demonstra tendência alguma no sentido de intimidar testemunhas, tampouco indica, por si só, perigo concreto à aplicação da Lei Penal.”
(STJ – HC 200600363822 – (55011 SP) – 6ª T. – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJU 12.02.2007 – p. 301)
“(...) Concedida medida liminar para determinar que os acusados aguardem em liberdade a prolação da sentença e não constando haverem concorrido para obstaculizar a instrução criminal, não subsiste razão para que a liminar seja cassada. 3. In casu, a privação da liberdade constitui censurável antecipação de execução provisória de eventual decisão condenatória, conflitando com o preceito constitucional contido no inciso LXI do artigo 5º. 4. Liberdade provisória que se impõe, mormente porque a pena se enquadra em quantidade que permite a fiança. Habeas-corpus deferido.”(STF – HC 80.277/0/São Paulo, Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, D. J. 04.05.2001 ).”
Nesta mesma esteira, a jurisprudência dos tribunais pátrios tem reiteradamente afirmado que toda prisão anterior à condenação transitada em julgado somente pode ser imposta por decisão concretamente fundamentada, mediante a demonstração explícita da sua necessidade, observado o art. 312 do Código de Processo Penal.
Em relação aos fundamentos adotados no decreto constritivo (ameaça à ordem pública e à instrução criminal), a meu ver, não estão estes solidamente demonstrados.
Neste sentido, não se evidenciou concretamente que a restituição da liberdade ao paciente implicaria risco à ordem pública, de modo a propiciar a prática reiterada de delitos por parte do acusado.
Tampouco, em relação à conveniência da instrução criminal, não se tem notícia nos autos de que o paciente efetivamente obstaculizou o bom andamento do processo, não se podendo atribuir ao acusado a informação contida à fl. 28 destes autos, até porque não há qualquer menção ao nome do réu na hipótese ventilada, situando-se o fato no campo da conjectura.
Desta forma, salvo melhor juízo, a situação concreta não revela motivação suficiente para adoção da medida extrema, uma vez que a presunção de inocência consagrada constitucionalmente, impõe a liberdade como regra, e a prisão como medida de exceção, a qual, conforme ensina a mais moderna doutrina e jurisprudência, não deve ser determinada com fundamento tão-somente na garantia do próprio prestígio e segurança da atividade jurisdicional, mas sim na demonstração concreta de sua imprescindibilidade.
Ademais, o paciente é servidor público, primário, com bons antecedentes, residência no distrito da culpa e família constituída, condições que embora isoladamente não sejam suficientes para restituição da liberdade do acusado, devem ser, por outro lado, devidamente consideradas quando associadas a outros elementos de convicção.
Por todo o exposto e em cumprimento ao art. 5º, LXV da Constituição Federal/88, divergindo do douto parecer ministerial, concedo definitivamente a presente ordem de Habeas Corpus.
É como voto.
Boa Vista, 10 de novembro de 2009.
Des. Mauro Campello
Relator
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Nº 010.09.013133-4/Boa Vista
Impetrante: Dr. Francisco Salismar Oliveira de Souza, OAB/RR nº 564
Paciente: Khylvio Alves Valões
Autoridade Coatora: MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre– RR
Relator: Des. Mauro Campello
EMENTA
HABEAS CORPUS – PENAL E PROCESSUAL PENAL – PECULATO E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR - PRISÃO PREVENTIVA - REQUISITOS - NÃO-CONFIGURAÇÃO – ORDEM CONCEDIDA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores da Câmara Única – Turma Criminal – por unanimidade, e em dissonância com o parecer ministerial, em conceder a ordem.
Boa Vista, 10 de novembro de 2009.
Des. Mauro Campello
Presidente/Relator
Des. Lupercino Nogueira
Julgador
Des. Robério Nunes
Julgador
Procuradoria-Geral de Justiça
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4199, Boa Vista, 14 de novembro de 2009, p. 009.
( : 10/11/2009 ,
: XII ,
: 9 ,
Ementa
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Nº 010.09.013133-4/Boa Vista
Impetrante: Dr. Francisco Salismar Oliveira de Souza, OAB/RR nº 564
Paciente: Khylvio Alves Valões
Autoridade Coatora: MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre– RR
Relator: Des. Mauro Campello
RELATÓRIO
Trata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar impetrado pelo advogado Francisco Salismar Oliveira de Souza em favor do paciente KHYLVIO ALVES VALÕES, preso preventivamente pela prática em tese dos delitos previstos nos artigos 311, § 1º (adulteração de sinal identificador de veículo automotor) e 312 (peculato), ambos do Código Penal Brasileiro, sendo indicado como autoridade coatora o MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre.
A impetração está fundada na desnecessidade da custódia cautelar, na medida em que os seus argumentos estão divorciados da verdade dos fatos.
Aduz o impetrante que a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal (fundamentos do decreto preventivo) somente podem ser invocados quando houver a efetiva demonstração de que, solto, o réu estaria propenso a cometer delitos, ou de alguma forma ameaçaria o bom andamento da instrução processual, o que, segundo alega, não restou demonstrado.
Sustenta, de resto, que sendo o paciente primário, portador de bons antecedentes, possuidor de residência fixa e de profissão definida, imprescindível a comprovação da necessidade da medida, que nada se confunde com descrições genéricas de que o acusado dificultará a busca da verdade real e se furtará à ação da autoridade.
Pugna, liminarmente, pela suspensão dos efeitos da medida constritiva, e, em sede de mérito, a concessão definitiva da ordem.
Às fls. 180/182, a liminar foi deferida.
Parecer Ministerial às fls. 188/193 pela denegação da ordem com a conseqüente cassação da liminar anteriormente concedida.
É o breve relatório.
Boa Vista, 10 de novembro de 2009.
Des. Mauro Campello
Relator
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Nº 010.09.013133-4/Boa Vista
Impetrante: Dr. Francisco Salismar Oliveira de Souza
Paciente: Khylvio Alves Valões
Autoridade Coatora: MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre– RR
Relator: Des. Mauro Campello
VOTO
A meu ver, o habeas corpus deve ser concedido em definitivo.
Khylvio Alves Valões, o paciente, foi preso preventivamente em 24/09/2009 com fundamento na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal, sendo denunciado como incurso nos artigos 311, § 1º (adulteração de sinal identificador de veículo automotor) e 312 (peculato), ambos do Código Penal Brasileiro, em peça que tem o seguinte teor:
“Extrai-se dos autos que no mês de agosto de 2008, chegou ao conhecimento das autoridades policiais deste município, que o denunciado, estava de posse de uma motocicleta Yamaha, modelo XTZ, pertencente ao Ministério da Saúde, mas acautelada para a Secretaria Municipal de Saúde do Município de Alto Alegre, utilizando-a para fins particulares.
No dia 31/08/2009, por volta das 17h00min, na pista de ‘speedway’ localizada na Avenida Duque de Caxias, neste Município, o denunciado foi abordado por policiais militares, para verificação do veículo junto ao CIRETRAN, tendo o mesmo se evadido do local, conduzindo a própria motocicleta.
Através de consulta ao Sistema do DETRAN, pelo agente de trânsito deste município, Elias Pereira Oliveira, foi constatado, que a motocicleta com o motor nº E333E-013788, então de posse do denunciado, é na verdade patrimônio público, pertencente ao Ministério da Saúde e destinada aos serviços da secretaria municipal de saúde de Alto Alegre.
Consta ainda nos autos, que o denunciado alterou as características da referida motocicleta, trocando placa, retirando os retrovisores, piscas, adesivos onde indicava o veículo como propriedade do Ministério da Saúde e fez substituição da cor branca original, pela cor preta.
Foi decretado o Mandado de Busca e Apreensão da Motocicleta, fl. 72, não tendo sido, porém, encontrada.
Devido estarem preenchidos os requisitos legais necessários, para adoção de medida cautelar constritiva de liberdade, foi decretada a Prisão Preventiva do denunciado, fls. 86/87.
Ante o exposto, e de tudo que dos autos consta, o Ministério Público denuncia KHYLVIO ALVES VALÕES, imputando-lhe a prática dos delitos previstos no art. 312 e Art.311, parágrafo 1º, combinados com o art. 69 (concurso material), do Código Penal Brasileiro, requerendo o recebimento da presente exordial e a instauração da conseqüente ação penal, fazendo citá-lo para, querendo, apresentar defesa preliminar, ouvindo-se as testemunhas do rol acusatório, e, ao final, julgada procedente, seja o réu condenado nas penas dos crimes que praticou.”
Pretende o impetrante obter a concessão da ordem de habeas corpus mediante a revogação da prisão preventiva, ao passo que o paciente é possuidor de predicados pessoais favoráveis, como primariedade, bons antecedentes, profissão lícita (servidor municipal), domicílio no distrito da culpa e família constituída.
Argumenta ainda que a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal (fundamentos do decreto preventivo) somente podem ser invocados quando houver a efetiva demonstração de que, solto, o réu estaria propenso a cometer delitos, ou de alguma forma ameaçaria o bom andamento da instrução processual, o que, segundo aduz, não restou evidenciado.
Após, análise dos elementos que instruem o presente feito, tenho que o writ merece ser deferido.
Inicialmente, cumpre assinalar que por ocasião da medida liminar por mim deferida em 15/10/2009, às fls. 180/182, manifestei o entendimento de que a competência para processar e julgar a ação penal pela qual responde o ora paciente seria da Justiça Federal, uma vez que os elementos até então constantes dos autos (especificamente da denúncia acima transcrita) relatavam que a motocicleta noticiada como desaparecida do Hospital Municipal de Alto Alegre, tratava-se de bem pertencente ao Ministério da Saúde e encontrava-se somente acautelada ao município.
Ocorre que ao lançar o judicioso parecer acostado aos autos às fls.188/193, o diligente Procurador-Geral de Justiça, Dr. Alessandro Tramujas Assad, juntou aos autos o Termo de Doação nº 0134/2004, (fls. 194/195) em que é possível concluir que o referido bem passou a integrar efetivamente o patrimônio municipal, fato que justifica, deste modo, a manutenção da competência da Justiça Estadual no processamento do feito em comento.
Todavia, quanto ao mérito, entendo que merece guarida o pedido de revogação da prisão preventiva formulado pela Defesa.
O crime de peculato, na lição do Professor Paulo José da Costa Jr., in Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 1.017, consuma-se “com a efetividade concreta da apropriação ou do desvio, realizando-se este quando o funcionário dá à coisa destino diverso daquele para o qual foi ela entregue”.
Por outro giro, o texto da lei prevê expressamente no art. 312 do CPP que um dos requisitos para decretação da prisão preventiva é a prova da materialidade, e não somente meros indícios.
Desta forma, não sendo demonstrada inequivocamente a “prova da existência do crime”, usando a expressão usada no art. 312 do CPP, entendo que resta inviabilizada a decretação da custódia cautelar, porquanto não deve o magistrado adiantar o cumprimento da pena a ser eventualmente imposta, valendo-se da instrução processual para demonstrar um pressuposto que deve anteceder à adoção de qualquer ato de constrição da liberdade, porquanto se trata, como assinala a jurisprudência pátria, de medida de exceção somente admissível em situações excepcionais, de efetivo risco à comunidade ou à persecução criminal.
Neste sentido:
“A prisão preventiva, pela sistemática do nosso Direito Positivo, é medida de exceção. Só é cabível em situações especiais. Aboliu-se seu caráter obrigatório. Assim, não havendo razões sérias e objetivas para sua decretação e tratando-se de réu primário, sem antecedentes criminais, com profissão definida e residente no foro do delito, não há motivos que a autorizem (TACrimSP, RT 528/315)”
Destarte, não há notícias nos autos do destino da referida motocicleta pertencente ao patrimônio público. O que se tem de concreto até então, é tão-somente o desaparecimento do bem, mas não há como se apontar, neste momento, o paciente como autor do delito, até porque as informações contidas neste feito dão conta somente de versões que ainda carecem de confirmação. Porém, como assinalado anteriormente, se sequer houve a apreensão, não há como se identificar, sem a indispensável perícia técnica, a motocicleta eventualmente conduzida pelo acusado, como sendo aquela subtraída do patrimônio público.
Neste sentido, leciona o Professor Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, 7ª edição, pág. 611, “a materialidade é a prova da existência do crime (...), isto é, a certeza de que ocorreu uma infração penal, não se determinando o recolhimento cautelar de uma pessoa presumidamente inocente, quando há séria dúvida quanto à própria existência do evento típico.”
A propósito, os seguintes precedentes:
“(...) A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. Em razão disso, não se justifica decreto de prisão apegado à gravidade genérica do crime, bem assim, a atos indemonstrados na realidade. O fato de o réu possuir condição financeira peculiar, não demonstra tendência alguma no sentido de intimidar testemunhas, tampouco indica, por si só, perigo concreto à aplicação da Lei Penal.”
(STJ – HC 200600363822 – (55011 SP) – 6ª T. – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJU 12.02.2007 – p. 301)
“(...) Concedida medida liminar para determinar que os acusados aguardem em liberdade a prolação da sentença e não constando haverem concorrido para obstaculizar a instrução criminal, não subsiste razão para que a liminar seja cassada. 3. In casu, a privação da liberdade constitui censurável antecipação de execução provisória de eventual decisão condenatória, conflitando com o preceito constitucional contido no inciso LXI do artigo 5º. 4. Liberdade provisória que se impõe, mormente porque a pena se enquadra em quantidade que permite a fiança. Habeas-corpus deferido.”(STF – HC 80.277/0/São Paulo, Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, D. J. 04.05.2001 ).”
Nesta mesma esteira, a jurisprudência dos tribunais pátrios tem reiteradamente afirmado que toda prisão anterior à condenação transitada em julgado somente pode ser imposta por decisão concretamente fundamentada, mediante a demonstração explícita da sua necessidade, observado o art. 312 do Código de Processo Penal.
Em relação aos fundamentos adotados no decreto constritivo (ameaça à ordem pública e à instrução criminal), a meu ver, não estão estes solidamente demonstrados.
Neste sentido, não se evidenciou concretamente que a restituição da liberdade ao paciente implicaria risco à ordem pública, de modo a propiciar a prática reiterada de delitos por parte do acusado.
Tampouco, em relação à conveniência da instrução criminal, não se tem notícia nos autos de que o paciente efetivamente obstaculizou o bom andamento do processo, não se podendo atribuir ao acusado a informação contida à fl. 28 destes autos, até porque não há qualquer menção ao nome do réu na hipótese ventilada, situando-se o fato no campo da conjectura.
Desta forma, salvo melhor juízo, a situação concreta não revela motivação suficiente para adoção da medida extrema, uma vez que a presunção de inocência consagrada constitucionalmente, impõe a liberdade como regra, e a prisão como medida de exceção, a qual, conforme ensina a mais moderna doutrina e jurisprudência, não deve ser determinada com fundamento tão-somente na garantia do próprio prestígio e segurança da atividade jurisdicional, mas sim na demonstração concreta de sua imprescindibilidade.
Ademais, o paciente é servidor público, primário, com bons antecedentes, residência no distrito da culpa e família constituída, condições que embora isoladamente não sejam suficientes para restituição da liberdade do acusado, devem ser, por outro lado, devidamente consideradas quando associadas a outros elementos de convicção.
Por todo o exposto e em cumprimento ao art. 5º, LXV da Constituição Federal/88, divergindo do douto parecer ministerial, concedo definitivamente a presente ordem de Habeas Corpus.
É como voto.
Boa Vista, 10 de novembro de 2009.
Des. Mauro Campello
Relator
CAMARA ÚNICA – TURMA CRIMINAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR Nº 010.09.013133-4/Boa Vista
Impetrante: Dr. Francisco Salismar Oliveira de Souza, OAB/RR nº 564
Paciente: Khylvio Alves Valões
Autoridade Coatora: MM. Juiz de Direito da Comarca de Alto Alegre– RR
Relator: Des. Mauro Campello
EMENTA
HABEAS CORPUS – PENAL E PROCESSUAL PENAL – PECULATO E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR - PRISÃO PREVENTIVA - REQUISITOS - NÃO-CONFIGURAÇÃO – ORDEM CONCEDIDA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores da Câmara Única – Turma Criminal – por unanimidade, e em dissonância com o parecer ministerial, em conceder a ordem.
Boa Vista, 10 de novembro de 2009.
Des. Mauro Campello
Presidente/Relator
Des. Lupercino Nogueira
Julgador
Des. Robério Nunes
Julgador
Procuradoria-Geral de Justiça
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XII - EDIÇÃO 4199, Boa Vista, 14 de novembro de 2009, p. 009.
( : 10/11/2009 ,
: XII ,
: 9 ,
Data do Julgamento
:
10/11/2009
Data da Publicação
:
14/11/2009
Classe/Assunto
:
Habeas Corpus )
Relator(a)
:
DES. MAURO JOSE DO NASCIMENTO CAMPELLO
Tipo
:
Acórdão
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