TJRR 10099113093
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 010.09.911309-3/0911309-35.2009.8.23.0010
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
APELADO: NATASHA GABRIELI OLÍVIO PEREIRA
RELATOR: EXMO. SR. DES. ROBÉRIO NUNES
D E C I S Ã O
Trata-se de apelação interposta pelo Estado de Roraima, em face da sentença (fls.191/198) que, nos autos da ação de obrigação de fazer – proc. n.º 010.2009.911.309-3, julgou procedente o pedido, determinando o custeio do tratamento de saúde da autora, com o fornecimento da medicação receitada de forma ininterrupta, sob pena de multa diária no valor de R$ 300,00 (trezentos reais).
O apelante, em razões recursais de fls. 02/13, pleiteou a reforma da sentença diante da ilegitimidade passiva, havendo necessidade de formação de litisconsórcio trazendo como consequência a incompetência absoluta da justiça estadual.
No mérito, requereu a reforma da sentença argumentando ser o fornecimento de medicamentos pelo estado de natureza prestacional, dependendo sua efetivação de reservas financeiras e prévia autorização orçamentária.
Manifestação da Defensoria Pública à fl. 201.
É o relatório. Seguindo permissivo legal disposto no art. 557 do Código de Processo Civil passo a decidir.
Natasha Gabrieli Olívio Pereira, 05 (cinco) anos de idade, diagnosticada com “astrocitoma pilocítico supra selar” e “diabetes insipidus”, representada por sua mãe Gracielma Santana Olívio, ajuizou ação em face do Estado de Roraima, requerendo o fornecimento de medicação de alto custo denominada “Desmopressina, solução nasal”, até então fornecida pela apelante.
À fl. 64 há ofício da direção da SESAU/RR noticiando que o medicamento consta na lista de medicamentos de “dispensação” em caráter excepcional, sendo objeto de aquisição periódica pelo estado, não existindo similares ao requerido no estoque e com igual eficácia no tratamento da enfermidade da apelada.
A questão levantada pelo recorrente quanto a não ser de sua responsabilidade o fornecimento dos medicamentos não procede, pois inexiste dúvida de serem os entes estatais responsáveis de forma solidária em atender o direito à saúde.
A jurisprudência assim se posiciona:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ECA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. OMISSÃO ESTATAL. INTERESSE DE AGIR. DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS.
1. Por atribuição constitucional (CF, art. 127, caput) e expressa previsão legal (ECA, art. 201, V e 208, VII), o Ministério Público é parte legítima para intentar ação civil pública em favor de direito individual heterogêneo de crianças e adolescentes, como, por exemplo, o direito à saúde e à educação. 2. O interesse processual está estampado na omissão do Estado diante da ausência de vagas em hospital da rede pública, apto a promover o tratamento e recuperação de menor que padece de dependência química.
3. A prestação de assistência à saúde é direito de todos e dever do Estado, assim entendido em sentido amplo, co-obrigando União, Estados e Municípios, todos partes manifestamente legítimas a figurar no pólo passivo de ação civil pública.
Negaram provimento ao recurso e, em reexame necessário, confirmaram a sentença.”
(TJRS - APC N.º 70011854338, 7ª CÂMARA CÍVEL, TJRS, RELATOR: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, JULGADO EM 13/07/2005)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO MÉDICO NO EXTERIOR. ARTIGO 196 DA CF/88. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DA UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA.
1. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna.
2. Ação objetivando a condenação da entidade pública ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de doença grave.
3. O direito à saúde é assegurado a todos e dever do Estado, por isso que legítima a pretensão quando configurada a necessidade do recorrido.
4. A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles.
Precedentes: REsp 878080 / SC; Segunda Turma; DJ 20.11.2006 p. 296; REsp 772264 / RJ; Segunda Turma; DJ 09.05.2006 p. 207; REsp 656979 /
RS, DJ 07.03.2005.
5. Agravo Regimental desprovido.Logo, não se sustenta a alegação de ilegitimidade passiva ou de ausência de solidariedade.”
(STJ – AgRg no REsp 1028835/DF, Min. Luiz Fux, j. em 02/12/2008)
Logo, não se sustenta a alegação de ilegitimidade passiva, que rejeito.
Não cabe ao Poder Judiciário discutir a implementação ou não de políticas públicas, ou impor programas políticos, ou direcionar recursos financeiros para estes ou aqueles fins por ele determinados.
Entretanto, ao Poder Judiciário cabe dar efetividade à lei, isto é, havendo desrespeito pelos poderes públicos, é chamado a intervir e dar resposta efetiva às pretensões das partes.
Da mesma forma que o sistema constitucional veda a ingerência do Poder Judiciário no Executivo e no Legislativo, veda também, através do próprio ordenamento processual civil, que o Judiciário se esquive de julgar (vedação ao non liquet, previsto no artigo 126 do Código de Processo Civil, cabendo “aplicar as normas legais”), importando negando jurisdição.
O direito à saúde é de caráter fundamental, a teor do artigo 196 da Constituição Federal, que assegura ser
“... direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A questão relativa à obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos pelo estado, restou muito bem dirimida pelo eminente Min. CELSO DE MELLO, ao apreciar o RE 267.612-RS, conforme se vê do trecho da decisão, publicada no DJU de 23.08.2000, que ora transcrevo, verbis:
“(...)
Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa. A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente causa. Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles, como os ora recorridos, que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes.
(...)
Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República. O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder Popular", p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculado à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante”.
Ainda que o Sistema Único de Saúde não disponibilize o medicamento prescrito ou disponibilize outros medicamentos, por si só, não é suficiente para desconstituir o direito do cidadão ao recebimento do fármaco considerado essencial ao tratamento.
Não se trata de violação à isonomia, pois a pretensão do apelado não traz como conseqüência a quebra da igualdade prevista na Constituição Federal, porquanto incumbe ao estado o fornecimento da medicação prescrita e, assim, caso outros pacientes necessitem fazer uso do mesmo fármaco, deve ser-lhes assegurado o fornecimento, inclusive, se preciso, pela via judicial.
A jurisprudência da cortes pátrias assentou que a condenação dos entes estatais ao fornecimento de tratamento médico encontra respaldo na Constituição da República e na legislação infraconstitucional.
Assim, tal condenação não representa ofensa aos princípios da separação dos poderes, da legalidade, do devido processo legal ou da reserva do possível.
Neste sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 544 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS PARA O TRATAMENTO DE ANGIOPLASTIA BILATERAL. ARTIGO 196 DA CF/88. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. LEGITIMIDADE PASSIVA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS LEGAIS. PREENCHIMENTO. REEXAME PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ.”
(STJ – AgRg no Ag 1044354/RS, Min. Luiz Fux, j. em 14.10.2008)
“Ação originária de mandado de segurança. Interesse de agir presente. Direito à saúde. Fornecimento de medicamento. Dever do executor do Sistema Único de Saúde - SUS. Negativa patenteada. Segurança concedida. 1. O interesse de agir consiste em concreta necessidade da tutela jurisdicional. Pessoa idosa, acometida por doença grave e hipossuficiente financeira não pode ficar esperando tramitação burocrática lenta de pedido de fornecimento de remédio. O interesse de agir está, portanto, presente. 2. Todos têm direito à preservação e à recuperação da saúde como conseqüência lógica do princípio da dignidade humana previsto no art. 1º, III, da Constituição da República. 3. O direito à saúde tem como contrapartida o dever do Estado ""lato sensu"" em fornecer meios para a sua plena realização e envolve, inclusive, fornecimento de remédio quando houver prescrição médica para tanto. 4. Comprovadas a necessidade do remédio, a hipossuficiência financeira da impetrante e a omissão no fornecimento do medicamento, tem-se por lesado o direito constitucional à saúde da paciente. 5. Segurança concedida para determinar o fornecimento do remédio e rejeitada preliminar de falta de interesse de agir.”
(TJMG – 1.0000.06.441592-0/000(1), Des. Caetano Levi Lopes, j. em 26.03.07)
“APELAÇÃO CÍVEL – OBRIGAÇÃO DE FAZER – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO PODER PÚBLICO – ILEGITIMIDADE PASSIVA - PRELIMINAR REJEITADA – SAÚDE – DEVER DO ESTADO. RECURSO IMPROVIDO.
É dever do estado prestar assistência médica e garantir o acesso da população aos medicamentos e exames necessários à recuperação de sua saúde.
Há solidariedade entre os entes estatais quanto à obrigação de garantir o direito à saúde. Dever assegurado pela Constituição da República.
O fato de não constar o fármaco da lista do Ministério da Saúde não constitui óbice à pretensão do impetrante se não esclarece o recorrente a existência de medicamento compatível e similar constante daquele rol.”
(TJRR – AC 010.08.908262-1, Rel. Des. Robério Nunes, j. em 30.06.2010)
“MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE REMÉDIO – ARTIGO 196 DA CF/88. CONCESSÃO DA ORDEM.
É dever do estado prestar assistência médica e garantir o acesso da população aos medicamentos e aos exames necessários à recuperação de sua saúde.
Há solidariedade entre os entes estatais quanto à obrigação de garantir o direito à saúde, assegurado pela Constituição da República.”
(TJRR – MS 000.10.912426-2 / 0912426-27.2010.8.23.0010, Rel. Des. Robério Nunes, j. em 01.12.10)
Diante do exposto, nego provimento ao apelo.
Boa Vista, 06 de dezembro de 2010.
Des. Robério Nunes – Relator
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4451, Boa Vista, 14 de dezembro de 2010, p. 25.
( : 06/12/2010 ,
: XIII ,
: 25 ,
Ementa
CÂMARA ÚNICA – TURMA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 010.09.911309-3/0911309-35.2009.8.23.0010
APELANTE: O ESTADO DE RORAIMA
APELADO: NATASHA GABRIELI OLÍVIO PEREIRA
RELATOR: EXMO. SR. DES. ROBÉRIO NUNES
D E C I S Ã O
Trata-se de apelação interposta pelo Estado de Roraima, em face da sentença (fls.191/198) que, nos autos da ação de obrigação de fazer – proc. n.º 010.2009.911.309-3, julgou procedente o pedido, determinando o custeio do tratamento de saúde da autora, com o fornecimento da medicação receitada de forma ininterrupta, sob pena de multa diária no valor de R$ 300,00 (trezentos reais).
O apelante, em razões recursais de fls. 02/13, pleiteou a reforma da sentença diante da ilegitimidade passiva, havendo necessidade de formação de litisconsórcio trazendo como consequência a incompetência absoluta da justiça estadual.
No mérito, requereu a reforma da sentença argumentando ser o fornecimento de medicamentos pelo estado de natureza prestacional, dependendo sua efetivação de reservas financeiras e prévia autorização orçamentária.
Manifestação da Defensoria Pública à fl. 201.
É o relatório. Seguindo permissivo legal disposto no art. 557 do Código de Processo Civil passo a decidir.
Natasha Gabrieli Olívio Pereira, 05 (cinco) anos de idade, diagnosticada com “astrocitoma pilocítico supra selar” e “diabetes insipidus”, representada por sua mãe Gracielma Santana Olívio, ajuizou ação em face do Estado de Roraima, requerendo o fornecimento de medicação de alto custo denominada “Desmopressina, solução nasal”, até então fornecida pela apelante.
À fl. 64 há ofício da direção da SESAU/RR noticiando que o medicamento consta na lista de medicamentos de “dispensação” em caráter excepcional, sendo objeto de aquisição periódica pelo estado, não existindo similares ao requerido no estoque e com igual eficácia no tratamento da enfermidade da apelada.
A questão levantada pelo recorrente quanto a não ser de sua responsabilidade o fornecimento dos medicamentos não procede, pois inexiste dúvida de serem os entes estatais responsáveis de forma solidária em atender o direito à saúde.
A jurisprudência assim se posiciona:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ECA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. OMISSÃO ESTATAL. INTERESSE DE AGIR. DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS.
1. Por atribuição constitucional (CF, art. 127, caput) e expressa previsão legal (ECA, art. 201, V e 208, VII), o Ministério Público é parte legítima para intentar ação civil pública em favor de direito individual heterogêneo de crianças e adolescentes, como, por exemplo, o direito à saúde e à educação. 2. O interesse processual está estampado na omissão do Estado diante da ausência de vagas em hospital da rede pública, apto a promover o tratamento e recuperação de menor que padece de dependência química.
3. A prestação de assistência à saúde é direito de todos e dever do Estado, assim entendido em sentido amplo, co-obrigando União, Estados e Municípios, todos partes manifestamente legítimas a figurar no pólo passivo de ação civil pública.
Negaram provimento ao recurso e, em reexame necessário, confirmaram a sentença.”
(TJRS - APC N.º 70011854338, 7ª CÂMARA CÍVEL, TJRS, RELATOR: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, JULGADO EM 13/07/2005)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO MÉDICO NO EXTERIOR. ARTIGO 196 DA CF/88. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DA UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA.
1. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna.
2. Ação objetivando a condenação da entidade pública ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de doença grave.
3. O direito à saúde é assegurado a todos e dever do Estado, por isso que legítima a pretensão quando configurada a necessidade do recorrido.
4. A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles.
Precedentes: REsp 878080 / SC; Segunda Turma; DJ 20.11.2006 p. 296; REsp 772264 / RJ; Segunda Turma; DJ 09.05.2006 p. 207; REsp 656979 /
RS, DJ 07.03.2005.
5. Agravo Regimental desprovido.Logo, não se sustenta a alegação de ilegitimidade passiva ou de ausência de solidariedade.”
(STJ – AgRg no REsp 1028835/DF, Min. Luiz Fux, j. em 02/12/2008)
Logo, não se sustenta a alegação de ilegitimidade passiva, que rejeito.
Não cabe ao Poder Judiciário discutir a implementação ou não de políticas públicas, ou impor programas políticos, ou direcionar recursos financeiros para estes ou aqueles fins por ele determinados.
Entretanto, ao Poder Judiciário cabe dar efetividade à lei, isto é, havendo desrespeito pelos poderes públicos, é chamado a intervir e dar resposta efetiva às pretensões das partes.
Da mesma forma que o sistema constitucional veda a ingerência do Poder Judiciário no Executivo e no Legislativo, veda também, através do próprio ordenamento processual civil, que o Judiciário se esquive de julgar (vedação ao non liquet, previsto no artigo 126 do Código de Processo Civil, cabendo “aplicar as normas legais”), importando negando jurisdição.
O direito à saúde é de caráter fundamental, a teor do artigo 196 da Constituição Federal, que assegura ser
“... direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A questão relativa à obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos pelo estado, restou muito bem dirimida pelo eminente Min. CELSO DE MELLO, ao apreciar o RE 267.612-RS, conforme se vê do trecho da decisão, publicada no DJU de 23.08.2000, que ora transcrevo, verbis:
“(...)
Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa. A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente causa. Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles, como os ora recorridos, que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes.
(...)
Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República. O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder Popular", p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculado à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante”.
Ainda que o Sistema Único de Saúde não disponibilize o medicamento prescrito ou disponibilize outros medicamentos, por si só, não é suficiente para desconstituir o direito do cidadão ao recebimento do fármaco considerado essencial ao tratamento.
Não se trata de violação à isonomia, pois a pretensão do apelado não traz como conseqüência a quebra da igualdade prevista na Constituição Federal, porquanto incumbe ao estado o fornecimento da medicação prescrita e, assim, caso outros pacientes necessitem fazer uso do mesmo fármaco, deve ser-lhes assegurado o fornecimento, inclusive, se preciso, pela via judicial.
A jurisprudência da cortes pátrias assentou que a condenação dos entes estatais ao fornecimento de tratamento médico encontra respaldo na Constituição da República e na legislação infraconstitucional.
Assim, tal condenação não representa ofensa aos princípios da separação dos poderes, da legalidade, do devido processo legal ou da reserva do possível.
Neste sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 544 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS PARA O TRATAMENTO DE ANGIOPLASTIA BILATERAL. ARTIGO 196 DA CF/88. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. LEGITIMIDADE PASSIVA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS LEGAIS. PREENCHIMENTO. REEXAME PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ.”
(STJ – AgRg no Ag 1044354/RS, Min. Luiz Fux, j. em 14.10.2008)
“Ação originária de mandado de segurança. Interesse de agir presente. Direito à saúde. Fornecimento de medicamento. Dever do executor do Sistema Único de Saúde - SUS. Negativa patenteada. Segurança concedida. 1. O interesse de agir consiste em concreta necessidade da tutela jurisdicional. Pessoa idosa, acometida por doença grave e hipossuficiente financeira não pode ficar esperando tramitação burocrática lenta de pedido de fornecimento de remédio. O interesse de agir está, portanto, presente. 2. Todos têm direito à preservação e à recuperação da saúde como conseqüência lógica do princípio da dignidade humana previsto no art. 1º, III, da Constituição da República. 3. O direito à saúde tem como contrapartida o dever do Estado ""lato sensu"" em fornecer meios para a sua plena realização e envolve, inclusive, fornecimento de remédio quando houver prescrição médica para tanto. 4. Comprovadas a necessidade do remédio, a hipossuficiência financeira da impetrante e a omissão no fornecimento do medicamento, tem-se por lesado o direito constitucional à saúde da paciente. 5. Segurança concedida para determinar o fornecimento do remédio e rejeitada preliminar de falta de interesse de agir.”
(TJMG – 1.0000.06.441592-0/000(1), Des. Caetano Levi Lopes, j. em 26.03.07)
“APELAÇÃO CÍVEL – OBRIGAÇÃO DE FAZER – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO PODER PÚBLICO – ILEGITIMIDADE PASSIVA - PRELIMINAR REJEITADA – SAÚDE – DEVER DO ESTADO. RECURSO IMPROVIDO.
É dever do estado prestar assistência médica e garantir o acesso da população aos medicamentos e exames necessários à recuperação de sua saúde.
Há solidariedade entre os entes estatais quanto à obrigação de garantir o direito à saúde. Dever assegurado pela Constituição da República.
O fato de não constar o fármaco da lista do Ministério da Saúde não constitui óbice à pretensão do impetrante se não esclarece o recorrente a existência de medicamento compatível e similar constante daquele rol.”
(TJRR – AC 010.08.908262-1, Rel. Des. Robério Nunes, j. em 30.06.2010)
“MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE REMÉDIO – ARTIGO 196 DA CF/88. CONCESSÃO DA ORDEM.
É dever do estado prestar assistência médica e garantir o acesso da população aos medicamentos e aos exames necessários à recuperação de sua saúde.
Há solidariedade entre os entes estatais quanto à obrigação de garantir o direito à saúde, assegurado pela Constituição da República.”
(TJRR – MS 000.10.912426-2 / 0912426-27.2010.8.23.0010, Rel. Des. Robério Nunes, j. em 01.12.10)
Diante do exposto, nego provimento ao apelo.
Boa Vista, 06 de dezembro de 2010.
Des. Robério Nunes – Relator
Publicado no Diário da Justiça Eletrônico, ANO XIII - EDIÇÃO 4451, Boa Vista, 14 de dezembro de 2010, p. 25.
( : 06/12/2010 ,
: XIII ,
: 25 ,
Data do Julgamento
:
06/12/2010
Data da Publicação
:
14/12/2010
Classe/Assunto
:
Apelação Cível )
Relator(a)
:
DES. ROBERIO NUNES DOS ANJOS
Tipo
:
Decisão Monocrática
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