TJSC 2012.007063-3 (Acórdão)
DIREITO OBRIGACIONAL. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. CANCELAMENTO DE ESPETÁCULO ARTÍSTICO EM RAZÃO DE DESACERTO RELATIVAMENTE AO PAGAMENTO DO PREÇO. CANTORA DE RENOME NACIONAL QUE SE RECUSOU A SUBIR AO PALCO NO MOMENTO DA APRESENTAÇÃO, NADA OBSTANTE A MACIÇA PRESENÇA DO PÚBLICO, SOB O ARGUMENTO DE QUE OS PROMOTORES DO EVENTO NÃO ADIMPLIRAM O CONTRATO. INSTRUMENTO QUE PREVIA O PAGAMENTO EM 2 (DUAS) PRESTAÇÕES DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS), SENDO UMA DE ENTRADA E A OUTRA A SER PAGA EM DINHEIRO SEIS HORAS ANTES DO SHOW. SUPERVENIENTE EXIGÊNCIA, FEITA PELA ASSESSORIA DA ARTISTA, DE DEPÓSITO BANCÁRIO DE R$ 7.500,00 (SETE MIL E QUINHENTOS REAIS) A SER CONCRETIZADO 2 (DOIS) DIAS ANTES DO PRAZO FINAL ACERTADO. TRANSAÇÃO REALIZADA APÓS O ENCERRAMENTO DO EXPEDIENTE BANCÁRIO, SOB A FORMA DE DEPÓSITO EM ENVELOPE. ARTISTA QUE, DESCONFIANDO DE QUE O ENVELOPE PODERIA ESTAR VAZIO, NÃO ACEITOU A FORMA DE PAGAMENTO, TAMPOUCO AS GARANTIAS OFERECIDAS PELOS CONTRATANTES HORAS ANTES DO ESPETÁCULO - AFINAL NÃO CONCRETIZADO -, CONSISTENTE EM CHEQUES QUE, SOMADOS, COBRIAM O VALOR REMANESCENTE. CONSTATAÇÃO, AO FINAL, DE QUE OS ENVELOPES ESTAVAM REALMENTE PREENCHIDOS COM O MONTANTE PECUNIÁRIO EXIGIDO NA ANTEVÉSPERA. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. FRUSTRAÇÃO DO EVENTO, COM A CONSEQUENTE DEVOLUÇÃO DOS INGRESSOS VENDIDOS. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO ILEGÍTIMA E ABUSIVAMENTE APLICADA PELAS DEMANDADAS, AS QUAIS, INCLUSIVE, DESCUMPRIRAM O CONTRATO, DESDE O INÍCIO, AO EXIGIR FORMA DE PAGAMENTO DIVERSA DAQUELA INSTRUMENTALIZADA ORIGINALMENTE. INCIDÊNCIA DAS TEORIAS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA AVENÇA. INADMISSIBILIDADE DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO (VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM). EXEGESE DOS ARTS. 187, 389, 395, 402, 421, 422, 475 E 476, TODOS DO CC E DO ART. 333, INCS. I E II, DO CPC. 1. De acordo com a moderna teoria obrigacional inaugurada pelo Código Civil de 2002, os contratos - sejam quanto à formação, execução ou interpretação - vinculam-se necessariamente a uma função social (CC art. 421), de forma que, mais do que obrigados em razão da literalidade das cláusulas avençadas, os contratantes devem se relacionar entre si de acordo com os estritos ditames da probidade e da boa-fé (CC art. 422) na consecução da finalidade em comum. 2. Devem, assim, os partipantes manter seu comportamento alinhado ao instrumento contratual, sem buscar do outro vantagens não previstas, impor-lhe exigências leoninas ou sacrifício desmedido, ou, ainda, valer-se de uma posição de superioridade para atingir fins escusos ou locupletar-se em razão da premente necessidade do outro. 3. Em ação na qual se discutem os desdobramentos do cancelamento de apresentação artística - ocorrido após o horário aprazado para o início do espetáculo -, deve-se levar em conta, como premissa inafastável, que o contrato encetado produziria seus efeitos para além das esferas jurídicas de seus signatários, uma vez que tinha por objeto a realização de um evento artístico de grande repercussão e que engendrava, em sua própria essência, uma gama complexa de diversas outras relações jurídicas envolvendo interesses de terceiros, sejam os consumidores-espectadores, sejam os fornecedores das matérias-primas e insumos necessários à perfectibilização do negócio principal. 4. O dever de boa-fé objetiva (CC art. 422) impunha que a artista e sua equipe, dotadas de posição privilegiada perante os contratantes na relação contratual, observassem o dever de lealdade e cooperação, colaborando, assim, para que os devedores se desincumbissem das inúmeras obrigações que lhes eram impostas, sem criar empecilhos desarrazoados e desproporcionais ao adimplemento do negócio como um todo. 5. Decorrendo, pois, das próprias contratadas, a iniciativa de antecipação do pagamento para que ele fosse realizado inclusive de forma diversa da pactuada, não podem elas se ater a idiossincrasia própria à modalidade eleita para recusá-la, porquanto admitir-se tal oposição seria chancelar o comportamento contraditório da parte (venire contra factum proprium). 6. Ademais, os princípios da função social do contrato (CC art. 421) e da boa-fé objetiva (CC art. 422), conjugados com o fato de que, ao tempo da resolução, o contrato tinha seu preço quitado à razão de 90% (noventa por cento) - com garantia cambiária que superava, significativamente, a parte faltante -, impunha-se a conservação da relação contratual, tanto mais porque a sua resolução provocaria desproporcional prejuízo à outra parte. 7. É, afinal, caracterizada como abuso de direito e, portanto, como ato ilícito (CC art. 187), a conduta da contratante que, podendo receber o preço da forma estipulada e sabedora de que o controvertido inadimplemento contratual era mínimo, alega a exceção de contrato não cumprido (CC art. 476) para recusar-lhe a execução, provocando ao coparticipante prejuízo de extensa monta decorrente da própria frustração do negócio. DANOS MATERIAIS. NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO DOS VALORES DESPENDIDOS PARA A REALIZAÇÃO DO ESPETÁCULO, BEM COMO DA TOTALIDADE DO PREÇO PAGO ÀS DEMANDADAS, A TÍTULO DE DANOS EMERGENTES. LUCROS CESSANTES NÃO DEMONSTRADOS MINIMAMENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. ABUSIVA AÇÃO DAS DEMANDADAS. IMENSA E DELETÉRIA REPERCUSSÃO DO EPISÓDIO NAS MÍDIAS LOCAL E ESTADUAL. CIRCUNSTÂNCIA QUE CARACTERIZA, INESCONDIVELMENTE, DANO ANÍMICO INDENIZÁVEL PECUNIARIAMENTE, NA MEDIDA EM QUE MANCHOU A RESPEITABILIDADE DA PROMOTORA DO ESPETÁCULO E DE SEUS DOIS SÓCIOS-COTISTAS PERANTE A OPINIÃO PÚBLICA. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DECAIMENTO RECÍPROCO. MODULAÇÃO. INVIÁVEL COMPENSAÇÃO DAS VERBAS ADVOCATÍCIAS (CC ART. 368 E EOAB ART. 23). APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.007063-3, de Balneário Camboriú, rel. Des. Eládio Torret Rocha, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 15-10-2015).
Ementa
DIREITO OBRIGACIONAL. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. CANCELAMENTO DE ESPETÁCULO ARTÍSTICO EM RAZÃO DE DESACERTO RELATIVAMENTE AO PAGAMENTO DO PREÇO. CANTORA DE RENOME NACIONAL QUE SE RECUSOU A SUBIR AO PALCO NO MOMENTO DA APRESENTAÇÃO, NADA OBSTANTE A MACIÇA PRESENÇA DO PÚBLICO, SOB O ARGUMENTO DE QUE OS PROMOTORES DO EVENTO NÃO ADIMPLIRAM O CONTRATO. INSTRUMENTO QUE PREVIA O PAGAMENTO EM 2 (DUAS) PRESTAÇÕES DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS), SENDO UMA DE ENTRADA E A OUTRA A SER PAGA EM DINHEIRO SEIS HORAS ANTES DO SHOW. SUPERVENIENTE EXIGÊNCIA, FEITA PELA ASSESSORIA DA ARTISTA, DE DEPÓSITO BANCÁRIO DE R$ 7.500,00 (SETE MIL E QUINHENTOS REAIS) A SER CONCRETIZADO 2 (DOIS) DIAS ANTES DO PRAZO FINAL ACERTADO. TRANSAÇÃO REALIZADA APÓS O ENCERRAMENTO DO EXPEDIENTE BANCÁRIO, SOB A FORMA DE DEPÓSITO EM ENVELOPE. ARTISTA QUE, DESCONFIANDO DE QUE O ENVELOPE PODERIA ESTAR VAZIO, NÃO ACEITOU A FORMA DE PAGAMENTO, TAMPOUCO AS GARANTIAS OFERECIDAS PELOS CONTRATANTES HORAS ANTES DO ESPETÁCULO - AFINAL NÃO CONCRETIZADO -, CONSISTENTE EM CHEQUES QUE, SOMADOS, COBRIAM O VALOR REMANESCENTE. CONSTATAÇÃO, AO FINAL, DE QUE OS ENVELOPES ESTAVAM REALMENTE PREENCHIDOS COM O MONTANTE PECUNIÁRIO EXIGIDO NA ANTEVÉSPERA. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. FRUSTRAÇÃO DO EVENTO, COM A CONSEQUENTE DEVOLUÇÃO DOS INGRESSOS VENDIDOS. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO ILEGÍTIMA E ABUSIVAMENTE APLICADA PELAS DEMANDADAS, AS QUAIS, INCLUSIVE, DESCUMPRIRAM O CONTRATO, DESDE O INÍCIO, AO EXIGIR FORMA DE PAGAMENTO DIVERSA DAQUELA INSTRUMENTALIZADA ORIGINALMENTE. INCIDÊNCIA DAS TEORIAS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA AVENÇA. INADMISSIBILIDADE DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO (VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM). EXEGESE DOS ARTS. 187, 389, 395, 402, 421, 422, 475 E 476, TODOS DO CC E DO ART. 333, INCS. I E II, DO CPC. 1. De acordo com a moderna teoria obrigacional inaugurada pelo Código Civil de 2002, os contratos - sejam quanto à formação, execução ou interpretação - vinculam-se necessariamente a uma função social (CC art. 421), de forma que, mais do que obrigados em razão da literalidade das cláusulas avençadas, os contratantes devem se relacionar entre si de acordo com os estritos ditames da probidade e da boa-fé (CC art. 422) na consecução da finalidade em comum. 2. Devem, assim, os partipantes manter seu comportamento alinhado ao instrumento contratual, sem buscar do outro vantagens não previstas, impor-lhe exigências leoninas ou sacrifício desmedido, ou, ainda, valer-se de uma posição de superioridade para atingir fins escusos ou locupletar-se em razão da premente necessidade do outro. 3. Em ação na qual se discutem os desdobramentos do cancelamento de apresentação artística - ocorrido após o horário aprazado para o início do espetáculo -, deve-se levar em conta, como premissa inafastável, que o contrato encetado produziria seus efeitos para além das esferas jurídicas de seus signatários, uma vez que tinha por objeto a realização de um evento artístico de grande repercussão e que engendrava, em sua própria essência, uma gama complexa de diversas outras relações jurídicas envolvendo interesses de terceiros, sejam os consumidores-espectadores, sejam os fornecedores das matérias-primas e insumos necessários à perfectibilização do negócio principal. 4. O dever de boa-fé objetiva (CC art. 422) impunha que a artista e sua equipe, dotadas de posição privilegiada perante os contratantes na relação contratual, observassem o dever de lealdade e cooperação, colaborando, assim, para que os devedores se desincumbissem das inúmeras obrigações que lhes eram impostas, sem criar empecilhos desarrazoados e desproporcionais ao adimplemento do negócio como um todo. 5. Decorrendo, pois, das próprias contratadas, a iniciativa de antecipação do pagamento para que ele fosse realizado inclusive de forma diversa da pactuada, não podem elas se ater a idiossincrasia própria à modalidade eleita para recusá-la, porquanto admitir-se tal oposição seria chancelar o comportamento contraditório da parte (venire contra factum proprium). 6. Ademais, os princípios da função social do contrato (CC art. 421) e da boa-fé objetiva (CC art. 422), conjugados com o fato de que, ao tempo da resolução, o contrato tinha seu preço quitado à razão de 90% (noventa por cento) - com garantia cambiária que superava, significativamente, a parte faltante -, impunha-se a conservação da relação contratual, tanto mais porque a sua resolução provocaria desproporcional prejuízo à outra parte. 7. É, afinal, caracterizada como abuso de direito e, portanto, como ato ilícito (CC art. 187), a conduta da contratante que, podendo receber o preço da forma estipulada e sabedora de que o controvertido inadimplemento contratual era mínimo, alega a exceção de contrato não cumprido (CC art. 476) para recusar-lhe a execução, provocando ao coparticipante prejuízo de extensa monta decorrente da própria frustração do negócio. DANOS MATERIAIS. NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO DOS VALORES DESPENDIDOS PARA A REALIZAÇÃO DO ESPETÁCULO, BEM COMO DA TOTALIDADE DO PREÇO PAGO ÀS DEMANDADAS, A TÍTULO DE DANOS EMERGENTES. LUCROS CESSANTES NÃO DEMONSTRADOS MINIMAMENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. ABUSIVA AÇÃO DAS DEMANDADAS. IMENSA E DELETÉRIA REPERCUSSÃO DO EPISÓDIO NAS MÍDIAS LOCAL E ESTADUAL. CIRCUNSTÂNCIA QUE CARACTERIZA, INESCONDIVELMENTE, DANO ANÍMICO INDENIZÁVEL PECUNIARIAMENTE, NA MEDIDA EM QUE MANCHOU A RESPEITABILIDADE DA PROMOTORA DO ESPETÁCULO E DE SEUS DOIS SÓCIOS-COTISTAS PERANTE A OPINIÃO PÚBLICA. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DECAIMENTO RECÍPROCO. MODULAÇÃO. INVIÁVEL COMPENSAÇÃO DAS VERBAS ADVOCATÍCIAS (CC ART. 368 E EOAB ART. 23). APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.007063-3, de Balneário Camboriú, rel. Des. Eládio Torret Rocha, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 15-10-2015).
Data do Julgamento
:
15/10/2015
Classe/Assunto
:
Quarta Câmara de Direito Civil
Órgão Julgador
:
Sílvio Dagoberto Orsatto
Relator(a)
:
Eládio Torret Rocha
Comarca
:
Balneário Camboriú
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