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Jurisprudência


TJSC 2012.053930-2 (Acórdão)

Ementa
INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO E EM RAZÃO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO PROPOSTA PELOS PAIS DA VÍTIMA CONTRA O CONDUTOR DO CAMINHÃO, O PROPRIETÁRIO DESTE BEM, O MÉDICO E O HOSPITAL. PROCEDÊNCIA. CULPA PELA OCORRÊNCIA DO ACIDENTE DE TRÂNSITO. QUESTÃO ANTECEDENTEMENTE RESOLVIDA NA SEARA PENAL E, NO PONTO, NÃO RECORRIDA. COISA JULGADA MATERIAL VERIFICADA. RECURSO DO PROPRIETARIO DO BEM CAUSADOR DO SINISTRO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ALIENAÇÃO ANTECEDENTE E TRADIÇÃO NÃO COMPROVADAS. TESE AFASTADA. O proprietário de veículo causador de sinistro, ainda que conduzido por um terceiro, é solidariamente responsável pela reparação dos danos suportados pela vítima, pois "a simples condição de dono do bem gera dever de guarda sobre o objeto e eventual mau uso por outrem firma a responsabilidade solidária do proprietário" (STJ. REsp nº 577.902-DF, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, julgado em 13.06.2006). INSURGÊNCIA DO MÉDICO. AGRAVO RETIDO. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. ALEGADA IMPRESCINDIBILIDADE EM RAZÃO DA MATÉRIA - CIÊNCIA MÉDICA. MEIO PROBATÓRIO, TODAVIA, DISPENSÁVEL. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL DE FÁCIL ABSORÇÃO E SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR OS CONTORNOS DO LITÍGIO. É evidente que a negativa, à parte, de possibilidade de comprovar as suas alegações gera iniludível cerceamento de defesa. Trata-se, pois, de um obstáculo que impede a parte de se defender da forma permitida na lei. Contudo, se o objeto da prova requerida foi demonstrado por outro meio probatório, não há falar em nulidade. Se a prova testemunhal colhida é farta e apta, por si só, a demonstrar se houve ou não a apontada negligência médica, ao indeferir o pedido de realização de prova pericial, age com acerto o magistrado (art. 130), em estrita obediência ao que o Legislador determina (art. 131) e em benefício das próprias partes (art. 125, I, todos do CPC). MÉRITO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. Aos atos dos médicos aplica-se a teoria clássica que instituiu no ordenamento jurídico a responsabilidade civil subjetiva, o que torna imprescindível para haver condenação a averiguação da seguinte trilogia: (1º) a ação ou omissão dolosa ou culposa; (2º) o prejuízo; e, (3º) o liame de causalidade entre o dano e a conduta ilícita. DIAGNÓSTICO. OBRIGAÇÃO DE MEIOS. O erro de diagnóstico constitui obrigação de meios e, em princípio, não gera responsabilidade civil, visto que o profissional, para estabelecer qual a terapia adequada, deve perscrutar a natureza da enfermidade e sua gravidade e, inclusive, para a obtenção de certeza diagnóstica, depende da coleta de dados do paciente, como, por exemplo, a averiguação de sintomas através dos quais se manifeste a doença. PACIENTE, MOTOCICLISTA, VÍTIMA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO COM IMPACTO FRONTAL EM CAMINHÃO INDEVIDAMENTE PARADO NA PISTA CONTRÁRIA, ATENDIDO EM PRONTO-SOCORRO COM QUADRO DE POLITRAUMATISMO (FRATURAS NAS REGIÕES FRONTAIS ESQUERDA E DIREITA DO CRÂNIO, FRATURA FRONTAL NO MAXILAR INFERIOR, FRATURA DO MAXILAR ESQUERDO E RAMO MANDIBULAR DIREITO, FRATURAS DOS OSSOS DA FACE, FRATURAS DE BRAÇO, ANTEBRAÇO E DEDOS DAS MÃOS). ORGÃOS INTERNOS IGUALMENTE COMPROMETIDOS. QUADRO GRAVÍSSIMO VISÍVEL. MÉDICO PLANTONISTA QUE, PORÉM, RESUME-SE A AVALIAR A VÍTIMA SUPERFICIALMENTE, MEDICÁ-LA E ENCAMINHÁ-LA PARA OBSERVAÇÃO NUM LEITO DO HOSPITAL. IMPRESCINDIBILIDADE DE ATENDIMENTO MINUCIOSO COM A REALIZAÇÃO DE TOMOGRAFIA E EXAMES RADIOLÓGICOS PARA QUE SE PUDESSE AFERIR O REAL ESTADO DE SAÚDE DA VÍTIMA E, ENTÃO, TENTAR SALVAGUARDAR A SUA VIDA. COMPLICAÇÕES POSTERIORES - HEMORRAGIA, ALOJAMENTO DE LÍQUIDO INTESTINAL NAS PAREDES INTERNAS DO ABDOMEM E POLITRAUMATISMOS, PRINCIPALMENTE NO CRÂNIO - QUE CULMINARAM NO ÓBITO DO PACIENTE. NEGLIGÊNCIA PATENTE. Conforme ensina a literatura médica, o atendimento inicial do paciente politraumatizado, em especial aqueles vítimas de acidente de trânsito com impacto frontal, deve ter uma margem de erros pequena, de modo que a atenção minuciosa aos detalhes, por parte do médico, torna-se de suma importância. O paciente politraumatizado também deve ser reavaliado constantemente pelo médico em busca de novos achados ou deterioração dos sinais e sintomas já detectados num primeito momento, razão pela qual o monitoramento contínuo dos sinais vitais da vítima é essencial. O médico responsável pelo atendimento de paciente com politraumatismo oriundo de acidente de trânsito, mormente quando se trata de atendimento primário e emergencial (em pronto-socorro), não deve se restringir a atendimento superficial, consistente na avaliação externa do quadro de saúde da vítima, com a estabilização dos seus sinais vitais, limpeza, assepsia e sutura das feridas visíveis, mas, sim, cercar-se de toda a cautela necessária, com a realização de tomografia e demais exames radiológicos, além de monitoramento constante dos seus sinais vitais e quadro de saúde, para que se possa aferir, com a maior precisão possível, se houve fraturas ou comprometimento de órgãos internos que podem piorar o seu quadro de saúde ou, pior, ceifar a sua vida. Não cumpre a obrigação de meio o médico que, ao julgar desnecessária a realização de exames mais acurados, altamente imprescindíveis em razão da gravidade do caso, coloca o paciente em leito para observação e não retorna para avaliar a evolução do seu quadro de saúde, que gradativamente o leva ao óbito. RECURSO DO HOSPITAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. APONTADA A AUSÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO OU DE SUBORDINAÇÃO COM O MÉDICO QUE, APESAR DE ATENDER EM PRONTO-SOCORRO LOCALIZADO NAS SUAS DEPENDÊNCIAS, É CONTRATADO E ESCALADO PELA PREFEITURA MUNICIPAL. PROVA DOCUMENTAL E ORAL QUE, DE FATO, REVELA QUE O MÉDICO NÃO POSSUI VÍNCULO DE EMPREGO COM O HOSPITAL CUJO PRONTO-SOCORRO É MANTIDO PELA PREFEITURA MUNICIPAL. HOSPITAL QUE, NÃO OBSTANTE, POR MÉDICO INTEGRANTE DO SEU CORPO CLÍNICO, NÃO PRESENTE POR OCASIÃO DO ATENDIMENTO EMERGENCIAL DISPENSADO PELO PLANTONISTA À VÍTIMA, ADMITE A INTERNAÇÃO DESTA EM SEUS LEITOS, NO ÂMBITO PRIVADO, SEM, PORÉM, CERTIFICAR-SE DO REAL ESTADO DE SAÚDE DA VÍTIMA E, PIOR, SEM DISPOR DE PROFISSIONAIS PARA AMPARÁ-LA DURANTE A MADRUGADA E EXIGIR A REALIZAÇÃO DOS EXAMES NECESSÁRIOS. OBRIGAÇÃO (CONTRATUAL) DE ASSISTÊNCIA CONSISTENTE NO FORNECIMENTO DE MATERIAIS E RECURSOS HUMANOS SUFICIENTES E ADEQUADOS À SUPERVISÃO DO PACIENTE. LEGITIMIDADE TRAZIDA PARA SI. FALHA, ADEMAIS, NA PRESTAÇÃO DOS SEUS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. EXEGESE DO CONTIDO NO ART. 14, CAPUT, DO CDC. É entendimento deste Julgador e o STJ já confirmou que: (I) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (art. 14, caput, do CDC); (II) os atos técnicos praticados pelos médicos sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital são imputados ao profissional pessoalmente, eximindo-se a entidade hospitalar de qualquer responsabilidade (art. 14, § 4º, do CDC), se não concorreu para a ocorrência do dano; (III) quanto aos atos técnicos praticados de forma defeituosa pelos profissionais da área da saúde vinculados de alguma forma ao hospital, respondem solidariamente a instituição hospitalar e o profissional responsável, apurada a sua culpa profissional. Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja culpa deve ser comprovada pela vítima de modo a fazer emergir o dever de indenizar da instituição. Nestes termos, a se considerar as peculiaridades do caso, conquanto se possa admitir que o médico que atendeu o paciente, vítima de acidente de trânsito, em regime de pronto atendimento, de fato, não tenha relação empregatícia com o hospital cujas dependências eram cedidas à Prefeitura Municipal, que administrava o pronto-socorro, o hospital chama para si a legitimidade passiva para responder por eventuais defeitos na prestação dos seus serviços se o referido médico plantonista, após o atendimento primário, pede pela internação do paciente em um leito hospitalar, a qual é concedida por profissional integrante do seu corpo clínico e se consuma com contratação no âmbito particular. É negligente a casa de saúde que aceita a internação, no âmbito particular, de paciente inicialmente atendido em pronto-socorro mantido em suas dependências pela Prefeitura Municipal sem certificar-se do real estado de saúde da vítima e, pior, sem dispor de profissional capacitado para supervisioná-lo durante o internamento, período no qual há o avanço maléfico dos seus sintomas e quadro de saúde. JULGADOR QUE, AO CONCLUIR PELA PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO PRIMÁRIA, CONDENA OS DEMANDADOS, SOLIDARIAMENTE, AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EQUIVOCO. CUMULAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA DE DEMANDAS. CAUSA DE PEDIR DIVERSA E SEM RELAÇÃO DE INTERDEPENDÊNCIA E ACESSORIEDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO, QUE SE MEDE PELA EXTENSÃO DO DANO (ART. 944 DO CC), INDIVIDUALIZADO DE ACORDO COM A CONDUTA E SOLIDARIEDADE DOS OFENSORES. É possível a cumulação objetiva (pluralidade de pedidos formulados simultaneamente contra o mesmo litisconsorte) e subjetiva (pluralidade de litisconsortes passivos facultativos) de demandas, hipótese em que, considerada a diversidade de causa de pedir, uma pode ser julgada procedente e a outra não. Isso pode ocorrer, por exemplo, com o processo no qual os pais de vítima de acidente de trânsito buscam reparação patrimonial do culpado pelo sinistro e do médico que, ao atendê-la, foi negligente. Tal situação não causa nulidade se os pedidos, de natureza simples, não são incompatíveis entre si, a competência for una, o procedimento eleito abarcar ampla discussão (art. 292, § 1º, do CPC) e às partes se assegurar contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da CF). Todavia, em casos tais, há diferentes desdobramentos de cada causa e seu alcançe para cada litisconsorte passivo. Um destes desdobramentos é, justamente, a condenação ao pagamento de indenização por abalo moral, a qual, de acordo com o contido no art. 944 do Código Civil, deve ser proporcional à extensão do dano. Considerando, portanto, que a indenização mede-se pela extensão do dano, fica à discricionaridade do magistrado a valoração e a ponderação dos elementos que darão a dimensão do prejuízo e, por consequência, a possibilidade de fixar uma paga pecuniária que, de certo modo, venha a recompor o status quo ante da vítima. Se assim é, não prevalece, em casos tais, a condenação solidária ao pagamento da indenização por dano moral, pois a culpa do motorista e do proprietário do bem é diversa da culpa do médico. APELO DOS AUTORES, PAIS DA VÍTIMA. QUANTUM INDENIZATÓRIO INDIVIDUALIZADO PARA CADA DEMANDADO E MAJORADO EM RELAÇÃO A TODOS ELES. IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO AO STATUS QUO ANTE. ABALO INCOMENSURÁVEL (MORTE DO FILHO). BALIZADORAS A SEREM CONSIDERADAS: FUNÇÕES DA PAGA PECUNIÁRIA (COMPENSATÓRIA E PUNITIVA), PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, DA RAZOABILIDADE E DO BOM SENSO, ALÉM DAS CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS DOS ENVOLVIDOS. A fixação da paga pecuniária é entregue ao arbítrio do Julgador, já que não existem critérios objetivos em lei para o arbitramento do quantum indenizatório. Diversos critérios são esquadrinhados, a começar pelas funções que a paga pecuniária deve desempenhar, quais sejam, compensar a vítima, de certo modo, pela dor psíquica experimentada, e admoestar o agente causador do dano para que a prática ilícita não se reitere. As condições das partes também são medidas, o seu nível social e grau de escolaridade são aquilatados, o prejuízo é mensurado, a intensidade do sofrimento e da culpa são verificados, etc. Todas estas balizadoras traçam uma verdadeira diretriz para que se possa arbitrar o quantum em respeito aos parâmetros de cada caso. O quantum da indenização por dano moral deve atender, com a maior exatidão possível, os objetivos da paga pecuniária, quais sejam, compensar a vítima sem, no entanto, dar margem ao enriquecimento ilícito, e admoestar o agente causador do dano, para que não pratique mais atos de idêntica natureza. JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE O QUANTUM DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SITUAÇÃO DIVERSA. CORREÇÃO MONETÁRIA, CONTUDO, QUE OBSERVA O ENUNCIADO DA SÚMULA 362 DO STJ. Os juros de mora incidentes sobre a paga pecuniária, quando se trata de indenização por dano moral decorrente de acidente de trânsito, fluem a partir do evento danoso, na forma prevista no art. 398 do CC e Súmula nº 54 do STJ. Já para as ações que envolvem erro médico, o enunciado da Súmula nº 54 não é aplicável, tendo em vista que, apesar da responsabilidade médica figurar dentro do tema dos atos ilícitos, sua natureza é contratual. Logo, os juros de mora correm da data da citação do médico ou do hospital. A correção monetária, pelo INPC-IBGE, para ambos, observa a Súmula nº 362 do STJ ("a correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento"). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LIMITE DE 15% PREVISTO NA LEI Nº 1.060/50 INAPLICÁVEL. APLICABILIDADE DO ART. 22, § 1º, DO ESTATUTO DA OAB E ART. 20, § 3º, DO CPC. O § 1º do art. 11 da Lei nº 1.060/50, que estabelece o limite de 15% (quinze por cento) para fixação da verba honorária ao patrono da parte vencedora beneficiária da Justiça Gratuita, foi revogado pelo art. 22, § 1º, da Lei nº 8.906/94 - Estatuto da OAB, o qual atribuiu ao juiz da causa a fixação do honorários. Os honorários em favor da parte vencedora beneficiária da Justiça Gratuita devem, portanto, ser fixados com base no CPC, e não na Lei de Assistência Judiciária. APELO DO MOTORISTA E DO MÉDICO NÃO PROVIDOS. RECURSO DO HOSPITAL PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA INDIVIDUALIZAR O QUANTUM. RECURSO DOS AUTORES A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA MAJORAR O QUANTUM INDENIZATÓRIO E RETIFICAR A SUCUMBÊNCIA. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.053930-2, de Timbó, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 24-04-2014).

Data do Julgamento : 24/04/2014
Classe/Assunto : Segunda Câmara de Direito Civil
Órgão Julgador : Giancarlo Rossi
Relator(a) : Gilberto Gomes de Oliveira
Comarca : Timbó
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