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Jurisprudência


TJSC 2013.011484-2 (Acórdão)

Ementa
CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA RACIAL. ARTIGO 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. NULIDADE DO FEITO. FALTA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INTENTAR A AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA. VÍTIMA CRIANÇA. MANIFESTAÇÃO DE SUA REPRESENTANTE LEGAL NO INQUÉRITO POLICIAL. EXIGÊNCIA DO ARTIGO 39 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CUMPRIDA. Em sendo a vítima criança com onze anos de idade à época dos fatos, a manifestação de sua representante legal (genitora), deve ser entendida como a autorização exigida pelo artigo 39 do Código de Processo Penal para que o Ministério Público proponha a ação penal contra o suposto infrator, pois trata-se de ação penal pública condicionada à representação, conforme prevê o artigo 145, parágrafo único, do Código Penal. MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INVIABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CRIME COMETIDO POR PADRASTO CONTRA ENTEADO. CRIANÇA COM 11 (ONZE) ANOS DE IDADE À ÉPOCA DOS FATOS. OFENSAS DE CUNHO RACISTA. "PRETO DO DIABO", "PRETO SEM-VERGONHA", "PRETO QUE NEM O PNEU DO MEU CARRO". PALAVRA DA VÍTIMA. COERÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÃO NAS FASES INVESTIGATIVA E JUDICIAL. ESPECIAL RELEVÂNCIA EM CRIMES COMETIDOS EM AMBIENTE DOMÉSTICO. Padrasto que chama o enteado, criança com 11 (onze) anos de idade à época dos fatos, de "preto do diabo", "preto sem-vergonha", "preto que nem o pneu do meu carro", sempre utilizando a expressão de cunho racista, com manifesto propósito de ofender a vítima, comete o crime de injúria racial. O depoimento da vítima é preponderante para a apuração de crimes cometidos em ambiente domésticos, no entanto, o seu relato deve se posicionar como parte integrante de um contexto probatório mais amplo, para que possa levar à condenação, havendo necessidade proeminente de verificação de outras circunstâncias capazes de afastar as dúvidas sobre materialidade e autoria do crime. CRIME DE INJÚRIA RACIAL. SUJEITO PASSIVO. VÍTIMA QUE NÃO TEM A PELE DE COR NEGRA. Comete o crime de injúria qualificada o agente que utiliza palavras depreciativas referentes a raça, cor religião ou origem, com o objetivo de ofender a honra subjetiva da vítima, isto é, há necessidade do elemento subjetivo consistente no dolo de injuriar, vontade de ultrajar alguém por causa da cor de sua pele. Embora a vítima não seja negra, tem a pele mais escura que a do réu, podendo ser classificado como "pardo", assim, em tendo o réu a intenção de ofender, é o que basta para que subsista do crime. ATIPICIDADE DA CONDUTA. VÍTIMA CRIANÇA. SENTIMENTO DE DIGNIDADE OU DECORO. OFENDIDO COM VISÍVEL MATURIDADE, DEMONSTRANDO QUE ENTENDEU AS OFENSAS DIRIGIDAS CONTRA SI. DELITO CARACTERIZADO. De acordo com Celso Delmanto, a vítima desta espécie de crime pode ser qualquer pessoa, inclusive "os de má-fama e os irresponsáveis (loucos ou menores); estes últimos apenas não poderão ser vítimas no crime de injúria, caso lhes falte o necessário entendimento" (Código Penal comentado, 8 ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 503). EXCLUDENTE DE ILICITUDE. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. ARTIGO 23, INCISO, III, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. O exercício regular de direito deve obedecer aos limites legais, pois, de acordo com Cleber Masson, "quem tem um direito, dele não pode abusar. O excesso ou abuso enseja, além do afastamento da excludente, a utilização da legítima defesa por parte do prejudicado pelo exercício irregular e abusivo do direito" (Direito Penal Esquematizado - Parte geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 422). O dever dos pais (no caso, padrasto), de usar dos meios moderados de disciplina, não pode configurar arbítrio ou excesso desse direito. (TJSC, Apelação Criminal n. 2013.011484-2, de Mafra, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, Quarta Câmara Criminal, j. 10-10-2013).

Data do Julgamento : 10/10/2013
Classe/Assunto : Quarta Câmara Criminal
Órgão Julgador : Gilmar Nicolau Lang
Relator(a) : Jorge Schaefer Martins
Comarca : Mafra
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