TJSC 2013.055289-1 (Acórdão)
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO DE CAÇADOR. RESTABELECIMENTO DO HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DE POSTO DE ATENDIMENTO. PRELIMINARES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NÃO CONFIGURADO. DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO DA MUNICIPALIDADE DE DISPONIBILIZAR AOS MUNICIPES OS MEIOS NECESSÁRIOS PARA A SUA CONSECUÇÃO. MULTA COMINATÓRIA. IMPOSIÇÃO AO AGENTE POLÍTICO, PESSOALMENTE. INADMISSIBILIDADE. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO. PROVIMENTO PARCIAL DA REMESSA E DO RECURSO VOLUNTÁRIO. Hipótese em que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuiza ação civil pública contra o município de Caçador, com o propósito de ver restabelecido o horário de funcionamento de posto de atendimento instalado em nosocômio, o qual foi reduzido por determinação do ente público. Necessidade de se manter o serviço operando ininterruptamente, a fim de garantir aos cidadãos pleno acesso ao atendimento médico, porquanto, com a medida, estar-se-á "desafogando" hospital local, no qual é prestado atendimento médico mais complexo, o qual, com a redução do horário retro, viu-se assoberbado com casos mais corriqueiros e que não reclamam serviços especializados. Preambulares de ilegitimidade passiva e de impossibilidade jurídica manifestamente improcedentes, porquanto cediço é o entendimento jurisprudencial, firmado com lastro em normas constitucionais e infraconstitucionais, que, em hipóteses como a presente, a responsabilidade é solidária. Alegada violação ao princípio de separação dos poderes que, por igual, não se sustenta, pois "A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais. "4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada. "5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial. "6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. A omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas constitucionalmente definidas e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário" (REsp 1041197, rel. Min. Humberto Martins, p. 16-9-2009). Impossibilidade, em contrapartida, de se impor o gestor municipal, pessoalmente, o pagamento da astreinte, uma vez que não foi parte na ação, e, neste passo, não exerceu o direito ao contraditório e à ampla defesa. "1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. "2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. "Agravo regimental improvido" (AgRg no AREsp 196.946/SE, rel. Ministro Humberto Martins, p. 26-5-2013). (TJSC, Apelação Cível n. 2013.055289-1, de Caçador, rel. Des. Stanley da Silva Braga, Terceira Câmara de Direito Público, j. 24-06-2014).
Ementa
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO DE CAÇADOR. RESTABELECIMENTO DO HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DE POSTO DE ATENDIMENTO. PRELIMINARES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NÃO CONFIGURADO. DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO DA MUNICIPALIDADE DE DISPONIBILIZAR AOS MUNICIPES OS MEIOS NECESSÁRIOS PARA A SUA CONSECUÇÃO. MULTA COMINATÓRIA. IMPOSIÇÃO AO AGENTE POLÍTICO, PESSOALMENTE. INADMISSIBILIDADE. REFORMA DA SENTENÇA NO PONTO. PROVIMENTO PARCIAL DA REMESSA E DO RECURSO VOLUNTÁRIO. Hipótese em que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuiza ação civil pública contra o município de Caçador, com o propósito de ver restabelecido o horário de funcionamento de posto de atendimento instalado em nosocômio, o qual foi reduzido por determinação do ente público. Necessidade de se manter o serviço operando ininterruptamente, a fim de garantir aos cidadãos pleno acesso ao atendimento médico, porquanto, com a medida, estar-se-á "desafogando" hospital local, no qual é prestado atendimento médico mais complexo, o qual, com a redução do horário retro, viu-se assoberbado com casos mais corriqueiros e que não reclamam serviços especializados. Preambulares de ilegitimidade passiva e de impossibilidade jurídica manifestamente improcedentes, porquanto cediço é o entendimento jurisprudencial, firmado com lastro em normas constitucionais e infraconstitucionais, que, em hipóteses como a presente, a responsabilidade é solidária. Alegada violação ao princípio de separação dos poderes que, por igual, não se sustenta, pois "A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais. "4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada. "5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial. "6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. A omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas constitucionalmente definidas e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário" (REsp 1041197, rel. Min. Humberto Martins, p. 16-9-2009). Impossibilidade, em contrapartida, de se impor o gestor municipal, pessoalmente, o pagamento da astreinte, uma vez que não foi parte na ação, e, neste passo, não exerceu o direito ao contraditório e à ampla defesa. "1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. "2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. "Agravo regimental improvido" (AgRg no AREsp 196.946/SE, rel. Ministro Humberto Martins, p. 26-5-2013). (TJSC, Apelação Cível n. 2013.055289-1, de Caçador, rel. Des. Stanley da Silva Braga, Terceira Câmara de Direito Público, j. 24-06-2014).
Data do Julgamento
:
24/06/2014
Classe/Assunto
:
Terceira Câmara de Direito Público
Órgão Julgador
:
Luciana Pelisser Gottardi Trentini
Relator(a)
:
Stanley da Silva Braga
Comarca
:
Caçador
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