TJSC 2014.001051-6 (Acórdão)
APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, CAPUT C/C ART. 14, II) - RECURSO DE AMBAS AS PARTES - PLEITO DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, FRAGMENTARIEDADE E INSIGNIFICÂNCIA - INVIABILIDADE - ACUSADO MULTIRREINCIDENTE EM DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - MÉRITO - MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS - PALAVRAS DA VÍTIMA FIRMES E UNÍSSONAS EM AMBAS AS FASES - CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS - INVERSÃO DA POSSE NÃO VERIFICADA - TENTATIVA MANTIDA. I - "O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria Penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. [...] Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal" (HC n. 92.463/RS, rel. Min. Celso de Mello, j. em 16-10-2007). Assim, ao agente reincidente na prática de crimes contra o patrimônio não se aplicam os axiomas destipificadores, haja vista a especial reprovabilidade que se deve conferir à conduta praticada, consistindo, outrossim, em medida socialmente não recomendável, pouco importando o valor do bem subtraído. II - É ônus da defesa a demonstração de que o agente, por circunstâncias específicas, não poderia agir de modo diverso. Inexistindo prova acerca dessa hipótese e, pelo contrário, demonstrando os elementos que havia possibilidade de conduta diferenciada, inaplicável a excludente. III - "Os crimes contra o patrimônio são, em sua maioria, cometidos na clandestinidade, longe dos olhos de possíveis testemunhas, razão pela qual a palavra da vítima, aliada aos demais elementos de prova, tem força probatória e autoriza a prolação do decreto condenatório" (Ap. Crim. n. 2013.015268-4, de Itajaí, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. em 20-2-2014). IV - É tentado o crime de furto praticado em estabelecimento comercial quando o réu é descoberto e preso pela própria vítima, na posse da res furtiva mas ainda no interior do imóvel. DOSIMETRIA - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 - READEQUAÇÃO - ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DA REINCIDÊNCIA - PRECEDENTE DO PLENÁRIO DO STF EM REPERCUSSÃO GERAL ADOTADO POR ESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DA CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO - RESGATE DA PENA NO REGIME SEMIABERTO - POSSIBILIDADE (STJ, SÚMULA N. 269). I - Trata-se a culpabilidade do art. 59 "dos motivos e metas do réu, a atitude interna que se reflete no delito, o grau de contrariedade ao dever são todas as circunstâncias que fazem aparecer a formação de vontade do réu numa luz mais ou menos favorável, agravando ou atenuando, com isso, o grau de reprovabilidade do delito" (FRANCO, Alberto Silva; BELOQUE, Juliana. Código Penal e sua Interpretação, 8 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 343). E em não existindo elementos que demonstrem a alta censurabilidade da conduta do acusado, inviável a consideração negativa da culpabilidade, não servindo para tanto os antecedentes criminais. II - A circunstância judicial da conduta social deve ser vista como "o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc." (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 3. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 441). Assim, inviável a majoração da pena-base em vista à negatividade desta circunstância, quando aferida unicamente por meio de ficha criminal. III - A personalidade refere-se ao caráter e à síntese das qualidades morais do indivíduo. É a psíque individual, no seu modo de ser permanente, de modo a se reputar imprescindível a presença de dados precisos acerca dos aspectos dessa circunstância. Ausente qualquer elemento que ateste a personalidade desabonadora do réu no momento da prática delitiva, descabe o aumento de pena. IV - "O enriquecimento ilícito e a busca pelo lucro fácil não são hábeis a autorizar o aumento na pena-base, a título de motivos desfavoráveis do crime, especialmente porque se trata de crime de furto, delito patrimonial, uma vez que tais circunstâncias são inerentes ao próprio tipo penal infringido, já tendo sido considerados pelo legislador quando da fixação da pena abstratamente cominada a esse ilícito" (HC n. 525.522/MG, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 2-5-2013). V - O Superior Tribunal de Justiça "tem reiteradamente decidido que, quando o comportamento da vítima não contribui para o cometimento do crime, ou é considerado 'normal à espécie', não há falar em consideração desfavorável ao acusado" (REsp n. 1.117.700/ES, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 15-8-2013). VI - No julgamento do RE n. 453.000/RS, em 4-4-2013, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decidiu pela constitucionalidade da agravante da reincidência. E embora o julgamento tenha sido em caráter incidental, este Tribunal de Justiça vem seguindo a orientação, até mesmo porque "muito embora esse processo ter chegado àquela Corte anteriormente à regulamentação da repercussão geral, os Ministros decidiram aplicar à decisão os efeitos do instituto, uma vez que a matéria teve repercussão geral reconhecida em outro recurso (RE 732290)" (Apelação Criminal n. 2013.079559-4, de Concórdia, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. em 17-12-2013). VII - "É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais" (STJ, Súmula n. 269). (TJSC, Apelação Criminal n. 2014.001051-6, de Lages, rel. Des. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j. 19-08-2014).
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, CAPUT C/C ART. 14, II) - RECURSO DE AMBAS AS PARTES - PLEITO DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, FRAGMENTARIEDADE E INSIGNIFICÂNCIA - INVIABILIDADE - ACUSADO MULTIRREINCIDENTE EM DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - MÉRITO - MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS - PALAVRAS DA VÍTIMA FIRMES E UNÍSSONAS EM AMBAS AS FASES - CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS - INVERSÃO DA POSSE NÃO VERIFICADA - TENTATIVA MANTIDA. I - "O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria Penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. [...] Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal" (HC n. 92.463/RS, rel. Min. Celso de Mello, j. em 16-10-2007). Assim, ao agente reincidente na prática de crimes contra o patrimônio não se aplicam os axiomas destipificadores, haja vista a especial reprovabilidade que se deve conferir à conduta praticada, consistindo, outrossim, em medida socialmente não recomendável, pouco importando o valor do bem subtraído. II - É ônus da defesa a demonstração de que o agente, por circunstâncias específicas, não poderia agir de modo diverso. Inexistindo prova acerca dessa hipótese e, pelo contrário, demonstrando os elementos que havia possibilidade de conduta diferenciada, inaplicável a excludente. III - "Os crimes contra o patrimônio são, em sua maioria, cometidos na clandestinidade, longe dos olhos de possíveis testemunhas, razão pela qual a palavra da vítima, aliada aos demais elementos de prova, tem força probatória e autoriza a prolação do decreto condenatório" (Ap. Crim. n. 2013.015268-4, de Itajaí, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. em 20-2-2014). IV - É tentado o crime de furto praticado em estabelecimento comercial quando o réu é descoberto e preso pela própria vítima, na posse da res furtiva mas ainda no interior do imóvel. DOSIMETRIA - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 - READEQUAÇÃO - ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DA REINCIDÊNCIA - PRECEDENTE DO PLENÁRIO DO STF EM REPERCUSSÃO GERAL ADOTADO POR ESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DA CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO - RESGATE DA PENA NO REGIME SEMIABERTO - POSSIBILIDADE (STJ, SÚMULA N. 269). I - Trata-se a culpabilidade do art. 59 "dos motivos e metas do réu, a atitude interna que se reflete no delito, o grau de contrariedade ao dever são todas as circunstâncias que fazem aparecer a formação de vontade do réu numa luz mais ou menos favorável, agravando ou atenuando, com isso, o grau de reprovabilidade do delito" (FRANCO, Alberto Silva; BELOQUE, Juliana. Código Penal e sua Interpretação, 8 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 343). E em não existindo elementos que demonstrem a alta censurabilidade da conduta do acusado, inviável a consideração negativa da culpabilidade, não servindo para tanto os antecedentes criminais. II - A circunstância judicial da conduta social deve ser vista como "o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc." (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 3. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 441). Assim, inviável a majoração da pena-base em vista à negatividade desta circunstância, quando aferida unicamente por meio de ficha criminal. III - A personalidade refere-se ao caráter e à síntese das qualidades morais do indivíduo. É a psíque individual, no seu modo de ser permanente, de modo a se reputar imprescindível a presença de dados precisos acerca dos aspectos dessa circunstância. Ausente qualquer elemento que ateste a personalidade desabonadora do réu no momento da prática delitiva, descabe o aumento de pena. IV - "O enriquecimento ilícito e a busca pelo lucro fácil não são hábeis a autorizar o aumento na pena-base, a título de motivos desfavoráveis do crime, especialmente porque se trata de crime de furto, delito patrimonial, uma vez que tais circunstâncias são inerentes ao próprio tipo penal infringido, já tendo sido considerados pelo legislador quando da fixação da pena abstratamente cominada a esse ilícito" (HC n. 525.522/MG, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 2-5-2013). V - O Superior Tribunal de Justiça "tem reiteradamente decidido que, quando o comportamento da vítima não contribui para o cometimento do crime, ou é considerado 'normal à espécie', não há falar em consideração desfavorável ao acusado" (REsp n. 1.117.700/ES, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 15-8-2013). VI - No julgamento do RE n. 453.000/RS, em 4-4-2013, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decidiu pela constitucionalidade da agravante da reincidência. E embora o julgamento tenha sido em caráter incidental, este Tribunal de Justiça vem seguindo a orientação, até mesmo porque "muito embora esse processo ter chegado àquela Corte anteriormente à regulamentação da repercussão geral, os Ministros decidiram aplicar à decisão os efeitos do instituto, uma vez que a matéria teve repercussão geral reconhecida em outro recurso (RE 732290)" (Apelação Criminal n. 2013.079559-4, de Concórdia, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. em 17-12-2013). VII - "É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais" (STJ, Súmula n. 269). (TJSC, Apelação Criminal n. 2014.001051-6, de Lages, rel. Des. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j. 19-08-2014).
Data do Julgamento
:
19/08/2014
Classe/Assunto
:
Segunda Câmara Criminal
Órgão Julgador
:
Luiz Neri Oliveira de Souza
Relator(a)
:
Salete Silva Sommariva
Comarca
:
Lages
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