TJSC 2015.038866-3 (Acórdão)
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LITÍGIO RESULTANTE DE CONTRATO DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS PROPOSTA POR MUTUÁRIO CONTRA SEGURADORA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 01. De ordinário, "compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas" (STJ, Súmula 150). Todavia, "em direito não há lugar para absolutos" (Teori Albino Zavascki). A Súmula tem aplicação apenas na hipótese de haver razoável dúvida quanto à competência da Justiça Estadual para processar e julgar a causa, dúvida decorrente, v.g., da natureza da relação jurídica litigiosa. Nas demandas versando sobre pretensão à reparação civil de danos ajuizadas com fundamento em contrato de seguro habitacional, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça e as Turmas que a compõem têm decidido que "o ingresso da CEF na lide somente será possível a partir do momento em que a instituição financeira provar documentalmente o seu interesse jurídico, mediante demonstração não apenas da existência de apólice pública, mas também do comprometimento do FCVS, com risco efetivo de exaurimento da reserva técnica do FESA" (S-2, EDclEDclREsp n. 1.091.363, Min. Nancy Andrighi; T-3, AgRgAgREsp n. 514.427, Min. João Otávio de Noronha; T-4, AgRgAgREsp n. 536.708, Min. Raul Araújo). Se a "União, suas autarquias ou empresas públicas" forem indicadas como partes, necessariamente os autos deverão ser remetidos à Justiça Federal. Não sendo partes, caberá àquele que invocar a Súmula 150/STJ demonstrar a "existência de interesse jurídico que justifique a presença" dessas entidades jurídicas no processo. Cumprirá ao juiz estadual afirmar a sua competência para julgar a causa se a seguradora não exibir documento do qual se infira, estreme de dúvida, que da procedência da pretensão do autor resultará "comprometimento do FCVS, com risco efetivo de exaurimento da reserva técnica do FESA". Impende ponderar que: I) os contratos regidos pela Lei n. 4.380, de 1964, que dispõe sobre o "sistema financeiro para aquisição da casa própria", revestem-se de forte conteúdo social e, "desde que não vinculados ao FCVS e posteriores à entrada em vigor da Lei n. 8.078/1990", submetem-se às regras do Código de Defesa do Consumidor (STJ, T-1, AgRgREsp n. 1.464.852, Min. Benedito Gonçalves; T-2, REsp n. 1.483.061, Min. Mauro Campbell Marques; T-3, AgRgREsp n. 1.093.154, Min. Nancy Andrighi; T-4, AgRgREsp n. 1.216.391, Min. Raul Araújo); II) "toda e qualquer interpretação consubstancia ato de vontade, devendo o intérprete considerar o objetivo da norma. Descabe a fixação de alcance de modo a prejudicar aquele que a norma almeja proteger" (STF, AgRgAI n. 218.668, Min. Marco Aurélio). A Lei n. 4.380, de 1964, "almeja proteger" o mutuário. Não pode, destarte, ser interpretada de modo a prejudicá-lo; III) o deslocamento do processo para a Justiça Federal, com a consequente citação da Caixa Econômica Federal para, na qualidade de gestora do FCVS (Lei n. 12.409/2011), integrar a lide - ainda que temporariamente, apenas para expressar que nela não tem interesse -, além de comprometer o princípio que assegura a "razoável duração do processo" (CR, art. 5º, LXXVIII), poderá resultar na imposição de honorários advocatícios ao mutuário/autor; IV) por força da Lei n. 12.409/2011, "a CEF deverá ser intimada nos processos que tramitam na Justiça Comum Estadual que tenham por objeto a extinta apólice pública do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação - SH/SFH, para que manifeste o seu interesse em intervir no feito" (art. 1º-A, § 6º). Portanto, em relação a esses processos nem sequer é aplicável a Súmula 150/STJ. 02. Com a violação do direito, nasce para o titular a pretensão; com o nascimento da pretensão, passa a fluir o prazo de prescrição (CC, art. 189). Por constituir, reflexamente, forma anômala de extinção de obrigações, a prescrição só deve ser declarada quando manifesta a inércia do credor, a sua desídia em deduzir a pretensão. Havendo dúvida, impõe-se seja repelida. Para o Superior Tribunal de Justiça, "sendo os danos ao imóvel de natureza sucessiva e gradual, sua progressão dá azo a inúmeros sinistros sujeitos à cobertura securitária, renovando seguidamente a pretensão do beneficiário do seguro e, por conseguinte, o marco inicial do prazo prescricional" (T-3, AgRgAgREsp n. 484.874, Min. Nancy Andrighi; T-4, AgRgAgREsp n. 193.846, Min. Luis Felipe Salomão). 03. A lide "resulta de uma pretensão insatisfeita" (Frederico Marques); via de regra, constitui pressuposto processual; "inexistindo litígio, não há sequer interesse em instaurar-se a relação processual, e sem legitimidade e interesse, diz expressamente a lei, não se pode propor ou contestar ação (CPC, art. 3º)" (Humberto Theodoro Júnior). Nas causas em que o segurado reclama da seguradora reparação dos danos em imóvel adquirido com recursos do Sistema Financeiro de Habitação, o fato de não ter providenciado a prévia "comunicação do sinistro" não autoriza a extinção do processo por ausência de "interesse de agir" (TJSC, AI n. 2007.016948-4, Des. Joel Dias Figueira Júnior; AI n. 2007.026614-2, Des. Sérgio Izidoro Heil; AI n. 2014.020897-7, Des. Stanley da Silva Braga; AC n. 2010.004594-0, Des. Trindade dos Santos; STJ, T-3, REsp n. 1.137.113, Min. Nancy Andrighi; T-4, AgRgAgREsp n. 285.711, Min. Luis Felipe Salomão). Ademais, "não se pode argumentar com a falta de interesse de agir do segurado para a ação de cobrança da indenização securitária apenas porque ele deixou de apresentar requerimento administrativo nesse sentido quando a negativa de cobertura por parte da seguradora fica evidenciada ao longo de todo o processo judicial" (STJ, T-3, AgRgREsp n. 1.241.594, Min. Sidnei Beneti; TJSC, AC n. 2005.037124-1, Des. Sérgio Izidoro Heil; AC n. 2010.004594-0, Des. Trindade dos Santos; AC n. 2015.034359-7, Des. Jairo Fernandes Gonçalves; AC n. 2013.077109-9, Des. Domingos Paludo). 04. "Nas demandas de competência civil-consumerista, sendo o autor beneficiário da justiça gratuita, deve o réu arcar com o pagamento prévio de metade do valor dos honorários periciais nas hipóteses em que a produção da prova técnica for requerida por ambos os litigantes ou exclusivamente pelo autor, ou, ainda, determinada pelo juiz" (TJSC, Súmula 26). (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.038866-3, de Itajaí, rel. Des. Newton Trisotto, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 21-01-2016).
Ementa
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LITÍGIO RESULTANTE DE CONTRATO DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS PROPOSTA POR MUTUÁRIO CONTRA SEGURADORA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 01. De ordinário, "compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas" (STJ, Súmula 150). Todavia, "em direito não há lugar para absolutos" (Teori Albino Zavascki). A Súmula tem aplicação apenas na hipótese de haver razoável dúvida quanto à competência da Justiça Estadual para processar e julgar a causa, dúvida decorrente, v.g., da natureza da relação jurídica litigiosa. Nas demandas versando sobre pretensão à reparação civil de danos ajuizadas com fundamento em contrato de seguro habitacional, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça e as Turmas que a compõem têm decidido que "o ingresso da CEF na lide somente será possível a partir do momento em que a instituição financeira provar documentalmente o seu interesse jurídico, mediante demonstração não apenas da existência de apólice pública, mas também do comprometimento do FCVS, com risco efetivo de exaurimento da reserva técnica do FESA" (S-2, EDclEDclREsp n. 1.091.363, Min. Nancy Andrighi; T-3, AgRgAgREsp n. 514.427, Min. João Otávio de Noronha; T-4, AgRgAgREsp n. 536.708, Min. Raul Araújo). Se a "União, suas autarquias ou empresas públicas" forem indicadas como partes, necessariamente os autos deverão ser remetidos à Justiça Federal. Não sendo partes, caberá àquele que invocar a Súmula 150/STJ demonstrar a "existência de interesse jurídico que justifique a presença" dessas entidades jurídicas no processo. Cumprirá ao juiz estadual afirmar a sua competência para julgar a causa se a seguradora não exibir documento do qual se infira, estreme de dúvida, que da procedência da pretensão do autor resultará "comprometimento do FCVS, com risco efetivo de exaurimento da reserva técnica do FESA". Impende ponderar que: I) os contratos regidos pela Lei n. 4.380, de 1964, que dispõe sobre o "sistema financeiro para aquisição da casa própria", revestem-se de forte conteúdo social e, "desde que não vinculados ao FCVS e posteriores à entrada em vigor da Lei n. 8.078/1990", submetem-se às regras do Código de Defesa do Consumidor (STJ, T-1, AgRgREsp n. 1.464.852, Min. Benedito Gonçalves; T-2, REsp n. 1.483.061, Min. Mauro Campbell Marques; T-3, AgRgREsp n. 1.093.154, Min. Nancy Andrighi; T-4, AgRgREsp n. 1.216.391, Min. Raul Araújo); II) "toda e qualquer interpretação consubstancia ato de vontade, devendo o intérprete considerar o objetivo da norma. Descabe a fixação de alcance de modo a prejudicar aquele que a norma almeja proteger" (STF, AgRgAI n. 218.668, Min. Marco Aurélio). A Lei n. 4.380, de 1964, "almeja proteger" o mutuário. Não pode, destarte, ser interpretada de modo a prejudicá-lo; III) o deslocamento do processo para a Justiça Federal, com a consequente citação da Caixa Econômica Federal para, na qualidade de gestora do FCVS (Lei n. 12.409/2011), integrar a lide - ainda que temporariamente, apenas para expressar que nela não tem interesse -, além de comprometer o princípio que assegura a "razoável duração do processo" (CR, art. 5º, LXXVIII), poderá resultar na imposição de honorários advocatícios ao mutuário/autor; IV) por força da Lei n. 12.409/2011, "a CEF deverá ser intimada nos processos que tramitam na Justiça Comum Estadual que tenham por objeto a extinta apólice pública do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação - SH/SFH, para que manifeste o seu interesse em intervir no feito" (art. 1º-A, § 6º). Portanto, em relação a esses processos nem sequer é aplicável a Súmula 150/STJ. 02. Com a violação do direito, nasce para o titular a pretensão; com o nascimento da pretensão, passa a fluir o prazo de prescrição (CC, art. 189). Por constituir, reflexamente, forma anômala de extinção de obrigações, a prescrição só deve ser declarada quando manifesta a inércia do credor, a sua desídia em deduzir a pretensão. Havendo dúvida, impõe-se seja repelida. Para o Superior Tribunal de Justiça, "sendo os danos ao imóvel de natureza sucessiva e gradual, sua progressão dá azo a inúmeros sinistros sujeitos à cobertura securitária, renovando seguidamente a pretensão do beneficiário do seguro e, por conseguinte, o marco inicial do prazo prescricional" (T-3, AgRgAgREsp n. 484.874, Min. Nancy Andrighi; T-4, AgRgAgREsp n. 193.846, Min. Luis Felipe Salomão). 03. A lide "resulta de uma pretensão insatisfeita" (Frederico Marques); via de regra, constitui pressuposto processual; "inexistindo litígio, não há sequer interesse em instaurar-se a relação processual, e sem legitimidade e interesse, diz expressamente a lei, não se pode propor ou contestar ação (CPC, art. 3º)" (Humberto Theodoro Júnior). Nas causas em que o segurado reclama da seguradora reparação dos danos em imóvel adquirido com recursos do Sistema Financeiro de Habitação, o fato de não ter providenciado a prévia "comunicação do sinistro" não autoriza a extinção do processo por ausência de "interesse de agir" (TJSC, AI n. 2007.016948-4, Des. Joel Dias Figueira Júnior; AI n. 2007.026614-2, Des. Sérgio Izidoro Heil; AI n. 2014.020897-7, Des. Stanley da Silva Braga; AC n. 2010.004594-0, Des. Trindade dos Santos; STJ, T-3, REsp n. 1.137.113, Min. Nancy Andrighi; T-4, AgRgAgREsp n. 285.711, Min. Luis Felipe Salomão). Ademais, "não se pode argumentar com a falta de interesse de agir do segurado para a ação de cobrança da indenização securitária apenas porque ele deixou de apresentar requerimento administrativo nesse sentido quando a negativa de cobertura por parte da seguradora fica evidenciada ao longo de todo o processo judicial" (STJ, T-3, AgRgREsp n. 1.241.594, Min. Sidnei Beneti; TJSC, AC n. 2005.037124-1, Des. Sérgio Izidoro Heil; AC n. 2010.004594-0, Des. Trindade dos Santos; AC n. 2015.034359-7, Des. Jairo Fernandes Gonçalves; AC n. 2013.077109-9, Des. Domingos Paludo). 04. "Nas demandas de competência civil-consumerista, sendo o autor beneficiário da justiça gratuita, deve o réu arcar com o pagamento prévio de metade do valor dos honorários periciais nas hipóteses em que a produção da prova técnica for requerida por ambos os litigantes ou exclusivamente pelo autor, ou, ainda, determinada pelo juiz" (TJSC, Súmula 26). (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.038866-3, de Itajaí, rel. Des. Newton Trisotto, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 21-01-2016).
Data do Julgamento
:
21/01/2016
Classe/Assunto
:
Segunda Câmara de Direito Civil
Órgão Julgador
:
Ricardo Rafael dos Santos
Relator(a)
:
Newton Trisotto
Comarca
:
Itajaí
Mostrar discussão