TNU 50400329620134047100 50400329620134047100
VOTO-VENCEDOR
Após examinar os autos, peço vênia para divergir do eminente Relator.
Consta do relatório:
Cuida-se de Agravo Regimental contra decisão monocrática que negou provimento
ao incidente interposto pelo agravante, com respaldo na Súmula 51 desta
Corte, mantendo o acórdão recorrido ao argumento de que a cassação da
decisão antecipatória empresta os efeitos ex nunc, malgrado haver posições
antagônicas, alinhava-se com a jurisprudência dominante pelo STJ, pela
Terceira Seção e pelas Turmas que a compõem firmada à época em que
prolatada, no sentido de que não está sujeito à repetição dos valores
referentes a benefícios previdenciários recebidos de boa fé o segurado
hipossuficiente, em razão de tutela antecipada posteriormente revogada,
declarando inexigíveis valores de benefício da Seguridade Social pagos
pelo réu, recebidos de boa-fé pela parte recorrida.
O tema objeto do presente incidente foi uniformizado no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça (TEMA 692), por ocasião do julgamento do REsp nº
1.401.560 (Relator Ministro SÉRGIO KUKINA, Relator p/ Acórdão Ministro
ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015),
que restou assim ementado:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.
O grande número de ações, e a demora que disso resultou para
a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela
judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos
conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor.
O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão
judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada
(CPC, art. 273, § 2º).
Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu
decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da
ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou
no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por
advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos
princípios gerais do direito é o de que não pode haver
enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao
direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é
o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991,
é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos
indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior
Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via
transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo
Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II,
da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único
na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal - ADI 675) dispensava.
Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de
Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor
da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Recurso especial conhecido e provido.
O referido julgado foi objeto de embargos de declaração, que foram rejeitados
pela Corte Superior, conforme se colhe da respectiva ementa (EDcl no REsp
1401560 / MT,
Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
27/04/2016, DJe 02/05/2016):
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C DO CPC/1973. ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO 2/STJ. REGIME GERAL
DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. ARTIGO 115
DA LEI 8.213/1991. CABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai
a incidência do
Enunciado Administrativo n. 2/STJ: "Aos recursos interpostos com
fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de
março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na
forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."
2. Firmou-se em sede de representativo de controvérsia a orientação
de que a reforma dadecisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação
a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
3. A principal argumentação trazida pela embargante consiste em que
a tutela antecipadaque lhe reconheceu o direito à aposentadoria por idade
rural, posteriormente, revogada pelo Tribunal a quo, foi concedida de
ofício pelo Magistrado de primeiro grau, sem que houvesse requerimento
da parte nesse sentido.
4. A definitividade da decisão que antecipa liminarmente a tutela,
na forma do artigo 273 do CPC/1973, não enseja a presunção, pelo
segurado, de que os valores recebidos integram, em definitivo, o seu
patrimônio. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da
decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela
antecipada, consoante artigo 273, § 2º, do CPC/1973.
5. Quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum
não é irreversível. Nos dizeres do Ministro Ari Pargendler, que
inaugurou a divergência no âmbito do julgamento do representativo da
controvérsia, mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo
que recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no Juiz, ignora
o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado,
o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
6. Do texto legal contido no artigo 115 da Lei 8.213/1991, apesar de não
expressamenteprevista norma de desconto de valores recebidos a título de
antecipação da tutela posteriormente revogada, é possível admitir, com
base no inciso II e, eventualmente, no inciso VI, o ressarcimento pretendido.
7. Embargos de declaração rejeitados.
Contra o referido acórdão a parte interessada interpôs recurso
extraordinário, ao
qual foi negado seguimento por decisão monocrática da Vice-Presidência
daquela Corte Superior. Contra esta decisão foi interposto agravo, rejeitado
pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos termos seguintes
(AgInt no RE nos EDcl no REsp 1401560/MT, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS,
CORTE ESPECIAL, julgado em 19/12/2016, DJe 07/02/2017):
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MOTIVAÇÃO DAS
DECISÕES JUDICIAIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. REVOGAÇÃO DE TUTELA
ANTECIPADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. TEMÁTICA RECURSAL SEM REPERCUSSÃO GERAL.
1. O STF reconheceu a existência de repercussão geral com relação
ao art. 93, inciso IX,da Constituição Federal, ressalvando, contudo, que
a fundamentação exigida pelo texto constitucional é aquela revestida
de coerência, explicitando suficientemente as razões de convencimento
do julgador, ainda que incorreta ou mesmo não pormenorizada, pois
decisão contrária ao interesse da parte não configura violação
do indigitado normativo. AI-RG-QO 791.292/PE, julgado sob o regime da
repercussão geral (Tema 339/STF).
2. No caso dos autos, o acórdão objeto do extraordinário foi erigido
como paradigma de recurso repetitivo, apresentando fundamentação
suficiente para justificar as razões de necessidade de devolução dos
valores recebidos a título de tutela antecipada posteriormente revogada.
3. E, nesse contexto, o STF, no julgamento do ARE-RG 722421, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, já se pronunciou no sentido de que não existe
repercussão geral quando a matéria versar sobre a possibilidade
de devolução de valores recebidos em virtude de tutela antecipada
posteriormente revogada (Tema n. 799), considerandose que a solução
da controvérsia envolve o exame de legislação infraconstitucional,
de modo que poderia configurar apenas ofensa indireta ou reflexa ao texto
constitucional. Agravo interno improvido.
Dos julgados transcritos, colhe-se que a Corte Superior não só enfrentou
a questão
de direito material submetida à uniformização, fixando, em recurso
representativo de controvérsia, a orientação de que "a reforma da decisão
que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios
previdenciários indevidamente recebidos", bem com fixou o entendimento de
que a matéria sob exame não comporta recurso ao Supremo Tribunal Federal,
uma vez que a Corte Suprema, por ocasião do julgamento do ARE 722.421
(Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 30-03-2015), decidiu que NÃO
há repercussão geral neste tema (TEMA 799), restando assim ementado o
referido julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES
RECEBIDOS EM VIRTUDE DE CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE
REVOGADA. DEVOLUÇÃO. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA
INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. INEXISTÊNCIA.
I O exame da questão constitucional não prescinde da prévia
análise de normas infraconstitucionais, o que afasta a possibilidade de
reconhecimento do requisito constitucional da repercussão geral.
II Repercussão geral inexistente.
Posteriormente, a Suprema Corte manifestou-se nesse mesmo sentido em diversas
ocasiões, como pode-se ver nos seguintes precedentes: ARE 888551 ED/DF
(Tribunal Pleno, DJe 22/11/2016), ARE 920715 AgR/RS (Segunda Turma, DJe
18/04/2016) e RE 798793 AgR /ES (Primeira Turma, DJe 06/03/2015).
Por fim, cumpre registrar que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,
em recente decisão (Pet nº 10.996, DJe 26/06/2017), da lavra do eminente
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, presidente desta Turma Nacional de
Uniformização, acolheu-se incidente de uniformização da jurisprudência
interposto pelo INSS, concluindo que o entendimento deste Colegiado Nacional,
assentado no enunciado de sua Súmula 51 ("Os valores recebidos por força
de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda
previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da
boa-fé no seu recebimento."), contraria frontalmente o entendimento firmado
por aquela Corte Superior no julgamento do TEMA 692 dos recursos repetitivos.
Transcrevo a referida decisão:
PETIÇÃO Nº 10.996 - SC (2015/0243735-0)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
REQUERENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
REQUERIDO : VILMA AVOSANI CONSATTI
ADVOGADO : JOSE LUIS WAGNER E OUTRO(S) - DF017183
INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO (IBDP) "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADO : ALEXANDRE S TRICHES - RS065635
INTERES. : CONFEDERACAO BRASILEIRA DE APOSENTADOS, PENSIONISTAS
E IDOSOS - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : GABRIEL DORNELLES MARCOLIN E OUTRO(S) - RS076643
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA. ACÓRDÃO DA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO,
POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. CABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA DO
STJ ASSENTADA EM REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO
1.401.560/MT.
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO.
DECISÃO :
Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência dirigido ao
Superior Tribunal de Justiça pelo Instituto Nacional do Seguro Social, com
fulcro no artigo 14, § 4º, da Lei 10.259/2001, contra acórdão proferido
pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais,
assim ementado:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELA PARTE RÉ. PEDIDO DE CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA PELA TURMA
RECURSAL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA DE MÉRITO. INEXIGIBILIDADE
DAS PRESTAÇÕES PAGAS INDEVIDAMENTE. BOA-FÉ DO SEGURADO E CARÁTER
ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PARADIGMAS QUE NÃO REFLETEM A
JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 51 DA TURMA
NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM 13. INCIDENTE NÃO CONHECIDO.
Em suas razões, sustenta o INSS que o acórdão da TNU, fundamentado em sua
Súmula 51, diverge da jurisprudência do STJ, sedimentada em representativo
de controvérsia, Recurso Especial Repetitivo 1.401.560/MT, quanto à
possibilidade de devolução de valores recebidos a título de tutela
antecipada, posteriormente revogada. Por isso, deve ser reformado o acórdão.
Não foram apresentadas contrarrazões ao incidente de uniformização.
Noticiam os autos que Vilma Avosani Consatti ajuizou ação em face do
Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando concessão de benefício
assistencial, com amparo na Constituição Federal de 1988, artigo 203,
V, na Lei 8.742/1993, artigo 20, § 3º, ainda, no Estatuto do Idoso, Lei
10.741/2003, artigo 34, parágrafo único.
A sentença julgou procedente o pedido, determinando ao INSS que concedesse
em definitivo o benefício assistencial à autora, desde o indeferimento
do pedido administrativo, com renda mensal de um salário mínimo. Ainda,
concedeu de ofício a antecipação dos efeitos da tutela para determinar
a imediata implantação do benefício.
A parte autora opôs embargos de declaração contra a sentença, acolhidos
para corrigir erro material relativo ao cálculo das prestações vencidas.
O INSS interpôs recurso inominado, com pedido de revogação da tutela
antecipada.
Em acórdão, a Segunda Turma Recursal de Santa Catarina deu provimento ao
recurso, sem, contudo, permitir a repetição dos valores já recebidos pela
autora a título de tutela antecipada revogada.
Contra esse acórdão o INSS apresentou pedido de uniformização de
jurisprudência para a Turma Nacional de Uniformização, com fundamento no
artigo 14, § 2º, da Lei 10.259/2001, objetivando ver prevalecer entendimento
do Superior Tribunal de Justiça acerca do cabimento da devolução de valores
oriundos da antecipação da tutela revogada, apoiando-se em representativo
de controvérsia.
O incidente de uniformização foi admitido pela juíza presidente da Turma
Recursal e encaminhado à Turma Nacional de Uniformização.
O Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais determinou a distribuição do feito.
A Turma Nacional de Uniformização não conheceu do incidente, nos termos
da ementa supratranscrita.
Contra esse acórdão, o INSS apresenta e sustenta o presente incidente de
uniformização, distribuído a este Relator, que o admitiu, preliminarmente,
determinando a expedição de ofícios, em observância ao artigo 14, §§
6º e 7º, da Lei 10.259/2001 e artigo 2º, III, da Resolução 10/2007 do STJ.
Em seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento
do incidente de uniformização.
A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal-CONDSEF-, o
Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica Profissional
e TecnológicaSINASEFE- e o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências
Nacionais de Regulação-
SINAGÊNCIAS- requereram sua participação no processo como amici curiae,
pedido indeferido por este Relator, sob o entendimento de ausência de
correlação temática entre o objeto do presente incidente e as finalidades
sociais das entidades requerentes.
A Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas-COBAP- e o
Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário-IBDP-, outrossim, foram
admitidos como amici curiae, tendo sido observadas, para o deferimento,
as finalidades sócio-culturais de ambos.
É o relatório.
Decido.
O presente incidente de uniformização de jurisprudência, apresentado pelo
Instituto Nacional do Seguro Social, impugna acórdão proferido pela TNU, em
que se entendeu pelo não cabimento de devolução de valores pagos a título
de tutela antecipada deferida para implementar benefício assistencial,
consoante Súmula 51/ TNU. Após a admissão do feito e durante o seu
trâmite regular, verificou-se a ocorrência de fato relevante ao deslinde
deste incidente. É que transitou em julgado, em 03/03/2017, a decisão
proferida por esta Corte nos autos do REsp 1.401.560/MT, causa-piloto do
tema 692 dos recursos repetitivos, cujo acórdão inicialmente proferido
restou assim ementado:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.
O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação
jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles
casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande
verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico
do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de
irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por
isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não
é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo
recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato
de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe
que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução,
há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do
direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um
princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste
caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº
8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários
pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior
Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa,
deixando de aplicar norma legal que, a contrário sensu, o Supremo Tribunal
Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº
8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação
originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal -
ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do
Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga
o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente
recebidos. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1.401.560/MT, Relator
Ministro SÉRGIO KUKINA, Relator p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015)
Os embargos de declaração lá opostos pelo segurado-recorrido, nos quais
suscitava haver obscuridades na decisão, consubstanciadas nos fatos de que
deveria existir diferenciação entre os casos nos quais a tutela antecipada
foi requerida pelo segurado e aqueles em que foi concedido de ofício pelo
Juízo, bem como que a Lei 8.213/1991, em seu artigo 115, não estabeleceria a
possibilidade de devolução de valores por segurado que não fosse titular de
benefício em manutenção, foram rejeitados, restando firmada definitivamente
a seguinte tese: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor
da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Com efeito, o Código de Processo Civil de 2015, ao disciplinar o seu
sistema de precedentes, estabelece o dever de o Tribunal uniformizar sua
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, artigo 926,
bem assim a necessidade de observância das teses firmadas em julgamentos
de recursos repetitivos, artigo 927, III.
Assim, e embora seja possível a revisão posterior da tese adotada em sede
de recursos repetitivos, o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça
prevê procedimento específico para tanto, conforme artigos 256-S e seguintes,
não sendo o presente Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei
o meio adequado para se atingir tal desiderato.
No ponto, destaco que uma das hipóteses para revisão do entendimento
consolidado em enunciado de tema repetitivo é a sua adequação a
posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão
geral, artigo 256-V do RISTJ. Contudo, já houve manifestação definitiva
daquela Corte, apreciando o Tema 799, pela inexistência de repercussão
geral da questão aqui controvertida. Confira-se a ementa daquele julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.
VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. MATÉRIA DE ÍNDOLE
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. REPERCUSSÃO
GERAL. INEXISTÊNCIA.
I O exame da questão constitucional não prescinde da prévia análise
de normas infraconstitucionais, o queafasta a possibilidade de reconhecimento
do requisito constitucional da repercussão geral.
II Repercussão geral inexistente. (ARE 722.421 RS, Relator Ministro
PRESIDENTE, julgado em 19/03/2015,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-061 DIVULG 27/03/2015 PUBLIC 30/03/2015)
Outrossim, insta salientar que, para efeitos de necessidade de restituição
dos valores indevidamente recebidos por força de medida de urgência
posteriormente revogada, não há qualquer distinção entre os benefícios
implantados em virtude de requerimento formulado pela parte, de tutela
concedida ex officio, alegação que foi expressamente enfrentada e dirimida
no julgamento dos embargos de declaração acima mencionados.
Portanto, verifica-se que o entendimento adotado pela Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais, fundado no enunciado 51
de sua súmula de jurisprudência dominante os valores recebidos por força
de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda
previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da
boa-fé no seu recebimento contraria frontalmente a tese firmada pelo Superior
Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 692 dos recursos repetitivos a
reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver
os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Ante o exposto, conheço do incidente e dou-lhe provimento a fim de determinar
o cabimento da devolução de valores recebidos a título de tutela antecipada
posteriormente revogada.
Publique-se. Intimem-se. Oficie-se à Turma Nacional de Uniformização,
com cópia desta decisão, nos termos do artigo 6º da Resolução 10/2007-STJ.
Brasília (DF), 12 de junho de 2017.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES Relator
A partir dos julgados transcritos impende concluir que o enunciado da
Súmula 51
desta Turma Nacional de Uniformização mostra-se contrário à atual
compreensão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema objeto do presente
incidente, bem como que a matéria não apresenta repercussão geral perante
o Supremo Tribunal Federal, de sorte que divirjo do eminente Relator e
dou provimento ao agravo para conhecer e dar provimento ao incidente de
uniformização interposto pelo INSS, determinando o retorno dos autos à
Turma Recursal de origem para adequação.
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO
AGRAVO
PARA CONHECER E DAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização interposto
pelo INSS.
Ementa
VOTO-VENCEDOR
Após examinar os autos, peço vênia para divergir do eminente Relator.
Consta do relatório:
Cuida-se de Agravo Regimental contra decisão monocrática que negou provimento
ao incidente interposto pelo agravante, com respaldo na Súmula 51 desta
Corte, mantendo o acórdão recorrido ao argumento de que a cassação da
decisão antecipatória empresta os efeitos ex nunc, malgrado haver posições
antagônicas, alinhava-se com a jurisprudência dominante pelo STJ, pela
Terceira Seção e pelas Turmas que a compõem firmada à época em que
prolatada, no sentido de que não está sujeito à repetição dos valores
referentes a benefícios previdenciários recebidos de boa fé o segurado
hipossuficiente, em razão de tutela antecipada posteriormente revogada,
declarando inexigíveis valores de benefício da Seguridade Social pagos
pelo réu, recebidos de boa-fé pela parte recorrida.
O tema objeto do presente incidente foi uniformizado no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça (TEMA 692), por ocasião do julgamento do REsp nº
1.401.560 (Relator Ministro SÉRGIO KUKINA, Relator p/ Acórdão Ministro
ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015),
que restou assim ementado:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.
O grande número de ações, e a demora que disso resultou para
a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela
judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos
conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor.
O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão
judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada
(CPC, art. 273, § 2º).
Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu
decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da
ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou
no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por
advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos
princípios gerais do direito é o de que não pode haver
enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao
direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é
o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991,
é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos
indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior
Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via
transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo
Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II,
da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único
na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal - ADI 675) dispensava.
Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de
Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor
da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Recurso especial conhecido e provido.
O referido julgado foi objeto de embargos de declaração, que foram rejeitados
pela Corte Superior, conforme se colhe da respectiva ementa (EDcl no REsp
1401560 / MT,
Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
27/04/2016, DJe 02/05/2016):
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C DO CPC/1973. ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO 2/STJ. REGIME GERAL
DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. ARTIGO 115
DA LEI 8.213/1991. CABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai
a incidência do
Enunciado Administrativo n. 2/STJ: "Aos recursos interpostos com
fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de
março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na
forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."
2. Firmou-se em sede de representativo de controvérsia a orientação
de que a reforma dadecisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação
a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
3. A principal argumentação trazida pela embargante consiste em que
a tutela antecipadaque lhe reconheceu o direito à aposentadoria por idade
rural, posteriormente, revogada pelo Tribunal a quo, foi concedida de
ofício pelo Magistrado de primeiro grau, sem que houvesse requerimento
da parte nesse sentido.
4. A definitividade da decisão que antecipa liminarmente a tutela,
na forma do artigo 273 do CPC/1973, não enseja a presunção, pelo
segurado, de que os valores recebidos integram, em definitivo, o seu
patrimônio. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da
decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela
antecipada, consoante artigo 273, § 2º, do CPC/1973.
5. Quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum
não é irreversível. Nos dizeres do Ministro Ari Pargendler, que
inaugurou a divergência no âmbito do julgamento do representativo da
controvérsia, mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo
que recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no Juiz, ignora
o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado,
o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
6. Do texto legal contido no artigo 115 da Lei 8.213/1991, apesar de não
expressamenteprevista norma de desconto de valores recebidos a título de
antecipação da tutela posteriormente revogada, é possível admitir, com
base no inciso II e, eventualmente, no inciso VI, o ressarcimento pretendido.
7. Embargos de declaração rejeitados.
Contra o referido acórdão a parte interessada interpôs recurso
extraordinário, ao
qual foi negado seguimento por decisão monocrática da Vice-Presidência
daquela Corte Superior. Contra esta decisão foi interposto agravo, rejeitado
pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos termos seguintes
(AgInt no RE nos EDcl no REsp 1401560/MT, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS,
CORTE ESPECIAL, julgado em 19/12/2016, DJe 07/02/2017):
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MOTIVAÇÃO DAS
DECISÕES JUDICIAIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. REVOGAÇÃO DE TUTELA
ANTECIPADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. TEMÁTICA RECURSAL SEM REPERCUSSÃO GERAL.
1. O STF reconheceu a existência de repercussão geral com relação
ao art. 93, inciso IX,da Constituição Federal, ressalvando, contudo, que
a fundamentação exigida pelo texto constitucional é aquela revestida
de coerência, explicitando suficientemente as razões de convencimento
do julgador, ainda que incorreta ou mesmo não pormenorizada, pois
decisão contrária ao interesse da parte não configura violação
do indigitado normativo. AI-RG-QO 791.292/PE, julgado sob o regime da
repercussão geral (Tema 339/STF).
2. No caso dos autos, o acórdão objeto do extraordinário foi erigido
como paradigma de recurso repetitivo, apresentando fundamentação
suficiente para justificar as razões de necessidade de devolução dos
valores recebidos a título de tutela antecipada posteriormente revogada.
3. E, nesse contexto, o STF, no julgamento do ARE-RG 722421, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, já se pronunciou no sentido de que não existe
repercussão geral quando a matéria versar sobre a possibilidade
de devolução de valores recebidos em virtude de tutela antecipada
posteriormente revogada (Tema n. 799), considerandose que a solução
da controvérsia envolve o exame de legislação infraconstitucional,
de modo que poderia configurar apenas ofensa indireta ou reflexa ao texto
constitucional. Agravo interno improvido.
Dos julgados transcritos, colhe-se que a Corte Superior não só enfrentou
a questão
de direito material submetida à uniformização, fixando, em recurso
representativo de controvérsia, a orientação de que "a reforma da decisão
que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios
previdenciários indevidamente recebidos", bem com fixou o entendimento de
que a matéria sob exame não comporta recurso ao Supremo Tribunal Federal,
uma vez que a Corte Suprema, por ocasião do julgamento do ARE 722.421
(Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 30-03-2015), decidiu que NÃO
há repercussão geral neste tema (TEMA 799), restando assim ementado o
referido julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES
RECEBIDOS EM VIRTUDE DE CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE
REVOGADA. DEVOLUÇÃO. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA
INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. INEXISTÊNCIA.
I O exame da questão constitucional não prescinde da prévia
análise de normas infraconstitucionais, o que afasta a possibilidade de
reconhecimento do requisito constitucional da repercussão geral.
II Repercussão geral inexistente.
Posteriormente, a Suprema Corte manifestou-se nesse mesmo sentido em diversas
ocasiões, como pode-se ver nos seguintes precedentes: ARE 888551 ED/DF
(Tribunal Pleno, DJe 22/11/2016), ARE 920715 AgR/RS (Segunda Turma, DJe
18/04/2016) e RE 798793 AgR /ES (Primeira Turma, DJe 06/03/2015).
Por fim, cumpre registrar que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,
em recente decisão (Pet nº 10.996, DJe 26/06/2017), da lavra do eminente
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, presidente desta Turma Nacional de
Uniformização, acolheu-se incidente de uniformização da jurisprudência
interposto pelo INSS, concluindo que o entendimento deste Colegiado Nacional,
assentado no enunciado de sua Súmula 51 ("Os valores recebidos por força
de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda
previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da
boa-fé no seu recebimento."), contraria frontalmente o entendimento firmado
por aquela Corte Superior no julgamento do TEMA 692 dos recursos repetitivos.
Transcrevo a referida decisão:
PETIÇÃO Nº 10.996 - SC (2015/0243735-0)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
REQUERENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
REQUERIDO : VILMA AVOSANI CONSATTI
ADVOGADO : JOSE LUIS WAGNER E OUTRO(S) - DF017183
INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO (IBDP) "AMICUS
CURIAE"
ADVOGADO : ALEXANDRE S TRICHES - RS065635
INTERES. : CONFEDERACAO BRASILEIRA DE APOSENTADOS, PENSIONISTAS
E IDOSOS - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADO : GABRIEL DORNELLES MARCOLIN E OUTRO(S) - RS076643
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA. ACÓRDÃO DA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. TUTELA ANTECIPADA DE OFÍCIO,
POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. CABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA DO
STJ ASSENTADA EM REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO
1.401.560/MT.
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO.
DECISÃO :
Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência dirigido ao
Superior Tribunal de Justiça pelo Instituto Nacional do Seguro Social, com
fulcro no artigo 14, § 4º, da Lei 10.259/2001, contra acórdão proferido
pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais,
assim ementado:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELA PARTE RÉ. PEDIDO DE CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA PELA TURMA
RECURSAL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA DE MÉRITO. INEXIGIBILIDADE
DAS PRESTAÇÕES PAGAS INDEVIDAMENTE. BOA-FÉ DO SEGURADO E CARÁTER
ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PARADIGMAS QUE NÃO REFLETEM A
JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 51 DA TURMA
NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM 13. INCIDENTE NÃO CONHECIDO.
Em suas razões, sustenta o INSS que o acórdão da TNU, fundamentado em sua
Súmula 51, diverge da jurisprudência do STJ, sedimentada em representativo
de controvérsia, Recurso Especial Repetitivo 1.401.560/MT, quanto à
possibilidade de devolução de valores recebidos a título de tutela
antecipada, posteriormente revogada. Por isso, deve ser reformado o acórdão.
Não foram apresentadas contrarrazões ao incidente de uniformização.
Noticiam os autos que Vilma Avosani Consatti ajuizou ação em face do
Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando concessão de benefício
assistencial, com amparo na Constituição Federal de 1988, artigo 203,
V, na Lei 8.742/1993, artigo 20, § 3º, ainda, no Estatuto do Idoso, Lei
10.741/2003, artigo 34, parágrafo único.
A sentença julgou procedente o pedido, determinando ao INSS que concedesse
em definitivo o benefício assistencial à autora, desde o indeferimento
do pedido administrativo, com renda mensal de um salário mínimo. Ainda,
concedeu de ofício a antecipação dos efeitos da tutela para determinar
a imediata implantação do benefício.
A parte autora opôs embargos de declaração contra a sentença, acolhidos
para corrigir erro material relativo ao cálculo das prestações vencidas.
O INSS interpôs recurso inominado, com pedido de revogação da tutela
antecipada.
Em acórdão, a Segunda Turma Recursal de Santa Catarina deu provimento ao
recurso, sem, contudo, permitir a repetição dos valores já recebidos pela
autora a título de tutela antecipada revogada.
Contra esse acórdão o INSS apresentou pedido de uniformização de
jurisprudência para a Turma Nacional de Uniformização, com fundamento no
artigo 14, § 2º, da Lei 10.259/2001, objetivando ver prevalecer entendimento
do Superior Tribunal de Justiça acerca do cabimento da devolução de valores
oriundos da antecipação da tutela revogada, apoiando-se em representativo
de controvérsia.
O incidente de uniformização foi admitido pela juíza presidente da Turma
Recursal e encaminhado à Turma Nacional de Uniformização.
O Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais determinou a distribuição do feito.
A Turma Nacional de Uniformização não conheceu do incidente, nos termos
da ementa supratranscrita.
Contra esse acórdão, o INSS apresenta e sustenta o presente incidente de
uniformização, distribuído a este Relator, que o admitiu, preliminarmente,
determinando a expedição de ofícios, em observância ao artigo 14, §§
6º e 7º, da Lei 10.259/2001 e artigo 2º, III, da Resolução 10/2007 do STJ.
Em seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento
do incidente de uniformização.
A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal-CONDSEF-, o
Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica Profissional
e TecnológicaSINASEFE- e o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências
Nacionais de Regulação-
SINAGÊNCIAS- requereram sua participação no processo como amici curiae,
pedido indeferido por este Relator, sob o entendimento de ausência de
correlação temática entre o objeto do presente incidente e as finalidades
sociais das entidades requerentes.
A Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas-COBAP- e o
Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário-IBDP-, outrossim, foram
admitidos como amici curiae, tendo sido observadas, para o deferimento,
as finalidades sócio-culturais de ambos.
É o relatório.
Decido.
O presente incidente de uniformização de jurisprudência, apresentado pelo
Instituto Nacional do Seguro Social, impugna acórdão proferido pela TNU, em
que se entendeu pelo não cabimento de devolução de valores pagos a título
de tutela antecipada deferida para implementar benefício assistencial,
consoante Súmula 51/ TNU. Após a admissão do feito e durante o seu
trâmite regular, verificou-se a ocorrência de fato relevante ao deslinde
deste incidente. É que transitou em julgado, em 03/03/2017, a decisão
proferida por esta Corte nos autos do REsp 1.401.560/MT, causa-piloto do
tema 692 dos recursos repetitivos, cujo acórdão inicialmente proferido
restou assim ementado:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.
O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação
jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles
casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande
verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico
do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de
irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por
isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não
é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo
recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato
de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe
que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução,
há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do
direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um
princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste
caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº
8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários
pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior
Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa,
deixando de aplicar norma legal que, a contrário sensu, o Supremo Tribunal
Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº
8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação
originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal -
ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do
Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga
o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente
recebidos. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1.401.560/MT, Relator
Ministro SÉRGIO KUKINA, Relator p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2014, DJe 13/10/2015)
Os embargos de declaração lá opostos pelo segurado-recorrido, nos quais
suscitava haver obscuridades na decisão, consubstanciadas nos fatos de que
deveria existir diferenciação entre os casos nos quais a tutela antecipada
foi requerida pelo segurado e aqueles em que foi concedido de ofício pelo
Juízo, bem como que a Lei 8.213/1991, em seu artigo 115, não estabeleceria a
possibilidade de devolução de valores por segurado que não fosse titular de
benefício em manutenção, foram rejeitados, restando firmada definitivamente
a seguinte tese: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor
da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Com efeito, o Código de Processo Civil de 2015, ao disciplinar o seu
sistema de precedentes, estabelece o dever de o Tribunal uniformizar sua
jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, artigo 926,
bem assim a necessidade de observância das teses firmadas em julgamentos
de recursos repetitivos, artigo 927, III.
Assim, e embora seja possível a revisão posterior da tese adotada em sede
de recursos repetitivos, o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça
prevê procedimento específico para tanto, conforme artigos 256-S e seguintes,
não sendo o presente Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei
o meio adequado para se atingir tal desiderato.
No ponto, destaco que uma das hipóteses para revisão do entendimento
consolidado em enunciado de tema repetitivo é a sua adequação a
posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão
geral, artigo 256-V do RISTJ. Contudo, já houve manifestação definitiva
daquela Corte, apreciando o Tema 799, pela inexistência de repercussão
geral da questão aqui controvertida. Confira-se a ementa daquele julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.
VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. MATÉRIA DE ÍNDOLE
INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. REPERCUSSÃO
GERAL. INEXISTÊNCIA.
I O exame da questão constitucional não prescinde da prévia análise
de normas infraconstitucionais, o queafasta a possibilidade de reconhecimento
do requisito constitucional da repercussão geral.
II Repercussão geral inexistente. (ARE 722.421 RS, Relator Ministro
PRESIDENTE, julgado em 19/03/2015,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-061 DIVULG 27/03/2015 PUBLIC 30/03/2015)
Outrossim, insta salientar que, para efeitos de necessidade de restituição
dos valores indevidamente recebidos por força de medida de urgência
posteriormente revogada, não há qualquer distinção entre os benefícios
implantados em virtude de requerimento formulado pela parte, de tutela
concedida ex officio, alegação que foi expressamente enfrentada e dirimida
no julgamento dos embargos de declaração acima mencionados.
Portanto, verifica-se que o entendimento adotado pela Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais, fundado no enunciado 51
de sua súmula de jurisprudência dominante os valores recebidos por força
de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda
previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da
boa-fé no seu recebimento contraria frontalmente a tese firmada pelo Superior
Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 692 dos recursos repetitivos a
reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver
os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Ante o exposto, conheço do incidente e dou-lhe provimento a fim de determinar
o cabimento da devolução de valores recebidos a título de tutela antecipada
posteriormente revogada.
Publique-se. Intimem-se. Oficie-se à Turma Nacional de Uniformização,
com cópia desta decisão, nos termos do artigo 6º da Resolução 10/2007-STJ.
Brasília (DF), 12 de junho de 2017.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES Relator
A partir dos julgados transcritos impende concluir que o enunciado da
Súmula 51
desta Turma Nacional de Uniformização mostra-se contrário à atual
compreensão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema objeto do presente
incidente, bem como que a matéria não apresenta repercussão geral perante
o Supremo Tribunal Federal, de sorte que divirjo do eminente Relator e
dou provimento ao agravo para conhecer e dar provimento ao incidente de
uniformização interposto pelo INSS, determinando o retorno dos autos à
Turma Recursal de origem para adequação.
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO
AGRAVO
PARA CONHECER E DAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização interposto
pelo INSS.
Data da Publicação
:
25/09/2017
Classe/Assunto
:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL
Relator(a)
:
JUIZ FEDERAL WILSON JOSÉ WITZEL
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