TRF2 0000166-71.2011.4.02.5103 00001667120114025103
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. MANGUEZAL. ATERRAMENTO. MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA. CONSTRUÇÕES IRREGULARES EM ÁREA DE TERRENO DE MARINHA
E ACRESCIDOS. INÉRCIA DAS AUTORIDADES MUNICIPAIS, DA UNIÃO E DO
IBAMA. DANOS AMBIENTAIS PERPETRADOS AO LONGO DO TEMPO. DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL. SEPARAÇÃO DOS
PODERES. DESPROVIMENTO. 1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MPF
contra a União, o IBAMA e o Município de São Francisco de Itabapoana, em que
se discute a regularidade de construções realizadas neste último, em área de
preservação permanente, tendo sido os três réus condenados a obrigações de
fazer, não fazer e pagar, contra as quais recorrem. 2. A alegada ausência
de conflito de interesses não se coaduna com a inércia demonstrada pelo
ente federal que, apesar de réu na presente demanda desde fevereiro/2011,
não apresentou qualquer comportamento ativo no sentido de implementar a
regularização dos terrenos localizados no Município de São Francisco de
Itabapoana. 3. Patente a legitimidade do Ministério Público Federal para
figurar no polo ativo da demanda, tendo em vista sua essencial função de
defesa do patrimônio público e do meio ambiente, nos termos dos artigos 127,
caput, e 129, III, da Constituição Federal, do artigo 5º, inciso I, da Lei
n.º 7.347/85, e artigos 5º, II, alíneas c e d, III, alíneas a, b e d, e 39,
caput, da LC nº 75/93. 4. A impossibilidade jurídica do pedido somente ocorre
quando há expressa vedação do pedido no ordenamento jurídico, o que não se
subsume ao caso em análise. Não se verifica qualquer inconsistência entre
o pleito do MPF, que tem como fim último o resguardo do patrimônio público
e a preservação e recuperação ambientais, e o ordenamento jurídico que,
pelo contrário, tutela em diversos diplomas normativos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, constitucionalmente garantido pela
Constituição Federal de 1988 em seu artigo 225. 5. Os terrenos de marinha
são bens públicos dominicais de propriedade da UNIÃO desde a época colonial,
tendo sido utilizados na defesa da costa brasileira, elencando o art. 20
da CRFB/88 os bens da União, dentre eles os terrenos de marinha e seus
acrescidos (inciso VII). 6. O STJ, em sede de recurso especial repetitivo,
firmou entendimento no sentido de que o registro imobiliário apresentado pelo
particular possui mera presunção relativa de propriedade, sendo inoponível em
face da UNIÃO para afastar o regime dos terrenos de marinha, na medida em que
o artigo 20, inciso VII, da Constituição Federal, atribuiu originariamente
àquele ente federativo a propriedade dos mencionados bens. 7. Ainda que o
registro imobiliário do particular não desnature o caráter de bem público dos
terrenos sob o regime de marinha, é certo também que há presunção relativa
de propriedade 1 particular, o que "atrai, p. ex., o dever de notificação
pessoal daqueles que constam deste título como proprietário para participarem
do procedimento de demarcação da linha preamar e fixação do domínio público
-, uma vez que a Constituição da República vigente (art. 20, inc. VII)
atribui originariamente àquele ente federado a propriedade desses bens"
(STJ, Primeira Seção, REsp nº 1183546/ES, Relator Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, publicado em 29/09/2010). 7. O fato de os bens se caracterizarem
como terreno de marinha por determinação constitucional não afasta a
necessidade de seu regular procedimento demarcatório nos termos legais,
inclusive para fins de resguardo da segurança jurídica daqueles que neles
habitam. 8. No caso, resta notório que a função de demarcação dos imóveis vai
além, constituindo-se como importante ferramenta de obstrução ao crescimento
desordenado de moradias instaurado no local, contribuindo também à mitigação
dos danos ambientais. 9. Conforme se extrai do laudo pericial, para mitigar
os danos ambientais em curso no manguezal da localidade, seria premente a
identificação e cadastramento dos imóveis existentes, com a implementação das
diretrizes previstas no Plano Diretor municipal (Lei municipal nº 228/2006)
para a Zona de Interesse Ambiental e Paisagística (ZIAP) das margens dos
cursos d’água e para a ZIAP de remanescentes de Mata Atlântica. Dentre
tais diretrizes, inclui-se a implantação dos marcos físicos nos limites da
ZIAP que, conforme dispõe o artigo 32 da Lei nº 228/2006, serão os "terrenos
de marinha do litoral, incluindo as áreas abrangidas por barreiras notáveis,
estuários, dunas, remanescentes de manguezais e de restinga: Mangues de
Barra do Itabapoana" (inciso I). 10. As irregularidades das construções
já eram de conhecimento da Secretaria de Patrimônio da União - SPU pelo
menos desde realização de vistoria, em outubro/2011, quando técnicos da
SPU/RJ foram ao local objeto da presente demanda (área denominada "Beco
do Barbosa") e constataram "a existência de diversos imóveis ao longo do
citado Beco, dentro de área de terreno de marinha e acrescidos (em área de
manguezal e alagados), conforme planta da LPM de 2001, inclusive imóveis
comerciais, residenciais, Colégio Estadual e campo de futebol". 11. Descabido
o inconformismo do ente federativo frente à condenação judicial que nada
mais faz do que determinar que cumpra aquilo que o ordenamento jurídico lhe
impõe. A alegação de indevida ingerência no âmbito da discricionariedade
administrativa não se sustenta, uma vez que, além de o reconhecimento de bens
públicos federais ter assento constitucional, "seria uma distorção pensar que
o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo
de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente
como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais"
(REsp 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em
25.8.2009, DJe 16.9.2009.). 12. O conceito de meio ambiente foi trazido
pela Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente
(PNMA) e cria o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), sendo inovador
por estender a proteção jurídica a todos os elementos da natureza de forma
interativa e integral. Contudo, foi a Carta Magna de 1988 que consagrou em
definitivo o meio ambiente enquanto direito difuso pertencente à categoria dos
direitos fundamentais, atribuindo- lhe configuração jurídica diferenciada ao
classificá-lo, no artigo 225, caput, como bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida. 13. Mostra-se essencial aferir a ocorrência ou não
do dano ambiental, bem como sua quantificação, uma vez que qualquer atividade
potencialmente poluidora já é suficiente à caracterização de nexo causal
entre ela e um efeito ambiental negativo, conferindo-se ao meio ambiente manto
protetor no caso de incerteza por falta de provas cientificamente relevantes,
o 2 que se denomina princípio da precaução. 14. Indubitável a perpetração de
inúmeros danos ambientais, caracterizados pelo crescimento urbano desordenado,
carente de regulamentação e fiscalização pelos órgãos competentes, dentre
eles a UNIÃO, omissa em seu dever de proceder à identificação, demarcação,
cadastramento, registro e fiscalização dos terrenos de marinha em que
irregularmente dispostas todas as edificações. 15. As condenações do IBAMA à
delimitação da área de preservação permanente, à fiscalização da localidade
e ao dever de afixar, manter e conservar placas alertando sobre seus limites
foram analisados quando do julgamento do agravo de instrumento nº 0009705-
44.2011.4.02.0000, interposto pela autarquia contra decisão liminar que, já
naquele momento, havia determinado que a autarquia procedesse à implementação
de tais medidas. 16. Quanto à incumbência fiscalizatória da autarquia, da
leitura da perícia judicial depreende-se a carência do local nesse sentido,
não tendo sido verificadas iniciativas visando impedir a ocupação de áreas de
preservação permanente. 17. A adoção de medidas protetivas ao meio ambiente não
é atribuição exclusiva de um ente, impondo-se amplo aparato de fiscalização
a ser exercido em todas as esferas da Federação. Trata-se de competência
administrativa comum emanada diretamente da Constituição Federal, de modo
que o IBAMA tem papel fundamental, enquanto autarquia ambiental criada
com a finalidade de exercer o poder de polícia ambiental. 18. Já decidiu o
eg. Supremo Tribunal Federal que "é função institucional do Poder Judiciário
determinar a implantação de políticas públicas quando os órgãos estatais
competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre
eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a
integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo
programático" (RE nº 367432 AgR/PR, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 20.04.2010). 19. A
área de preservação permanente - APP em questão apresenta-se na forma de
manguezal, cujo regime de proteção, disciplinado no atual Código Florestal
(Lei 12.651/2012), determina que a 20. Apesar da ampla e desordenada
ocupação da área de manguezal, situação que levou à impossibilidade de
regeneração natural do ecossistema nas áreas aterradas e edificadas,
se o ritmo de ocupação for interrompido, o ganho de terras particulares
sobre os manguezais também o será, permitindo que seja revertido o impacto
causado. 21. O ente municipal não pode ancorar-se em suposta irreversibilidade
de danos ambientais causados, dentre outros fatores, por sua própria omissão,
como uma justificativa para eximir-se de suas obrigações e responsabilidades
constitucionais e legais. 22. Do conjunto documental careado aos autos
extrai-se que o comportamento relapso das autoridades do Município de São
Francisco de Itabapoana quanto ao crescimento da urbanização local, aliado
à postura inerte da UNIÃO e do IBAMA, propiciaram campo fértil à intensa e
contínua degradação ambiental na área objeto da presente demanda, o que levou
à crescente precarização da vida humana ao longo de anos. 23. A reserva do
possível alegada pelo Município não tem o condão de desonerá-lo daquilo que
lhe compete enquanto ente federativo. A supressão do manguezal é permanente,
e ocorre por meio do aterramento da área, além de lançamento de resíduos
sólidos e esgoto doméstico, sem qualquer tratamento primário, diretamente
no mangue, e das demais intervenções como construção de muros, canalização,
associadas à baixa qualidade de vida da população, 3 conjunto de fatores
que denota a completa insalubridade do local e o total desleixo do Poder
Público com o meio ambiente. 24. Como bem pontuado pelo MPF em contrarrazões,
"o custo das determinações judiciais, estabelecidas na sentença do Juízo a
quo, insere-se no conceito de despesas correntes da autarquia, não sendo
necessária dotação orçamentária extraordinária e tampouco a aplicação da
teoria da reserva do possível". 25. Não merece respaldo o requerimento
de que sejam alargados os prazos de cumprimento das obrigações a que foi
condenado o ente municipal. Tais determinações já foram objeto de decisão
liminar proferida em julho/2011 pelo juízo a quo, e ratificadas no agravo
de instrumento nº 0009705-44.2011.4.02.0000, de modo que não se justifica
o pedido, tendo em vista que o Município contou com extenso lapso temporal
para cumpri-las. 26. Remessa necessária e recursos de apelação desprovidos.
Ementa
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. MANGUEZAL. ATERRAMENTO. MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DE
ITABAPOANA. CONSTRUÇÕES IRREGULARES EM ÁREA DE TERRENO DE MARINHA
E ACRESCIDOS. INÉRCIA DAS AUTORIDADES MUNICIPAIS, DA UNIÃO E DO
IBAMA. DANOS AMBIENTAIS PERPETRADOS AO LONGO DO TEMPO. DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. MÍNIMO EXISTENCIAL E RESERVA DO POSSÍVEL. SEPARAÇÃO DOS
PODERES. DESPROVIMENTO. 1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MPF
contra a União, o IBAMA e o Município de São Francisco de Itabapoana, em que
se discute a regularidade de construções realizadas neste último, em área de
preservação permanente, tendo sido os três réus condenados a obrigações de
fazer, não fazer e pagar, contra as quais recorrem. 2. A alegada ausência
de conflito de interesses não se coaduna com a inércia demonstrada pelo
ente federal que, apesar de réu na presente demanda desde fevereiro/2011,
não apresentou qualquer comportamento ativo no sentido de implementar a
regularização dos terrenos localizados no Município de São Francisco de
Itabapoana. 3. Patente a legitimidade do Ministério Público Federal para
figurar no polo ativo da demanda, tendo em vista sua essencial função de
defesa do patrimônio público e do meio ambiente, nos termos dos artigos 127,
caput, e 129, III, da Constituição Federal, do artigo 5º, inciso I, da Lei
n.º 7.347/85, e artigos 5º, II, alíneas c e d, III, alíneas a, b e d, e 39,
caput, da LC nº 75/93. 4. A impossibilidade jurídica do pedido somente ocorre
quando há expressa vedação do pedido no ordenamento jurídico, o que não se
subsume ao caso em análise. Não se verifica qualquer inconsistência entre
o pleito do MPF, que tem como fim último o resguardo do patrimônio público
e a preservação e recuperação ambientais, e o ordenamento jurídico que,
pelo contrário, tutela em diversos diplomas normativos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, constitucionalmente garantido pela
Constituição Federal de 1988 em seu artigo 225. 5. Os terrenos de marinha
são bens públicos dominicais de propriedade da UNIÃO desde a época colonial,
tendo sido utilizados na defesa da costa brasileira, elencando o art. 20
da CRFB/88 os bens da União, dentre eles os terrenos de marinha e seus
acrescidos (inciso VII). 6. O STJ, em sede de recurso especial repetitivo,
firmou entendimento no sentido de que o registro imobiliário apresentado pelo
particular possui mera presunção relativa de propriedade, sendo inoponível em
face da UNIÃO para afastar o regime dos terrenos de marinha, na medida em que
o artigo 20, inciso VII, da Constituição Federal, atribuiu originariamente
àquele ente federativo a propriedade dos mencionados bens. 7. Ainda que o
registro imobiliário do particular não desnature o caráter de bem público dos
terrenos sob o regime de marinha, é certo também que há presunção relativa
de propriedade 1 particular, o que "atrai, p. ex., o dever de notificação
pessoal daqueles que constam deste título como proprietário para participarem
do procedimento de demarcação da linha preamar e fixação do domínio público
-, uma vez que a Constituição da República vigente (art. 20, inc. VII)
atribui originariamente àquele ente federado a propriedade desses bens"
(STJ, Primeira Seção, REsp nº 1183546/ES, Relator Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, publicado em 29/09/2010). 7. O fato de os bens se caracterizarem
como terreno de marinha por determinação constitucional não afasta a
necessidade de seu regular procedimento demarcatório nos termos legais,
inclusive para fins de resguardo da segurança jurídica daqueles que neles
habitam. 8. No caso, resta notório que a função de demarcação dos imóveis vai
além, constituindo-se como importante ferramenta de obstrução ao crescimento
desordenado de moradias instaurado no local, contribuindo também à mitigação
dos danos ambientais. 9. Conforme se extrai do laudo pericial, para mitigar
os danos ambientais em curso no manguezal da localidade, seria premente a
identificação e cadastramento dos imóveis existentes, com a implementação das
diretrizes previstas no Plano Diretor municipal (Lei municipal nº 228/2006)
para a Zona de Interesse Ambiental e Paisagística (ZIAP) das margens dos
cursos d’água e para a ZIAP de remanescentes de Mata Atlântica. Dentre
tais diretrizes, inclui-se a implantação dos marcos físicos nos limites da
ZIAP que, conforme dispõe o artigo 32 da Lei nº 228/2006, serão os "terrenos
de marinha do litoral, incluindo as áreas abrangidas por barreiras notáveis,
estuários, dunas, remanescentes de manguezais e de restinga: Mangues de
Barra do Itabapoana" (inciso I). 10. As irregularidades das construções
já eram de conhecimento da Secretaria de Patrimônio da União - SPU pelo
menos desde realização de vistoria, em outubro/2011, quando técnicos da
SPU/RJ foram ao local objeto da presente demanda (área denominada "Beco
do Barbosa") e constataram "a existência de diversos imóveis ao longo do
citado Beco, dentro de área de terreno de marinha e acrescidos (em área de
manguezal e alagados), conforme planta da LPM de 2001, inclusive imóveis
comerciais, residenciais, Colégio Estadual e campo de futebol". 11. Descabido
o inconformismo do ente federativo frente à condenação judicial que nada
mais faz do que determinar que cumpra aquilo que o ordenamento jurídico lhe
impõe. A alegação de indevida ingerência no âmbito da discricionariedade
administrativa não se sustenta, uma vez que, além de o reconhecimento de bens
públicos federais ter assento constitucional, "seria uma distorção pensar que
o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo
de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente
como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais"
(REsp 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em
25.8.2009, DJe 16.9.2009.). 12. O conceito de meio ambiente foi trazido
pela Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente
(PNMA) e cria o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), sendo inovador
por estender a proteção jurídica a todos os elementos da natureza de forma
interativa e integral. Contudo, foi a Carta Magna de 1988 que consagrou em
definitivo o meio ambiente enquanto direito difuso pertencente à categoria dos
direitos fundamentais, atribuindo- lhe configuração jurídica diferenciada ao
classificá-lo, no artigo 225, caput, como bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida. 13. Mostra-se essencial aferir a ocorrência ou não
do dano ambiental, bem como sua quantificação, uma vez que qualquer atividade
potencialmente poluidora já é suficiente à caracterização de nexo causal
entre ela e um efeito ambiental negativo, conferindo-se ao meio ambiente manto
protetor no caso de incerteza por falta de provas cientificamente relevantes,
o 2 que se denomina princípio da precaução. 14. Indubitável a perpetração de
inúmeros danos ambientais, caracterizados pelo crescimento urbano desordenado,
carente de regulamentação e fiscalização pelos órgãos competentes, dentre
eles a UNIÃO, omissa em seu dever de proceder à identificação, demarcação,
cadastramento, registro e fiscalização dos terrenos de marinha em que
irregularmente dispostas todas as edificações. 15. As condenações do IBAMA à
delimitação da área de preservação permanente, à fiscalização da localidade
e ao dever de afixar, manter e conservar placas alertando sobre seus limites
foram analisados quando do julgamento do agravo de instrumento nº 0009705-
44.2011.4.02.0000, interposto pela autarquia contra decisão liminar que, já
naquele momento, havia determinado que a autarquia procedesse à implementação
de tais medidas. 16. Quanto à incumbência fiscalizatória da autarquia, da
leitura da perícia judicial depreende-se a carência do local nesse sentido,
não tendo sido verificadas iniciativas visando impedir a ocupação de áreas de
preservação permanente. 17. A adoção de medidas protetivas ao meio ambiente não
é atribuição exclusiva de um ente, impondo-se amplo aparato de fiscalização
a ser exercido em todas as esferas da Federação. Trata-se de competência
administrativa comum emanada diretamente da Constituição Federal, de modo
que o IBAMA tem papel fundamental, enquanto autarquia ambiental criada
com a finalidade de exercer o poder de polícia ambiental. 18. Já decidiu o
eg. Supremo Tribunal Federal que "é função institucional do Poder Judiciário
determinar a implantação de políticas públicas quando os órgãos estatais
competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre
eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a
integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo
programático" (RE nº 367432 AgR/PR, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 20.04.2010). 19. A
área de preservação permanente - APP em questão apresenta-se na forma de
manguezal, cujo regime de proteção, disciplinado no atual Código Florestal
(Lei 12.651/2012), determina que a 20. Apesar da ampla e desordenada
ocupação da área de manguezal, situação que levou à impossibilidade de
regeneração natural do ecossistema nas áreas aterradas e edificadas,
se o ritmo de ocupação for interrompido, o ganho de terras particulares
sobre os manguezais também o será, permitindo que seja revertido o impacto
causado. 21. O ente municipal não pode ancorar-se em suposta irreversibilidade
de danos ambientais causados, dentre outros fatores, por sua própria omissão,
como uma justificativa para eximir-se de suas obrigações e responsabilidades
constitucionais e legais. 22. Do conjunto documental careado aos autos
extrai-se que o comportamento relapso das autoridades do Município de São
Francisco de Itabapoana quanto ao crescimento da urbanização local, aliado
à postura inerte da UNIÃO e do IBAMA, propiciaram campo fértil à intensa e
contínua degradação ambiental na área objeto da presente demanda, o que levou
à crescente precarização da vida humana ao longo de anos. 23. A reserva do
possível alegada pelo Município não tem o condão de desonerá-lo daquilo que
lhe compete enquanto ente federativo. A supressão do manguezal é permanente,
e ocorre por meio do aterramento da área, além de lançamento de resíduos
sólidos e esgoto doméstico, sem qualquer tratamento primário, diretamente
no mangue, e das demais intervenções como construção de muros, canalização,
associadas à baixa qualidade de vida da população, 3 conjunto de fatores
que denota a completa insalubridade do local e o total desleixo do Poder
Público com o meio ambiente. 24. Como bem pontuado pelo MPF em contrarrazões,
"o custo das determinações judiciais, estabelecidas na sentença do Juízo a
quo, insere-se no conceito de despesas correntes da autarquia, não sendo
necessária dotação orçamentária extraordinária e tampouco a aplicação da
teoria da reserva do possível". 25. Não merece respaldo o requerimento
de que sejam alargados os prazos de cumprimento das obrigações a que foi
condenado o ente municipal. Tais determinações já foram objeto de decisão
liminar proferida em julho/2011 pelo juízo a quo, e ratificadas no agravo
de instrumento nº 0009705-44.2011.4.02.0000, de modo que não se justifica
o pedido, tendo em vista que o Município contou com extenso lapso temporal
para cumpri-las. 26. Remessa necessária e recursos de apelação desprovidos.
Data do Julgamento
:
08/03/2018
Data da Publicação
:
14/03/2018
Classe/Assunto
:
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e
do Trabalho
Órgão Julgador
:
5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
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