- Anúncio -
main-banner

Jurisprudência


TRF2 0000267-80.2012.4.02.5004 00002678020124025004

Ementa
APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. RESERVA BIOLÓGICA DE SOORETAMA. AUSÊNCIA DE ZONA DE AMORTECIMENTO. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. LEGITIMIDADE DO ICMBio PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À RESERVA DO POSSÍVEL E DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. MULTA DO ART. 11 DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRAZO RAZOÁVEL PARA O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. VALOR EXCESSIVO. 1. Apelação contra a sentença que julgou procedente o pedido para determinar que o ICMBio elaborasse, no prazo de 180 dias, Plano de Manejo, com a delimitação de Zona de Amortecimento para a Reserva Biológica de Sooretama, e com a fixação de astreintes para o caso de descumprimento. 2. Demanda que tem por objeto tão somente a elaboração do Plano de Manejo e a definição da Zona de Amortecimento, sendo a sua posterior aprovação, ou não, matéria estranha à lide. Não encontra amparo a tese de que seria o ICMBio parte ilegítima para figurar no polo passivo da relação processual, sob o argumento de que a Constituição Federal estabelece a competência do poder público para criar espaços territoriais sob proteção ambiental específica. Pretende-se, em síntese, compelir o apelante a realizar os estudos necessários para a fixação dos limites da zona de amortecimento, por meio de plano de manejo, o qual é "antecedente lógico" para a edição de ato que o referendará (TRF2, 6a Turma Especializada, AC 00004271120124025003, Rel. Des. Fed. GUILHERME COUTO DE CASTRO, DJE: 20.2.2015; TRF2, 6a Turma Especializada, AC 00003059520124025003, Rel. Des. Fed. NIZETE LOBATO CARMO, DJ-E. 17.11.2015). 3. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o direito à integridade ao meio ambiente é típico direito de terceira geração, atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas a própria coletividade social, consagrando, por isso, valores fundamentais indisponíveis. A inserção do meio ambiente como direito fundamental permite maior amplitude e efetividade na sua proteção. A preservação dos recursos naturais é a única forma de se garantir e conservar o potencial evolutivo da humanidade. 4. Os direitos fundamentais sociais, entendendo-se aqui o meio ambiente como um bem difuso e integrante do patrimônio coletivo da humanidade, embora tenham um âmbito de proteção amplo, sujeitam-se às restrições proporcionais e constitucionais. Isso porque a sua efetivação se condiciona a uma atuação estatal que pressupõe, em geral, o dispêndio de elevados recursos públicos (nem sempre existentes ou disponíveis). 5. As limitações à efetivação de um direito fundamental, entretanto, não podem justificar a inobservância de um "mínimo existencial", compreendida, no caso em apreço, como o dever de preservação ambiental para as gerações futuras. Em relação a esse núcleo mínimo não há como transigir. Inadmissível, portanto, 1 que o Estado, diante de uma omissão no seu dever de garantir o exercício de um direito fundamental, baseado em uma análise de proporcionalidade entre os valores em jogo - preservação dos recursos naturais e interesse econômico/financeiro do estado -, invoque a reserva do possível para justificar a inobservância de seu dever de assegurar a proteção ao meio ambiente. 6. A reserva do possível deve ser compreendida como restrições ou limitações a um mínimo existencial (até um mínimo) de direitos fundamentais sociais originários. Somente fora do âmbito de proteção desse mínimo - "inegociável" no debate político - justifica-se constitucionalmente a imposição de limites ou restrições aos direitos fundamentais enquanto não houver orçamento, ou políticas públicas que os compreendam. No caso vertente, restou demonstrado que esse núcleo mínimo - proteção à Reserva de Sooretama - foi ofendido, pois o apelante, em momento algum, rechaça os danos ambientais noticiados pelo Ministério Público, na petição inicial, em razão das diversas atividades desenvolvidas no entorno da Reserva, limitando-se a invocar, em sua defesa, teses jurídicas. 7. Causa em que o apelante alega, genericamente, falta de recursos, sem apontar onde estariam os mesmos sendo empregados, inviabilizando, com isso, o exercício de um juízo de ponderação. Reconhecimento de que embora existente um Plano de Manejo, ainda persiste a necessidade de delimitação da Zona de Amortecimento, que funcionaria como um filtro aos danos ambientais gerados no ambiente externo à Reserva. 8. Falta de observância ao prazo de 5 (cinco) anos, fixado no art. 27, § 3º, da Lei nº 9.985/2000, para a elaboração do Plano de Manejo, pois a Rebio de Sooretama foi criada no ano de 1982, razão pela qual a sua contagem teria se inciado a partir de 2000, ano da promulgação da lei. Ainda que se considerasse como marco inicial a data da criação do Instituto Chico Mendes de Conservação, ocorrida em 2007, também já teria decorrido o prazo quinquenal. A revisão do Plano de Manejo da Reserva de Sooretama, datado do ano de 1981, não pode ser considerada para fins de desobrigar o poder público, uma vez que ainda não foi concluída, permanecendo pendente a delimitação de zona de amortecimento. 9. Não se sustenta a alegação de que teria havido ofensa ao princípio da separação de poderes, pois o controle judicial dos poderes discricionários das autoridades públicas é admitido quando estes são exercidos fora dos limites da lei ou tenham contrariado direitos fundamentais e princípios constitucionais, como os da proporcionalidade e da igualdade (art. 4º do Código Modelo Euro-Americano de Jurisdição Administrativa. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2441582>). Sobre o tema: STJ, 2a Turma, REsp 1041197, Min. HUMBERTO MARTINS, DJE. 18.9.2009. A omissão estatal representou uma afronta ao direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, na medida em que coloca em risco a Reserva Biológica de Sooretama, que sofre com os impactos negativos decorrentes das diversas atividades realizadas no seu entorno, em razão da inexistência de regras de observância obrigatória na zona de amortecimento (TRF2, 5a Turma Especializada, AI 00100888520124020000, Rel. Des. Fed. MARCUS ABRAHAM, DJE. 31.1.2013) . 10. Multa do art. 11 da Lei 7.347/85. No contempt of court, traduzido como "desacato à corte", cuja finalidade é dar maior efetividade às decisões judiciais, a multa pode ter natureza punitiva (contempt of court criminal), representando uma resposta ao descumprimento de um comando judicial, ou natureza coercitiva (contempt of court civil), de modo que, em ambos os casos, sendo o Estado - Jurisdição o prejudicado pela recalcitrância do devedor, é ele (o Estado) o destinatário dos valores advindos da execução da referida constrição (Contempt of Court e Fazenda Pública. Niterói: Eduff, 2015. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2515372>). 11. A imposição de multa cominatória só encontra sentido se for direcionada àquele que, verdadeiramente, 2 detenha meios de dar efetividade ao comando judicial. Frise-se que a Fazenda Pública se sujeita ao regime de precatório, tornando-se, por isso, evidente a ineficácia da multa como procedimento de coação (TRF2; 3a Turma; AG 0029066-38.1997.4.02.0000; Rel. Juiz Fed. Conv. RICARDO PERLINGEIRO, DJE. 21.8.2001; TRF2, 5a Turma Especializada, AG 0002687-40.2009.4.02.0000, Rel. Juiz Fed. Conv. RICARDO PERLINGEIRO, DJE. 1.10.2012). Em última análise, tal medida constritiva serviria apenas para onerar ainda mais a sociedade, a qual arcaria com o custo de seu pagamento (TRF2, 6a Turma Especializada, AC 0000233-63.2007.4.02.5107, Rel. Des. Fed. GUILHERME COUTO DE CASTRO, DJE. 28.1.2015). 12. A fixação do valor da multa cominatória (contempt of court civil) submete-se ao critério da proporcionalidade, devendo ser expressiva a ponto de coagir o devedor a cumprir o preceito, sem se configurar um ônus excessivo. Não se pode perder de vista que o seu objetivo é estimular o cumprimento da obrigação e não punir o agente público pelo descumprimento da decisão (contempt of court criminal). Deve a multa implicar instrumento idôneo à coerção da vontade do devedor, de modo que o seu valor seja compatível e proporcional (stricto sensu) ao dano causado à administração da justiça. 13. Remessa necessária e Apelação parcialmente providas para excluir a multa cominatória, mantendo a sentença nos demais aspectos.

Data do Julgamento : 27/04/2016
Data da Publicação : 02/05/2016
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : RICARDO PERLINGEIRO
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : RICARDO PERLINGEIRO