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Jurisprudência


TRF2 0000448-34.2010.4.02.5107 00004483420104025107

Ementa
Nº CNJ : 0000448-34.2010.4.02.5107 (2010.51.07.000448-4) RELATOR : Desembargador(a) Federal ALCIDES MARTINS APELANTE : HAMILTON FRANCISCO SOARES FILHO E OUTROS ADVOGADO RJ155360 - FERNANDO MARQUES DE CAMPOS CABRAL FILHO E:OUTROS APELADO : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL E OUTRO PROCURADOR : Procurador Regional da República E OUTRO ORIGEM : 02ª Vara Federal de Itaboraí (00004483420104025107) EMENTA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDOR PÚBLICO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. FRAUDE. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1. O cerne da lide cinge-se em analisar se os atos descritos na peça inicial em relação ao ora apelante se subsumem nas hipóteses de improbidades administrativas previstas no art. 10 da Lei nº 8.429/92, aptas a ensejar a aplicação das penas de perda da função pública, ressarcimento ao erário, no valor de R$ 498.477,55 (quatrocentos e noventa e oito mil, quatrocentos e setenta e sete reais e cinquenta e cinco centavos), a ser atualizado desde o ajuizamento da ação, com juros de mora de 1% (um por cento) e ao pagamento de multa civil no valor do dano, suspendendo seus direitos políticos por trinta anos e proibindo- lhe de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. 2. A Constituição da República de 1988, em seu art. 37, §3º, reconhece a defesa da probidade administrativa como corolário do Estado Democrático de Direito. 3. O artigo 37, §4º, da CF é regulamentado pela Lei nº 8.429/92, de âmbito nacional, que tem por finalidade penalizar o ato dotado de efetiva má-fé, baseado na desonestidade, na corrupção, comprometedor da moralidade, e suscetível de abalar as instituições, aplicando sanções àquele agente público que, no exercício de suas funções, cause prejuízo ao erário, promova o enriquecimento ilícito, que conceda ou aplique indevidamente benefício financeiro ou tributário, ou ainda, viole os princípios da administração pública (Artigos 9º, 10, 10-A e 11 da Lei n. 8429/92). 4. Além disso, para a aplicação das penalidades decorrentes da referida lei, é desnecessária a efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento (artigo 21). 5. A distinção entre conduta ilegal e conduta ímproba imputada a agente público ou privado é muito antiga. A ilegalidade e a improbidade tem cada uma delas a sua peculiar conformação estrita. Assim, nem todo ato administrativo irregular, inclusive que ofenda a legalidade, pode ser enquadrado na Lei de Improbidade. 6. Conclui-se, então, que para a caracterização do ato de improbidade basta que a conduta praticada afronte os princípios da administração pública, mesmo que dele não advenham prejuízos para a administração. 7. O caput do artigo 37 da Constituição Federal, ao determinar quais princípios devem ser observados pela Administração, inseriu, dentre eles, o da moralidade, significando que o administrador, em sua atuação, deva atender aos ditames a este princípio relacionados, tais como ética, lealdade, boa-fé. 8. Logo, para a tipificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/92, é indispensável que o agente tenha agido dolosamente e, ao menos, culposamente, nas hipóteses do art. 10 (atos ímprobos que causam prejuízo ao erário). 9. A questão posta nos presentes autos diz respeito a ato de improbidade administrativa pela prática, em tese, de condutas descritas no artigo 10, I, VII e XI da Lei nº 8.429/92, com a imputação das penalidades previstas no art. 12, II, do mesmo diploma legal. 10. No caso em comento, de acordo com o parecer CONJUR/MPS nº 130/2010 (fls. 411/444), o apelante, que 1 ocupava o cargo de agente administrativo, matrícula SIAPE nº 00853967, na Agência da Previdência Social de Rio Bonito, habilitou indevidamente aposentadorias por tempo de contribuição em favor de Cleice Rejane Barreto Miranda (NB 42/113.074.960-3), José Carlos Faria dos Santos (NB 42/113.074.620-5), Luiz Carlos Gonçalves Pacheco (NB 42/113.074.770-8), Carlos da Silva Campos (NB 42/113.074.951-4), Darcy Frias Rabelo (NB 42/114.581.600- 0), Deocleciano Francisco Silva Filho (NB 42/114.581.653-0), Wilson Pacheco Lopes (NB 42/107.212.194-5) e Jurandir Barbosa Filho (NB 42/113.074.747-3), através do atendimento de intermediários sem exigir a apresentação da competente procuração, tendo sido os requerimentos de aposentadoria emitidos pelo Sistema de Benefícios no ato da habilitação com o nome dos respectivos segurados, que não estiveram presentes naquele ato, bem como apôs datas incorretas de saídas em vínculos empregatícios e neles efetuou rasuras, verificadas nas Carteiras de Trabalho apresentadas por alguns segurados. 11. Esses oito benefícios, contudo, como destacado pelo Juízo a quo, não foram os únicos habilitados indevidamente pelo apelante, conforme apurado no Relatório de auditoria feito pelo INSS e as conclusões do Inquérito Civil instaurado pelo MPF. 12. Constam nos autos, ainda, depoimentos de beneficiários afirmando que mesmo não tendo comparecido à agência do INSS para requerer os benefícios, tiveram os mesmos concedidos através de intermediários desprovidos de procuração para tal, como se pode depreender da leitura do depoimento do Sr. Carlos da Silva Campos (fls. 741/745 do volume 4 do anexo V do ICP). 13. O conluio do apelante com o intermediário restou comprovado também através do depoimento da segurada Cleice Rejane Barreto Miranda (fls. 1.351/1.356 do volume 7 do anexo V do ICP) e, emm relação à aposentadoria por tempo de contribuição concedida em favor de Regina Maria Mattos Lourenço (NB 113.792.233-5), o intermediário também foi o Sr. José Ferreira, relacionado ao apelante em outros depoimentos. 14. O modus operandi envolvendo a concessão irregular de benefícios na APS de Rio Bonito foi transcrito no parecer CONJUR/MPS nº 130/2010 (fl. 424). 15. O acervo probatório aponta inequivocamente para o fato de que todos os processos habilitados pelo apelante estavam eivados das mesmas irregularidades, incondizentes com o zelo e dedicação necessário ao desempenho das atribuições de seu cargo, apontando para o descumprimento de seu dever funcional de forma dolosa ou, ao menos, com culpa grave, se enquadrando na tipificação dos atos de improbidade administrativa ínsitos no artigo 10, tendo o magistrado aplicado, acertadamente, as penas indicadas no artigo 12, II da referida lei. 16. Nesse ponto, o Parquet federal, em seu parecer, foi enfático ao apontar que "Não estivesse sobejamente demonstrado o dolo do recorrente na atuação desidiosa, a culpa grave saltaria aos olhos. Nesse passo, a condenação foi acertadamente imposta pelo juízo sentenciante, não havendo no apelo nenhum elemento concreto que justifique a reforma pleiteada." 17. Embora, de fato, não existam elementos probatórios de que tenha se beneficiado financeiramente, como, aliás, asseverou, em sua apelação, foi condenado por ato que causa dano ao erário, que, juntamente com os atos atentatórios aos princípios, prescindem, como se sabe, da demonstração de enriquecimento ilícito, sendo suficiente a comprovação da concessão e habilitação de benefícios em desconformidade com as regras vigentes para a configuração da conduta ímproba. 18. As provas constantes dos autos direcionam de forma contundente para a ilegalidade da conduta do réu, que agiu em violação à moralidade administrativa, oportunizando que outros se locupletassem a custa do erário, causando a este vultoso dano. 19. Através de sua atuação, o apelante obstou a Administração Pública de proceder a outras diligências que poderiam descortinar as ilegalidades dos pedidos de concessão do benefício a demonstrar uma atuação importante e decisiva na concessão do benefício previdenciário fraudulento. 20. Os benefícios analisados se basearam em requerimentos de aposentadoria com base em vínculos fictícios acolhidos pelo apelante, que se tivesse seguido as regras pertinentes teria sugerido a realização de 2 diligências confirmatórias pela agência da Previdência Social. 21. Muitos dos requerimentos apresentavam informações inconsistentes, que demandariam levantar suspeita de irregularidade, uma vez que baseadas, muitas vezes, em um vínculo de emprego sem qualquer registro no CNIS. 22. Se os benefícios analisados se baseavam em documentos que fugiam o padrão, deveria ter realizado pesquisa externa e requerido outras exigências ao segurado que a confirmação dos dados informados, atuação esta obrigatória em caso de dúvida quanto à veracidade da documentação. 23. Fato é que ao assim agir o apelante acabou por favorecer terceiros ilicitamente, e ao formar a convicção sobre a higidez dos vínculos empregatícios sem lastro no sistema CNIS, a partir de uma análise meramente formal e falha dos documentos apresentados, e tão somente com esta análise, sem qualquer questionamento, subtraiu da Administração Pública, em momento anterior às concessões, a oportunidade de proceder a uma investigação minuciosa dos vínculos suspeitos, no intuito de frustrar fraudes que promovem consideráveis desfalques no patrimônio público. 24. O apelante tenta transplantar as conclusões das ações penais, nas quais não foram obtidas provas de que tivesse aderido subjetivamente à vontade dos demais réus originários, para afastar-lhe o dolo de agir em total e flagrante desacordo com os regramentos para a concessão de benefícios, o que não prospera, in casu. 25. É cediço que o caput do art. 12 da Lei n. 8.429/92 permite que um mesmo fato repercuta nas instâncias administrativa, cível e penal e que, em cada uma delas, o julgamento possa ser distinto, sendo certo que o art. 67 do diploma processual penal permite a propositura de ação civil na hipótese do arquivamento do inquérito ou peças de informação, da decisão que julgar extinta a punibilidade e da sentença absolutória que decidir que o ato não constitui crime. 26. Assim, a sentença penal apenas será capaz de repercutir na seara cível e administrativa em caso de absolvição por negativa de autoria ou inexistência de crime, nos termos do art. 935 do Código Civil. 27. No presente caso, nas ações penais, contrariamente ao aduzido, os juízos não afastaram a atuação dolosa do recorrente (fls. 1.070, 1.089, 1.103, 1.122, 1.138, 1.155, 1.178/1.180, 1.193, 1.211/1.212, 1.227/1.228, 1.240, 1.259). 28. Ao revés, o conjunto probatório dos autos forneceu exaustivamente elementos de prova da prática de ato de improbidade por parte do recorrente, atos esses que causaram prejuízo ao Erário, atentando, ainda, contra os princípios da Administração Pública. 29. Deste modo, mesmo que não se tenha nas ações penais vislumbrado elementos hábeis a condenação do apelante, na seara cível restou flagrante a intenção deliberada de descumprir os regramentos vigentes para a concessão de benefícios, agindo na completa ilegalidade, com desídia e falta de zelo pela coisa pública. 30. Em relação às penalidades, alega o apelante que foram aplicadas com excesso pelo Juízo sentenciante, devendo ser reduzidas ou até mesmo excluídas por esse Egrégio Tribunal em consonância com o postulado da proporcionalidade/razoabilidade e art. 12, parágrafo único, da Lei 8.249/92. 31. Sabe-se não haver obrigatoriedade de aplicação cumulativa de todas as sanções previstas no art. 12 da Lei nº. 8.429/92, que podem ser fixadas e dosadas segundo a natureza, a gravidade e as consequências da infração, assim, podendo ser aplicadas isolada ou cumulativamente. Logo, a aplicação conjunta de todas as cominações previstas no inciso II do aludido dispositivo deve ser reservada às situações extremas, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 32. Por essa mesma razão, o magistrado, no momento da aplicação dessas sanções, observando o caso concreto, deve limitar-se àquelas necessárias à consecução dos objetivos da Lei, não podendo simplesmente aplicar em bloco as penalidades previstas. Neste sentido: (REsp 1283476/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2013, DJe 29/11/2013). 33. As penalidades aplicadas pelo Juízo a quo de perda da função pública e ressarcimento ao erário, no valor de R$ 498.477,55 (quatrocentos e noventa e oito mil, quatrocentos e setenta e sete reais e cinquenta e cinco centavos), a ser atualizado desde o ajuizamento da ação, com juros de mora de 1% (um por cento) são 3 razoáveis à luz do disposto no art. 12, II, da Lei de Improbidade Administrativa. 34. No que pertine à multa civil, esta não pode ser exagerada ao ponto de inviabilizar seu pagamento, e ao mesmo tempo, não pode se tratar de um montante ínfimo, ao ponto de não constituir sanção suficiente para a prevenção e repressão da prática ímproba por parte do agente público. 35. Por outro lado, a multa civil não se confunde com o ressarcimento, tratando-se de mera sanção pecuniária, não tendo o arbitramento da multa o objetivo de equipará-la ao ressarcimento. 36. Por fim, não se afasta o entendimento segundo o qual o pagamento da multa civil, em virtude justamente da observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deva respeitar a possibilidade econômica do devedor, em função da própria necessidade de eficácia da decisão judicial. 37. Ao fixar a referida multa no valor correspondente ao do dano causado, o Juízo a quo agiu em consonância com o princípio da proporcionalidade, principalmente levando-se em conta ser muito inferior ao máximo admitido pelo artigo 12, inciso II, da LIA, se considerarmos a margem conferida pela lei de duas vezes o valor do dano. 38. Quanto aos juros de mora, nada a modificar haja vista que o percentual foi aplicado corretamente não havendo que se falar na alegada equiparação com a Fazenda Pública. 39. Em relação à suspensão dos direitos políticos do apelante por trinta anos, bem como sua proibição em contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos, se verifica que a sentença extrapolou os limites previstos na Lei de Improbidade Administrativa. 40. Como a pena de suspensão de direitos políticos que não guarda correlação direta com os tipos de atos ímprobos praticados, eis que o apelante não figura como agente político, é razoável seu estabelecimento no patamar mínimo previsto no art. 12, II, da Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, cinco anos. 41. Considerando a delimitação temporal e inexistindo nesta seara norma semelhante àquelas previstas nos artigos 69, 70 e 71 do Código Penal, não há que se falar em soma das sanções aplicadas em diferentes processos, pois a exegese no sentido da suspensão dos direitos políticos do cidadão por dezenas de anos, somente poderia ser fundamentada em norma específica, e não amparada em analogia. 42. Em relação à aplicação da pena de "proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente," o dispositivo acima referido prevê expressamente o prazo fixo de cinco anos, que não pode, portanto, ser ultrapassado pelo juiz. 43. Apelação parcialmente provida para restringir a sanção de suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, para o prazo de cinco anos, nos termos do art. 12, II, da Lei nº Lei nº 8.429/92, mantendo a sentença recorrida em todos os demais termos.

Data do Julgamento : 11/07/2018
Data da Publicação : 17/07/2018
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : ALCIDES MARTINS
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : ALCIDES MARTINS
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