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Jurisprudência


TRF2 0000472-33.2013.4.02.5115 00004723320134025115

Ementa
DIREITO ADMINISTRATIVO. INVALIDAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REINTEGRAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO DEMITIDO. USO DO CARGO PARA LOGRAR PROVEITO PESSOAL OU DE OUTREM, EM DETRIMENTO DA DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA. VALIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ESTRITA OBEDIÊNCIA AO RITO PREVISTO NA LEI Nº 8.112/90. SUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A APLICAÇÃO DA PENALIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E CRIMINAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta por ALOÍSIO DE ALMEIDA FELÍCIO, tendo por objeto a sentença de fls. 208/215, nos autos da ação ordinária proposta por ele em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a anulação do ato administrativo que resultou em sua demissão, com a consequente reintegração ao cargo público no qual estava investido nos quadros da autarquia, cumulando pedido de pagamento de salários e vantagens desde o momento da demissão, e, bem assim, de danos morais. 2. Como causa de pedir, alega o Autor que ingressou nos quadros funcionais do INSS em 26/10/1991, nomeado para o cargo efetivo de Técnico do Seguro Social, tendo sido demitido a bem do serviço público em 13/11/2013, ao cabo do Processo Administrativo Disciplinar nº 35301.003423.2010-51, pela infração tipificada no artigo 117, inciso IX, em razão do previsto no artigo 132, inciso XIII, ambos da Lei nº 8.112/1990. Aduz que a decisão de demissão se baseou em arcabouço probatório frágil e insuficiente, não se podendo considerar que o mesmo tenha lesado o erário com dolo. Aduz que o julgamento administrativo não observou os princípios da segurança jurídica, legalidade e proteção da confiança. Afirma que no processo administrativo prevalece a presunção de inocência, que não foi desconfigurada pelo órgão judicante. 3. É de bom alvitre assinalar que, embora atualmente a melhor doutrina e a jurisprudência das Cortes de Superposição convirjam ao entendimento de que o mérito administrativo, mesmo nos processos disciplinares, não é totalmente infenso ao controle judicial, que pode e deve analisar sua legalidade e até mesmo corrigir eventual excesso na aplicação das penalidades, uma vez que todo o procedimento é delineado em lei, é também certo que essa intervenção corretiva do Poder Judiciário deve ser feita de forma excepcional, a fim de extirpar vícios e desvios teratológicos no exercício do poder disciplinar. Não fosse assim, se, em cada situação que o órgão jurisdicional fosse provocado a apurar a legalidade de um processo administrativo, ele viesse a desconsiderar o mérito das decisões administrativas, pondo-se no lugar do próprio órgão administrativo competente à pretexto de sanar um vício procedimental, ou simplesmente discordando da pena aplicável, entendendo que outra seria mais cabível, se estaria 1 encaminhando para um cenário em que o Poder Judiciário nada mais é do que uma nova instância do ‘processo administrativo. Em conclusão, só se cogitará de invalidação do processo administrativo, fruto do exercício do poder disciplinar por parte da Administração Pública, em caso de vício de legalidade, de lesão a princípio constitucional ou de desproporcionalidade na aplicação da pena. 4. A narrativa dos autos demonstra que, em verdade, o ex-servidor público teve instaurados contra si ao menos três processos administrativos disciplinares, sendo que um deles resultou na pena de suspensão (nº 35301.009873/2007-52, em 12/05/2009) e dois resultaram na penalidade de demissão (nº 35301.003079/2011-81, concluído por portaria do Ministério da Previdência Social de 13/11/2012 e o nº 35301.003423/2010-51, concluído por portaria do mesmo órgão, datada de 23/09/2012, ora impugnado). Além disso, noticiou o Parquet federal que o ex-servidor foi denunciado em ao menos cinco ações penais resultantes de investigações na operação da Polícia Federal "Anos Dourados", voltada à apuração de delitos contra a Previdência Social. Numa destas ações, inclusive, a ação penal nº 0000075-42.2011.4.02.5115, o demandante veio a ser condenado pelo crime tipificado no artigo 171, § 3º, do Código Penal. 5. Diante desse quadro, bem ponderou o magistrado sentenciante, no sentido de que o processo administrativo ora impugnado foi regularmente instaurado, tramitou sem defeitos, nos estritos conformes da Lei nº 8.112/1990, tendo sido nele oportunizada ampla defesa ao servidor público. Deve-se frisar que não houve juntada integral dos autos dos processos administrativos; em verdade, o autor juntou aos autos cópias dos diversos processos no qual figurou como réu, mas, em todo caso, o ônus de demonstrar eventuais irregularidades na tramitação lhe pertencia, não tendo logrado dele se desincumbir. Em todo caso, é certo que, tendo as infrações funcionais sido depuradas por comissões disciplinares, pelo órgão de consultoria jurídica do Ministério da Previdência Social (fls. 54/57) e os respectivos relatórios acolhidos pelo Ministro de Estado da Previdência Social (fls. 58 e 100), verifica-se que os processos tramitaram por três instâncias decisórias, em harmonia com a disciplina procedimental estatuída pela Lei nº 8.112/1990. 6. A parte reitera a insuficiência de provas que levassem à aplicação da penalidade. Pela atenta leitura dos autos, porém, observa-se que o demandante em nenhum momento produziu prova capaz de afastar as imputações formuladas nos processos administrativos, e, ademais, as autoridades administrativas processantes consideraram existir prova documental e testemunhal suficiente capaz de demonstrar a autoria e a materialidade das imputações. Tendo havido a decisão administrativa se tornado definitiva, o ato de demissão passa a gozar dos atributos inerentes aos atos do Poder Público, sobretudo as presunções de legalidade e veracidade, de forma que, ao propor ação judicial, surge para o demandante o ônus de infirmar tais presunções, a teor do artigo 373, inciso I, do CPC/15. 7. As teses aventadas pelo autor em seu recurso são de todo genéricas, não apresentam impugnações objetivas aos eventos processuais do PAD nº 35301.003423/2010-51, o que leva à inexorável conclusão a respeito de sua regularidade, mas se limitam a afirmar a insuficiência probatória. Observe-se, ainda, que os registros públicos de dados como o CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais - possuem substancial valor probatório, de natureza documental, e, no caso, é lícito concluir pela ocorrência de infração administrativa quando diante da verificação de vínculos empregatícios extemporâneos. 8. Também não prospera a argumentação desenvolvida no sentido de que o princípio da presunção de inocência vigente na seara penal imporia qualquer óbice à imposição de pena 2 administrativa, em razão da independência entre as esferas de responsabilidade. Na seara administrativa, o Estado-administração exerce o poder disciplinar sobre os seus próprios agentes, observando regras e princípios peculiares, sem que haja interferência necessária da apuração, pelo Poder Judiciário, de responsabilidade criminal. Se é certo que alguns tipos de pronunciamentos absolutórios do juízo criminal refletem na esfera cível e administrativa, como aquele que absolve o réu por restar comprovada a inexistência de autoria, também é certo que, nos demais casos (a maioria deles), as instâncias penal e administrativa não se comunicam, sendo dever da autoridade administrativa dar prosseguimento ao processo disciplinar instaurado, a culminar nas sanções cominadas no Estatuto Funcional Civil. No presente caso, o que se vê é precisamente a situação inversa, pois ficou comprovada, na esfera criminal, a ocorrência de delito, fator este que corrobora, sobejamente, a prática de ilícito por parte do Autor, que reflete na esfera administrativa-disciplinar. 9. Oportuno colacionar os pontos destacados pelo ilustre presentante do Parquet federal em sua opinio: "Nesse passo, estando os fatos comprovados criminalmente, não comporta mais discussão sobre sua existência e autoria em âmbito civil, o que só reforça a validade do julgamento administrativo. Acrescenta-se, ademais, que as provas produzidas em âmbito penal podem ser utilizadas, de forma emprestada, tanto na esfera cível, quanto na administrativa, sem que se possa arguir qualquer invalidade nessa utilização. Sobre a possibilidade de utilização de provas emprestadas de processo penal, seguem os seguintes precedentes: STF - Pet 3.683 QO. Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 20.2.2009; Inq. 2275 QO, Rel. Min. Carlos Britto, Plenário, DJe de 26.9.2008; STJ - AgRg na APn 536/BA, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, DJe 14.5.2009; MS 17.536/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 20.4.2016; MS 13.501/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 10.12.2008, DJe 9.2.2009; além do verbete nº 591 das Súmulas do STJ Tal possibilidade consta, ainda, expressamente no art. 372 do Código de Processo Civil, o qual prevê que "o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório. Nesse passo, à míngua de qualquer ilegalidade ou imoralidade durante o curso do processo administrativo disciplinar, opina o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida." 10. Negado provimento à apelação interposta. Em observância ao artigo 85, § 11, do CPC, a verba honorária fixada na sentença é majorada em 1% (hum por cento), permanecendo ela com exigibilidade suspensa em razão da gratuidade de justiça deferida.

Data do Julgamento : 07/11/2018
Data da Publicação : 12/11/2018
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : POUL ERIK DYRLUND
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : POUL ERIK DYRLUND
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