TRF2 0000569-98.2006.4.02.5108 00005699820064025108
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTERPOSIÇÃO RECURSAL
PREMATURA. TEMPESTIVIDADE. ACESSO À PRAIA DO PONTAL. ARRAIAL DO
CABO. CONDOMÍNIO. PROPRIEDADE PRIVADA. 1. A sentença julgou parcialmente
procedentes os pedidos na ação civil pública do MPF para determinar: (i)
à Companhia Nacional de Álcalis, remover quaisquer entraves que obstem
indevidamente o acesso da população à Praia do Pontal, tais como placas e
cartazes colocados nas vias públicas do Condomínio Village do Pontal ou
proximidades; bem como abster-se de impedir o livre acesso a essas vias
públicas; além de cientificar, através de placas e publicação em jornal,
o livre acesso da população às vias em direção à praia (ii) ao Município de
Arraial do Cabo, tomar as medidas de adequação do empreendimento Condomínio
Village do Pontal ao ordenamento urbano e Lei nº 6.766/1999, bem como colocar
placas nas vias de acesso à Praia do Pontal existentes na Av. Brasil,
para cientificar a população, juntamente com publicação em jornal, que
é livre o acesso àquela praia e ao mar por tais vias. 2. São tempestivas
as apelações interpostas antes dos embargos de declaração, que acabaram
desprovidos. Aplicação da Súmula nº 418/STJ, no alcance dado pela Corte
Superior no REsp 1129215 (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial,
DJe 3/11/2015). Precedentes do STF. 3. Descabe, nesta instância, converter o
feito em diligência, para verificação do local ou produção de prova pericial,
pois toda a prova deveria ter sido produzida no momento processual adequado e,
na hipótese, não foi alegado nenhum fato ulterior, constitutivo, modificativo
ou extintivo de direitos, apto a influir no julgamento. 4. A ACP foi ajuizada
pelo MPF em maio/2006, visando a remoção de cercas, cancelas e guaritas,
construídas pela Álcalis na antiga vila operária, atual Condomínio Village
do Pontal, que restringem o livre acesso da coletividade às vias públicas
e servidões existentes no interior do Condomínio, nomeadamente Alamedas Rio
de Janeiro e Casuarinas, estabelecendo indevido obstáculo à Praia do Pontal,
bem de uso comum do povo. 5. O acesso à Praia do Pontal dá-se exclusivamente
através de pequena ponte pela Rua da Restinga (proveniente de Cabo Frio). Para
quem é proveniente da área mais populosa de Arraial do Cabo, esse ponto
pode ser alcançado pela Rodovia General Bruno Martins e, dali, pela Avenida
Brasil e Alameda das Casuarianas. Há, ainda, um "atalho", através da Alameda
Rio de Janeiro, que chega à Avenida Brasil em trecho mais próximo à praia. A
Av. Brasil é o acesso principal e as demais vias foram fechadas a veículos
por guaritas e cancelas, instaladas pela Álcalis e pelo Condomínio. Já o 1
acesso pela Av. Brasil, sem qualquer ingerência de ambos, passou a ser objeto
de cobranças pela Prefeitura de Arraial do Cabo. 6. A área controvertida,
compreendendo as Alamedas Casuarinas e Rio de Janeiro, é privada, não
situada em terreno de marinha, e pertencia à Álcalis, ocupada pela antiga
vila operária. As casas foram construídas para os funcionários da companhia,
ao lado do terreno do complexo industrial. 7. Provado que o Condomínio não
decorreu de loteamento da Lei nº 6.766/1979, mas da transformação direta de
propriedade única, pertencente à Companhia Nacional de Álcalis, em condomínio,
nos termos da Lei nº 4.591/1964, as vias internas não pertencem à malha viária
municipal, conforme inclusive admitiu o Município de Arraial do Cabo. 8. O
regramento da Lei nº 4.591/1964 abrange não apenas os denominados condomínios
verticais, mas também o conjunto de unidades de um só pavimento, que podem
ser individualizadas e vendidas separadamente. Inteligência do art. 1º, §
2º, art. 2º e art. 8º, "d". 9. No regime da Lei nº 4.591/1964, formalmente
seguido para a formação do Condomínio Village Primavera, o arruamento interno
integra a fração de bens comuns titularizados pelos condôminos através do
sistema de divisão em frações ideais, sendo designado como "passagem comum
para as vias públicas". Portanto, não se incorporam ao patrimônio público,
permanecendo na titularidade dos condôminos. Precedentes. 10. Diferentemente
daquelas hipóteses em que se caracteriza o denominado condomínio de fato,
em que se observa a tentativa de transformação de loteamento em condomínio
com imposição (indevida) aos titulares de lotes dessa condição, na espécie,
a única titular original dos terrenos primeiro constituiu condomínio de
suas casas já prontas e, num segundo momento, alienou-as com a respectiva
fração ideal das áreas comuns. 11. A proteção conferida pela Lei nº 7.661/88
é voltada àquela faixa paralela imediatamente contígua à praia, para evitar
a construção de condomínios ou imóveis que inviabilizem o acesso. No cotejo
do direito de propriedade com a legislação que impõe, em nome do interesse
público, a manutenção de acesso à Praia do Pontal, são inaplicáveis, nas
circunstâncias, o art. 10 da Lei nº 7.661/1988 e art. 21 do Decreto nº
5.300/2004, por não se tratar de urbanização de faixa contígua à costeira
e por não haver impedimento da chegada à praia pelos banhistas e demais
interessados. Precedentes. 12. A manutenção de cancelas no condomínio e
o fechamento das ruas internas para a entrada de veículos não representam
obstáculo absoluto de acesso à referida praia, sendo incontroverso que o
acesso pode dar-se pela denominada Av. Brasil, claramente a via principal
para aquela área. Ademais, é incontroverso que a restrição existente no
Condomínio jamais representou vedação de acesso a pedestres, para os quais
a distância até a praia, via Av. Brasil, seria mais significativa. 13. O
Município intervém ostensivamente no ordenamento do trânsito na Avenida
Brasil, inclusive regulando e cobrando pelo estacionamento de veículos,
contexto em que a possibilidade de livre uso das vias situadas no Condomínio
poderia abrir brechas para a burla ao controle municipal, gerando o embaraço
do estacionamento irregular, por exemplo. 14. Apelações e remessa necessária
providas. Ação Civil Pública julgada improcedente. 2
Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INTERPOSIÇÃO RECURSAL
PREMATURA. TEMPESTIVIDADE. ACESSO À PRAIA DO PONTAL. ARRAIAL DO
CABO. CONDOMÍNIO. PROPRIEDADE PRIVADA. 1. A sentença julgou parcialmente
procedentes os pedidos na ação civil pública do MPF para determinar: (i)
à Companhia Nacional de Álcalis, remover quaisquer entraves que obstem
indevidamente o acesso da população à Praia do Pontal, tais como placas e
cartazes colocados nas vias públicas do Condomínio Village do Pontal ou
proximidades; bem como abster-se de impedir o livre acesso a essas vias
públicas; além de cientificar, através de placas e publicação em jornal,
o livre acesso da população às vias em direção à praia (ii) ao Município de
Arraial do Cabo, tomar as medidas de adequação do empreendimento Condomínio
Village do Pontal ao ordenamento urbano e Lei nº 6.766/1999, bem como colocar
placas nas vias de acesso à Praia do Pontal existentes na Av. Brasil,
para cientificar a população, juntamente com publicação em jornal, que
é livre o acesso àquela praia e ao mar por tais vias. 2. São tempestivas
as apelações interpostas antes dos embargos de declaração, que acabaram
desprovidos. Aplicação da Súmula nº 418/STJ, no alcance dado pela Corte
Superior no REsp 1129215 (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial,
DJe 3/11/2015). Precedentes do STF. 3. Descabe, nesta instância, converter o
feito em diligência, para verificação do local ou produção de prova pericial,
pois toda a prova deveria ter sido produzida no momento processual adequado e,
na hipótese, não foi alegado nenhum fato ulterior, constitutivo, modificativo
ou extintivo de direitos, apto a influir no julgamento. 4. A ACP foi ajuizada
pelo MPF em maio/2006, visando a remoção de cercas, cancelas e guaritas,
construídas pela Álcalis na antiga vila operária, atual Condomínio Village
do Pontal, que restringem o livre acesso da coletividade às vias públicas
e servidões existentes no interior do Condomínio, nomeadamente Alamedas Rio
de Janeiro e Casuarinas, estabelecendo indevido obstáculo à Praia do Pontal,
bem de uso comum do povo. 5. O acesso à Praia do Pontal dá-se exclusivamente
através de pequena ponte pela Rua da Restinga (proveniente de Cabo Frio). Para
quem é proveniente da área mais populosa de Arraial do Cabo, esse ponto
pode ser alcançado pela Rodovia General Bruno Martins e, dali, pela Avenida
Brasil e Alameda das Casuarianas. Há, ainda, um "atalho", através da Alameda
Rio de Janeiro, que chega à Avenida Brasil em trecho mais próximo à praia. A
Av. Brasil é o acesso principal e as demais vias foram fechadas a veículos
por guaritas e cancelas, instaladas pela Álcalis e pelo Condomínio. Já o 1
acesso pela Av. Brasil, sem qualquer ingerência de ambos, passou a ser objeto
de cobranças pela Prefeitura de Arraial do Cabo. 6. A área controvertida,
compreendendo as Alamedas Casuarinas e Rio de Janeiro, é privada, não
situada em terreno de marinha, e pertencia à Álcalis, ocupada pela antiga
vila operária. As casas foram construídas para os funcionários da companhia,
ao lado do terreno do complexo industrial. 7. Provado que o Condomínio não
decorreu de loteamento da Lei nº 6.766/1979, mas da transformação direta de
propriedade única, pertencente à Companhia Nacional de Álcalis, em condomínio,
nos termos da Lei nº 4.591/1964, as vias internas não pertencem à malha viária
municipal, conforme inclusive admitiu o Município de Arraial do Cabo. 8. O
regramento da Lei nº 4.591/1964 abrange não apenas os denominados condomínios
verticais, mas também o conjunto de unidades de um só pavimento, que podem
ser individualizadas e vendidas separadamente. Inteligência do art. 1º, §
2º, art. 2º e art. 8º, "d". 9. No regime da Lei nº 4.591/1964, formalmente
seguido para a formação do Condomínio Village Primavera, o arruamento interno
integra a fração de bens comuns titularizados pelos condôminos através do
sistema de divisão em frações ideais, sendo designado como "passagem comum
para as vias públicas". Portanto, não se incorporam ao patrimônio público,
permanecendo na titularidade dos condôminos. Precedentes. 10. Diferentemente
daquelas hipóteses em que se caracteriza o denominado condomínio de fato,
em que se observa a tentativa de transformação de loteamento em condomínio
com imposição (indevida) aos titulares de lotes dessa condição, na espécie,
a única titular original dos terrenos primeiro constituiu condomínio de
suas casas já prontas e, num segundo momento, alienou-as com a respectiva
fração ideal das áreas comuns. 11. A proteção conferida pela Lei nº 7.661/88
é voltada àquela faixa paralela imediatamente contígua à praia, para evitar
a construção de condomínios ou imóveis que inviabilizem o acesso. No cotejo
do direito de propriedade com a legislação que impõe, em nome do interesse
público, a manutenção de acesso à Praia do Pontal, são inaplicáveis, nas
circunstâncias, o art. 10 da Lei nº 7.661/1988 e art. 21 do Decreto nº
5.300/2004, por não se tratar de urbanização de faixa contígua à costeira
e por não haver impedimento da chegada à praia pelos banhistas e demais
interessados. Precedentes. 12. A manutenção de cancelas no condomínio e
o fechamento das ruas internas para a entrada de veículos não representam
obstáculo absoluto de acesso à referida praia, sendo incontroverso que o
acesso pode dar-se pela denominada Av. Brasil, claramente a via principal
para aquela área. Ademais, é incontroverso que a restrição existente no
Condomínio jamais representou vedação de acesso a pedestres, para os quais
a distância até a praia, via Av. Brasil, seria mais significativa. 13. O
Município intervém ostensivamente no ordenamento do trânsito na Avenida
Brasil, inclusive regulando e cobrando pelo estacionamento de veículos,
contexto em que a possibilidade de livre uso das vias situadas no Condomínio
poderia abrir brechas para a burla ao controle municipal, gerando o embaraço
do estacionamento irregular, por exemplo. 14. Apelações e remessa necessária
providas. Ação Civil Pública julgada improcedente. 2
Data do Julgamento
:
03/06/2016
Data da Publicação
:
14/06/2016
Classe/Assunto
:
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e
do Trabalho
Órgão Julgador
:
6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
ANTONIO HENRIQUE CORREA DA SILVA
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
ANTONIO HENRIQUE CORREA DA SILVA
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