TRF2 0000729-85.2004.4.02.5111 00007298520044025111
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
DE CAIRUÇU. RESERVA ECOLÓGICA DA JUATINGA. CONSTRUÇÕES ILÍCITAS. AUSÊNCIA
DE LICENCIAMENTO. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA. AFETAÇÃO AO ECOSSISTEMA
LOCAL. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. DANO MORAL COLETIVO. NÃO
CONFIGURADO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Trata-se de Ação
Civil Pública, proposta pelo Ministério Público Federal, que envolve a prática
de atos de degradação ambiental, consistentes na construção de uma casa e
anexos, com supressão da vegetação nativa, no local denominado Sítio das
Margaridas, localizado na P raia da Costa, área central do Saco do Mamanguá,
Município de Paraty/RJ. 2. A região das construções abrange duas Unidades
de Conservação: a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu - APA de Cairuçu
(federal) e a Reserva Ecológica da Juatinga - REJ (estadual), esta última
sobreposta integralmente à APA de Cairuçu, assim como toda região d o Saco
do Mamanguá. 3. É firme o entendimento no Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que os processos que tratem de questões relacionadas à APA de
Cairuçu são de competência da Justiça Federal, haja vista o inquestionável
interesse da União. Ademais, conforme se depreende da Escritura de Promessa
e de Compra e Venda, o imóvel de propriedade do Réu, onde as obras foram
realizadas, é terreno de marinha o que, por si só, já atrai a competência
para o âmbito f ederal. Precedentes. 4. Dentre os requerimentos do Autor
está o pedido liminar/provisório para que seja "determinado, de imediato,
a paralisação de quaisquer atividades e obras que possam agredir o meio
ambiente, para posterior reparação dos danos já consumados, evitando-se,
assim, danos ambientais maiores ao ecossistema da região" e, ao contrário do
que afirma o Recorrente, o art. 297 do CPC/15 permite que o Juiz determine
as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. A
tutela cautelar de urgência é uma medida conservativa, que busca assegurar a
satisfação de um direito no futuro e, tendo em vista o julgamento de mérito
proferido na sentença, agiu bem o Juízo de Piso ao aplicar a medida, pois
a reputou a mais adequada para proteção do bem juridicamente tutelado pela
norma a mbiental. 5. Não há que se falar em necessidade de intimação pessoal
da decisão de tutela, proferida na sentença, pois nos termos do art. 513, §2º,
inciso I do CPC/15, "o devedor será intimado para cumprir a sentença pelo
Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos a utos". 6. No
mérito, o dano ambiental causado pelo Réu/Apelante está amplamente demonstrado
1 p ela prova técnica produzida nos autos. 7. A Área de Proteção Ambiental de
Cairuçu foi criada em 1983 pelo Decreto Federal nº 89.242 e, conforme dispõe
seu art. 1º, tem o objetivo de "assegurar a proteção do ambiente natural,
que abriga espécies raras e ameaçadas de extinção, paisagens de grande beleza
cênica, sistemas hidrológicos da região e as comunidades caiçaras integradas
nesse ecossistema". Com o mesmo intuito, considerando "ser impostergável
preservar o ecossistema local, composto por costões rochosos, remanescentes
florestais de Mata Atlântica, restingas e mangues que, em conjunto com o
mar, ao fundo, forma cenário de notável beleza, apresentando peculiaridades
não encontradas em outras regiões do Estado", foi criada em 1992, através
do Decreto do Estado do Rio de Janeiro nº 17.981, a Reserva Ecológica da
Juatinga, que tem em sua totalidade natureza non aedificandi. Ambas são áreas
de especial importância ambiental e constituem um valioso ecossistema. As
peculiaridades da região não são encontradas em qualquer outro local do país,
o que justifica toda a preocupação e proteção que recebem. O Saco do Mamanguá,
que faz parte da APA de Cairuçu, compõe o que se intitulou de "único fiorde
tropical da costa brasileira", justamente por sua semelhança aos fiordes de
países europeus. É uma área de beleza natural singular, "com águas rasas,
encostas cobertas de Mata Atlântica e vários riachos ao fundo formando o maior
e mais preservado manguezal da Baía da Ilha Grande", conforme descrito pela B
ióloga Perita do Juízo. 8. O Laudo Técnico EREG Angra dos Reis - ESEC Tamoios
- APA Cairuçu (fls. 53/55) que relata vistoria realizada pelos técnicos
do IBAMA em 13/01/2001 traz a seguinte informação: "(...) A construção do
Sr. Ícaro Fernandes está localizada na praia da Costa, Sítio das Margaridas,
aproximadamente na porção central do Saco do Mamanguá. A obra encontra-se
em fase inicial de construção, sendo montada estrutura de eucalipto. Por
ocasião da fiscalização não foi apresentado qualquer documento relativo ao
licenciamento ambiental da residência em questão, ou qualquer outra licença da
obra. (...) Por tratar-se de área não edificante, a obra não é licenciável,
devendo portanto ser demolida e a área ser recuperada. (...)". 9. No mesmo
sentido são o Auto de Infração e o Termo de Embargo/Interdição, emitidos
pelo IBAMA em 16/01/2004, por ter o Demandado promovido construção em solo
não edificável, violando o disposto nos art. 64 da Lei 9.605/98. Também
o Relatório da Vistoria realizada em 29/06/2004 apresentado pela FEEMA -
Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, aponta que a construção
em pauta já estava concluída naquela data e sem licença, informando que,
dentre as medidas adotadas em face da irregularidade, foi emitido o Auto de
Constatação nº 640.970, de 01/07/2004 (construir, reformar sem licença). O
Ofício EREG/ANGRA nº 72/2004, de 21/06/2004, encaminhado pela Chefe do IBAMA
na Regional de Angra dos Reis/RJ ao Ministério Público Federal, em sede
de procedimento administrativo, menciona que "o dano ambiental envolve a
construção de residência unifamiliar em área integrante da Reserva Ecológica
da Juatinga e também da APA Cairuçu, sem licenciamento ambiental. Para
a recuperação da área toda a obra deve ser demolida, retirando-se os
escombros e recuperando a vegetação natural do local". Merece destaque o
Relatório de Diligência do MPF, segundo o qual "em 24/08/2004 a Procuradora
da República infra-assinada, durante inspeção ao sítio histórico situado na
Praia de Parati-Mirim, surpreendeu prepostos de Ícaro Fernandes realizando
transporte de madeira para prosseguimento das obras de construção de casa de
veraneio situada no Saco do Mamanguá. Apesar do termo de embargo imposto pelo
IBAMA, a construção em área non aedificandi p rossegue normalmente segundo
informações colhidas no local". 10. Já na fase judicial, o Lauro Técnico
Pericial Ambiental, elaborado pela expert do Juízo, confirmou que houve
construção em área de praia, não licenciada, e supressão e/ou retirada 2
de vegetação local existente quando da execução da obra para a construção
da residência do Requerido. Esclareceu ainda que a área em questão é de
preservação permanente e não e dificante. 11. Constatando esta mesma realidade
ainda estão nos autos o Laudo de Vistoria Técnica do ICMBio de 06/05/2009,
a Informação Técnica nº 020/10 - 4ª CCR, o Laudo Técnico nº 03/2010 -
4ª CCR, o Laudo de Vistoria Técnica nº 18/2009 e o Parecer Técnico nº 5
4/2011/APA Cairuçu. 12. Além disto, deve ser ressaltado o Laudo da Perícia
Criminal Federal que indicou a existência de três edificações: a primeira
e maior delas é a residência unifamiliar de alto padrão; a segunda, também
em alto padrão, é uma casa de hóspedes; e a terceira, de padrão normal, é a
residência do caseiro. Informou que além das três construções, existem duas
áreas gramadas. Apresentou fotografias aéreas do local, comparando a região
entre os anos de 2002 e 2010 que, de forma incontestável, demonstram que
"houve supressão da vegetação em praticamente toda área edificada e gramada,
que totaliza aproximadamente 4125 m², exceção feita à área ocupada pela
casa de hóspedes, edificada em área onde já se o bservava a existência de
uma construção em 2002". 13. Assim, a alegação do Apelante de ter realizado
as obras onde antes havia construções e benfeitorias de antigos colonos,
entremeadas por culturas agrícolas, em área desprovida de vegetação nativa,
não prospera, pois como indubitavelmente reforçado pelos diferentes órgãos com
competência no assunto, houve de fato a interferência humana no local, com
destruição da vegetação de origem e construções ilegais. A responsabilidade
oriunda do dano ambiental é de natureza propter rem, devendo portanto ser
suportada por quem se encontre na detenção, posse ou propriedade do imóvel
degradado no momento presente, não importando, assim, a quem coube, na
origem, o desrespeito a seus pressupostos. Além disso, por imperativo legal
específico do artigo 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, tem-se que, em matéria de
meio ambiente, a responsabilidade civil do causador do dano é objetiva e,
portanto, i ndependente da prova de culpa. 14. Em que pese a hipótese de uma
das obras ter se dado na área onde já existia uma construção, isso não afasta
a irregularidade da criação e alargamento das edificações praticados pelo
Recorrente, haja vista o dano perpetrado na realidade daquela região que,
c omo amplamente comprovado, trata-se de área não edificante. 15. O fato do
Plano de Manejo da APA de Cairuçu ter sido editado apenas em 2005 também
não confere licitude a ação do Apelante, pois desde sua criação o Decreto
instituidor já previa que a proteção do ambiente natural local, tanto que
já no ano de 2001 o Recorrente foi autuado e a obra embargada pelo IBAMA,
órgão responsável na época. Aliás a sentença bem pontou ao dizer que "caso
entendesse que determinada autuação ou embargo de obra estivesse revestido
de ilicitude, deveria o interessado exercer regularmente seu direito de
recurso em sede administrativa, ou, ainda, submeter a questão ao Poder
Judiciário, mas jamais sobrepor-se à Lei, construindo arbitrariamente em área
destinada à proteção ambiental". Ademais, "a região em questão está voltada
à preservação ambiental e da cultura caiçara, o que vai evidentemente de
encontro à realização de vultosas construções de r esidências, com propósito
de satisfazer interesses exclusivamente particulares". 16. Não subsiste a
alegação do Demandado de que a localização da edificação está fora dos limites
da Reserva Estadual da Juatinga, pois como já visto, toda a prova técnica
confirma que as construções em pauta estão situadas em local que abrange
tanto REJ quanto a APA de Cairuçu, ou seja, a degradação ambiental ofendeu
o bem juridicamente protegido por d uas Unidades de Conservação diferentes,
tanto no âmbito estadual quanto federal. 17. Constatado o dano ambiental,
a recomposição do local ao status quo ante é a prioridade e, como cediço,
incumbe ao agente poluidor ou degradador este dever. Assim, inexiste 3 qualquer
obstáculo às pretensões de demolir as construções e de restauração da área,
uma vez que o meio ambiente equilibrado é elemento essencial à dignidade da
pessoa humana e um direito indisponível. Conforme precedentes do STJ, "em
tema de direito ambiental, não se cogita em direito adquirido à devastação,
nem se admite a incidência da teoria do fato consumado". (STJ, Segunda Turma,
REsp 1394025/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJU 18.10.2013). Admitir
a permanência de construção irregular e degradadora ambiental em área de
preservação, representaria uma tolerância do Estado em relação a tais fatos,
abrindo precedente sem limite e servindo de exemplo negativo, como forma
de incentivo à queles que desrespeitam a legislação. 18. Sobre a recusa do
Ministério Público Federal em firmar com o Apelante o Termo de Ajustamento
de Conduta, vale frisar que o TAC tem natureza discricionária, trata-se de
acordo entre as partes, sendo que o Órgão Ministerial tem autonomia para
celebrá-lo quando entender ser do interesse da coletividade. In casu, o
interesse público não foi vislumbrado, de modo que o MPF optou por não aderir à
proposta reiteradamente ofertada pelo Réu, por entender que a mesma não atende
integralmente à necessidade de reparação dos danos causados, ressaltando,
por diversas vezes, que "não há possibilidade de ajustamento de conduta
que não contemple a demolição das estruturas erguidas de forma irregular
em solo n ão edificável e área de preservação permanente". 19. Outrossim,
merece menção o fato oportunamente observado pelo Parquet Federal, em seu
Parecer nesta instância, de que "apesar de constar dos autos que o imóvel
objeto da ação civil pública é ‘residência unifamiliar’,
que serve ao proprietário como casa de veraneio, há claras evidências de
que o imóvel é objeto de exploração econômica como "hotel boutique" . "Ao
consultar o nome o autor (Ícaro Fernandes) e a localidade em apreço (Paraty)
no google, obtem-se como resposta algumas reportagens. É útil destacar
a produzida pelo jornal "O DIA", em 1.º/02/2017 cujo título e subtítulo
são "Justiça manda derrubar mansão em Paraty - Casa construída em área de
proteção ambiental foi usada para gravações da saga Crepúsculo. Proprietário
foi condenado a três anos". O site de notícias "iG" também reportou que a
casa do Senhor Ícaro Fernandes seria usada como locação para um dos filmes
da saga adolescente hollywoodiana intitulada Crepúsculo. Logo, há claras
evidências de que o imóvel vem sendo explorado de forma diferente da declarada
nos autos. Considerando que a área em questão não é utilizada tão somente
como residência de veraneio familiar do proprietário, mas sim vem sendo
explorada economicamente como "Hotel Boutique" ou "House for Rentals", mais
evidente se apresenta a necessidade de impedir que essa Área de Preservação
Ambiental, com geomorfologia, fauna e flora tão r elevantes e especiais,
ser ocupada, explorada (inclusive comercialmente) e destruída". 20. A
legislação ambiental elegeu proteger biomas característicos, vistos como de
suma importância para a higidez do meio ambiente e a qualidade de vida. Assim,
os danos causados a estes ecossistemas não consistem tão somente na lesão ao
equilíbrio ecológico, mas abrangem também diferentes valores precípuos da
coletividade que a ele encontram-se intimamente inter-relacionados. Porém,
isso não deve ser confundido com dano moral. Para configuração deste tipo
de dano, é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância
e desborde os limites da tolerabilidade, devendo estar demonstrado de forma
clara e irrefutável, já que não é possível presumi-lo. Ainda, deve ser grave
o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e
alterações relevantes na ordem e xtrapatrimonial coletiva, não bastando o mero
dissabor para sua incidência. 21. No caso, não restou demonstrado o efetivo
abalo moral sofrido ou evidenciada a dor, vergonha e humilhação que, fugindo
à normalidade, tenha interferido intensamente no comportamento psicológico
dos cidadãos de forma a lhes causar sensíveis aflições e desequilíbrios ao
normal bem estar. 4 22. Com base nos fundamentos acima expostos, bem como nos
Princípios do Poluidor- Pagador, Reparação Integral e da Precaução, deve ser
mantida a parte da sentença que condenou o Demandado "na obrigação de fazer
consistente na demolição das construções erigidas no local situado dentro da
APA Cairuçu e da Reserva Ecológica da Juatinga, localidade denominada "Sítio
das Margaridas", Praia da Costa, Saco do Mamanguá, Paraty/RJ, com retirada,
às suas custas, dos entulhos e remoção para locais apropriados, fora dos
limites das unidades de conservação, bem como na obrigação de reparar o local
dos danos ambientais, com supervisão do ICMBio e apresentação de plano de
recuperação da área degradada, sob pena de, não o fazendo no prazo de 90
(noventa) dias após a intimação para cumprimento desta sentença, ter que
arcar com os custos suportados pela referida autarquia federal, que, desde
logo, fica autorizada a demolir as construções, restaurando a área, e, além
disso, na obrigação de abster-se de realizar novas intervenções no local,
sem prévia autorização da administração das unidades de conservação". De
outro lado, deve ser r eformada a sentença no que tange a condenação ao
pagamento do dano moral coletivo. 23. Apelação conhecida e parcialmente
provida para reformar apenas em parte a sentença e afastar a condenação ao
pagamento do dano moral coletivo. Prejudicado o Agravo Interno i nterposto
nos autos nº 0000322-95.2018.4.02.0000.
Ementa
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
DE CAIRUÇU. RESERVA ECOLÓGICA DA JUATINGA. CONSTRUÇÕES ILÍCITAS. AUSÊNCIA
DE LICENCIAMENTO. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA. AFETAÇÃO AO ECOSSISTEMA
LOCAL. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. DANO MORAL COLETIVO. NÃO
CONFIGURADO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Trata-se de Ação
Civil Pública, proposta pelo Ministério Público Federal, que envolve a prática
de atos de degradação ambiental, consistentes na construção de uma casa e
anexos, com supressão da vegetação nativa, no local denominado Sítio das
Margaridas, localizado na P raia da Costa, área central do Saco do Mamanguá,
Município de Paraty/RJ. 2. A região das construções abrange duas Unidades
de Conservação: a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu - APA de Cairuçu
(federal) e a Reserva Ecológica da Juatinga - REJ (estadual), esta última
sobreposta integralmente à APA de Cairuçu, assim como toda região d o Saco
do Mamanguá. 3. É firme o entendimento no Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que os processos que tratem de questões relacionadas à APA de
Cairuçu são de competência da Justiça Federal, haja vista o inquestionável
interesse da União. Ademais, conforme se depreende da Escritura de Promessa
e de Compra e Venda, o imóvel de propriedade do Réu, onde as obras foram
realizadas, é terreno de marinha o que, por si só, já atrai a competência
para o âmbito f ederal. Precedentes. 4. Dentre os requerimentos do Autor
está o pedido liminar/provisório para que seja "determinado, de imediato,
a paralisação de quaisquer atividades e obras que possam agredir o meio
ambiente, para posterior reparação dos danos já consumados, evitando-se,
assim, danos ambientais maiores ao ecossistema da região" e, ao contrário do
que afirma o Recorrente, o art. 297 do CPC/15 permite que o Juiz determine
as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. A
tutela cautelar de urgência é uma medida conservativa, que busca assegurar a
satisfação de um direito no futuro e, tendo em vista o julgamento de mérito
proferido na sentença, agiu bem o Juízo de Piso ao aplicar a medida, pois
a reputou a mais adequada para proteção do bem juridicamente tutelado pela
norma a mbiental. 5. Não há que se falar em necessidade de intimação pessoal
da decisão de tutela, proferida na sentença, pois nos termos do art. 513, §2º,
inciso I do CPC/15, "o devedor será intimado para cumprir a sentença pelo
Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos a utos". 6. No
mérito, o dano ambiental causado pelo Réu/Apelante está amplamente demonstrado
1 p ela prova técnica produzida nos autos. 7. A Área de Proteção Ambiental de
Cairuçu foi criada em 1983 pelo Decreto Federal nº 89.242 e, conforme dispõe
seu art. 1º, tem o objetivo de "assegurar a proteção do ambiente natural,
que abriga espécies raras e ameaçadas de extinção, paisagens de grande beleza
cênica, sistemas hidrológicos da região e as comunidades caiçaras integradas
nesse ecossistema". Com o mesmo intuito, considerando "ser impostergável
preservar o ecossistema local, composto por costões rochosos, remanescentes
florestais de Mata Atlântica, restingas e mangues que, em conjunto com o
mar, ao fundo, forma cenário de notável beleza, apresentando peculiaridades
não encontradas em outras regiões do Estado", foi criada em 1992, através
do Decreto do Estado do Rio de Janeiro nº 17.981, a Reserva Ecológica da
Juatinga, que tem em sua totalidade natureza non aedificandi. Ambas são áreas
de especial importância ambiental e constituem um valioso ecossistema. As
peculiaridades da região não são encontradas em qualquer outro local do país,
o que justifica toda a preocupação e proteção que recebem. O Saco do Mamanguá,
que faz parte da APA de Cairuçu, compõe o que se intitulou de "único fiorde
tropical da costa brasileira", justamente por sua semelhança aos fiordes de
países europeus. É uma área de beleza natural singular, "com águas rasas,
encostas cobertas de Mata Atlântica e vários riachos ao fundo formando o maior
e mais preservado manguezal da Baía da Ilha Grande", conforme descrito pela B
ióloga Perita do Juízo. 8. O Laudo Técnico EREG Angra dos Reis - ESEC Tamoios
- APA Cairuçu (fls. 53/55) que relata vistoria realizada pelos técnicos
do IBAMA em 13/01/2001 traz a seguinte informação: "(...) A construção do
Sr. Ícaro Fernandes está localizada na praia da Costa, Sítio das Margaridas,
aproximadamente na porção central do Saco do Mamanguá. A obra encontra-se
em fase inicial de construção, sendo montada estrutura de eucalipto. Por
ocasião da fiscalização não foi apresentado qualquer documento relativo ao
licenciamento ambiental da residência em questão, ou qualquer outra licença da
obra. (...) Por tratar-se de área não edificante, a obra não é licenciável,
devendo portanto ser demolida e a área ser recuperada. (...)". 9. No mesmo
sentido são o Auto de Infração e o Termo de Embargo/Interdição, emitidos
pelo IBAMA em 16/01/2004, por ter o Demandado promovido construção em solo
não edificável, violando o disposto nos art. 64 da Lei 9.605/98. Também
o Relatório da Vistoria realizada em 29/06/2004 apresentado pela FEEMA -
Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, aponta que a construção
em pauta já estava concluída naquela data e sem licença, informando que,
dentre as medidas adotadas em face da irregularidade, foi emitido o Auto de
Constatação nº 640.970, de 01/07/2004 (construir, reformar sem licença). O
Ofício EREG/ANGRA nº 72/2004, de 21/06/2004, encaminhado pela Chefe do IBAMA
na Regional de Angra dos Reis/RJ ao Ministério Público Federal, em sede
de procedimento administrativo, menciona que "o dano ambiental envolve a
construção de residência unifamiliar em área integrante da Reserva Ecológica
da Juatinga e também da APA Cairuçu, sem licenciamento ambiental. Para
a recuperação da área toda a obra deve ser demolida, retirando-se os
escombros e recuperando a vegetação natural do local". Merece destaque o
Relatório de Diligência do MPF, segundo o qual "em 24/08/2004 a Procuradora
da República infra-assinada, durante inspeção ao sítio histórico situado na
Praia de Parati-Mirim, surpreendeu prepostos de Ícaro Fernandes realizando
transporte de madeira para prosseguimento das obras de construção de casa de
veraneio situada no Saco do Mamanguá. Apesar do termo de embargo imposto pelo
IBAMA, a construção em área non aedificandi p rossegue normalmente segundo
informações colhidas no local". 10. Já na fase judicial, o Lauro Técnico
Pericial Ambiental, elaborado pela expert do Juízo, confirmou que houve
construção em área de praia, não licenciada, e supressão e/ou retirada 2
de vegetação local existente quando da execução da obra para a construção
da residência do Requerido. Esclareceu ainda que a área em questão é de
preservação permanente e não e dificante. 11. Constatando esta mesma realidade
ainda estão nos autos o Laudo de Vistoria Técnica do ICMBio de 06/05/2009,
a Informação Técnica nº 020/10 - 4ª CCR, o Laudo Técnico nº 03/2010 -
4ª CCR, o Laudo de Vistoria Técnica nº 18/2009 e o Parecer Técnico nº 5
4/2011/APA Cairuçu. 12. Além disto, deve ser ressaltado o Laudo da Perícia
Criminal Federal que indicou a existência de três edificações: a primeira
e maior delas é a residência unifamiliar de alto padrão; a segunda, também
em alto padrão, é uma casa de hóspedes; e a terceira, de padrão normal, é a
residência do caseiro. Informou que além das três construções, existem duas
áreas gramadas. Apresentou fotografias aéreas do local, comparando a região
entre os anos de 2002 e 2010 que, de forma incontestável, demonstram que
"houve supressão da vegetação em praticamente toda área edificada e gramada,
que totaliza aproximadamente 4125 m², exceção feita à área ocupada pela
casa de hóspedes, edificada em área onde já se o bservava a existência de
uma construção em 2002". 13. Assim, a alegação do Apelante de ter realizado
as obras onde antes havia construções e benfeitorias de antigos colonos,
entremeadas por culturas agrícolas, em área desprovida de vegetação nativa,
não prospera, pois como indubitavelmente reforçado pelos diferentes órgãos com
competência no assunto, houve de fato a interferência humana no local, com
destruição da vegetação de origem e construções ilegais. A responsabilidade
oriunda do dano ambiental é de natureza propter rem, devendo portanto ser
suportada por quem se encontre na detenção, posse ou propriedade do imóvel
degradado no momento presente, não importando, assim, a quem coube, na
origem, o desrespeito a seus pressupostos. Além disso, por imperativo legal
específico do artigo 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, tem-se que, em matéria de
meio ambiente, a responsabilidade civil do causador do dano é objetiva e,
portanto, i ndependente da prova de culpa. 14. Em que pese a hipótese de uma
das obras ter se dado na área onde já existia uma construção, isso não afasta
a irregularidade da criação e alargamento das edificações praticados pelo
Recorrente, haja vista o dano perpetrado na realidade daquela região que,
c omo amplamente comprovado, trata-se de área não edificante. 15. O fato do
Plano de Manejo da APA de Cairuçu ter sido editado apenas em 2005 também
não confere licitude a ação do Apelante, pois desde sua criação o Decreto
instituidor já previa que a proteção do ambiente natural local, tanto que
já no ano de 2001 o Recorrente foi autuado e a obra embargada pelo IBAMA,
órgão responsável na época. Aliás a sentença bem pontou ao dizer que "caso
entendesse que determinada autuação ou embargo de obra estivesse revestido
de ilicitude, deveria o interessado exercer regularmente seu direito de
recurso em sede administrativa, ou, ainda, submeter a questão ao Poder
Judiciário, mas jamais sobrepor-se à Lei, construindo arbitrariamente em área
destinada à proteção ambiental". Ademais, "a região em questão está voltada
à preservação ambiental e da cultura caiçara, o que vai evidentemente de
encontro à realização de vultosas construções de r esidências, com propósito
de satisfazer interesses exclusivamente particulares". 16. Não subsiste a
alegação do Demandado de que a localização da edificação está fora dos limites
da Reserva Estadual da Juatinga, pois como já visto, toda a prova técnica
confirma que as construções em pauta estão situadas em local que abrange
tanto REJ quanto a APA de Cairuçu, ou seja, a degradação ambiental ofendeu
o bem juridicamente protegido por d uas Unidades de Conservação diferentes,
tanto no âmbito estadual quanto federal. 17. Constatado o dano ambiental,
a recomposição do local ao status quo ante é a prioridade e, como cediço,
incumbe ao agente poluidor ou degradador este dever. Assim, inexiste 3 qualquer
obstáculo às pretensões de demolir as construções e de restauração da área,
uma vez que o meio ambiente equilibrado é elemento essencial à dignidade da
pessoa humana e um direito indisponível. Conforme precedentes do STJ, "em
tema de direito ambiental, não se cogita em direito adquirido à devastação,
nem se admite a incidência da teoria do fato consumado". (STJ, Segunda Turma,
REsp 1394025/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJU 18.10.2013). Admitir
a permanência de construção irregular e degradadora ambiental em área de
preservação, representaria uma tolerância do Estado em relação a tais fatos,
abrindo precedente sem limite e servindo de exemplo negativo, como forma
de incentivo à queles que desrespeitam a legislação. 18. Sobre a recusa do
Ministério Público Federal em firmar com o Apelante o Termo de Ajustamento
de Conduta, vale frisar que o TAC tem natureza discricionária, trata-se de
acordo entre as partes, sendo que o Órgão Ministerial tem autonomia para
celebrá-lo quando entender ser do interesse da coletividade. In casu, o
interesse público não foi vislumbrado, de modo que o MPF optou por não aderir à
proposta reiteradamente ofertada pelo Réu, por entender que a mesma não atende
integralmente à necessidade de reparação dos danos causados, ressaltando,
por diversas vezes, que "não há possibilidade de ajustamento de conduta
que não contemple a demolição das estruturas erguidas de forma irregular
em solo n ão edificável e área de preservação permanente". 19. Outrossim,
merece menção o fato oportunamente observado pelo Parquet Federal, em seu
Parecer nesta instância, de que "apesar de constar dos autos que o imóvel
objeto da ação civil pública é ‘residência unifamiliar’,
que serve ao proprietário como casa de veraneio, há claras evidências de
que o imóvel é objeto de exploração econômica como "hotel boutique" . "Ao
consultar o nome o autor (Ícaro Fernandes) e a localidade em apreço (Paraty)
no google, obtem-se como resposta algumas reportagens. É útil destacar
a produzida pelo jornal "O DIA", em 1.º/02/2017 cujo título e subtítulo
são "Justiça manda derrubar mansão em Paraty - Casa construída em área de
proteção ambiental foi usada para gravações da saga Crepúsculo. Proprietário
foi condenado a três anos". O site de notícias "iG" também reportou que a
casa do Senhor Ícaro Fernandes seria usada como locação para um dos filmes
da saga adolescente hollywoodiana intitulada Crepúsculo. Logo, há claras
evidências de que o imóvel vem sendo explorado de forma diferente da declarada
nos autos. Considerando que a área em questão não é utilizada tão somente
como residência de veraneio familiar do proprietário, mas sim vem sendo
explorada economicamente como "Hotel Boutique" ou "House for Rentals", mais
evidente se apresenta a necessidade de impedir que essa Área de Preservação
Ambiental, com geomorfologia, fauna e flora tão r elevantes e especiais,
ser ocupada, explorada (inclusive comercialmente) e destruída". 20. A
legislação ambiental elegeu proteger biomas característicos, vistos como de
suma importância para a higidez do meio ambiente e a qualidade de vida. Assim,
os danos causados a estes ecossistemas não consistem tão somente na lesão ao
equilíbrio ecológico, mas abrangem também diferentes valores precípuos da
coletividade que a ele encontram-se intimamente inter-relacionados. Porém,
isso não deve ser confundido com dano moral. Para configuração deste tipo
de dano, é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância
e desborde os limites da tolerabilidade, devendo estar demonstrado de forma
clara e irrefutável, já que não é possível presumi-lo. Ainda, deve ser grave
o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e
alterações relevantes na ordem e xtrapatrimonial coletiva, não bastando o mero
dissabor para sua incidência. 21. No caso, não restou demonstrado o efetivo
abalo moral sofrido ou evidenciada a dor, vergonha e humilhação que, fugindo
à normalidade, tenha interferido intensamente no comportamento psicológico
dos cidadãos de forma a lhes causar sensíveis aflições e desequilíbrios ao
normal bem estar. 4 22. Com base nos fundamentos acima expostos, bem como nos
Princípios do Poluidor- Pagador, Reparação Integral e da Precaução, deve ser
mantida a parte da sentença que condenou o Demandado "na obrigação de fazer
consistente na demolição das construções erigidas no local situado dentro da
APA Cairuçu e da Reserva Ecológica da Juatinga, localidade denominada "Sítio
das Margaridas", Praia da Costa, Saco do Mamanguá, Paraty/RJ, com retirada,
às suas custas, dos entulhos e remoção para locais apropriados, fora dos
limites das unidades de conservação, bem como na obrigação de reparar o local
dos danos ambientais, com supervisão do ICMBio e apresentação de plano de
recuperação da área degradada, sob pena de, não o fazendo no prazo de 90
(noventa) dias após a intimação para cumprimento desta sentença, ter que
arcar com os custos suportados pela referida autarquia federal, que, desde
logo, fica autorizada a demolir as construções, restaurando a área, e, além
disso, na obrigação de abster-se de realizar novas intervenções no local,
sem prévia autorização da administração das unidades de conservação". De
outro lado, deve ser r eformada a sentença no que tange a condenação ao
pagamento do dano moral coletivo. 23. Apelação conhecida e parcialmente
provida para reformar apenas em parte a sentença e afastar a condenação ao
pagamento do dano moral coletivo. Prejudicado o Agravo Interno i nterposto
nos autos nº 0000322-95.2018.4.02.0000.
Data do Julgamento
:
29/10/2018
Data da Publicação
:
27/11/2018
Classe/Assunto
:
AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
8ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
GUILHERME DIEFENTHAELER
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
GUILHERME DIEFENTHAELER
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