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Jurisprudência


TRF2 0001146-17.2006.4.02.5160 00011461720064025160

Ementa
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. CONDENAÇÃO DO RÉU NO PAGAMENTO DE 50% DO BENEFÍCIO À AUTORA. RECURSO SOMENTE DO INSS. COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL E DA CONDIÇÃO DE COMPANHEIRA. DIREITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO. 1. Apelação interposta pelo INSS em face da sentença pela qual foi julgado procedente, em parte, o pedido, em ação objetivando a concessão de pensão por morte. 2. Hipótese em que a autora, ora apelada, ajuizou ação objetivando, na condição de companheira de falecido segurado do INSS, à concessão de pensão por morte, pleito que restou acolhido, em parte, vez que a magistrada de primeiro grau considerou que o de cujus não só vivia em união estável com a mesma, como também, concomitantemente, com outra mulher, autora de outro processo (nº 0000643-72.2013.4.02.5120) que tramitou na mesma vara, de modo que ao determinar a concessão do benefício desde a citação, o fez fixando o percentual de 50% da pensão, a fim de que o mesmo percentual fosse deferido a outra companheira. 3. Em primeiro lugar, não há que falar em falta de interesse de agir, tendo em vista que consta dos autos prova do requerimento administrativo e do indeferimento do pedido de concessão de pensão por morte, o que se deu em razão de o INSS entender que a postulante não ostentaria a qualidade de dependente na condição de companheira o falecido segurado. 4. Versando a demanda sobre recebimento de pensão por morte, cabe ressaltar, em primeiro lugar, ser cediço o entendimento segundo o qual: "O direito à pensão ... é regido pelas normas em vigor à data do evento morte (...)" (STF, AI 448.834-3/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 08.08.2003). 5. Ocorrido o óbito do alegado companheiro da autora no ano de 1999 (fl.08), já estando em vigência a Lei nº 8.213/91, com as alterações operadas pelas Leis nºs 9.032/95 e 9.528/97, esta é a legislação aplicável à espécie, em consonância com o que dispõe a Súmula nº 340 do STJ ("A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado."). 1 6. Assinale-se que o direito à concessão da pensão por morte do é garantido pelo art. 201, V, da Constituição Federal e pelo art. 74 da Lei nº 8.213/91, dispondo este último que "a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer (...)". 7. O art. 16 da Lei nº 8213/91 indica, por sua vez, quem são os dependentes do segurado, relacionando no inciso I, "o cônjuge, a companheira, o companheiro, e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido", sendo que a dependência econômica dessas pessoas é presumida, a teor do § 4º do mencionado artigo. 8. No caso, o magistrado a quo, ao analisar as provas acostadas não só deste feito, mas também as do processo nº 0000643-72.2013.4.02.5120 (que tramitou na mesma vara federal), concluiu que o falecido segurado viveu em união estável, concomitantemente, com Maria Belicia e Geralda (autora do outro processo), o que no seu entender, justificaria a divisão do benefício de pensão em cotas iguais. 9. São duas, portanto, as questões que se colocam nestes autos: a) quem ostenta a qualidade de companheira por força do instituto da união estável e b) se está amparado em nosso direito o reconhecimento da concomitância de poli-companheirismo. 10. Quanto ao primeiro ponto, é possível extrair da prova dos autos que Antonio viveu, durante certo tempo, concomitantemente com Maria Belicia e Geralda, sendo que com a primeira viveu no total 26 anos e com ela teve 6 (seis) filhos, enquanto que com a segunda mulher viveu 12 anos, e teve uma filha, restando claro na petição inicial do feito conexo, que tal concomitância era de conhecimento de Geralda e que, a certa altura, também de Maria Belicia, já que esta relata na petição deste feito que quando buscou a via administrativa para postular o benefício, soube que o mesmo já estava sendo pago não só a seu filho Antonio Júnior, mas também a Selma, filha de Geralda, pagamentos estes que vieram a ser posteriormente cessados quando os filhos atingiram a maioridade. 11. Para caracterização da alegada união estável e de seu direito à pensão, a autora instruiu o feito com a seguinte documentação, a saber: a) Certidão de Óbito (fl. 08); b) Declaração da AMGRA - Associação dos Moradores do Bairro de Gama, informando que a autora viveu maritalmente com o falecido e que o casal residia na rua Paes Lemos nº 101, Bairro Gama, Nova Iguaçu (fl. 10); c) Inscrição da autora como dependente na CTPS do falecido (fl. 12); d) Certidões de Nascimentos dos filhos do casal (fls. 14/19) e, ainda, e) Declaração de vizinhos, no mesmo sentido da que foi fornecida pela AMGRA (fls. 20/28). 12. Considerando que a prova produzida foi corroborada pelos depoimentos prestados em Juízo (fls. 176/180) e até mesmo por Geralda, forçoso é concluir que restou demonstrada a relação de união estável entre Maria Belicia e Antonio, sendo que a segunda questão a ser dirimida é se o Direito brasileiro ampara o duplo companheirismo, e até que ponto o faz. 13. A esse respeito, a primeira corrente de entendimento refuta a possibilidade de amparo jurídico ao duplo companheirismo, haja vista que nossa Carta Fundamental agasalha a união 2 estável, mas não vai ao ponto de permitir, sob o prisma estritamente jurídico-familiar, afora o âmbito moral e das relações restritas ao direito civil-contratual, as relações poligâmicas. Precedentes do eg. STJ. 14. De outro lado, numa corrente mais elástica e ativista, digamos, chega-se ao ponto de admitir que nosso ordenamento jurídico não só acolhe a união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º da CF/88), como ainda admite o multi-companheirismo, já então em função de uma alegada e abstrata complexidade do contexto social e das relações humanas. Precedentes do eg. STF. 15. A matéria, aliás, é objeto de repercussão geral no eg. STF, pendente de julgamento no ARE 656298/SE (atual Rel. Min. Teori Zavascki). 16. Apesar da controvérsia jurisprudencial acerca da matéria, ainda não existe decisão definitiva vinculante que torne imperativo seguir determinada orientação, havendo, portanto, margem para a formação de livre convencimento por parte da Administração Pública e do órgão jurisdicional, de acordo com o caso concreto, com a legislação pertinente, e a prova colacionada aos autos, conforme a peculiaridade da hipótese sob exame. 17. De todo modo, adota-se o entendimento de que a Constituição não dá guarida à monogamia ou à pluralidade de relacionamentos afetivos estáveis para fins estritamente jurídicos na órbita do direito de família e previdenciário, sem que isso tenha o condão de repercutir qualquer preconceito na órbita moral ou mesmo impedimento para que haja encontro de haveres no caso de sociedades de fato derivadas desses múltiplos relacionamentos, com indenizações por razões contratuais. 18. No presente caso, fica claro que Antonio, após ter vivido por aproximadamente 14 anos, exclusivamente com Maria Belicia, com quem teve 6 (seis) filhos, passou depois também a ter um relacionamento afetivo com Geralda, com quem teve uma filha, sem que fosse observado, a partir daí, o requisito da 'unicidade do vínculo', concernente à monogamia, que se revela indispensável à caracterização da união estável, e tampouco o dever de fidelidade, a partir do momento em que o falecido segurado decidiu iniciar outro relacionamento com terceira. 19. Nesse contexto, pareceu à autarquia que nenhuma das duas faria jus ao benefício de pensão decorrente da morte de Antonio, mas, do cotejo da prova dos autos e da adoção da orientação jurisprudencial predominante quanto à legislação que disciplina a matéria, inevitável concluir, de forma diferente da autarquia, ou seja, que Maria Belicia faz jus à concessão do benefício, pois somente ela preenche todos os elementos caracterizadores do instituto da união estável, tais como o não impedimento conjugal, a vida em comum de natureza afetiva e, ainda, a fidelidade, aspecto este que, ao que consta, foi observado inclusive por Antonio até o momento em que ele iniciou um outro relacionamento, ao passo que Geralda, conquanto realmente tenha, em momento posterior, estabelecido algum tipo de relação afetiva com o de cujus, não logrou êxito em comprovar a sua condição de legítima companheira, porquanto a sua situação se adequa mais a ideia do concubinato, visto que estabeleceu relação com homem não desimpedido, o qual veio a vulnerar o princípio da monogamia (art. 1727 do Código Civil), 3 assumindo assim ela o risco de não obter respaldo jurídico para o seu postulado. Precedentes desta Corte e do eg. STJ. 20. Conclui-se, portanto, que a autora faz jus à pensão requerida, mas, a despeito de a divisão do benefício não se afigurar a solução mais correta no caso concreto, o fato é que esta foi a decisão proferida em primeiro grau de jurisdição, e como não houve recurso de Maria Belicia, mas só do INSS, a sentença não pode ser reformada em desfavor da autarquia previdenciária, o que não impede, contudo, que Maria Belicia venha a requerer, em sede administrativa, a integralidade dos proventos. 21. Incabível a pretensão da autarquia de obter, ao menos, a restituição dos valores pagos a título de pensão à filha do de cujus, pois à míngua de qualquer fundamento que justifique tal pedido, não se vislumbra qualquer irregularidade no pagamento da pensão à filha do ex- segurado até a sua maioridade. 22. Apelação conhecida e desprovida.

Data do Julgamento : 17/06/2016
Data da Publicação : 23/06/2016
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 1ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : ABEL GOMES
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : ABEL GOMES
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