TRF2 0001370-41.2011.4.02.5107 00013704120114025107
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. GRAVE VIOLAÇÃO A
DIREITOS HUMANOS. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. PLANO DE
AÇÃO. AUDIÊNCIA. SOLUÇÃO CONSENSUAL. REQUISIÇÃO DAS INSTALAÇÕES. GESTÃO
TRIPARTITE. FINANCIAMENTO. DESOSPITALIZAÇÃO. DESCREDENCIAMENTO DO SUS. 1. A
sentença confirmou a liminar de dezembro/2011 e condenou União, Estado do
RJ e Município de Rio Bonito a encerrar as atividades do Hospital Colônia
Rio Bonito, também réu - a ser descredenciado do SUS -, e a remover os
pacientes para outras instituições conveniadas, apresentando relatório das
medidas adotadas. 2. Em vistoria do Conselho Regional de Psicologia do RJ,
com o Grupo Tortura Nunca Mais e o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial
em abril/2008, foi constatado que (i) a maioria dos pacientes eram moradores
de rua, muitos sem Certidão de Nascimento; (ii) o hospital psiquiátrico não
tinha Projeto Terapêutico Institucional, exigido pelo Ministério da Saúde;
(iii) nas precárias instalações havia forte odor de urina na área dos
internos; pacientes espalhados, nus ou com roupas sujas, e doenças de pele;
camas enferrujadas, com colchões rasgados e sem lençóis; postos de enfermagem
sujos e descuidados; área de banho trancada, alagada e roupas jogadas no chão;
má qualidade da comida; salas de atendimento psicológico, serviço social
e terapia ocupacional abandonadas/ociosas e; (iv) tocante à organização,
prontuários desordenados, descuidados, dificultam a compreensão da história
de vida e doença dos internos. 3. A União, Estado, Município e Hospital
firmaram em julho/2010 TAC com o MPF e MP/RJ para sanear as irregularidades
verificadas, visto encontrarem-se o estabelecimento conveniado ao SUS e os
pacientes internados, portadores de doenças mentais, em situação degradante
e desumana, mas, em que pese a força executiva das obrigações pactuadas,
art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985, e a criação de comissão tripartite,
em julho/2010, para auxiliar nos atos de gestão hospitalar, mostrou- se
ineficaz. Daí a ACP ao escopo de também assegurar o cumprimento integral
das obrigações pactuadas. 4. As medidas saneadoras previstas no TAC foram
aperfeiçoadas no "plano de ação" homologado em audiência, em fevereiro/2012,
assentindo a União em continuar participando da gestão do hospital, através da
Comissão Tripartite, com o custeio mensal de até 400 AIHs, que agora questiona
no apelo, deixando de enfrentar a robusta prova de grave violação aos direitos
fundamentais à saúde e dignidade. 1 5. A União repete alegações superadas por
acórdão da Turma, nos Agravos nos 2012.02.01.001762-6 e 2012.02.01.001121-1,
que confirmaram a liminar. O direito à saúde é dever fundamental e corolário
do direito à valorização da vida como irradiação do princípio da dignidade
humana, cumprindo ao estado proporcionar os meios práticos de sua satisfação
em concreto, com absoluta prioridade, atuando, em situações de grave crise
médico-hospitalar, como ocorre no Hospital Colônia, em regime de integração
e colaboração nos três níveis do pacto federativo. 6. Exige-se da União
exclusivamente as obrigações assumidas no TAC e no "Plano de Ação" consensual,
homologado em audiência, e os custos de até 400AIHs devem permanecer não por
prazo indefinido, mas até a desativação do nosocômio e remoção dos internos,
gradativamente reduzidos na medida das transferências para outras instituições,
que segundo a mídia ocorreu em abril/2016, malgrado a liminar de 2011. 7. O
doentes mentais gozam de proteção legal específica da Lei nº 10.216/2001,
que lhes assegura acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde consentâneo
às suas necessidades; tratamento com humanidade e respeito e no interesse
exclusivo de beneficiar sua saúde, para alcançar recuperação e inserção na
família, trabalho e comunidade; e proteção contra qualquer forma de abuso e
exploração, não bastasse a garantia constitucional à saúde, arts. 6º e 196,
negado aos internos da instituição psiquiátrica, que negligenciou a vedação ao
tratamento desumano ou degradante, garantido no art. 5º, III. 8. É inoponível a
"reserva do possível" aos fatos narrados e provados nestes autos, de extrema
gravidade, aproximado do "estado de coisas inconstitucional" (STF, ADPF nº
347, Rel. Min. Marco Aurélio, public. 19/2/2016), não se podendo olvidar que
o Brasil foi responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
por violação em clínica psiquiátrica, "Caso Ximenes Lopes", em julho/2006,
à luz do Pacto de São José da Costa Rica, internalizado pelo Decreto nº
678/1992, exortando à não repetição de fatos tais. 9. Apelação desprovida.
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. GRAVE VIOLAÇÃO A
DIREITOS HUMANOS. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. PLANO DE
AÇÃO. AUDIÊNCIA. SOLUÇÃO CONSENSUAL. REQUISIÇÃO DAS INSTALAÇÕES. GESTÃO
TRIPARTITE. FINANCIAMENTO. DESOSPITALIZAÇÃO. DESCREDENCIAMENTO DO SUS. 1. A
sentença confirmou a liminar de dezembro/2011 e condenou União, Estado do
RJ e Município de Rio Bonito a encerrar as atividades do Hospital Colônia
Rio Bonito, também réu - a ser descredenciado do SUS -, e a remover os
pacientes para outras instituições conveniadas, apresentando relatório das
medidas adotadas. 2. Em vistoria do Conselho Regional de Psicologia do RJ,
com o Grupo Tortura Nunca Mais e o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial
em abril/2008, foi constatado que (i) a maioria dos pacientes eram moradores
de rua, muitos sem Certidão de Nascimento; (ii) o hospital psiquiátrico não
tinha Projeto Terapêutico Institucional, exigido pelo Ministério da Saúde;
(iii) nas precárias instalações havia forte odor de urina na área dos
internos; pacientes espalhados, nus ou com roupas sujas, e doenças de pele;
camas enferrujadas, com colchões rasgados e sem lençóis; postos de enfermagem
sujos e descuidados; área de banho trancada, alagada e roupas jogadas no chão;
má qualidade da comida; salas de atendimento psicológico, serviço social
e terapia ocupacional abandonadas/ociosas e; (iv) tocante à organização,
prontuários desordenados, descuidados, dificultam a compreensão da história
de vida e doença dos internos. 3. A União, Estado, Município e Hospital
firmaram em julho/2010 TAC com o MPF e MP/RJ para sanear as irregularidades
verificadas, visto encontrarem-se o estabelecimento conveniado ao SUS e os
pacientes internados, portadores de doenças mentais, em situação degradante
e desumana, mas, em que pese a força executiva das obrigações pactuadas,
art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985, e a criação de comissão tripartite,
em julho/2010, para auxiliar nos atos de gestão hospitalar, mostrou- se
ineficaz. Daí a ACP ao escopo de também assegurar o cumprimento integral
das obrigações pactuadas. 4. As medidas saneadoras previstas no TAC foram
aperfeiçoadas no "plano de ação" homologado em audiência, em fevereiro/2012,
assentindo a União em continuar participando da gestão do hospital, através da
Comissão Tripartite, com o custeio mensal de até 400 AIHs, que agora questiona
no apelo, deixando de enfrentar a robusta prova de grave violação aos direitos
fundamentais à saúde e dignidade. 1 5. A União repete alegações superadas por
acórdão da Turma, nos Agravos nos 2012.02.01.001762-6 e 2012.02.01.001121-1,
que confirmaram a liminar. O direito à saúde é dever fundamental e corolário
do direito à valorização da vida como irradiação do princípio da dignidade
humana, cumprindo ao estado proporcionar os meios práticos de sua satisfação
em concreto, com absoluta prioridade, atuando, em situações de grave crise
médico-hospitalar, como ocorre no Hospital Colônia, em regime de integração
e colaboração nos três níveis do pacto federativo. 6. Exige-se da União
exclusivamente as obrigações assumidas no TAC e no "Plano de Ação" consensual,
homologado em audiência, e os custos de até 400AIHs devem permanecer não por
prazo indefinido, mas até a desativação do nosocômio e remoção dos internos,
gradativamente reduzidos na medida das transferências para outras instituições,
que segundo a mídia ocorreu em abril/2016, malgrado a liminar de 2011. 7. O
doentes mentais gozam de proteção legal específica da Lei nº 10.216/2001,
que lhes assegura acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde consentâneo
às suas necessidades; tratamento com humanidade e respeito e no interesse
exclusivo de beneficiar sua saúde, para alcançar recuperação e inserção na
família, trabalho e comunidade; e proteção contra qualquer forma de abuso e
exploração, não bastasse a garantia constitucional à saúde, arts. 6º e 196,
negado aos internos da instituição psiquiátrica, que negligenciou a vedação ao
tratamento desumano ou degradante, garantido no art. 5º, III. 8. É inoponível a
"reserva do possível" aos fatos narrados e provados nestes autos, de extrema
gravidade, aproximado do "estado de coisas inconstitucional" (STF, ADPF nº
347, Rel. Min. Marco Aurélio, public. 19/2/2016), não se podendo olvidar que
o Brasil foi responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
por violação em clínica psiquiátrica, "Caso Ximenes Lopes", em julho/2006,
à luz do Pacto de São José da Costa Rica, internalizado pelo Decreto nº
678/1992, exortando à não repetição de fatos tais. 9. Apelação desprovida.
Data do Julgamento
:
01/12/2016
Data da Publicação
:
06/12/2016
Classe/Assunto
:
AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
NIZETE LOBATO CARMO
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
NIZETE LOBATO CARMO
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