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Jurisprudência


TRF2 0001651-17.2013.4.02.5110 00016511720134025110

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE D A U N I Ã O . R E S P O N S A B I L I D A D E C I V I L D O E S T A D O . CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 37, § 6º). TRANSPLANTE RENAL REALIZADO NO HOSPITAL FEDERAL DE BONSUCESSO. EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. ÓBITO DO PACIENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS. - Afastada a preliminar de ilegitimidade passiva, na medida em que a cirurgia de transplante renal do cônjuge da Autora foi realizada no Hospital Federal de Bonsucesso, bem como a União figura como coordenadora e encarregada do órgão central do Sistema Nacional de Transplantes - STN, autorizando e fiscalizando a atuação dos órgãos estaduais incumbidos da função de Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos - CNCDOs, conforme dispõe o art. 4º do Decreto Federal 2.268/97. Além do mais, a Lei 9.434/97, ao dispor sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, estabelece em seu art. 2º que "A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde", assim como que "A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde". -A alegação de que caberia apenas a Central Estadual "a realização dos exames necessários a afastar qualquer prognóstico de doença incurável ou letal para o receptor", não merece prosperar, uma vez que não há qualquer norma que restrinja o exame da aptidão do órgão a ser transplantado pelos órgãos estaduais, e como bem ressaltou o Ministério Público, em seu parecer de fls. 197/203, "desde que possível, 1 é indicado que a instiuição que realize o procedimento cirúrgico proceda à nova avaliação para garantir a higidez e o êxito do transplante". Dessa forma, verifica-se que a União é parte legítima para figurar no polo passivo da presente ação. -A Constituição Federal de 1988 consagrou a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado (art. 37, § 6º), a qual se funda no risco administrativo, ou seja, para a aferição da responsabilidade civil do Estado e o conseqüente reconhecimento do direito à reparação pelos prejuízos causados, é suficiente que se prove o dano sofrido e o nexo de causalidade entre a omissão/conduta atribuíveis ao Poder Público, ou aos que agem em seu nome, por delegação, e o aludido dano. -Essa responsabilidade baseia-se na teoria do risco administrativo, em relação a qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito e força maior. -No caso dos autos, verifica-se que o cônjuge da autora foi submetido, em 10/06/2013, a uma cirurgia no Hospital Federal de Bonsucesso para receber um rim de uma doadora, após aferição de sua viabilidade pela equipe do Programa Estadual de Transplante do Rio de Janeiro. No entanto, alguns dias após o transplante renal, o estado clínico do marido da autora agravou-se, vindo a óbito em 19/06/2013 (cf. certidão de óbito de fl.18). -Segundo informações prestadas pelo Chefe do Serviço de Nefrologia do Hospital de Bonsucesso, "Dois dias após o implante renal recebemos o resultado da cultura do líquido que perfunde o rim após ser retirado do doador (falecido), nos enviado pela Central de Transplante do Estado, o qual revelava crescimento de Klebsiella pneumoniae, germe multirresistente", bem como que "nas hemoculturas dos três pacientes transplantados que receberam os órgãos do mesmo doador, cresceram o mesmo germe, todos evoluíram ao óbito, o que é um forte indício de contaminação do líquido de perfusão como causa do quadro séptico (infecção sistêmica) nesses paciente" (fls. 54/55). -Não merece prosperar a alegação de que o Hospital cientificou o paciente sobre possíveis e/ou prováveis riscos do tratamento indicado, tendo em vista que, como bem explicitou a Magistrada de piso, "Entender que o recebimento de um órgão contaminado faz parte do risco a ser assumido pelo transplantado é extrapolar o limite do que é aceitável nesse tipo de procedimento médico. Quando o paciente se submete a um transplante de órgão o objetivo é, ao menos, prolongar a sua 2 vida, e não abreviá-la. É óbvio que esse tipo de intervenção médica envolve maior complexidade na sua execução e, por esse motivo, os padrões de controle para sua realização devem ser mais rigorosos, a fim de não se ampliar os riscos a que o paciente é exposto. As normas que disciplinam a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante não possuem um fim em si mesmo, o seu propósito é viabilizar a vida humana, esta é a sua ratio essendi" (fls. 157/158). -A configuração do dano moral, em várias situações, decorre apenas da prática do ato com repercussão na vítima, tratando- se de hipótese que independe de comprovação de abalo a bem jurídico extrapatrimonial. Com efeito, conforme atesta a doutrina de direito civil, os danos morais, ao contrário dos materiais, decorrem da lesão a algum dos aspectos atinentes à dignidade humana. A repercussão de tais lesões na personalidade da vítima nem sempre é de fácil liquidação. Contudo, tal é a gravidade da lesão à dignidade, segundo à ordem constitucional, que se admite presumível o dano moral pelo simples fato da lesão, independentemente da sua efetiva comprovação. -Na hipótese, restou configurada a responsabilidade da União, uma vez que o dever jurídico de promover tratamento médico eficaz foi descumprido, ficando caracterizado que o óbito prematuro do marido da autora, decorreu da deficiência no controle de qualidade na coleta e implantação de órgãos para transplante. -No que tange ao arbitramento do quantum reparatório, cumpre ressaltar que a reparação civil do dano moral, diversamente do que se verifica em relação ao dano patrimonial, não visa a recompor a situação jurídico-patrimonial do lesado, mas sim à definição de valor adequado, em razão de alguma das violações às dimensões da dignidade da pessoa humana, pois o fim da teoria em análise não é apagar os efeitos da lesão, mas reparar os danos. Nesse passo, ponderando tais parâmetros, visando compensar suficientemente a vítima e punir o réu, mas sem gerar enriquecimento sem causa, entendo que se afigura razoável e proporcional o quantum indenizatório fixado pelo juízo a quo, a título de dano moral, no valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). -Quanto aos honorários advocatícios, há entendimento consolidado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, inclusive submetido à sistemática dos recursos repetitivos, segundo o qual, "vencida a Fazenda Pública, a fixação dos honorários não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à 3 condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, ou mesmo um valor fixo, segundo o critério de equidade" (REsp 1155125/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2010, DJe 06/04/2010). Desta forma, considerando a natureza e a complexidade da causa (responsabilidade civil decorrente de erro médico), afigura-se razoável a manutenção da verba sucumbencial fixada em 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação. -Remessa necessária e recurso de apelação desprovidos.

Data do Julgamento : 29/11/2016
Data da Publicação : 05/12/2016
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 8ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : VERA LÚCIA LIMA
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : VERA LÚCIA LIMA
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