TRF2 0002482-87.2002.4.02.5001 00024828720024025001
APELAÇÕES CRIMINAIS. PENAL E PROCESSO PENAL. LEI 7.492/86. CRIMES
CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ÓBITO DE UM DOS RÉUS. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE
DEFESA POR INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA. ART. 4° DA LEI 7.492. GESTÃO
FRAUDULENTA. ABSORÇÃO DOS DEMAIS DELITOS À EXCEÇÃO DO CRIME DO ART. 17 DA
LEI. CRIME PRÓPRIO. ART. 25 DA LEI 7.492. ADMISSÃO DE APLICAÇÃO DO ART. 29
DO CP. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. CRIME FORMAL. DESNECESSIDADE
DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZOS. AUTORIA ATESTADA. NOVA DOSIMETRIA. APELAÇÕES
CRIMINAIS PARCIALMENTE PROVIDAS. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO A RÉU QUE
NÃO RECORREU. ART. 580 DO CPP. 1- Ação penal na qual se apuram irregularidades
encontradas em razão de fiscalização do BACEN, realizada em 31.05.2000, na qual
se detectou a prática de fraudes que acarretaram a liquidação extrajudicial
e a decretação da falência da ADEC, conforme fls. 21/30 do vol. 1 do apenso
I. 2- A denúncia narra, de forma satisfatória, os fatos imputados aos réus
e os expõe com todas as suas circunstâncias, conforme determina o art. 41
do Código de Processo Penal. Foram atribuídas aos réus condutas específicas,
perfeitamente delimitadas pela exordial acusatória. A inicial não mencionou de
forma genérica a atuação para a concorrência do tipo penal, mas evidenciou,
de forma clara, a suposta participação de cada um dos réus nas atividades
de administração e relacionamento entre as empresas. Ha, portanto, fatos
específicos imputados aos réus a partir dos quais estes puderam exercer sua
defesa sem qualquer prejuízo. 3 - Licitude das provas derivadas da quebra de
sigilo bancário pelo BACEN. O art. 41 da Lei 6.024/74 traz, de Milan expressa,
a autorização do BACEN para quebra de sigilo bancário da instituição financeira
e de terceiros envolvidos na investigação, quando decretada a intervened° por
forca de liquidação extrajudicial ou falência. 0 art. 2° da Lei Complementar
105/2001, em disposição congênere aquela prevista no art. 6° do mesmo diploma
legal, recentemente declarado Constitucional pelo Supremo Tribunal Federal,
dispõe que o sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e
investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser oposto ao
Banco Central do Brasil no desempenho de suas funções de fiscalização ou
quando proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime
especial. 4 - 0 material probatório que instrui a denúncia, ao contrário do
que afirma a defesa, mesmo que fosse considerado nulo, não seria suficiente
para contaminar as demais provas obtidas pela investigando do Banco Central
durante a liquidação da instituição financeira. Ha fonte independente de provas
produzidas, inclusive, anteriormente as quebras de sigilo. 5 - O legislador,
quando da produção da Lei 7.492/86, pretendeu abarcar a descrição de um sem
número de condutas eventualmente praticadas, possibilitando, dessa forma,
a precisa adequação típica dos atos ilícitos em julgo. Isso não quer dizer
que os tipos devam incidir, todos eles, sobre um mesmo grupo de condutas,
quando plurinucleadas, se estas se enfeixam em um só dolo. 6 - Em relação
ao primeiro grupo, tenho que o artigo 4º, caput, deve absorver os artigos
5º e 11 da Lei 7.492/86. Isso porque, em relação ao art. 5º, o núcleo verbal
consubstancia as ações de "apropriar-se" e de "desviar", ambas sensivelmente
abrangidas pelo verbo "gerir" do art. 4º da mesma Lei Este, por sua vez,
segundo remansosa jurisprudência tem como pressuposto a pluralidade de atos
espaçados no tempo, a habitualidade da fraude para a sua configuração, a menos
que um único ato repercuta de tal forma a levar a instituição à insolvência. 7
- Um de seus conceitos - pois se trata de tipo abertíssimo, mais aceito no
mundo jurídico se encontra na instrução nº 8, da CVM, de 08/10/1979: "Gestão
fraudulenta é a em que o administrador utiliza, continuada e habitualmente,
na condução dos negócios sociais, artifícios, ardis ou estratagema para por
em erro outros administradores da instituição ou seus clientes." Na espécie,
o dolo de se apropriar e de desviar os recursos de que tinham posse (art. 5º),
me parece consistir na finalidade necessária da prática dos atos fraudulentos
de gestão, na acepção acima exposta. 8 - No tocante ao art. 11 da Lei, o
tipo objetivo pune a movimentação paralela de recurso, o que se convencionou
chamar de "caixa dois". Também em relação a tais fatos, a finalidade comum
é a sonegação fiscal, mas também pode servir ao atendimento de despesas que
não possam ser comprovadas, à fraude contra acionistas minoritários ou o
aumento de ganho dos administradores ou gerentes.Ora, manter contabilidade
extraoficial é praticamente mandatório quando se gere fraudulentamente uma
instituição financeira, configurando verdadeiro pós-fato impunível, razão
pela qual deve também ser absorvido pelo tipo do art. 4º, caput, da Lei
7.492/86. 9 - Contudo, não é o mesmo caso em relação ao crime do art. 17
da Lei. Trata-se da vedação de tomar ou receber ou deferir empréstimos às
pessoas previstas no dispositivo. A conduta foge ao dolo genérico exigido
para a configuração do crime de gestão fraudulenta. Em relação a este
crime, o elemento subjetivo autônomo foi densamente analisado na sentença
condenatória, a cujos fundamentos me reporto para manter a condenação no
ponto. 10 - Reconhecimento da extinção da punibilidade do réu FRANCISCO,
nos termos do art. 107, I, do Código Penal, tendo em vista ajuntada de cópia
do atestado de óbito. 11 - Extensão dos efeitos das decisões nos recursos a
JOÃO CEOLIN, embora não tenha recorrido, por força do art. 580 do CPP. 12 -
Apelações criminais dos demais réus parcialmente providas.
Ementa
APELAÇÕES CRIMINAIS. PENAL E PROCESSO PENAL. LEI 7.492/86. CRIMES
CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ÓBITO DE UM DOS RÉUS. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE
DEFESA POR INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA. ART. 4° DA LEI 7.492. GESTÃO
FRAUDULENTA. ABSORÇÃO DOS DEMAIS DELITOS À EXCEÇÃO DO CRIME DO ART. 17 DA
LEI. CRIME PRÓPRIO. ART. 25 DA LEI 7.492. ADMISSÃO DE APLICAÇÃO DO ART. 29
DO CP. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. CRIME FORMAL. DESNECESSIDADE
DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZOS. AUTORIA ATESTADA. NOVA DOSIMETRIA. APELAÇÕES
CRIMINAIS PARCIALMENTE PROVIDAS. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO A RÉU QUE
NÃO RECORREU. ART. 580 DO CPP. 1- Ação penal na qual se apuram irregularidades
encontradas em razão de fiscalização do BACEN, realizada em 31.05.2000, na qual
se detectou a prática de fraudes que acarretaram a liquidação extrajudicial
e a decretação da falência da ADEC, conforme fls. 21/30 do vol. 1 do apenso
I. 2- A denúncia narra, de forma satisfatória, os fatos imputados aos réus
e os expõe com todas as suas circunstâncias, conforme determina o art. 41
do Código de Processo Penal. Foram atribuídas aos réus condutas específicas,
perfeitamente delimitadas pela exordial acusatória. A inicial não mencionou de
forma genérica a atuação para a concorrência do tipo penal, mas evidenciou,
de forma clara, a suposta participação de cada um dos réus nas atividades
de administração e relacionamento entre as empresas. Ha, portanto, fatos
específicos imputados aos réus a partir dos quais estes puderam exercer sua
defesa sem qualquer prejuízo. 3 - Licitude das provas derivadas da quebra de
sigilo bancário pelo BACEN. O art. 41 da Lei 6.024/74 traz, de Milan expressa,
a autorização do BACEN para quebra de sigilo bancário da instituição financeira
e de terceiros envolvidos na investigação, quando decretada a intervened° por
forca de liquidação extrajudicial ou falência. 0 art. 2° da Lei Complementar
105/2001, em disposição congênere aquela prevista no art. 6° do mesmo diploma
legal, recentemente declarado Constitucional pelo Supremo Tribunal Federal,
dispõe que o sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e
investimentos mantidos em instituições financeiras, não pode ser oposto ao
Banco Central do Brasil no desempenho de suas funções de fiscalização ou
quando proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime
especial. 4 - 0 material probatório que instrui a denúncia, ao contrário do
que afirma a defesa, mesmo que fosse considerado nulo, não seria suficiente
para contaminar as demais provas obtidas pela investigando do Banco Central
durante a liquidação da instituição financeira. Ha fonte independente de provas
produzidas, inclusive, anteriormente as quebras de sigilo. 5 - O legislador,
quando da produção da Lei 7.492/86, pretendeu abarcar a descrição de um sem
número de condutas eventualmente praticadas, possibilitando, dessa forma,
a precisa adequação típica dos atos ilícitos em julgo. Isso não quer dizer
que os tipos devam incidir, todos eles, sobre um mesmo grupo de condutas,
quando plurinucleadas, se estas se enfeixam em um só dolo. 6 - Em relação
ao primeiro grupo, tenho que o artigo 4º, caput, deve absorver os artigos
5º e 11 da Lei 7.492/86. Isso porque, em relação ao art. 5º, o núcleo verbal
consubstancia as ações de "apropriar-se" e de "desviar", ambas sensivelmente
abrangidas pelo verbo "gerir" do art. 4º da mesma Lei Este, por sua vez,
segundo remansosa jurisprudência tem como pressuposto a pluralidade de atos
espaçados no tempo, a habitualidade da fraude para a sua configuração, a menos
que um único ato repercuta de tal forma a levar a instituição à insolvência. 7
- Um de seus conceitos - pois se trata de tipo abertíssimo, mais aceito no
mundo jurídico se encontra na instrução nº 8, da CVM, de 08/10/1979: "Gestão
fraudulenta é a em que o administrador utiliza, continuada e habitualmente,
na condução dos negócios sociais, artifícios, ardis ou estratagema para por
em erro outros administradores da instituição ou seus clientes." Na espécie,
o dolo de se apropriar e de desviar os recursos de que tinham posse (art. 5º),
me parece consistir na finalidade necessária da prática dos atos fraudulentos
de gestão, na acepção acima exposta. 8 - No tocante ao art. 11 da Lei, o
tipo objetivo pune a movimentação paralela de recurso, o que se convencionou
chamar de "caixa dois". Também em relação a tais fatos, a finalidade comum
é a sonegação fiscal, mas também pode servir ao atendimento de despesas que
não possam ser comprovadas, à fraude contra acionistas minoritários ou o
aumento de ganho dos administradores ou gerentes.Ora, manter contabilidade
extraoficial é praticamente mandatório quando se gere fraudulentamente uma
instituição financeira, configurando verdadeiro pós-fato impunível, razão
pela qual deve também ser absorvido pelo tipo do art. 4º, caput, da Lei
7.492/86. 9 - Contudo, não é o mesmo caso em relação ao crime do art. 17
da Lei. Trata-se da vedação de tomar ou receber ou deferir empréstimos às
pessoas previstas no dispositivo. A conduta foge ao dolo genérico exigido
para a configuração do crime de gestão fraudulenta. Em relação a este
crime, o elemento subjetivo autônomo foi densamente analisado na sentença
condenatória, a cujos fundamentos me reporto para manter a condenação no
ponto. 10 - Reconhecimento da extinção da punibilidade do réu FRANCISCO,
nos termos do art. 107, I, do Código Penal, tendo em vista ajuntada de cópia
do atestado de óbito. 11 - Extensão dos efeitos das decisões nos recursos a
JOÃO CEOLIN, embora não tenha recorrido, por força do art. 580 do CPP. 12 -
Apelações criminais dos demais réus parcialmente providas.
Data do Julgamento
:
06/09/2016
Classe/Assunto
:
APELAÇÃO CRIMINAL
Órgão Julgador
:
2ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
SIMONE SCHREIBER
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
MESSOD AZULAY NETO
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