TRF2 0003783-46.2016.4.02.0000 00037834620164020000
DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO D E I N
S T R U M E N T O . F O R N E C I M E N T O D E F O S F O E T A N O L A
M I N A . POSSIBILIDADE. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DA COMPETÊNCIA E ARGUIÇÃO
DE INSCONSTITUCIONALIDADE. DESCABIMENTO. 1. A decisão agravada negou
pedido antecipatório de tutela para fins de fornecimento da substância
fosfoetalonamina sintética ao paciente portador de adenocarcinoma pulmonar
estágio IV com metástase confirmada em outros órgãos, sem indicação cirúrgica e
ora submetido unicamente a tratamento quimioterápico de caráter paliativo. 2. A
assunção de competência, art. 947 do CPC/2015, não tem como pressuposto o
potencial de repetição de determinada demanda, que fundamenta o incidente
diverso, do art. 976e ss, do CPC/2015, para o qual devem concorrer os
requisitos da efetiva repetição de demandas e do risco à isonomia, nenhum
deles efetivamente presente nas circunstâncias. Cada caso individual de
saúde apresenta suas próprias peculiaridades e necessidades, não havendo
disposição anti-isonômica na dispensa da substância a alguns doentes e não
a outros. 3. O art. 947 do CPC/2015 exige "relevante questão de direito"
a ser decidida pelo órgão competente, o que é precipitado na hipótese, pois
não está perfeitamente delineada ou amadurecida a questão de direito capaz
de uniformizar o entendimento a respeito da matéria, especialmente em vista
da superveniência da Lei nº 13.269/2016; nas demandas até aqui direcionadas
ao Poder Judiciário, têm sobrelevado elementos estritamente fáticos,
particularidade de cada uma das demandas, que se tornariam relevantes
para definir os contornos da prestação jurisdicional. Daí decorre não
apenas falta de subsunção ao requisito de ser a questão sujeita a assunção
de competência exclusivamente de direito, como também o baixo potencial
uniformizador de uma manifestação por parte de colegiado mais largo, tendo
em vista a necessidade de consideração dos aspectos factuais particulares
a cada caso. 4. A arguição de inconstitucionalidade dos arts. 1º a 4º da
novel Lei nº 13.269/2016 é descabida na hipótese, pois não foi invocada como
fundamento jurídico do presente feito, ajuizado anteriormente à sua edição,
sendo, portanto, irrelevante, ou ao menos não decisiva, para a solução
do caso específico. 1 5. O dever constitucional do Estado de dispensar
aos cidadãos brasileiros os cuidados necessários à manutenção de sua vida
e saúde, art. 196 da Constituição. Tais cuidados devem concretizar-se, de
alguma forma, em procedimentos ou substâncias cuja eficácia e segurança tenham
sido demonstradas sob os rigores do método científico, a fim de resguardar a
própria saúde do paciente, bem como garantir a melhor aplicação dos escassos
recursos públicos sabidamente disponíveis para o financiamento de tamanha
missão, requisitos que se revestem da roupagem legal pela força do art.12,
da Lei nº 6.360/1976, que submete ao regime de registro e licenciamento a
importação, industrialização e venda de medicamentos, cosméticos e outros
produtos mencionados no referido diploma. 6. A obrigatoriedade de prévio
registro, longe de constituir mera formalidade burocrática, intenta demonstrar
objetivamente que o produto a que o registro se refere é dotado da segurança,
eficácia, identidade, atividade, qualidade e pureza necessárias ao objetivo
colimado (art. 16 da Lei nº 6.360/1976), além de representar garantia de
que os recursos estatais e particulares destinados ao cuidado da saúde
sejam aplicados em ações realmente eficazes, cumprindo a finalidade pública
própria que informa tal atividade. 7. A fosfoetanolamina sintética não é
remédio, mas há elementos capazes de emprestar, substancialmente, algum
respaldo às afirmações sobre seus benefícios para o tratamento de câncer,
tudo reforçado pela superveniência da Lei nº 13.269/2016 - sem cogitar
de sua inconstitucionalidade para tanto, apenas utilizando-a como reforço
argumentativo. Por não se tratar de medicamento, é inviável a cobertura de sua
produção e dispensação com recursos públicos. 8. As circunstâncias do caso -
mesmo anterior à moldura da Lei nº 13.269/2016 - em que o risco envolvido
na tentativa de minorar alguns dos sintomas contam com baixa perspectiva
de melhora e risco concreto à vida, justificam a autorização de acesso à
substância, sob responsabilidade exclusiva da paciente, na aplicação de
sua cláusula de liberdade, não cabendo qualquer responsabilidade aos réus
por eventual piora em seu estado de saúde ou outros ainda possíveis efeitos
colaterais. 9. Inexistem informações acerca dos estoques da USP, mas é razoável
crer que não durarão muito tempo (tendo em vista a decisão do Min. Ricardo
Lewandowski na STA nº 828, de 4/4/2016), o que recomenda a imediata concessão
da tutela. 10. A Portaria nº 1.767/2015 do Ministério da Saúde instituiu Grupo
de Trabalho para apoiar o desenvolvimento de pesquisas que possam fornecer
as informações necessárias para a determinação da eficácia e da segurança da
fosfoetanolamina sintética, além da mobilização, pelo Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, de grupo de pesquisadores para avaliar a segurança e
eficácia por meio de análise química, pré-clínica e clínica, o que recomenda
a consultar a União para verificar a possibilidade de inclusão do paciente em
algum programa de testes em seres humanos que esteja em andamento, pois dessa
forma, ela estará coberto por acompanhamento médico sistemático. 11. Recentes
notícias dão conta de que laboratório do interior de São Paulo já detém
permissão da Anvisa para produção do princípio ativo - ao custo de R$ 6 -
e entrega à Fundação para o Remédio Popular (Furp), que deve encapsular e
repassar ao Instituto do 2 Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) - ambos
ligados ao Estado de São Paulo, que é parte nesta demanda. 12. Em relação
ao aspecto do custeio, pode ser contornado com a reposição, pela paciente,
dos custos envolvidos na produção e distribuição do produto, o que
não parece ser ponto controverso, visto o baixo custo de produção da
substância. 13. Agravo de instrumento parcialmente provido.
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO D E I N
S T R U M E N T O . F O R N E C I M E N T O D E F O S F O E T A N O L A
M I N A . POSSIBILIDADE. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DA COMPETÊNCIA E ARGUIÇÃO
DE INSCONSTITUCIONALIDADE. DESCABIMENTO. 1. A decisão agravada negou
pedido antecipatório de tutela para fins de fornecimento da substância
fosfoetalonamina sintética ao paciente portador de adenocarcinoma pulmonar
estágio IV com metástase confirmada em outros órgãos, sem indicação cirúrgica e
ora submetido unicamente a tratamento quimioterápico de caráter paliativo. 2. A
assunção de competência, art. 947 do CPC/2015, não tem como pressuposto o
potencial de repetição de determinada demanda, que fundamenta o incidente
diverso, do art. 976e ss, do CPC/2015, para o qual devem concorrer os
requisitos da efetiva repetição de demandas e do risco à isonomia, nenhum
deles efetivamente presente nas circunstâncias. Cada caso individual de
saúde apresenta suas próprias peculiaridades e necessidades, não havendo
disposição anti-isonômica na dispensa da substância a alguns doentes e não
a outros. 3. O art. 947 do CPC/2015 exige "relevante questão de direito"
a ser decidida pelo órgão competente, o que é precipitado na hipótese, pois
não está perfeitamente delineada ou amadurecida a questão de direito capaz
de uniformizar o entendimento a respeito da matéria, especialmente em vista
da superveniência da Lei nº 13.269/2016; nas demandas até aqui direcionadas
ao Poder Judiciário, têm sobrelevado elementos estritamente fáticos,
particularidade de cada uma das demandas, que se tornariam relevantes
para definir os contornos da prestação jurisdicional. Daí decorre não
apenas falta de subsunção ao requisito de ser a questão sujeita a assunção
de competência exclusivamente de direito, como também o baixo potencial
uniformizador de uma manifestação por parte de colegiado mais largo, tendo
em vista a necessidade de consideração dos aspectos factuais particulares
a cada caso. 4. A arguição de inconstitucionalidade dos arts. 1º a 4º da
novel Lei nº 13.269/2016 é descabida na hipótese, pois não foi invocada como
fundamento jurídico do presente feito, ajuizado anteriormente à sua edição,
sendo, portanto, irrelevante, ou ao menos não decisiva, para a solução
do caso específico. 1 5. O dever constitucional do Estado de dispensar
aos cidadãos brasileiros os cuidados necessários à manutenção de sua vida
e saúde, art. 196 da Constituição. Tais cuidados devem concretizar-se, de
alguma forma, em procedimentos ou substâncias cuja eficácia e segurança tenham
sido demonstradas sob os rigores do método científico, a fim de resguardar a
própria saúde do paciente, bem como garantir a melhor aplicação dos escassos
recursos públicos sabidamente disponíveis para o financiamento de tamanha
missão, requisitos que se revestem da roupagem legal pela força do art.12,
da Lei nº 6.360/1976, que submete ao regime de registro e licenciamento a
importação, industrialização e venda de medicamentos, cosméticos e outros
produtos mencionados no referido diploma. 6. A obrigatoriedade de prévio
registro, longe de constituir mera formalidade burocrática, intenta demonstrar
objetivamente que o produto a que o registro se refere é dotado da segurança,
eficácia, identidade, atividade, qualidade e pureza necessárias ao objetivo
colimado (art. 16 da Lei nº 6.360/1976), além de representar garantia de
que os recursos estatais e particulares destinados ao cuidado da saúde
sejam aplicados em ações realmente eficazes, cumprindo a finalidade pública
própria que informa tal atividade. 7. A fosfoetanolamina sintética não é
remédio, mas há elementos capazes de emprestar, substancialmente, algum
respaldo às afirmações sobre seus benefícios para o tratamento de câncer,
tudo reforçado pela superveniência da Lei nº 13.269/2016 - sem cogitar
de sua inconstitucionalidade para tanto, apenas utilizando-a como reforço
argumentativo. Por não se tratar de medicamento, é inviável a cobertura de sua
produção e dispensação com recursos públicos. 8. As circunstâncias do caso -
mesmo anterior à moldura da Lei nº 13.269/2016 - em que o risco envolvido
na tentativa de minorar alguns dos sintomas contam com baixa perspectiva
de melhora e risco concreto à vida, justificam a autorização de acesso à
substância, sob responsabilidade exclusiva da paciente, na aplicação de
sua cláusula de liberdade, não cabendo qualquer responsabilidade aos réus
por eventual piora em seu estado de saúde ou outros ainda possíveis efeitos
colaterais. 9. Inexistem informações acerca dos estoques da USP, mas é razoável
crer que não durarão muito tempo (tendo em vista a decisão do Min. Ricardo
Lewandowski na STA nº 828, de 4/4/2016), o que recomenda a imediata concessão
da tutela. 10. A Portaria nº 1.767/2015 do Ministério da Saúde instituiu Grupo
de Trabalho para apoiar o desenvolvimento de pesquisas que possam fornecer
as informações necessárias para a determinação da eficácia e da segurança da
fosfoetanolamina sintética, além da mobilização, pelo Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, de grupo de pesquisadores para avaliar a segurança e
eficácia por meio de análise química, pré-clínica e clínica, o que recomenda
a consultar a União para verificar a possibilidade de inclusão do paciente em
algum programa de testes em seres humanos que esteja em andamento, pois dessa
forma, ela estará coberto por acompanhamento médico sistemático. 11. Recentes
notícias dão conta de que laboratório do interior de São Paulo já detém
permissão da Anvisa para produção do princípio ativo - ao custo de R$ 6 -
e entrega à Fundação para o Remédio Popular (Furp), que deve encapsular e
repassar ao Instituto do 2 Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) - ambos
ligados ao Estado de São Paulo, que é parte nesta demanda. 12. Em relação
ao aspecto do custeio, pode ser contornado com a reposição, pela paciente,
dos custos envolvidos na produção e distribuição do produto, o que
não parece ser ponto controverso, visto o baixo custo de produção da
substância. 13. Agravo de instrumento parcialmente provido.
Data do Julgamento
:
17/05/2016
Data da Publicação
:
01/06/2016
Classe/Assunto
:
AG - Agravo de Instrumento - Agravos - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
RICARDO PERLINGEIRO
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
ANTONIO HENRIQUE CORREA DA SILVA
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