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Jurisprudência


TRF2 0004365-16.2009.4.02.5101 00043651620094025101

Ementa
Processual Civil. ANS. Pedido de nulidade de atos administrativos relativos ao ressarcimento ao SUS e de não submissão ao art. 32 da Lei no 9.656/98. Pedido de não submissão objeto de ação precedente, ainda em curso. Litispendência caracterizada. Impossibilidade da suspensão prevista no art. 265, IV, do CPC de 1973, em vista do transcurso de mais de ano das ações precedentes, sem solução definitiva (art. 267, §5º) do CPC de 1973. Legalidade do art. 32 da Lei no 9.656/98. Natureza compensatória. Obrigação civil, e não tributária. Constitucionalidade reconhecida pelo STF. Improvimento do apelo. 1. Trata-se de ação ajuizada em face da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS, objetivando, em síntese, fossem declarados "nulos os atos administrativos emanados pela Autarquia-requerida, consubstanciados nas Resoluções RDC nº 17 e 18, da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS e Resoluções RE nº 1,2,3,4,5 e 6 e Instruções Normativas - IN nº 01,02,06 e 09, todas da Diretoria de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar, eis que regulamentam o inconstitucional artigo 32 da Lei nº 9.656/98". Pleiteou, ainda, fosse declarado nulo "por inconstitucionalidade e ilegalidade o ato administrativo baixado pela Autarquia-requerida, consubstanciados nas Resoluções RDC nº 17, da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS". Por fim, requereu fossem declarados nulos os débitos cobrados pela Ré nos montantes de R$ 3.810,59 e R$ 804,06. 2. Inicialmente, nota-se haver, de fato, litispendência, no que toca aos pedidos de não submissão da recorrente ao artigo 32 da Lei no 9.656/98 e de nulidade dos atos normativos lá especificados. Consoante devidamente consignado pelo juízo a quo, nas ações precedentes ajuizadas pela apelante (processos nºs 2007.51.01.002679-8, 2008.51.01.000048-0, 2007.51.01.006661-9; 2006.51.01.011924-3, 2003.51.01.028844-1, 2005.51.01.000036-3, 2005.51.01.027221-1) tem-se identidade de partes, causa de pedir e pedido, configurando, dessa forma, a litispendência. Demais disso, os pedidos formulados nos itens "A" e "B" da presente petição inicial têm exatamente a mesma redação dos pedidos formulados nas exordiais das ações antes referidas, fato que só reforça a necessidade de reconhecer-se a 1 litispendência no caso e, por conseguinte, extinguir-se o feito, sem resolução, no tocante a esse ponto, o que faço. 3. Não fosse isso, ainda que considerada a solução acerca da não submissão ao art. 32 da Lei nº 9.656/98 como questão prejudicial, a sentença não mereceria qualquer correção, já que não seria caso de suspensão do feito, à vista da ausência de solução daqueloutras ações, as quais transcorrem por prazo superior ao máximo previsto na legislação processual civil (1 ano) para a parada da demanda. 4. Da leitura dos arts. 196 e 197 da CRFB, nota-se que o cidadão pode se valer tanto do serviço público quanto do privado de saúde, pois a Carta Magna prevê e autoriza que o serviço de saúde seja executado também mediante prestação de serviços médico-hospitalares fornecidos por empresa operadora de planos de saúde, através de contrato de assistência médica celebrado com os interessados. Portanto, se o usuário do plano privado de saúde não é atendido pela rede particular de saúde, na hipótese de a empresa privada não cumprir, por qualquer motivo, suas obrigações, nada impede que ele se utilize da rede hospitalar pública. No entanto, ocorrendo esta hipótese, não há óbice a que o Sistema Único de Saúde - SUS obtenha da referida empresa o ressarcimento do que foi despendido com o usuário, mediante restituição dos gastos por ele efetuados. 5. Com efeito, trata-se apenas da recuperação dos custos decorrentes de internações hospitalares ocorridas em hospitais vinculados ao SUS quando o serviço NÃO é prestado pela Autora que, in casu, é paga para prestá-lo e, assim, resta observado o "Princípio do não- enriquecimento sem causa". 6. Assim, adoto o entendimento de que a Ré, mediante condições pré-estabelecidas em Resoluções Internas da Câmara de Saúde Complementar, tem o dever legal de cobrar da seguradora a prestação de serviço médico realizada pela rede do SUS e por suas instituições conveniadas, em virtude da impossibilidade de atendimento pela operadora de Plano de Saúde. 7. O ato de cobrança do ressarcimento decorre de previsão legal, não se encontrando vinculado à data de assinatura do contrato, mas tão somente à data dos procedimentos prestados pelas entidades do SUS aos beneficiários de plano de saúde suplementar. 8. Ressalto que não prospera a argumentação de que a instituição do ressarcimento ao SUS exige Lei Complementar nos termos do artigo 195, § 4° da Constituição Federal, que remete sua implementação ao artigo 154, I da mesma Carta, pois como expresso na norma, não impõe a mesma a criação de nenhum tributo, mas exige que o agente do plano restitua à Administração Pública os gastos efetuados pelos consumidores com que lhe cumpre executar. 9. Por sua vez, as Resoluções editadas pela ANS não exorbitam os poderes que lhe são legalmente conferidos, uma vez que a atividade exercida pelas operadoras de planos de saúde privados está afeta ao exercício do poder de polícia e condicionada à fiscalização administrativa. 2 De fato. A Lei nº 9.961/2000, ao instituir a Agência Nacional de Saúde - ANS, órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde, estabelece que é finalidade da referida agência "promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País", a teor de seu art. 3º. 10. Portanto, tal como preceitua o art. 4º da Lei mencionada, compete à referida agência reguladora, dentre outras atribuições, as de regulamentar as normas referentes ao ressarcimento ao Sistema Único de Saúde - SUS; estabelecer critérios e procedimentos para garantia dos direitos assegurados nos artigos 30 e 31, da Lei nº 9.656, de 1998; proceder á integração de informações com os bancos de dados do Sistema Único de Saúde; fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das normas atinentes ao seu funcionamento; fiscalizar a atuação das operadoras e prestadores de serviços de saúde com relação à abrangência das coberturas de patologia e procedimentos; fiscalizar aspectos concernentes às coberturas e o cumprimento da legislação referente aos aspectos sanitários e epidemiológicos, relativos à prestação de serviços médicos e hospitalares no âmbito da saúde suplementar; fiscalizar o cumprimento das disposições da Lei nº 9.656, de 1998, e de sua regulamentação; aplicar as penalidades pelo descumprimento da Lei nº 9.656, de 1998, e de sua regulamentação; requisitar o fornecimento de informações às operadoras de planos privados de assistência à saúde, bem como da rede prestadora de serviços a elas credenciadas; e administrar e arrecadar as taxas instituídas pela mencionada lei. Assim, não se afiguram desprovidas de amparo legal, nem ofensivas à ordem constitucional, as determinações contidas nas Resoluções editadas pela ANS. 11. Neste sentido, resta claro a atribuição da ANS na elaboração da Tabela Única de Equivalência de Procedimentos - TUNEP, quanto do exercício do seu poder Regulamentar. Ressalte-se que os valores constantes na TUNEP cobre todo um complexo de procedimentos que são cobrados em separado pelas operadoras. Os referidos valores incluem as ações necessárias para o pronto atendimento e recuperação do paciente, quais sejam, internação, medicamentos, honorários médicos, entre outros, diferentemente dos valores apresentados pelas operadoras, que abarcam somente o procedimento stricto sensu. 12. Entretanto, como já citado acima, o ressarcimento só é devido em casos de atendimentos prestados por instituições integrantes de Sistema Único de Saúde previstos no Contrato firmado entre o usuário e o plano de saúde. Nestes termos é a norma contida no art. 32 da Lei nº 9.656/98, quando determina que as operadoras de seguros e planos de saúde devem ressarcir as instituições públicas ou privadas integrantes do SUS pelos serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, em sendo estes prestados pelo serviço público. Complete- se que este ressarcimento é feito segundo os valores constantes na Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos - TUNEP, instituída pela Resolução RDC n° 17/00. 13. Importante destacar que os valores da TUNEP incluem todos os procedimentos necessários para o pronto atendimento e recuperação do paciente, isto é, a internação, os medicamentos, os 3 honorários médicos, entre outros, diferentemente dos valores apresentados pelas operadoras, que incluem somente o procedimento stricto sensu. 14. Ademais, o ressarcimento ao SUS não implica em instituição de novo tributo, apenas evidencia uma obrigação civil, que tem por escopo evitar o enriquecimento sem causa das operadoras de plano de assistência médica, tendo em vista sua obrigação contratual de prestar serviços médico-hospitalares. 15. Note-se que a despesa oriunda dos tratamentos determinados encontra-se prevista e devidamente inserta no valor da mensalidade. Sendo assim, na hipótese de tal procedimento não ser custeado pela operadora de planos de saúde, conclui-se que ela estará recebendo por um serviço não prestado. 16. Em outros termos, o mecanismo previsto no supra mencionado art. 32 tem por finalidade manter o equilíbrio do plano de custeio, na medida em que, segundo a regulamentação em vigor, torna-se ressarcível ao Sistema Único o procedimento médico que, embora coberto pelo plano de saúde, venha, porventura, a ser realizado na rede pública. Vale dizer, propicia o enriquecimento sem causa qualquer tentativa no sentido de desconsiderar, pura e simplesmente, o aludido mecanismo legal, sem levar em conta o conjunto de regras que convergem para o custeio integrado e universal do sistema. 17. Como já se disse, não há óbice à instituição da exação ao SUS mediante lei ordinária. A natureza desta obrigação ex lege é civil, de caráter reparatório, inexistindo, portanto, qualquer relação entre esta e o art. 195, §4º da Constituição Federal, cuja disciplina se restringe às contribuições para a seguridade social. 18. Dessarte, cogitar-se da impossibilidade de compensação, equivaleria permitir que a operadora recebesse dos usuários os valores pré-estabelecidos contratualmente, seja sob a forma de prêmio de seguro ou de mensalidade, sem ônus algum em contrapartida, enquanto a sociedade arcaria com os custos referentes aos atendimentos realizados pelas unidades vinculadas ao SUS. 19. E não se objete que o mecanismo de ressarcimento ao SUS violaria o art. 196 da Constituição da República, que garante assistência médica universal e gratuita, porque a gratuidade incide na relação do Estado com o cidadão, o qual, mesmo sendo usuário de plano privado de saúde, tem acesso ao sistema público. A hipótese expendida nos autos traduz realidade diversa: trata-se da recuperação, que terá o Estado, do montante despendido nos referidos atendimentos, devido pelas pessoas jurídicas a quem competia prestar tais serviços, por força de obrigação contratual, quais sejam, as operadoras de planos de saúde. 20. Portanto, não há qualquer ilegalidade nas resoluções editadas pela ANS, uma vez que o art. 32 da mencionada lei autoriza expressamente aquela agência reguladora a baixá-las. 4 21. No sentido do que foi aqui exposto, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 2a Região: "CONSTITUCIONAL - CIVIL - ADMINISTRATIVO RESSARCIMENTO AO SUS. PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE - ARTIGO 32 DA LEI N° 9.656/98 - NATUREZA NÃO T R I B U T Á R I A - E N R I Q U E C I M E N T O S E M C A U S A - C A R Á T E R INDENIZATÓRIO/RESTITUITÓRIO - ASSISTÊNCIA À SAÚDE - DEVER NÃO EXCLUSIVO DO ESTADO - AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALI DADE. I - Se a iniciativa privada está auferindo lucros para oferecer um serviço e a prestação do mesmo é feita pelo Estado, não há impedimento para o repasse do valor do serviço aos cofres públicos, que aplicará a receita em prol de toda a população; II - Frise-se a natureza meramente restituitória do ressarcimento em liça, não equivalendo o mesmo a uma nova fonte de custeio para a seguridade Social, uma vez que possui como objetivo último recuperar os custos decorrentes de despesas médicas e internações hospitalares ocorridas nos hospitais vinculados ao SUS, quando da utilização destes últimos por beneficiários de planos privados de assistência à saúde, impedindo, desta feita, o enriquecimento sem causa das operadoras de planos de saúde. Possui natureza meramente administrativa, o que afasta a exigência de sua veiculação por intermédio de lei complementar; III - Conforme veiculado no seu Informativo 317, o Supremo Tribunal Federal, em 21.08.2003, em sede de Medida Cautelar em Ação Declaratória de Inconstitucionalidade - ADI 1.931MC/DF, Relator Min. Maurício Corrêa, entendeu que o ressarcimento ao SUS instituído pelo art. 32 da Lei no 9.656/98, não é inconstitucional e, para tanto, considerou que o referido dispositivo está em harmonia com a competência do Estado prevista no art. 197, da Constituição Federal; IV , Recurso de Apelação improvido, para manter in totum a r. sentença de 1° grau." (TRF - 2a Região, la Turma, AC 344850, Juiz Reis Friede, DJU 15.09.2004, p. 199) (grifou-se) 22. Mister é sublinhar que o Egrégio Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, quando da decisão da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.931-8/DF, não conhece da Ação quanto às inconstitucionalidades formais, bem assim relativamente às alegações de ofensa ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito no que se refere, dentre outros, ao art. 32, da Lei nº 9.656/98. É forçoso concluir, portanto, em respeito ao efeito vinculante proferidas pelo Excelso Pretório em controle concentrado de das decisões constitucionalidade, que fica permitida a cobrança do denominado ressarcimento ao SUS previsto no art. 32 da Lei n.o 9.656/98. 23. Tocantemente aos débitos impugnados neste feito, nota-se de fls. 29/31 e 33/35 que os boletos correspondentes foram enviados à demandante em 2008, mas com data de validade de 2007. Tal circunstância é suficiente para que se reconheça sua nulidade, ante a impossibilidade prática de seu pagamento sem a incidência de encargos moratórios indevidos. 24. Contudo, inexiste empecilho para a renovação de tais cobranças. Isso porque, tocantemente ao débito de R$ 804,06, nota-se de fl. 28 que a impugnação administrativa oferecida pela demandante foi deferida parcialmente, apenas para descontar o valor de R$ 30,00 por cada AIH (2764039102 e 2763726328). 5 25. Como se infere de fl. 30, o débito original correspondente a essas AIH era de R$ 864,06 (472,21 + 391,85), pelo que se conclui que o montante cobrado pelo boleto de fl. 31 já considerou o desconto deferido em sede administrativa, estando, portanto, correto o valor. 26. No que diz respeito ao débito de R$ 3.810,59, tem-se que o mesmo é decorrente de diversas AIH’s distintas, que não foram impugnadas de forma específica na inicial. Somente na réplica apresentada a parte autora evocou a alegação de que aquelas AIH’s corresponderiam a atendimento realizado durante a carência do plano de saúde. 27. Sucede que tais questões não foram desenvolvidos na inicial, pelo que a réplica ofertada representa verdadeira inovação da causa de pedir, o que é descabido nos termos do art. 264, caput e parágrafo único, do CPC de 1973. 28. Apelo improvido. Remessa necessária desprovida. Sentença mantida.

Data do Julgamento : 28/11/2018
Data da Publicação : 05/12/2018
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 8ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : MARCELO DA FONSECA GUERREIRO
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : MARCELO DA FONSECA GUERREIRO
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