TRF2 0006182-14.2017.4.02.0000 00061821420174020000
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. ARTIGO 300 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ARTIGO 22 DO MARCO CIVIL DA INTERNET. EXIGÊNCIA DE
GUARDA DE REGISTRO DE DADOS DE CONEXÃO DE USUÁRIO POR SEIS MESES. PERICULUM
IN MORA. VÍDEOS COM CONTEÚDO REFERENTE À CRENÇA RELIGIOSA. LEI Nº
7.716/89. CONTEÚDO DE NATUREZA TEOLÓGICA. IMPOSSIBILIDADE DE JUÍZO DE
VERACIDADE EMITIDO PELO ESTADO. PRECEDENTE DO STJ. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES À
LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA. PROSELITISMO. JUÍZOS DE DESIGUALAÇÃO. AUSENTE
FUMUS BONI IURIS. 1. Agravo de instrumento interposto em face de decisão
que indeferiu o pedido de tutela de urgência, em sede de Ação Civil Pública,
objetivando a quebra de sigilo dos dados cadastrais e dos usuários responsáveis
pela publicação e divulgação de vídeos com conteúdo referente às religiões
de matriz africana e a retirada de tal material da internet. 2. A concessão
de tutela antecipada requer a existência de elementos que evidenciem a
probabilidade do direito (fumus boni iuris) e de perigo de dano (periculum
in mora) ou risco ao resultado útil do processo, desde que não haja perigo
de irreversibilidade do comando emergencial postulado, segundo a redação
do art. 300 do Código de Processo Civil. 3. O art. 22 Lei nº 12.965/2014,
o Marco Civil da Internet, permite o acesso aos registros de conexão ou
de registros de acesso a aplicações de internet, quando necessário para
formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, mediante
requerimento que contenha fundados indícios da ocorrência do ilícito;
justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins
de investigação ou instrução probatória; e período ao qual se referem os
registros, "sem prejuízo dos demais requisitos legais". Sendo assim, somente
será admitido o fornecimento de tais registros se atendidas, cumulativamente,
as exigências do art. 22 do Marco Civil da Internet e do art. 300 do Código de
Processo Civil. 4. Entretanto, o fornecimento de informações na rede mundial
de computadores está condicionado à guarda de tais registros de conexão e de
acesso exigida do provedor de aplicações de internet somente pelo prazo de 6
(seis) meses, nos termos do caput do art. 15 do Marco Civil da Internet. Sendo
assim, há perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo quando
indeferido o pedido de tutela provisória que verse sobre quebra de sigilo
de dados cadastrais mantidos na rede mundial de computadores, dado que o
transcurso de tempo superior ao exigido para o armazenamento acarretaria
possível perda dos registros de acesso, fato que impossibilitaria, de igual
modo, o posterior requerimento de acesso à informações, as 1 quais já não
mais estariam conservadas pelo provedor de aplicações de internet. Sendo
assim, não sendo possível a obtenção de informações necessárias para formar
conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, impõe-se expresso
risco quanto à utilidade do provimento jurisdicional final. 5. A verificação
de indícios ato discriminatório à religião, nos termos do art. 20 da Lei nº
7.716/89 deve ser sinal para a concessão do pedido de fornecimento de dados
advindos de aplicações de internet, os quais, em contrapartida, na hipótese de
serem constatados, ratificam a plausibilidade jurídica do pedido de retirada
de conteúdo da rede mundial de computadores, uma vez que é medida assegurada
no parágrafo 3º do art. 20 da Lei nº 7.716/89. 6. Assertivas que afetam o
universo de verdades religiosas são impassíveis de valoração pelo Estado, o
qual, uma vez secularizando-se, passa a negar a fundamentação de si mesmo em
razões religiosas, e ampara-se no uso público da razão para proferir decisões
judiciais ou instituir atos da Administração Pública. Dessa forma, crê-se
que não mais se configura como tarefa do Estado reconhecer religião ou crença
verdadeira ou conferir legitimidade a um axioma teológico, v.g. a denominação
atribuída a um suposto demônio como orixá, vez que a referida veracidade,
quanto aos elementos espirituais, deve se dar em um ambiente externo,
teológico, às discussões públicas. 7. No julgamento do Recurso Ordinário
em Habeas Corpus nº 134.682, o Supremo Tribunal Federal entendeu não ser
cabível, ao Poder Judiciário, censurar, por razões estritamente metajurídicas,
manifestações de pensamento. Há uma correlação entre liberdade de expressão e
liberdade religiosa Um indivíduo não pode ser privado de expor a sua crença
ou de afirmá-la como verdadeira frente às demais, à exceção delimitações
previstas em lei que digam respeito à ordem pública e às demais liberdade
alheias, dado que, como direito e garantia fundamental, a liberdade religiosa
não dispõe de caráter absoluto. 8. Não sendo possível implementar juízo
moral frente ao conteúdo religioso de afirmações, e considerando se tratar
de um sensível embate entre liberdade religiosa e liberdade de expressão,
deve ser feita avaliação mais criteriosa para constatar a observância ou não
dos limites do exercício das liberdades constitucionais, inclusive daquela
que diz respeito à liberdade de expressão religiosa, que abrange o direito de
empreender proselitismo e de explicitar atos próprios de religiosidade. Em
síntese, investigar, em maior profundidade, em que medida o proselitismo
religioso é constitucionalmente admitido e em quais hipóteses desborda das
balizas da liberdade de expressão religiosa. 9. Conforme o entendimento da
Corte Suprema, a investigação deve incidir nos "juízos de desigualação", fases
atribuídas ao proceder inerente ao proselitismo que objetiva angariar novos
fiéis ou direcionar o comportamento dos adeptos à religião, compreendendo
três etapas: a primeira, em que explicita a desigualdade entre grupos e/ou
indivíduos, de caráter cognitivo; a segunda, em que se assenta suposta
relação de superioridade entre eles, de viés valorativo; e a terceira,
em que o agente legitima dominação exploração, escravização, eliminação,
supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende
inferior. Deve se investigar, em cada caso concreto, se o método de persuasão
inerente ao contexto religioso, com o aludido fim de afastar e negar a suposta
crença, não perpassa a terceira etapa do juízo de desigualação, a qual implica
suprimir religião alheia no sentido de violar a dignidade humana dos seus
praticantes, suprimindo-lhes ou reduzindo-lhes direitos fundamentais sob
razões religiosas. Somente após a terceira etapa do juízo de desigualação se
configura conduta ou discurso discriminatório. Precedente: STF, 1ª Turma, RHC
134.682, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJE 10.12.2016. 10. Ainda que a associação
entre o sagrado de uma religião e entidades demoníacas promova uma repulsa
pelo caráter depreciativo de uma crença em relação à outra, é necessário
verificar se a liberdade de expressão religiosa de quem a proferiu perpassa as
três etapas de juízos de desigualação. Aferida a conduta 2 discriminatória,
se justifica a censura às manifestações de pensamento, inclusive aquelas que
referentes à liberdade de expressão religiosa. 11. No caso vertente, uma vez
não relatados imperativos direcionados aos adeptos das crenças afrobrasileiras
com o intuito de lhes suprimir direitos fundamentais, mas sim alegações quanto
à procedência ou natureza teológica de entidades espirituais, objetivando a
conversão ou a "salvação" de adeptos de uma religião, embora mediante métodos
de persuasão não razoáveis ou questionáveis, não parece incidir a figura
atinente à conduta discriminatória, cuja constatação está condicionada ao
esgotamento das fases de juízos de desigualação, a ser aferido em análise
mais meticulosa do conteúdo dos vídeos pelo Juízo a quo. 12. Agravo de
instrumento não provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos,
em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao
Agravo de Instrumento, na forma do relatório e do voto constantes dos autos,
que ficam fazendo parte do presente julgado. Rio de Janeiro, 29 de maio de
2018. Ricardo Perlingeiro Desembargador Federal 3
Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. ARTIGO 300 DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ARTIGO 22 DO MARCO CIVIL DA INTERNET. EXIGÊNCIA DE
GUARDA DE REGISTRO DE DADOS DE CONEXÃO DE USUÁRIO POR SEIS MESES. PERICULUM
IN MORA. VÍDEOS COM CONTEÚDO REFERENTE À CRENÇA RELIGIOSA. LEI Nº
7.716/89. CONTEÚDO DE NATUREZA TEOLÓGICA. IMPOSSIBILIDADE DE JUÍZO DE
VERACIDADE EMITIDO PELO ESTADO. PRECEDENTE DO STJ. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES À
LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA. PROSELITISMO. JUÍZOS DE DESIGUALAÇÃO. AUSENTE
FUMUS BONI IURIS. 1. Agravo de instrumento interposto em face de decisão
que indeferiu o pedido de tutela de urgência, em sede de Ação Civil Pública,
objetivando a quebra de sigilo dos dados cadastrais e dos usuários responsáveis
pela publicação e divulgação de vídeos com conteúdo referente às religiões
de matriz africana e a retirada de tal material da internet. 2. A concessão
de tutela antecipada requer a existência de elementos que evidenciem a
probabilidade do direito (fumus boni iuris) e de perigo de dano (periculum
in mora) ou risco ao resultado útil do processo, desde que não haja perigo
de irreversibilidade do comando emergencial postulado, segundo a redação
do art. 300 do Código de Processo Civil. 3. O art. 22 Lei nº 12.965/2014,
o Marco Civil da Internet, permite o acesso aos registros de conexão ou
de registros de acesso a aplicações de internet, quando necessário para
formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, mediante
requerimento que contenha fundados indícios da ocorrência do ilícito;
justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins
de investigação ou instrução probatória; e período ao qual se referem os
registros, "sem prejuízo dos demais requisitos legais". Sendo assim, somente
será admitido o fornecimento de tais registros se atendidas, cumulativamente,
as exigências do art. 22 do Marco Civil da Internet e do art. 300 do Código de
Processo Civil. 4. Entretanto, o fornecimento de informações na rede mundial
de computadores está condicionado à guarda de tais registros de conexão e de
acesso exigida do provedor de aplicações de internet somente pelo prazo de 6
(seis) meses, nos termos do caput do art. 15 do Marco Civil da Internet. Sendo
assim, há perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo quando
indeferido o pedido de tutela provisória que verse sobre quebra de sigilo
de dados cadastrais mantidos na rede mundial de computadores, dado que o
transcurso de tempo superior ao exigido para o armazenamento acarretaria
possível perda dos registros de acesso, fato que impossibilitaria, de igual
modo, o posterior requerimento de acesso à informações, as 1 quais já não
mais estariam conservadas pelo provedor de aplicações de internet. Sendo
assim, não sendo possível a obtenção de informações necessárias para formar
conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, impõe-se expresso
risco quanto à utilidade do provimento jurisdicional final. 5. A verificação
de indícios ato discriminatório à religião, nos termos do art. 20 da Lei nº
7.716/89 deve ser sinal para a concessão do pedido de fornecimento de dados
advindos de aplicações de internet, os quais, em contrapartida, na hipótese de
serem constatados, ratificam a plausibilidade jurídica do pedido de retirada
de conteúdo da rede mundial de computadores, uma vez que é medida assegurada
no parágrafo 3º do art. 20 da Lei nº 7.716/89. 6. Assertivas que afetam o
universo de verdades religiosas são impassíveis de valoração pelo Estado, o
qual, uma vez secularizando-se, passa a negar a fundamentação de si mesmo em
razões religiosas, e ampara-se no uso público da razão para proferir decisões
judiciais ou instituir atos da Administração Pública. Dessa forma, crê-se
que não mais se configura como tarefa do Estado reconhecer religião ou crença
verdadeira ou conferir legitimidade a um axioma teológico, v.g. a denominação
atribuída a um suposto demônio como orixá, vez que a referida veracidade,
quanto aos elementos espirituais, deve se dar em um ambiente externo,
teológico, às discussões públicas. 7. No julgamento do Recurso Ordinário
em Habeas Corpus nº 134.682, o Supremo Tribunal Federal entendeu não ser
cabível, ao Poder Judiciário, censurar, por razões estritamente metajurídicas,
manifestações de pensamento. Há uma correlação entre liberdade de expressão e
liberdade religiosa Um indivíduo não pode ser privado de expor a sua crença
ou de afirmá-la como verdadeira frente às demais, à exceção delimitações
previstas em lei que digam respeito à ordem pública e às demais liberdade
alheias, dado que, como direito e garantia fundamental, a liberdade religiosa
não dispõe de caráter absoluto. 8. Não sendo possível implementar juízo
moral frente ao conteúdo religioso de afirmações, e considerando se tratar
de um sensível embate entre liberdade religiosa e liberdade de expressão,
deve ser feita avaliação mais criteriosa para constatar a observância ou não
dos limites do exercício das liberdades constitucionais, inclusive daquela
que diz respeito à liberdade de expressão religiosa, que abrange o direito de
empreender proselitismo e de explicitar atos próprios de religiosidade. Em
síntese, investigar, em maior profundidade, em que medida o proselitismo
religioso é constitucionalmente admitido e em quais hipóteses desborda das
balizas da liberdade de expressão religiosa. 9. Conforme o entendimento da
Corte Suprema, a investigação deve incidir nos "juízos de desigualação", fases
atribuídas ao proceder inerente ao proselitismo que objetiva angariar novos
fiéis ou direcionar o comportamento dos adeptos à religião, compreendendo
três etapas: a primeira, em que explicita a desigualdade entre grupos e/ou
indivíduos, de caráter cognitivo; a segunda, em que se assenta suposta
relação de superioridade entre eles, de viés valorativo; e a terceira,
em que o agente legitima dominação exploração, escravização, eliminação,
supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende
inferior. Deve se investigar, em cada caso concreto, se o método de persuasão
inerente ao contexto religioso, com o aludido fim de afastar e negar a suposta
crença, não perpassa a terceira etapa do juízo de desigualação, a qual implica
suprimir religião alheia no sentido de violar a dignidade humana dos seus
praticantes, suprimindo-lhes ou reduzindo-lhes direitos fundamentais sob
razões religiosas. Somente após a terceira etapa do juízo de desigualação se
configura conduta ou discurso discriminatório. Precedente: STF, 1ª Turma, RHC
134.682, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJE 10.12.2016. 10. Ainda que a associação
entre o sagrado de uma religião e entidades demoníacas promova uma repulsa
pelo caráter depreciativo de uma crença em relação à outra, é necessário
verificar se a liberdade de expressão religiosa de quem a proferiu perpassa as
três etapas de juízos de desigualação. Aferida a conduta 2 discriminatória,
se justifica a censura às manifestações de pensamento, inclusive aquelas que
referentes à liberdade de expressão religiosa. 11. No caso vertente, uma vez
não relatados imperativos direcionados aos adeptos das crenças afrobrasileiras
com o intuito de lhes suprimir direitos fundamentais, mas sim alegações quanto
à procedência ou natureza teológica de entidades espirituais, objetivando a
conversão ou a "salvação" de adeptos de uma religião, embora mediante métodos
de persuasão não razoáveis ou questionáveis, não parece incidir a figura
atinente à conduta discriminatória, cuja constatação está condicionada ao
esgotamento das fases de juízos de desigualação, a ser aferido em análise
mais meticulosa do conteúdo dos vídeos pelo Juízo a quo. 12. Agravo de
instrumento não provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos,
em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao
Agravo de Instrumento, na forma do relatório e do voto constantes dos autos,
que ficam fazendo parte do presente julgado. Rio de Janeiro, 29 de maio de
2018. Ricardo Perlingeiro Desembargador Federal 3
Data do Julgamento
:
05/06/2018
Data da Publicação
:
08/06/2018
Classe/Assunto
:
AG - Agravo de Instrumento - Agravos - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
RICARDO PERLINGEIRO
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
RICARDO PERLINGEIRO
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