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Jurisprudência


TRF2 0006952-11.2009.4.02.5101 00069521120094025101

Ementa
ADMINISTRATIVO. ANVISA. PODER NORMATIVO. ANS. RESOLUÇÃO RDC Nº 54, DE 2008. RESOLUÇÃO RDC/ANVISA N° 54/08. E IMAGENS E FRASES A SEREM IMPLEMENTADAS NAS EMBALAGENS DOS PRODUTOS E MATERIAIS DE COMUNICAÇÃO. ADVERTÊNCIA. PROPORCIONALIDADE. 1. O cerne da questão cinge-se à aferição da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade de 6 (seis) advertências sanitárias contidas na Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA nº 54, de 6 de agosto de 2008 ("RDC 54/2008"), que, alterando a Resolução da Diretoria Colegiada nº 335, de 21 de novembro de 2003 ("RDC 335/2003"), norma que regulamenta o art. 3º da Lei nº 9.294/96, impôs 10 (dez) novas advertências (escritas e gráficas) a serem impressas nas embalagens e nos respectivos materiais de p ropaganda dos produtos fumígenos. 2. A parte autora, em sua inicial, pleiteou se eximir da obrigação de veicular 7 (sete) novas advertências e p ermanecer difundindo apenas as advertências sanitárias contidas na redação original da RDC 335. 3. A sentença recorrida julgou o pedido procedente em parte para afastar a obrigação da autora consistente em veicular as imagens relacionadas às advertências "perigo", "produto tóxico", "horror", "vítima deste produto", "infarto" e "morte" (fls. 12 a 14), mantendo a advertência no tocante à "gangrena", em relação a qual a Philip Morris não interpôs apelação. 4. Em sua fundamentação, destacou que a ANVISA pode veicular propaganda que desincentive o uso de cigarros, valendo-se de criações publicitárias impactantes, mas não pode obrigar a veiculação de imagens nas embalagens que se dissociem da realidade e sejam desproporcionais ao fim colimado. 5. A Constituição da República, apesar de permitir a fabricação, comercialização e o consumo do cigarro, estabelece a possibilidade de restrições em sua propaganda e determina a advertência sobre os malefícios d ecorrentes de seu uso, nos termos do art. 220, §4º. 6. Com fundamento de validade na referida norma constitucional, foi editada a Lei nº 9.294/96, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e d efensivos agrícolas. 7. Posteriormente, a ANVISA, com fulcro no art. 7º, II e XXVI e no art. 8º, §1º, X, ambos da Lei nº 9.782/99, editou a Resolução RDC nº 54/2008, especificando quais as imagens e mensagens deveriam ser estampadas n as embalagens de cigarro. 8. O denominado "poder normativo" conferido às agências reguladoras, de acordo com a doutrina majoritária, decorre do exercício de função administrativa, e não legislativa, ainda que sua carga de aplicabilidade possa 1 s er considerada genérica. 9. O que se verifica é a transferência, por parte das próprias leis de regulação, de alguns vetores, de ordem técnica, para a normatização por tais entidades - o que alguns doutrinadores denominam como "deslegalização", com fundamento no direito francês ("domaine de l’ordonnance"), o que não retrata qualquer u surpação da função legislativa pela Administração. 10. O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de afirmar a legitimidade constitucional da d eslegalização, no julgamento do RE nº 140.669-1-PE. 11. A carga de amplitude normativa dos atos expedidos pelas agências reguladoras, contudo, deve adequar-se aos parâmetros da lei permissiva, pois a delegação legislativa não é ilimitada e deve observar os demais p rincípios norteadores do direito pátrio, entre eles a proporcionalidade e a razoabilidade. 12. A preocupação com os efeitos do tabaco na saúde da população é de âmbito mundial e se concretiza em diversos documentos internacionais, entre os quais a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, adotadas pelos países membros da Organização Mundial de Saúde (OMS), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.658, de 02/01/2006 que no art. 4º, I, ressalta a necessária e adequada informação sobe as "consequências sanitárias, a natureza aditiva e a ameaça mortal imposta pelo consumo e a exposição à fumaça do tabaco", e, no art. 8º, I, atenta à necessidade de que "as partes reconheçam que a ciência demonstrou de maneira i nequívoca que a exposição à fumaça do tabaco causa morte, doença e incapacidade." 13. Na hipótese, das seis imagens previstas na Resolução RDCnº 54/08 cuja veiculação foi afastada pelo Juízo a quo, contudo, o que se verifica é a utilização de recursos ilustrativos metafóricos que trazem imediato alerta à população quanto aos efeitos deletérios do cigarro, em estrita observância à previsão ínsita no art. 220, §4º da C onstituição da República e no art. 3º da Lei nº 9.294/96. 14. As imagens previstas às fls. 12 a 14 dos autos, relacionadas às advertências "perigo", "produto tóxico", "horror", "vítima deste produto", "infarto" e "morte" na RDC nº 54/08, ainda que impactantes, apresentam-se e m consonância com as normas vigentes . 15. Na imagem intitulada como "perigo" (fl. 12) é retratado um cérebro, supostamente acometido de AVC hemorrágico, ao invés de AVC isquêmico, o que atende ao objetivo de conscientização sobre o risco que o cigarro representa para o saudável funcionamento cerebral, eis que para o homem médio, é indiferente o tabaco ocasionar um ou outro. Por outro lado, a existência de vestígios de sangue vem a ratificar a utilização d o recurso ao simbolismo. 16. Já na figura denominada "produto tóxico" (fl.13), a ANVISA traz a imagem de uma pessoa envenenada com o consumo de cigarros, com a advertência de que o produto contém substâncias tóxicas que levam ao adoecimento e morte. De acordo com vários estudos relatados na literatura médica (fls. 957/959), já foram descritas mais de 4000 substâncias na fumaça do tabaco, sendo que 60 delas cancerígenas, não havendo, p ortanto, falta de razoabilidade na imagem. 17. A imagem "horror" (fl. 13), que traz a ilustração, através de recursos gráficos, de uma mulher jovem e bonita tendo sobre sua face um maço de cigarros que funciona como uma lente de aumento trazendo para o presente o que o cigarro pode fazer com a pele no futuro, com a advertência "este produto causa envelhecimento precoce da pele", por sua vez, foi afastada sob o fundamento de que consistia em exagero artificialmente criado. Contudo, se depreende que a mesma busca, através de uma metáfora imagética forte atingir uma das m aiores preocupações das mulheres jovens, especialmente adolescentes: sua aparência. 18. A figura "vitima deste produto" (fl. 14) traz a imagem de um feto no cinzeiro, resultado de um efeito de 2 computação gráfica sobre um boneco, realizado pela equipe de design da PUG/RJ, com a mensagem: "este produto intoxica a mãe e o bebê, causando parto prematuro". A referida imagem pretende advertir, de forma a larmante, que o fumo é maléfico às grávidas, podendo causar aborto. 19. A imagem "morte", dentro do mesmo simbolismo, traz um cadáver com uma incisão no peito, que seria de u ma necropsia (fl. 14), o que alerta ao irrefutável risco de morte por câncer de pulmão e enfisema. 20. Por fim, a figura referente à advertência "infarto", com um coração cravejado de guimbas de cigarro, demonstra a intenção do administrador em informar que "o uso deste produto causa morte por doenças do c oração", conscientizando a população em relação a tal consequência. 21. A utilização de metáforas ilustrativas com o objetivo de advertir a população em relação a determinado alerta não é recente, como se pode inferir, exempli gratia, do símbolo mundial de perigo, que traz a imagem de uma caveira, bem como da utilização de imagens que causam aversão em outras searas, como nos programas de c onscientização em relação ao perigo do uso de álcool na direção de veículos automotores. 22. A eficiência das imagens e dizeres previstos na Resolução nº 54/08 se ampara em estudo prévio multidisciplinar realizado pelo INCA, ANVISA, UFF, UFRJ e PUC-RJ, que se dedicou ao tema de 2006 a 2008, não trazendo, ainda, grandes inovações em relação à Resolução Nº 335/03, que também apresentava figuras como de um paciente entubado, com a advertência de que "fumar causa câncer de pulmão", bem como d e um feto em recipiente de vidro, com a advertência de que "fumar causa aborto espontâneo". 23. São imagens fictícias, metafóricas e contundentes que contam inclusive com a utilização de recursos gráficos e buscam causar impacto na população em contraponto com a publicidade da indústria tabagista, e que, em controle finalístico, são adequadas ao objetivo de combate ao uso do tabaco, atingindo consumidores, efetivos e em potencial, ainda que com pouca instrução, sem trazer qualquer dificuldade na compreensão da m ensagem que busca transmitir. 24. Levando-se em conta que o Brasil gasta mais de 20 bilhões de reais por ano por conta das doenças relacionadas ao tabaco, o que indica quase três vezes mais que os impostos arrecadados, e as embalagens, sob a ótica da indústria tabagista, são fundamentais a sua publicidade, principalmente para atrair iniciantes, a Resolução nº 54/08 traz vantagens mais significativas que eventuais desvantagens causadas. Nesse sentido: (TRF 2ª Região, 6ª Turma Esp., AG 175.239/RJ, Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, DJU 27/07/2009, p. 72; TRF2R- 5ª Turma Especializada -AGRAVO 2009.02.01.006674-Rel. Luiz Paulo sa Silva A raújo Filho, unân, Julg.: 23/7/2009) 25. As imagens contidas na Resolução da ANVISA RDC nº 54/08, portanto, atendem ao princípio da proporcionalidade nas vertentes adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido em estrito, e não apresentam qualquer desvio de finalidade possa ensejar o reconhecimento de sua ilegitimidade pelo J udiciário. 26. Apelação da ANVISA e remessa, considerada existente, providas para reformar a sentença e julgar o pedido improcedente, com a condenação da parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no p ercentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (R$ 10.000,00), à luz do art. 85, §3º, I, do CPC. 3

Data do Julgamento : 10/08/2017
Data da Publicação : 23/08/2017
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : ALCIDES MARTINS
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : ALCIDES MARTINS
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