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Jurisprudência


TRF2 0008406-16.2001.4.02.5001 00084061620014025001

Ementa
DIREITO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DECADÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. LITISPENDÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INCONGRUÊNCIA ENTRE ACUSAÇÃO E DEFESA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 4º DA LEI Nº 7.492/86. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ARTS. 4º E 5º DA LEI N. 7.492/86. I - Quanto à alegada incompetência da Justiça Federal no tocante ao crime de apropriação indébita de recursos da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Espírito Santo, friso que a COOPETFES é instituição financeira, nos termos do art. 1º da Lei nº 7.492/86, e a conta a partir da qual haveria ocorrido a apropriação indébita era daquela instituição, gerida pelos acusados. Portanto, a conduta imputada amolda-se à Lei nº 7.492/86 por especialidade, atraindo a competência para a Justiça Federal. II - Ainda que assim não fosse, há nestes autos imputação do crime de gestão fraudulenta da COOPETFES. No caso de crime conexo da competência da Justiça do Estado com outro da competência da Justiça Federal, esta última atrai a competência para o processamento e julgamento de ambos, consoante decorre do entendimento sumulado no verbete n. 122 do Superior Tribunal de Justiça. III - A única consequência em razão do descumprimento dos 15 (quinze) dias de prazo previstos no art. 46 do CPP é possibilitar à vítima o ingresso em juízo com a ação penal privada subsidiária da pública (art. 29 do CPP). A decadência, no processo penal, somente ocorre face aos direitos de apresentação de queixa ou representação (arts. 38 do CPP e 103 do Código Penal) não em relação ao ius puniendi estatal. IV - Inépcia da denúncia e ausência de justa causa não caracterizadas. Descrição suficiente dos fatos que permitiu plena compreensão da acusação, com farto substrato probatório. V - Muito embora possam ter sido praticados crimes por um mesmo grupo de pessoas, em um contexto nos quais tenham, em tese, utilizado os cargos que ostentavam nas sociedades envolvidas, ambas as denúncias tratam de fatos delituosos diversos: a oferecida perante a Justiça Estadual narra o desvio de verbas públicas estaduais e a presente denúncia imputa aos acusados crimes contra o sistema financeiro nacional na condução da COOPETFES. Inexiste identidade de causa de pedir e pedido, razão pela qual também não há litispendência a ser reconhecida. VI - A juntada dos documentos pleiteados pela defesa em diligências não demandava provimento jurisdicional e, mesmo com a possibilidade de juntada de documentos a qualquer tempo, nos termos do art. 231 do CPP, a defesa não efetuou a juntada dos documentos e nem mencionou qualquer dificuldade na sua obtenção. A ausência da prova pleiteada, destarte, circunscreve-se ao ônus probatório que incumbia à própria defesa especificamente nesse caso, no momento em que pretendia desconstituir a acusação. Além disso, a prova pleiteada seria absolutamente impertinente, pois não confrontaria nada do que foi imputado na denúncia ao acusado. VII - O princípio da correlação determina que a sentença deve amoldar-se aos fatos descritos na denúncia. Todavia, tal princípio não é impeditivo da emendatio libelli, através da qual o juiz dá nova definição jurídica aos fatos já narrados pelo Ministério Público na inicial acusatória, a qual se encontra amparada no art. 383 do CPP. A emendatio libelli é corolário do princípio da consubstanciação, pelo qual o acusado defende-se dos fatos narrados na denúncia e não da capitulação dada pela acusação. No caso, o magistrado não acresceu circunstâncias fáticas àquilo que já havia sido objeto de defesa e estava delimitado pela narrativa da denúncia. Limitou-se o juízo a quo a dar nova definição jurídica aos fatos, empreendendo verdadeira emendatio libelli com espeque no art. 383 do CPP, não havendo, portanto, violação ao princípio da correlação. VIII - Embora seja indene de dúvidas que ao legislador sempre é recomendável retratar de forma bem delineada os preceitos constitutivos de um tipo penal, principalmente, em atenção à função garantista do princípio da reserva legal, os tipos abertos são realidade presente em nossa codificação e retratam uma sistemática essencial para tutela de bens jurídicos complexos de intrincada proteção em razão da multiplicidade incontável de métodos que possam importar lesividade, pois é impossível ao legislador, especialmente diante da evolução tecnológica e social, promover proteção a contento senão valendo-se de expressões que permitam interpretação dinâmica que acompanhem essa mesma evolução. As cortes superiores jamais reconheceram a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal e, pelo contrário, vêm aplicando-o ao manter diversas imputações e condenações pelo crime de gestão fraudulenta. Reafirmada a constitucionalidade do art. 4º da Lei nº 7.492/86. IX - Transcorridos 9 (nove) anos entre os marcos interruptivos da prescrição, há lapso suficiente ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto tão somente com relação ao crime de apropriação indébita de valores da Fundação Augusto Ruschi, pelos quais houve condenação à pena de 4 (quatro) anos de reclusão. Arts. 107, IV c/c 110, §1º e 109, IV, todos do Código Penal. X - Materialidade e autoria amparadas no relatório de fiscalização do BACEN e em provas orais. XI - Ficou constatada a gestão fraudulenta, na medida em que a cooperativa de crédito servia para repasse de verbas a particulares que nem mesmo eram associados à instituição, sem cadastro, nem garantias, nem pagamento, levando à insolvência da instituição financeira. XII - Não se concretizando a transferência bancária dos valores, o crime de apropriação deve ser considerado como tentado. XIII - Dosimetria. Pena privativa de liberdade majorada, haja vista a ocorrência de efetivo prejuízo, as altas somas envolvidas no injusto, a insolvência à qual a conduta levou a instituição financeira; a prática do crime ao longo de vários anos, certos os acusados de que a impunidade de suas condutas resultaria da proximidade que mantinham com o primeiro escalão do governo estadual. XIV - Recursos parcialmente providos.

Data do Julgamento : 30/11/2016
Classe/Assunto : APELAÇÃO CRIMINAL
Órgão Julgador : 1ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : ABEL GOMES
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : ABEL GOMES
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