TRF2 0011801-31.2006.4.02.5101 00118013120064025101
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AMEAÇAS A JORNALISTA EM MAIS DE UM
ESTADO DA FEDERAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO FUNDAMENTAL. INÉRCIA DA
UNIÃO FEDERAL NA APURAÇÃO DOS FATOS E NA ADOÇÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA. DANOS
MATERIAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. REDUÇÃO
DO "QUANTUM". APLICAÇÃO DO ART.1º-F, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº
11.960/09. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA DESPROVIDO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL
PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Em respeito ao art. 523, §1º, do Código de Processo
Civil de 1973, não deve ser conhecido o agravo retido não reiterado nas
razões ou contrarrazões de apelação. 2. Para configuração da responsabilidade
civil é necessário que se comprove a existência cumulativa de conduta -
que consiste em uma ação ou omissão voluntária -, dano - ou seja, uma lesão
juridicamente relevante de ordem moral, material ou estética - e nexo de
causalidade - que é o liame fático a demonstrar qual conduta foi capaz de
gerar o dano sofrido. 3. No caso vertente, a parte autora postula indenização,
a título de danos materiais e morais, aduzindo, para tanto, que, em razão da
produção da reportagem "Feira das Drogas - O Mundo das Drogas nas Favelas do
Rio de Janeiro", teria passado a ser ameaçada e perseguida por traficantes de
drogas e que, embora tenha solicitado, não teria obtido proteção e segurança
da UNIÃO FEDERAL. 4. Nos termos do estabelecido pelo art.144 da Constituição
Federal, é dever do Estado garantir a segurança pública para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através,
dentre outros órgãos, da polícia federal. 5. Da simples leitura do inciso I,
do § 1º do art.144 da Constituição Federal depreende-se que é atribuição da
polícia federal apurar infrações cuja prática tenha repercussão interestadual,
tendo a Lei nº 10.446/2002 regulamentado referido inciso, estatuindo que, sem
prejuízo da responsabilidade dos demais órgãos de segurança pública arrolados
pelo art.144 da Constituição Federal, pode a polícia federal proceder à
investigação de infrações penais, quando houver repercussão interestadual,
relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil
se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja
parte. 6. A Convenção Americana de Direitos Humanos, tratado internacional de
direitos humanos que 1 foi promulgado no ordenamento jurídico nacional pelo
Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, elenca a liberdade de expressão
como direito fundamental, nos termos do estabelecido por seu artigo 13. 7. O
Supremo Tribunal Federal, já se manifestou no sentido de ser o jornalismo
uma profissão diferenciada, em razão da sua estreita vinculação ao pleno
exercício das liberdades de expressão e de informação, pontuando ser o
jornalista a pessoa que se dedica profissionalmente ao exercício pleno da
liberdade de expressão. (STF, RE 511961, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2009, DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC
13-11-2009 EMENT VOL-02382-04 PP-00692 RTJ VOL-00213-01 PP-00605). 8. No caso,
da detida análise dos autos, verifica-se que a parte autora, ante a inércia da
Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro diante da notícia das ameaças que
vinha sofrendo em razão da matéria jornalística realizada, pediu a apuração
dos fatos e proteção policial diretamente à UNIÃO FEDERAL, por intermédio da
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, integrante do Ministério da Justiça,
relatando, na oportunidade, que já teria sofrido "ameaças e perseguições em
outros Estados da Federação" e que não se sentiria "segura em nenhum Estado da
Federação". 9. Apurada a gravidade das informações prestadas pela parte autora,
que reportava ameaças interestaduais diretamente relacionadas ao exercício
de sua profissão de jornalista que é intrinsecamente relacionado à liberdade
de expressão, direito humano fundamental que a República Federativa do Brasil
se comprometeu a reprimir, o então Secretário de Estado dos Direitos Humanos
e Presidente do Conselho Deliberativo do Programa Federal de Assistência a
Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, nos termos do estabelecido pelo art.1º,
§§ 1º e 2º, da Lei nº 9.807/99 e art.6º, II e § 2º do Decreto nº 3.518/2000,
encaminhou o Ofício nº 1339/2002- SEDH/MJ ao Diretor do Departamento de
Polícia Federal solicitando a adoção de eventuais medidas para garantir a
segurança da parte autora e de seus familiares, não tendo sido tomada, no
entanto, nenhuma atitude pelo órgão destinatário. 10. Infere-se a existência,
cumulativa, de conduta ilícita culposa - vez que a UNIÃO FEDERAL instada a se
manifestar manteve-se inerte -, dano - tendo em vista os danos psicofísicos
atestados pelos laudos médicos acostados aos autos- e nexo de causalidade -
posto que o dano somente ocorreu em razão da negligência da UNIÃO FEDERAL
que, instada a agir, manteve-se inerte, omitindo-se na apuração das ameaças
relatadas e na prestação da segurança da parte autora -, motivo pelo qual
resta inconteste a responsabilidade da UNIÃO FEDERAL. 11. Nos termos do
entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, tanto os danos
emergentes quanto os lucros cessantes exigem efetiva comprovação, não se
admitindo, portanto, indenização em caráter presumido, dissociada dos elementos
fático-probatórios constantes dos autos. (PRECEDENTES: STJ, AgInt no AREsp
964.233/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 23/05/2017, STJ,
AgRg no AREsp 645.243/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado
em 03/09/2015, DJe 05/10/2015; STJ, REsp 1347136/DF, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, DJe 07/03/2014). 2 12. No
caso dos autos, não se pode relegar a plano inferior, ou atribuir a mero
aborrecimento do cotidiano, o dano sofrido pela parte autora. Foram violados
os direitos relacionados à sua integridade moral, ante os danos psicológicos,
atestados pelos laudos médicos acostados aos autos, decorrentes da negligência
da UNIÃO FEDERAL na apuração dos fatos por ela relatados. 13. Considerando
as peculiaridades do caso concreto, notadamente os transtornos psicológicos
sofridos pela parte autora, em razão da inércia na apuração das ameaças,
que culminaram com seu afastamento da antiga empregadora e com uma temporada
radicada fora do país, sopesando-se, por outro lado, que a parte autora
não sofreu violência concreta decorrente das ameaças, deve-se reduzir o
valor arbitrado pelo juízo a quo de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais)
para 20.000,00 (vinte mil reais), eis que tal valor efetivamente concilia
a pretensão compensatória, pedagógica e punitiva da indenização do dano
moral com o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, além de estar
em consonância com os parâmetros recentes e com o artigo 944 do Código
Civil. 14. A partir de 30/06/2009, data da publicação da Lei nº 11.960/2009,
os juros de mora e a atualização monetária devem observar os índices oficiais
de remuneração básica e juros aplicados aos depósitos em caderneta de poupança
na forma do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com base na redação dada pela
Lei nº 11.960/2009. 15. Agravo retido não conhecido. Recurso de apelação
interposto pela parte autora desprovido. Remessa necessária e recurso de
apelação interposto pela UNIÃO FEDERAL parcialmente providos.
Ementa
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AMEAÇAS A JORNALISTA EM MAIS DE UM
ESTADO DA FEDERAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO FUNDAMENTAL. INÉRCIA DA
UNIÃO FEDERAL NA APURAÇÃO DOS FATOS E NA ADOÇÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA. DANOS
MATERIAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. REDUÇÃO
DO "QUANTUM". APLICAÇÃO DO ART.1º-F, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº
11.960/09. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA DESPROVIDO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL
PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Em respeito ao art. 523, §1º, do Código de Processo
Civil de 1973, não deve ser conhecido o agravo retido não reiterado nas
razões ou contrarrazões de apelação. 2. Para configuração da responsabilidade
civil é necessário que se comprove a existência cumulativa de conduta -
que consiste em uma ação ou omissão voluntária -, dano - ou seja, uma lesão
juridicamente relevante de ordem moral, material ou estética - e nexo de
causalidade - que é o liame fático a demonstrar qual conduta foi capaz de
gerar o dano sofrido. 3. No caso vertente, a parte autora postula indenização,
a título de danos materiais e morais, aduzindo, para tanto, que, em razão da
produção da reportagem "Feira das Drogas - O Mundo das Drogas nas Favelas do
Rio de Janeiro", teria passado a ser ameaçada e perseguida por traficantes de
drogas e que, embora tenha solicitado, não teria obtido proteção e segurança
da UNIÃO FEDERAL. 4. Nos termos do estabelecido pelo art.144 da Constituição
Federal, é dever do Estado garantir a segurança pública para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através,
dentre outros órgãos, da polícia federal. 5. Da simples leitura do inciso I,
do § 1º do art.144 da Constituição Federal depreende-se que é atribuição da
polícia federal apurar infrações cuja prática tenha repercussão interestadual,
tendo a Lei nº 10.446/2002 regulamentado referido inciso, estatuindo que, sem
prejuízo da responsabilidade dos demais órgãos de segurança pública arrolados
pelo art.144 da Constituição Federal, pode a polícia federal proceder à
investigação de infrações penais, quando houver repercussão interestadual,
relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil
se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja
parte. 6. A Convenção Americana de Direitos Humanos, tratado internacional de
direitos humanos que 1 foi promulgado no ordenamento jurídico nacional pelo
Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, elenca a liberdade de expressão
como direito fundamental, nos termos do estabelecido por seu artigo 13. 7. O
Supremo Tribunal Federal, já se manifestou no sentido de ser o jornalismo
uma profissão diferenciada, em razão da sua estreita vinculação ao pleno
exercício das liberdades de expressão e de informação, pontuando ser o
jornalista a pessoa que se dedica profissionalmente ao exercício pleno da
liberdade de expressão. (STF, RE 511961, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2009, DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC
13-11-2009 EMENT VOL-02382-04 PP-00692 RTJ VOL-00213-01 PP-00605). 8. No caso,
da detida análise dos autos, verifica-se que a parte autora, ante a inércia da
Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro diante da notícia das ameaças que
vinha sofrendo em razão da matéria jornalística realizada, pediu a apuração
dos fatos e proteção policial diretamente à UNIÃO FEDERAL, por intermédio da
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, integrante do Ministério da Justiça,
relatando, na oportunidade, que já teria sofrido "ameaças e perseguições em
outros Estados da Federação" e que não se sentiria "segura em nenhum Estado da
Federação". 9. Apurada a gravidade das informações prestadas pela parte autora,
que reportava ameaças interestaduais diretamente relacionadas ao exercício
de sua profissão de jornalista que é intrinsecamente relacionado à liberdade
de expressão, direito humano fundamental que a República Federativa do Brasil
se comprometeu a reprimir, o então Secretário de Estado dos Direitos Humanos
e Presidente do Conselho Deliberativo do Programa Federal de Assistência a
Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, nos termos do estabelecido pelo art.1º,
§§ 1º e 2º, da Lei nº 9.807/99 e art.6º, II e § 2º do Decreto nº 3.518/2000,
encaminhou o Ofício nº 1339/2002- SEDH/MJ ao Diretor do Departamento de
Polícia Federal solicitando a adoção de eventuais medidas para garantir a
segurança da parte autora e de seus familiares, não tendo sido tomada, no
entanto, nenhuma atitude pelo órgão destinatário. 10. Infere-se a existência,
cumulativa, de conduta ilícita culposa - vez que a UNIÃO FEDERAL instada a se
manifestar manteve-se inerte -, dano - tendo em vista os danos psicofísicos
atestados pelos laudos médicos acostados aos autos- e nexo de causalidade -
posto que o dano somente ocorreu em razão da negligência da UNIÃO FEDERAL
que, instada a agir, manteve-se inerte, omitindo-se na apuração das ameaças
relatadas e na prestação da segurança da parte autora -, motivo pelo qual
resta inconteste a responsabilidade da UNIÃO FEDERAL. 11. Nos termos do
entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça, tanto os danos
emergentes quanto os lucros cessantes exigem efetiva comprovação, não se
admitindo, portanto, indenização em caráter presumido, dissociada dos elementos
fático-probatórios constantes dos autos. (PRECEDENTES: STJ, AgInt no AREsp
964.233/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 23/05/2017, STJ,
AgRg no AREsp 645.243/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado
em 03/09/2015, DJe 05/10/2015; STJ, REsp 1347136/DF, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, DJe 07/03/2014). 2 12. No
caso dos autos, não se pode relegar a plano inferior, ou atribuir a mero
aborrecimento do cotidiano, o dano sofrido pela parte autora. Foram violados
os direitos relacionados à sua integridade moral, ante os danos psicológicos,
atestados pelos laudos médicos acostados aos autos, decorrentes da negligência
da UNIÃO FEDERAL na apuração dos fatos por ela relatados. 13. Considerando
as peculiaridades do caso concreto, notadamente os transtornos psicológicos
sofridos pela parte autora, em razão da inércia na apuração das ameaças,
que culminaram com seu afastamento da antiga empregadora e com uma temporada
radicada fora do país, sopesando-se, por outro lado, que a parte autora
não sofreu violência concreta decorrente das ameaças, deve-se reduzir o
valor arbitrado pelo juízo a quo de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais)
para 20.000,00 (vinte mil reais), eis que tal valor efetivamente concilia
a pretensão compensatória, pedagógica e punitiva da indenização do dano
moral com o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, além de estar
em consonância com os parâmetros recentes e com o artigo 944 do Código
Civil. 14. A partir de 30/06/2009, data da publicação da Lei nº 11.960/2009,
os juros de mora e a atualização monetária devem observar os índices oficiais
de remuneração básica e juros aplicados aos depósitos em caderneta de poupança
na forma do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com base na redação dada pela
Lei nº 11.960/2009. 15. Agravo retido não conhecido. Recurso de apelação
interposto pela parte autora desprovido. Remessa necessária e recurso de
apelação interposto pela UNIÃO FEDERAL parcialmente providos.
Data do Julgamento
:
02/08/2017
Data da Publicação
:
07/08/2017
Classe/Assunto
:
AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
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