TRF2 0013733-87.2011.4.02.5001 00137338720114025001
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO
AMBIENTE. QUIOSQUES. PRAIA DE SETIBA. TERRENO DE MARINHA. ÁREA DE
RESTINGA. CESSÃO DE USO AOS MUNICÍPIOS. DEMOLIÇÃO. OCUPAÇÃO IRREGULAR. I -
Rejeitam-se as preliminares de prescrição e de prescrição intercorrente,
haja vista que o dano ambiental tem caráter continuado, donde as ações de
pretensão de reparação dos danos ambientais são imprescritíveis, enquanto
ininterrupta a conduta danosa. In casu, os fatos objeto da demanda ainda
estão em curso, qual seja, a existência irregular de quiosques nas areias da
praia de Setiba e o dano ambiental causado por estes quiosques. Outra não é
a orientação do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes: REsp 1223092/SC
e REsp 1120117AC. II - Inexiste óbice legal a que o Ministério Público
Federal possa ratificar os atos do Ministério Público Estadual perante a
Justiça Estadual, isto porque, o Ministério Público, a teor do art. 127,
§ 1º, da Constituição Federal, é instituição una e indivisível, ou seja,
cada um de seus membros o representa como um todo; sendo certo, ainda, que,
segundo o seu art. 129, a promoção de " inquérito civil e a ação civil pública,
para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos" inclui-se dentre as funções da instituição
do Ministério Público, donde se vê que não há impeço à substituição de um
órgão por outro, a fim de se dar efetivo cumprimento ao papel existencial
definido pelo constituinte. III - A anulação dos atos que haviam sido
praticados anteriormente no Juízo estadual não implicou na anulação das
provas que foram carreadas aos autos durante a tramitação do feito na Justiça
estadual, vez que, como cediço, em casos de declínio de competência as provas
produzidas perante o Juízo incompetente podem ser aproveitadas validamente
pelo Juízo competente, ainda mais quando foi oportunizado a todas as partes
o pleno exercício do contraditório, como ocorreu nos presentes autos. IV -
Segundo o art. 225 da Constituição Federal, o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é direito de todos; a Mata Atlântica e a Zona Costeira são
patrimônio nacional; e "as praias marítimas" e "os terrenos de marinha" "são
bens da União", a teor do seu art. 20. As "praias" são definidas como "bens
públicos de uso comum do povo" pela Lei 7.661/88 e o Decreto-lei 9.760/46
define os "terrenos de marinha", afirma a dominialidade da União sobre eles
e anota que o ocupante de imóvel da União sem assentimento desta, poderá
ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização,
tudo quanto haja incorporado ao solo. A Lei 11.428/06 prescreve que as
vegetações de restingas são consideradas integrantes do Bioma Mata Atlântica
e a Lei 12.651/12 prevê que são consideradas Área de Preservação Permanente
as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues. 1 V -
O Decreto-lei 2.398/87, com a redação dada pela Lei 13.139/15, inclui,
dentre as sanções para aquele que construir ou instalar equipamentos,
sem prévia autorização, em bens de uso comum do povo, a demolição e/ou
remoção da construção e dos equipamentos instalados, à conta de quem os
houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização. A Lei 9.636/98
firma que caberá à Secretaria do Patrimônio da União - SPU a incumbência
de fiscalizar o uso dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União e, se
o empreendimento em ecossistemas costeiros necessariamente envolver áreas
originariamente de uso comum do povo, poderá ser autorizada a utilização
dessas áreas, mediante cessão de uso aos Municípios, a qual será autorizada
em ato do Presidente da República. O Decreto 3.125/99 delega expressamente
essa competência ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão;
que subdelega a competência ao Secretário do Patrimônio da União, que, por
sua vez, subdelega a referida competência aos Superintendentes do Patrimônio
da União. A Lei 13.240, com vigência a partir de 31/12/15, veio tratar
da transferência aos Municípios litorâneos da gestão das praias marítimas
urbanas, inclusive das áreas de bens de uso comum com exploração econômica,
o que deve ocorrer mediante assinatura de termo de adesão com a União. VI
- As provas carreadas aos autos demonstram que a ocupação se dá em área
composta de vegetação de restinga, integrante do patrimônio nacional Bioma
Mata Atlântica, sendo, portanto, considerada Área de Preservação Permanente,
como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues que são as restingas;
área tal que só permite o acesso de pessoas para realização de atividades de
baixo impacto ambiental. Segundo as normas ambientais, a ocupação ora analisada
exsurge irregular também do ponto de vista administrativo, na medida em que
autorizada, em sua origem, pelo Município de Guarapari/ES, ente que não possui
competência para regular aspectos referentes a bens da União - como são as
áreas de praia marítima e os terrenos de marinha, atualmente ocupadas em
Setiba. VII - Ficou claro que a construção irregular das edificações causa
danos ao meio ambiente na orla da Praia de Setiba. O Instituto Estadual de
Meio Ambiente e Recursos Hídricos - IEMA, em seu Parecer Técnico COGEST nº
021, após identificar os principais problemas encontrados na referida orla,
aponta as ações de recuperação, para seus trechos, destacando-se dentre elas:
a demolição dos quiosques; a retirada dos aterros, devolvendo a condição
arenosa ao terreno; a retirada dos muros de arrimo que foram instalados
apenas para construção dos quiosques; a realização de manutenção das três
faixas que ainda contém exemplares da vegetação de restinga, mediante a
retirada de espécies exóticas competidoras e plantio de espécies nativas,
etc. VIII - Além de não se poder ignorar o dano ambiental, não se pode dar
valor jurídico aos Termos de Permissão de Uso, assinados em 1992 e em 2000,
porquanto expedidos por autoridade absolutamente incompetente, já que a
Prefeitura de Guarapari/ES não tem competência para autorizar a exploração
de bens da União; a atribuição para fazê-lo é da Secretaria de Patrimônio
da União - SPU. IX - Não merece prosperar o argumento de que a presença
dos quiosqueiros na Praia de Setiba se apresenta como posse velha, mansa,
pacífica, de boa fé e com justo título, pois que, como é sabido, os bens
públicos são insuscetíveis de apossamento por particulares, só se admitindo,
nesta seara, a detenção. X - Tampouco se pode privilegiar, no caso, a boa-fé,
seja porque não se desconhecia que as construções eram irregulares, como revela
a Nota Técnica COGEST nº 014 do IEMA, que contém o histórico de embargos e
autuações em face dos quiosqueiros e do Município de 2 Guarapari, os quais
ocorriam desde 1991; como também porque, ao renovar o Termo de Permissão e
Uso pelo período de 20 anos, já no ano 2000, as normas ambientais deixavam
claro que o órgão responsável por conceder autorização para construção de
quiosques na praia é a SPU. De igual forma, os quiosqueiros tinham ciência
da ocupação irregular, tanto que assinaram um acordo para desocuparem a área
voluntariamente no dia 06/04/2010. XI - Logo, legítima a remoção dos quiosques,
a fim de resguardar o livre acesso e utilização da praia, bem público de uso
comum do povo; assim como a obrigação de reparação/compensação dos danos
ambientais verificados na área degradada, tudo a teor do disposto na Lei
7.661/88. XII - Providos os recursos do MPF e da UNIÃO FEDERAL. Desprovido
o apelo de NAPOLINEU PEREIRA DA COSTA. Sentença reformada.
Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO
AMBIENTE. QUIOSQUES. PRAIA DE SETIBA. TERRENO DE MARINHA. ÁREA DE
RESTINGA. CESSÃO DE USO AOS MUNICÍPIOS. DEMOLIÇÃO. OCUPAÇÃO IRREGULAR. I -
Rejeitam-se as preliminares de prescrição e de prescrição intercorrente,
haja vista que o dano ambiental tem caráter continuado, donde as ações de
pretensão de reparação dos danos ambientais são imprescritíveis, enquanto
ininterrupta a conduta danosa. In casu, os fatos objeto da demanda ainda
estão em curso, qual seja, a existência irregular de quiosques nas areias da
praia de Setiba e o dano ambiental causado por estes quiosques. Outra não é
a orientação do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes: REsp 1223092/SC
e REsp 1120117AC. II - Inexiste óbice legal a que o Ministério Público
Federal possa ratificar os atos do Ministério Público Estadual perante a
Justiça Estadual, isto porque, o Ministério Público, a teor do art. 127,
§ 1º, da Constituição Federal, é instituição una e indivisível, ou seja,
cada um de seus membros o representa como um todo; sendo certo, ainda, que,
segundo o seu art. 129, a promoção de " inquérito civil e a ação civil pública,
para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos" inclui-se dentre as funções da instituição
do Ministério Público, donde se vê que não há impeço à substituição de um
órgão por outro, a fim de se dar efetivo cumprimento ao papel existencial
definido pelo constituinte. III - A anulação dos atos que haviam sido
praticados anteriormente no Juízo estadual não implicou na anulação das
provas que foram carreadas aos autos durante a tramitação do feito na Justiça
estadual, vez que, como cediço, em casos de declínio de competência as provas
produzidas perante o Juízo incompetente podem ser aproveitadas validamente
pelo Juízo competente, ainda mais quando foi oportunizado a todas as partes
o pleno exercício do contraditório, como ocorreu nos presentes autos. IV -
Segundo o art. 225 da Constituição Federal, o meio ambiente ecologicamente
equilibrado é direito de todos; a Mata Atlântica e a Zona Costeira são
patrimônio nacional; e "as praias marítimas" e "os terrenos de marinha" "são
bens da União", a teor do seu art. 20. As "praias" são definidas como "bens
públicos de uso comum do povo" pela Lei 7.661/88 e o Decreto-lei 9.760/46
define os "terrenos de marinha", afirma a dominialidade da União sobre eles
e anota que o ocupante de imóvel da União sem assentimento desta, poderá
ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização,
tudo quanto haja incorporado ao solo. A Lei 11.428/06 prescreve que as
vegetações de restingas são consideradas integrantes do Bioma Mata Atlântica
e a Lei 12.651/12 prevê que são consideradas Área de Preservação Permanente
as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues. 1 V -
O Decreto-lei 2.398/87, com a redação dada pela Lei 13.139/15, inclui,
dentre as sanções para aquele que construir ou instalar equipamentos,
sem prévia autorização, em bens de uso comum do povo, a demolição e/ou
remoção da construção e dos equipamentos instalados, à conta de quem os
houver efetuado, caso não sejam passíveis de regularização. A Lei 9.636/98
firma que caberá à Secretaria do Patrimônio da União - SPU a incumbência
de fiscalizar o uso dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União e, se
o empreendimento em ecossistemas costeiros necessariamente envolver áreas
originariamente de uso comum do povo, poderá ser autorizada a utilização
dessas áreas, mediante cessão de uso aos Municípios, a qual será autorizada
em ato do Presidente da República. O Decreto 3.125/99 delega expressamente
essa competência ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão;
que subdelega a competência ao Secretário do Patrimônio da União, que, por
sua vez, subdelega a referida competência aos Superintendentes do Patrimônio
da União. A Lei 13.240, com vigência a partir de 31/12/15, veio tratar
da transferência aos Municípios litorâneos da gestão das praias marítimas
urbanas, inclusive das áreas de bens de uso comum com exploração econômica,
o que deve ocorrer mediante assinatura de termo de adesão com a União. VI
- As provas carreadas aos autos demonstram que a ocupação se dá em área
composta de vegetação de restinga, integrante do patrimônio nacional Bioma
Mata Atlântica, sendo, portanto, considerada Área de Preservação Permanente,
como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues que são as restingas;
área tal que só permite o acesso de pessoas para realização de atividades de
baixo impacto ambiental. Segundo as normas ambientais, a ocupação ora analisada
exsurge irregular também do ponto de vista administrativo, na medida em que
autorizada, em sua origem, pelo Município de Guarapari/ES, ente que não possui
competência para regular aspectos referentes a bens da União - como são as
áreas de praia marítima e os terrenos de marinha, atualmente ocupadas em
Setiba. VII - Ficou claro que a construção irregular das edificações causa
danos ao meio ambiente na orla da Praia de Setiba. O Instituto Estadual de
Meio Ambiente e Recursos Hídricos - IEMA, em seu Parecer Técnico COGEST nº
021, após identificar os principais problemas encontrados na referida orla,
aponta as ações de recuperação, para seus trechos, destacando-se dentre elas:
a demolição dos quiosques; a retirada dos aterros, devolvendo a condição
arenosa ao terreno; a retirada dos muros de arrimo que foram instalados
apenas para construção dos quiosques; a realização de manutenção das três
faixas que ainda contém exemplares da vegetação de restinga, mediante a
retirada de espécies exóticas competidoras e plantio de espécies nativas,
etc. VIII - Além de não se poder ignorar o dano ambiental, não se pode dar
valor jurídico aos Termos de Permissão de Uso, assinados em 1992 e em 2000,
porquanto expedidos por autoridade absolutamente incompetente, já que a
Prefeitura de Guarapari/ES não tem competência para autorizar a exploração
de bens da União; a atribuição para fazê-lo é da Secretaria de Patrimônio
da União - SPU. IX - Não merece prosperar o argumento de que a presença
dos quiosqueiros na Praia de Setiba se apresenta como posse velha, mansa,
pacífica, de boa fé e com justo título, pois que, como é sabido, os bens
públicos são insuscetíveis de apossamento por particulares, só se admitindo,
nesta seara, a detenção. X - Tampouco se pode privilegiar, no caso, a boa-fé,
seja porque não se desconhecia que as construções eram irregulares, como revela
a Nota Técnica COGEST nº 014 do IEMA, que contém o histórico de embargos e
autuações em face dos quiosqueiros e do Município de 2 Guarapari, os quais
ocorriam desde 1991; como também porque, ao renovar o Termo de Permissão e
Uso pelo período de 20 anos, já no ano 2000, as normas ambientais deixavam
claro que o órgão responsável por conceder autorização para construção de
quiosques na praia é a SPU. De igual forma, os quiosqueiros tinham ciência
da ocupação irregular, tanto que assinaram um acordo para desocuparem a área
voluntariamente no dia 06/04/2010. XI - Logo, legítima a remoção dos quiosques,
a fim de resguardar o livre acesso e utilização da praia, bem público de uso
comum do povo; assim como a obrigação de reparação/compensação dos danos
ambientais verificados na área degradada, tudo a teor do disposto na Lei
7.661/88. XII - Providos os recursos do MPF e da UNIÃO FEDERAL. Desprovido
o apelo de NAPOLINEU PEREIRA DA COSTA. Sentença reformada.
Data do Julgamento
:
11/07/2016
Data da Publicação
:
02/08/2016
Classe/Assunto
:
AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
7ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
SERGIO SCHWAITZER
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
SERGIO SCHWAITZER
Observações
:
Proc. 021.98.014163-0 (2 vols.) da Comarca de Guarapari->Alteração polo
at. e inclusão partes polo pass. - decisão fl.3/16.-> Proc. inspecionado
no Gab. 21 de 01 a 30/10/2015, cf. Provs. 17/2014 e 18/2015 da CG JF. Registro
feito cf. art. 2º, § 1º.
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