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Jurisprudência


TRF2 0021403-12.2007.4.02.5101 00214031220074025101

Ementa
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES. REVOGAÇÃO DO SEGREDO DE JUSTIÇA. PARTICIPAÇÃO DO CÔNJUGE DO DEVEDOR NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS. LEGITIMIDADE PASSIVA. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. REQUISITO DE ANTERIORIDADE DA DÍVIDA AO ATO FRAUDULENTO RELATIVIZADO. INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR CARACTERIZADA. DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE CONLUI EM NEGÓCIO JURÍDICO A TÍTULO GRATUITO. 1. Ação Pauliana ajuizada pela Fazenda Nacional objetivando a anulação de doações que levaram o sujeito passivo da obrigação tributária à insolvência, acompanhada de todos os atos necessários para o retorno do status quo ante, inclusive perante o Registro de Imóvel. 2. A decretação do segredo de justiça de que trata o Código de Processo Civil diz respeito a uma restrição da publicidade dos atos judiciais e não exatamente dos atos praticados pelas partes. Portanto, não pode o Judiciário, sem o consentimento dos litigantes, permitir que os documentos por eles produzidos tenham uma destinação diversa da originariamente desejada, isto é, que sejam utilizados com objetivo estranho ao devido processo legal (ampla defesa e contraditório). 3. Revoga-se de ofício o segredo de justiça decretado no processo originário, ressalvando, porém, que os documentos alcançados pelo sigilo fiscal têm acesso restrito aos litigantes, sendo ônus das secretarias dos órgãos jurisdicionais as cautelas correspondentes. Precedente: TRF2, 5ª Turma Especializada, AG 0004434-15.2015.4.02.0000, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, E-DJF2R 27.01.2016. 4. Existe legitimidade passiva da esposa do devedor da obrigação tributária, quando esta é casada em regime de comunhão de bens, tendo participado dos negócios jurídicos realizados com o intuito de fraudar credores. 5. Preliminar de inépcia da inicial afastada se a parte demandante apresenta em sua inicial fatos e fundamentos jurídicos necessários para o julgamento da demanda, preenchendo os requisitos exigidos. 6. O direito potestativo é exercido no momento do ajuizamento da ação. Dessa forma, não se considera que ocorreu o transcurso do prazo decadencial, previsto no art. 178, inciso II, do Código civil, no caso do protocolo da petição inicial ser em data anterior ao período de 4 (quatro) anos, contados do dia do ato que se quer desconstituir. 7. Embora exista informação, apresentada em memoriais pelo devedor e sua cônjuge, de que tenha sido proferida decisão, pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), relativa ao recurso voluntário interposto em face de julgamento que não acolheu a impugnação ao auto de infração lavrado, no sentido de 1 excluir o crédito da União Federal oriundo das remessas ilegais para o exterior, constata-se, através de pesquisa ao sítio eletrônico do Carf, a existência de recurso especial do Procurador da Fazenda Nacional pendente de apreciação. Dessa forma, inexistindo trânsito em julgado no âmbito administrativo, bem como o fato de haver independência entre as esferas administrativas e cíveis, permanece o interesse processual da União Federal na demanda. 8. O requisito de existir dívida anterior ao ato fraudulento, para ser capaz de gerar a anulabilidade das alienações, deve ser relativizado quando verificada a fraude predeterminada em detrimento de futuros credores. Precedente do STJ: 3ª Turma, REsp 1.092.134, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 18.11.2010; 3ª Turma, REsp 1.324.308, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 08.09.2014. Sendo assim, embora as doações terem ocorrido antes de iniciada a ação fiscal que originou o crédito tributário, as investigações dos casos "Banestado" e "Beacon Hill", que foram fundamentais para a lavratura do auto de infração pela autoridade tributária, tiveram conhecimento público, inclusive com divulgação em revistas de grande circulação em data anterior aos negócios jurídicos realizados, estando ciente o sujeito passivo de possíveis consequências financeiras. 9. Resta caracterizada a insolvência de devedor se este apenas possui um único imóvel, que não pode ser utilizado para quitar dívida, uma vez que o art. 1.715 do Código Civil e o art. 1º da Lei nº 8.009/90 garantem a impenhorabilidade do bem de família. Ademais, os bens mencionados pelo sujeito passivo da obrigação tributária, como quotas de empresa, automóvel de luxo e joias, conforme consta da declaração do imposto de renda, não são suficientes para quitar a dívida existente. 10. Configura-se o intuito fraudulento do devedor quando, da análise de sua declaração do imposto de renda do mesmo ano em que iniciou a ação fiscal, verifica-se que, após apresentar um patrimônio estável durante muitos anos, diversificado em muitos imóveis, este reduz significativamente, atingindo menos da metade do seu valor originário, restando apenas um imóvel dentre seus bens, já que todos os demais foram doados a seu neto. 11. A intenção de fraudar fica demonstrada também quando, associada à redução considerável de patrimônio, as doações são todas da nua propriedade com a reserva de usufruto em favor dos doadores, configurando o objetivo de não possuir mais a propriedade formalmente, mas permanecer apenas com as faculdades de uso e gozo dos bens. 12. A comprovação de conluio do adquirente, no caso de transferência da propriedade ser a título gratuito, não é necessária. Nesse sentido, o autor Yussef Said Cahali destaca em sua obra que "(...)uma vez verificada a insolvência decorrente do ato gratuito fraudulento, ou por ele agravada, legitima-se o credor para o exercício da ação pauliana, sendo indiferente que se prove que o devedor ou o terceiro beneficiário da gratuidade tenham ou devessem ter conhecimento do desfalque causado ao patrimônio assecuratório do pagamento da dívida; assim, no ato gratuito, a condição de cumplicidade não é necessária, obtendo o credor a revogação do ato, sem ter necessidade de provar que o favorecido tenha estado conscius fraudis, pois, mesmo de boa-fé aquele, a ação procederá (...)"(CAHALI, Yussef Said et al. Fraude Contra Credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 227). 13. Apelações não providas. 2

Data do Julgamento : 24/06/2016
Data da Publicação : 23/08/2016
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : RICARDO PERLINGEIRO
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : RICARDO PERLINGEIRO
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