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Jurisprudência


TRF2 0022605-14.2013.4.02.5101 00226051420134025101

Ementa
Nº CNJ : 0022605-14.2013.4.02.5101 (2013.51.01.022605-2) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : PORTAL DO TEMPUS ASSISTÊNCIA FAMILIAR LTDA ME E OUTROS ADVOGADO : PR040886 - ANDERSON JOSE ADAO APELADO : SUSEP-SUPERINTENDENCIA DE SEGUROS PRIVADOS PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL ORIGEM : 03ª Vara Federal de Volta Redonda (00226051420134025101) EME NTA APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FUNERÁRIOS. ATIVIDADE SECURATÓRIA. NÃO OBSERVÂNCIA DA REGULAÇÃO. SUSEP. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE SÓCIAS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 28 DO CDC. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. EVENTO FUTURO E INCERTO. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÕES RECÍPROCAS. COBERTURA DE RISCO. CARACTERIZAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO. LEI 13261/16. COMERCIALIZAÇÃO DE PLANOS DE ASSISTÊNCIA FUNERÁRIA. ALEATORIEDADE CONTRATUAL NÃO PREVISTA. DANOS MORAIS COLETIVOS. VIOLAÇÃO A DIREITOS DO CONSUMIDOR E AUSÊNCIA DE SEGURAÇÃO E AUTORIZAÇÃO PARA OPERAÇÕES DA EMPRESA. DESCABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Apelação cível em face de sentença que, em sede de ação civil pública, deferiu o pedido autoral, declarando a ilicitude da atuação da empresa demandada no mercado de seguros, proibindo-a, permanentemente, de realizar a oferta e/ou a comercialização de qualquer modalidade contratual de seguro em todo o território nacional, incluindo-se as ofertas dos produtos objeto dos contratos constantes dos autos, atinentes a serviços funerários, devendo "1) Se abster imediatamente deementa comercializar, realizar a oferta, veicular ou anunciar, por qualquer meio de comunicação, qualquer modalidade contratual de seguro, em todo o território nacional, sendo expressamente proibida de angariar novos consumidores do referido serviço, bem como de renovar os contratos atualmente em vigor; e 2) Suspender, de imediato, a cobrança de valores de seus associados ou consumidores, a título de mensalidades vencidas e ou vincendas, rateios e outras despesas relativas à atuação irregular no mercado de seguros." Condenação das demandadas ao pagamento, de forma solidária, de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) ao fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/85. 2. É previsão da Lei nº 8.078/90, hipótese também preconizada pelo CC/2002, a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade. O contrato de seguro, por abarcar relação de consumo, sujeita-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, com realce para o artigo 47 (STJ, AREsp 980502, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE 23.9.2016). 3. Uma vez se tratando de aferição quanto à existência de contratos de seguro, aptos a atrair a legislação consumerista; quando detectado "abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social" (caput do art. 28 do CDC), fica autorizado o Juízo a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade. O caso versa sobre suposta infração da lei, razão pela qual são legítimas as sócias da empresa demandada para figurarem no polo passivo da demanda. 4. Cinge-se a controvérsia em perquirir se os contratos da demandada de assistência funerária são configurados como de seguro e, por conseguinte, se as mesmas infringiram a disposição legal quanto à necessidade de ter a atividade assecuratória fiscalizada por órgão competente [SUSEP] e as normas 1 reguladoras do mercado de seguros, ensejando pagamento de multa e danos morais coletivos. 5. O seguro, segundo definição do Código Civil, é o contrato mediante o qual o segurador se obriga, "mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados." (art. 757, CC). 6. A regulação do mercado de seguros é determinada pelo Decreto-Lei 73/1966, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências, sendo realizada pela SUSEP. Segundo definição exposta no art. 3º "consideram-se operações de seguros privados os seguros de coisas, pessoas, bens, responsabilidades, obrigações, direitos e garantias". 7. Já a Lei nº 13.261/2016, que dispõe sobre a normatização, a fiscalização e a comercialização de planos de intermediação de benefícios, assessoria e prestação de serviço funerário esclarece que trata-se da contratação de empresas administradoras de planos de assistência funerária visando a um conjunto de serviços a serem prestados ao titular e a seus dependentes na realização das homenagens póstumas. Devem ser pagas parcelas "como contraprestação pelos serviços contratados" (inciso II do art. 8º). 8. A principal diferença entre ambos [seguro e assistência funerária] consiste existência de obrigação fazer/pagar [indenização ou reembolso] da seguradora na hipótese de ocorrer o evento morte, "risco pré- determinado"; e cumprir obrigação de fazer [garantir a prestação de serviços na realização das homenagens póstumas], quando da ocorrência do evento morte para o assistido; cabendo, nos dois casos, o pagamento contraprestações pecuniárias. 9. Enquanto no primeiro a ocorrência de um evento futuro e incerto, porém pré-determinado, acarreta a responsabilização da entidade seguradora em indenizar o assegurado [desde que o prêmio esteja sendo ou tenha sido pago]; na assistência funerária, muito embora se trate de fato futuro e incerto "morte", fica a garantia da prestação dos serviços como contraprestação às parcelas pagas, inexistindo hipótese de adimplemento da obrigação por não ocorrência da morte. 10. É irrelevante a identificação da presença de indenização ou reembolso pecuniário para equiparar um plano de assistência funerária a um seguro, uma vez que da leitura dos dispositivos legais extrai-se que o ponto fulcral é a cobertura do risco pré-determinado no seguro, porquanto é precisamente tal elemento que caracteriza a atividade assecuratória. 11. Dessa forma, não se mostra suficiente a presença de cláusula que garante o pagamento de indenização em caso de ocorrência do evento futuro e incerto para a configuração de um contrato de seguro, mas que haja a assunção de uma obrigação apenas quando tal evento for consumado. Isso porque têm o evento morte como fato ensejador da obrigação tanto o seguro, quanto o plano de assistência funerária. No entanto, apenas neste último fica a empresa contratada obrigada a prestar os serviços de homenagem "quando" ocorrer a morte, e não pagar quantia indenizatória/prestar serviço "se" ocorrer a morte. 12. O que se nota das cláusulas contratuais das apelantes de maior semelhança ao seguro é o fato de trazerem como condição para o adimplemento da obrigação a ocorrência do evento futuro incerto [o que caracteriza a aleatoriedade do contrato], denotando uma relação que não dispõe de natureza bilateral como remonta a Lei nº 13.261/2016. Ademais, estão presentes outros os caracteres distintivos dos contratos acostados que remontam o contrato se de seguro. 13. Como exemplo, a presença do mutualismo das obrigações (diluição do risco individual no risco coletivo), com a criação de um conjunto de associados são obrigado a pagar a taxa de R$20,00 (vinte reais) quando do óbito de um deles; bem como a temporariedade contratual, a qual denota a prestação de serviços somente quando ocorrida a morte na vigência do contrato, são elementos outros que, juntos, demonstram se tratar de contrato de seguro. Identificada a caracterização de contrato de seguro, mediante análise conjunta das disposições contratuais. 2 14. Há vários julgados do Superior Tribunal de Justiça no sentido do cabimento da condenação por danos morais coletivos em sede de ação civil pública. Precedentes: EDcl no AgRg no AgRg no REsp 1440847/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 15/10/2014, REsp 1269494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013; REsp 1367923/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/09/2013; REsp 1197654/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 08/03/2012. 15. Contudo, também a Corte já se manifestou no sentido de que não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso, que dê ensanchas à responsabilidade civil. Isso porque nem todo ato ilícito se revela como afronta aos valores de uma comunidade. Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva (STJ, 3ª turma, REsp 1.221.756, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 10.02.2012). 16. Sentença que fixa indenização no valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) em razão da configuração de violação a direitos do consumidor, que acredita na legitimidade do plano contratado; e da atuação da apelante sem a devida autorização e sem que tenha tomado as providências capazes de garantir a segurança das suas operações, atuando no mercado de forma menos onerosa para si, em concorrência desleal aos demais entes que o fazem. 17. Não houve a efetiva demonstração de dano aos interesses extrapatrimoniais dos membros de um grupo ou da coletividade a ensejar indenização por danos morais coletivos, não bastando a simples insatisfação da coletividade. No TRF2: 5ª turma especializada, AC 00803313820164025101, Rel. Juiz Fed. Conv. FIRLY NASCIMENTO FILHO, E-DJF2R 7.8.2018. 18. A mera alegação de que a ausência de autorização para a atividade assecuratória, mormente se considerada a inexistência de legislação que especificasse a regulação de plano de assistência funerária até 2016, não é suficiente para a demonstração de ofensa concreta à tranquilidade social, dado que a irregularidade contratual não importa, necessariamente, a exposição da comunidade à eventuais riscos por indevida prestação do serviço. 19. Não basta a mera infringência à lei ou ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo. É essencial que o ato antijurídico praticado atinja alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais. Com efeito, para não haver o seu desvirtuamento, a banalização deve ser evitada. Descaracterização, portanto, do dano moral coletivo: não houve intenção deliberada da demandada em violar o ordenamento jurídico. Precedente semelhante: STJ, 3ª turma, REsp 1.473.846, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJE 24.2.2017. 20. Deve ser mantida a sentença quanto à procedência da pretensão autoral para declarar a ilicitude da atuação da primeira demandada no mercado de seguros, proibindo-a, permanentemente, de realizar a oferta e/ou a comercialização de qualquer modalidade contratual de seguro em todo o território nacional, incluindo-se as ofertas dos produtos objeto dos contratos constantes dos autos. 21. Impõe-se a reforma da sentença, contudo, pelo reconhecimento de inexistência de dano moral coletivo, devendo ser extinta a condenação das demandadas a pagar, de forma solidária, ao fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/85, indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). 22. Apelação parcialmente provida. 3

Data do Julgamento : 17/12/2018
Data da Publicação : 21/01/2019
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : RICARDO PERLINGEIRO
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : RICARDO PERLINGEIRO
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