TRF2 0023332-70.2013.4.02.5101 00233327020134025101
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. DEPORTAÇÃO. MEDIDA
DESPROPORCIONAL E GRAVOSA. UNIÃO ESTÁVEL COM BRASILEIRA E FILHOS
EM COMUM. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E GUARDA. ART. 75, II, "B", DA LEI
6.815/80. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
PROTEÇÃO DA CRIANÇA E UNIDADE FAMILIAR. ARTS. 226 E 227 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. POSSIBILIDADE. - Cinge-se a controvérsia
ao exame da possibilidade da concessão ao autor de prazo (180 dias) para
regularizar a sua s ituação no país, mediante requerimento de permanência. -
Todas as circunstâncias fático-jurídicas da presente demanda restaram
devidamente delineadas na sentença, cuja fundamentação se adota, como razões
de decidir, in verbis: " (..) vale ressaltar que a permissão de entrada e
permanência de estrangeiro em território nacional é ato discricionário, nos
termos dos arts. 2º, 7º, II e 26 da Lei nº 6.815/80, levando-se em conta que
o controle imigratório é inerente à própria noção de Estado, expressão típica
do exercício da soberania. Assim, o visto não constitui um direito subjetivo
à entrada tampouco à permanência no território. Não obstante, o ordenamento
jurídico pátrio possibilita a prorrogação do visto, desde que o estrangeiro a
requeira ao Departamento de P o l í c i a F e d e r a l a n t e s d e e x p i r
a d o o p r a z o inicialmente autorizado em seu país de origem, nos termos do
art. 65, caput do Decreto nº 86.715/81, sendo vedada a legalização da estada
de irregular, assim como a transformação em permanente do visto de turista,
nos termos do art. 38. No caso, o autor ingressou no Brasil em 1 20/04/2010,
com visto de turista, cujo prazo inicial expiraria em 21/05/2010, tendo
sido autorizado a permanecer em solo nacional, nessa qualidade de turista,
pelo prazo de trinta e um dias, a partir do desembarque em solo nacional
(20/04/2010). Conquanto fosse possível, em tese, a prorrogação deste prazo,
não consta que o autor tenha formulado qualquer pedido nesse sentido, como
também não requereu a concessão do visto de permanência em razão de possuir
prole brasileira. De conseguinte, sua estada em território nacional se tornou
irregular, por excesso de prazo, possibilitando sua deportação. Com efeito,
o art. 57 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto dos Estrangeiros) prevê a deportação,
como uma das modalidades de retirada compulsória do estrangeiro do território
brasileiro, aplicável àqueles que tenham aqui ingressado irregularmente ou
cuja estada tenha se tornado irregular, que, notificados pelo Departamento
de Polícia Federal a deixar o País em determinado prazo, desatendam a essa
determinação. (...) A Lei 6.815/80, em seu art. 75, veda expressamente a
expulsão de estrangeiro que tenha filho ou mulher brasileira. A deportação,
sendo instituto francamente mais benévolo e brando que a expulsão, não
será possível se o estrangeiro tiver filho brasileiro, ainda que a lei
expressamente nada disponha neste sentido. Interpretação sistêmica dos artigos
57 a 75 da Lei 6.815/80. Quanto à guarda das crianças, há de se presumir
que as relações familiares são caracterizadas pela solidariedade e afeto,
ainda mais quando se trata de relacionamento entre pai e filhos e não haja
nos autos qualquer prova em contrário. Ademais, a unidade familiar merece,
ao menos, o benefício da dúvida, sobretudo, no caso, diante da declaração
da própria mãe (fl. 18) no sentido de a guarda ser exercida conjuntamente
entre eles, eis que vivem todos sob o mesmo teto. (...) Destarte, ante a
possibilidade de vir a ser deferida a permanência definitiva do autor no
País, com base na existência de filhos menores sob sua guarda e dependência,
o mais razoável e acertado é permitir que aqui permaneça para que possa
regularizar sua situação em sede administrativa, a depender da prova a
ser 2 apresentada. Nesse sentido, impende conferir às regras de controle
imigratório uma interpretação em conformidade com o disposto no art. 226 da
CFRB/88, de modo que não seria razoável considerar a medida de deportação,
em detrimento da proteção à família e à criança, sem que antes seja, ao
menos, analisada situação fática concreta pela autoridade r esponsável". -
No mesmo sentido é o parecer do Ministério Público Federal ( fls.127/133). -
Do exame dos documentos colacionados aos autos, verifica-se que o autor, de
nacionalidade espanhola, se encontra no território brasileiro desde 20 de abril
de 2010 (fl.24) e vive há mais de 10 anos, em união estável, com a nacional,
Cathilen Silva Miranda, com quem tem dois filhos menores, ambos nascidos na
Espanha, porém com certidão de transcrição de nascimento no Registro Civil
de Pessoas Naturais do 1º D istrito da Comarca de Itaguaí (fls. 18/20). -
Observa-se que o casal tem residência fixa no Brasil (fls. 17/18 e 22) e que
seus filhos encontram-se devidamente matriculados no Pré -I B, da Educação
Infantil do Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente Caio Paulo
Dacorso Filho e no 1º ano do Ensino Fundamental de outra u nidade escolar
em Seropédica. - Consoante bem destacado pelo Ministério Público Federal,
a situação do autor amolda-se às excessões estabelecidas no art. 75 da
Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) que expressamente estabelece:
"Não se procederá à expulsão: II. quando o estrangeiro tiver, b) filho
brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa
economicamente". Assim, a retirada forçada do estrangeiro do território
nacional não se dará no caso de existir filho brasileiro que esteja sob
a guarda e dependência econômica do e strangeiro, o que ocorre in casu. -
O aludido art. 75 do Estatuto do Estrangeiro deve ser analisado à luz dos
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade
e do princípio da proteção da criança, inclusive do direito à convivência
familiar e comunitária, insculpido no art. 227 da Constituição Federal. 3 -
Insta registrar que as consequências pessoais e psicológicas, além da material,
advindas da deportação do autor, podem gerar traumas para os filhos, na
medida em que o s mesmos serão privados da convivência com o pai. - Diante
da ponderação de interesses na hipótese dos autos, levando-se em conta
as circunstâncias fáticas descritas na inicial, necessária a mitigação da
rigidez das regras legais que disciplinam a permanência do estrangeiro no
território nacional, de forma a evitar a sua imediata deportação, medida
que se revela extremamente desproporcional e gravosa para o a u t o r , p r
i v i l e g i a n d o a h i p o s s u f i c i ê n c i a d o estrangeiro, sua
convivência familiar, bem como os princípios constitucionais acima mencionados,
circunstância que impõe a m anutenção da sentença. - Precedentes citados. -
Remessa necessária e recuso desprovidos.
Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. DEPORTAÇÃO. MEDIDA
DESPROPORCIONAL E GRAVOSA. UNIÃO ESTÁVEL COM BRASILEIRA E FILHOS
EM COMUM. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E GUARDA. ART. 75, II, "B", DA LEI
6.815/80. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
PROTEÇÃO DA CRIANÇA E UNIDADE FAMILIAR. ARTS. 226 E 227 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. POSSIBILIDADE. - Cinge-se a controvérsia
ao exame da possibilidade da concessão ao autor de prazo (180 dias) para
regularizar a sua s ituação no país, mediante requerimento de permanência. -
Todas as circunstâncias fático-jurídicas da presente demanda restaram
devidamente delineadas na sentença, cuja fundamentação se adota, como razões
de decidir, in verbis: " (..) vale ressaltar que a permissão de entrada e
permanência de estrangeiro em território nacional é ato discricionário, nos
termos dos arts. 2º, 7º, II e 26 da Lei nº 6.815/80, levando-se em conta que
o controle imigratório é inerente à própria noção de Estado, expressão típica
do exercício da soberania. Assim, o visto não constitui um direito subjetivo
à entrada tampouco à permanência no território. Não obstante, o ordenamento
jurídico pátrio possibilita a prorrogação do visto, desde que o estrangeiro a
requeira ao Departamento de P o l í c i a F e d e r a l a n t e s d e e x p i r
a d o o p r a z o inicialmente autorizado em seu país de origem, nos termos do
art. 65, caput do Decreto nº 86.715/81, sendo vedada a legalização da estada
de irregular, assim como a transformação em permanente do visto de turista,
nos termos do art. 38. No caso, o autor ingressou no Brasil em 1 20/04/2010,
com visto de turista, cujo prazo inicial expiraria em 21/05/2010, tendo
sido autorizado a permanecer em solo nacional, nessa qualidade de turista,
pelo prazo de trinta e um dias, a partir do desembarque em solo nacional
(20/04/2010). Conquanto fosse possível, em tese, a prorrogação deste prazo,
não consta que o autor tenha formulado qualquer pedido nesse sentido, como
também não requereu a concessão do visto de permanência em razão de possuir
prole brasileira. De conseguinte, sua estada em território nacional se tornou
irregular, por excesso de prazo, possibilitando sua deportação. Com efeito,
o art. 57 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto dos Estrangeiros) prevê a deportação,
como uma das modalidades de retirada compulsória do estrangeiro do território
brasileiro, aplicável àqueles que tenham aqui ingressado irregularmente ou
cuja estada tenha se tornado irregular, que, notificados pelo Departamento
de Polícia Federal a deixar o País em determinado prazo, desatendam a essa
determinação. (...) A Lei 6.815/80, em seu art. 75, veda expressamente a
expulsão de estrangeiro que tenha filho ou mulher brasileira. A deportação,
sendo instituto francamente mais benévolo e brando que a expulsão, não
será possível se o estrangeiro tiver filho brasileiro, ainda que a lei
expressamente nada disponha neste sentido. Interpretação sistêmica dos artigos
57 a 75 da Lei 6.815/80. Quanto à guarda das crianças, há de se presumir
que as relações familiares são caracterizadas pela solidariedade e afeto,
ainda mais quando se trata de relacionamento entre pai e filhos e não haja
nos autos qualquer prova em contrário. Ademais, a unidade familiar merece,
ao menos, o benefício da dúvida, sobretudo, no caso, diante da declaração
da própria mãe (fl. 18) no sentido de a guarda ser exercida conjuntamente
entre eles, eis que vivem todos sob o mesmo teto. (...) Destarte, ante a
possibilidade de vir a ser deferida a permanência definitiva do autor no
País, com base na existência de filhos menores sob sua guarda e dependência,
o mais razoável e acertado é permitir que aqui permaneça para que possa
regularizar sua situação em sede administrativa, a depender da prova a
ser 2 apresentada. Nesse sentido, impende conferir às regras de controle
imigratório uma interpretação em conformidade com o disposto no art. 226 da
CFRB/88, de modo que não seria razoável considerar a medida de deportação,
em detrimento da proteção à família e à criança, sem que antes seja, ao
menos, analisada situação fática concreta pela autoridade r esponsável". -
No mesmo sentido é o parecer do Ministério Público Federal ( fls.127/133). -
Do exame dos documentos colacionados aos autos, verifica-se que o autor, de
nacionalidade espanhola, se encontra no território brasileiro desde 20 de abril
de 2010 (fl.24) e vive há mais de 10 anos, em união estável, com a nacional,
Cathilen Silva Miranda, com quem tem dois filhos menores, ambos nascidos na
Espanha, porém com certidão de transcrição de nascimento no Registro Civil
de Pessoas Naturais do 1º D istrito da Comarca de Itaguaí (fls. 18/20). -
Observa-se que o casal tem residência fixa no Brasil (fls. 17/18 e 22) e que
seus filhos encontram-se devidamente matriculados no Pré -I B, da Educação
Infantil do Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente Caio Paulo
Dacorso Filho e no 1º ano do Ensino Fundamental de outra u nidade escolar
em Seropédica. - Consoante bem destacado pelo Ministério Público Federal,
a situação do autor amolda-se às excessões estabelecidas no art. 75 da
Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) que expressamente estabelece:
"Não se procederá à expulsão: II. quando o estrangeiro tiver, b) filho
brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa
economicamente". Assim, a retirada forçada do estrangeiro do território
nacional não se dará no caso de existir filho brasileiro que esteja sob
a guarda e dependência econômica do e strangeiro, o que ocorre in casu. -
O aludido art. 75 do Estatuto do Estrangeiro deve ser analisado à luz dos
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade
e do princípio da proteção da criança, inclusive do direito à convivência
familiar e comunitária, insculpido no art. 227 da Constituição Federal. 3 -
Insta registrar que as consequências pessoais e psicológicas, além da material,
advindas da deportação do autor, podem gerar traumas para os filhos, na
medida em que o s mesmos serão privados da convivência com o pai. - Diante
da ponderação de interesses na hipótese dos autos, levando-se em conta
as circunstâncias fáticas descritas na inicial, necessária a mitigação da
rigidez das regras legais que disciplinam a permanência do estrangeiro no
território nacional, de forma a evitar a sua imediata deportação, medida
que se revela extremamente desproporcional e gravosa para o a u t o r , p r
i v i l e g i a n d o a h i p o s s u f i c i ê n c i a d o estrangeiro, sua
convivência familiar, bem como os princípios constitucionais acima mencionados,
circunstância que impõe a m anutenção da sentença. - Precedentes citados. -
Remessa necessária e recuso desprovidos.
Data do Julgamento
:
13/08/2018
Data da Publicação
:
16/08/2018
Classe/Assunto
:
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e
do Trabalho
Órgão Julgador
:
8ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
VERA LÚCIA LIMA
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
VERA LÚCIA LIMA
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