TRF2 0026948-48.2016.4.02.5101 00269484820164025101
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA
IMPOSTA PELA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS. .... RECURSO
DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta pela SUL AMÉRICA COMPANHIA
DE SEGURO SAÚDE, tendo por objeto a sentença de fls. 268/271 nos autos
dos embargos à execução por ela proposta em face da AGÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS, objetivando a extinção da Execução Fiscal nº
0136950-22.2015.4.02.5101. 2. Como causa de pedir, alega a autora que
a pena pecuniária se mostra ilegal, por não ter sido cometida qualquer
infração administrativa, e, subsidiariamente, pede a substituição da sanção
de multa pela de advertência, com a consequente extinção do executivo
fiscal. 3. Primeiramente, a apelante sustenta que a Lei nº 9.656/98 não é
aplicável aos contratos celebrados em data anterior ao início de vigência da
lei, concluindo, na sequência, que a ANS não possui competência para autuar
as operadoras, em casos que se debrucem sobre contratos celebrados em data
anterior à lei e, por livre escolha dos beneficiários, não adaptados. Afirma
que a apreciação de eventuais ilegalidades deveria ter sido feita pela
Superintendência de Seguros Privados - SUSEP ou por órgãos de proteção
ao consumidor. O argumento não resiste a uma perfunctória compreensão do
regime jurídico criado pela Lei nº 9.656/98. 4. Esse diploma legal, de 03
de junho de 1998, pretende não somente disciplinar as relações jurídicas
estabelecidas entre as operadoras de planos de saúde e os consumidores
- regidas essencialmente pelo direito privado contratual -, mas também
as relações jurídicas entre aquelas e o Estado, aqui presentado por uma
autarquia em regime especial, a ANS, criada pela Lei nº 9.961/00 - e que são,
necessariamente, de direito público administrativo, por estarem inseridas
no escopo da atividade regulatória do Estado, a ele incumbida pelo artigo
174 da Constituição Federal. É dizer, em outras palavras, que o conteúdo
normativo da lei se presta não somente a balizar o exercício da autonomia
contratual no âmbito dos seguros de saúde, mas também a disciplinar as
condutas das próprias seguradoras enquanto agentes econômicos de um setor
regulado. Disso se conclui que, embora algumas normas da Lei nº 9.656/98 não
possam retroagir para atingir avenças celebradas anteriormente à vigência,
o que vulneraria a autonomia da vontade, como, aliás, reconhece o próprio
artigo 35, caput, desse diploma legal, outras delas, por constituírem
previsões legais para autorizar o exercício do poder de polícia pela
agência reguladora, se aplicam a quaisquer transgressões perpetradas após
a sua vigência, ainda que envolvendo um contrato anterior à lei, o que vem
expresso no seu artigo 25. 1 O artigo 35 consagra uma regra geral para as
situações que envolvam unicamente os aspectos internos da relação contratual
de plano de assistência à saúde, e, em relação a estas, somente se aplicará a
Lei nº 9.656/98 para os contratos celebrados posteriormente à sua vigência,
enquanto que o artigo 25 constitui uma regra de polícia administrativa, e,
portanto, se aplica a qualquer relação contratual de plano de assistência
à saúde, ainda que baseada em contrato anterior e não adaptado, desde que
em relação à infrações administrativas cometidas posteriormente, vez que
a lei punitiva não pode retroagir. 5. Recentemente, o Supremo Tribunal
Federal julgou o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1931/DF,
em acórdão conduzido pelo Min. Marco Aurélio. Malgrado a ementa possa levar
à equivocada conclusão de que deve ser levada em consideração a legislação
vigente à época da contratação, o que, na presente hipótese, afastaria a
Lei nº 9.656/98, deve-se ter em mente que a matéria levada à julgamento
para a Suprema Corte dizia respeito unicamente à constitucionalidade de
dispositivos legais que intervinham na própria relação jurídica contratual,
em seu aspecto intrínseco, não tendo sido discutida pela Corte, em nenhum
momento, qualquer norma atinente ao exercício do poder de polícia da agência
reguladora competente. Em relação à tais normas, como é o caso do supracitado
artigo 25, portanto, permanece intacta a presunção de constitucionalidade. Ora,
tendo a infração administrativa imputada sido cometida em agosto de 2008,
é evidente que está sujeita aos preceitos da Lei nº 9.656/98, bem assim ao
poder fiscalizatório e sancionador da ANS, ainda que tenha de tomar como
referência o disposto no próprio contrato celebrado em 1994. 6. No mérito
dos embargos à execução, tem-se que a embargante aduz a inexistência de
infração administrativa, pelo fato de que o contrato celebrado continha
tabela com a indicação dos reajustes de preços conforme as faixas etárias
(fl. 287). Nesse diapasão, assevera que a tabela de preços, referente ao
produto 102/302, havia sido submetida à ANS, tendo a agência reguladora a
validado na Nota Técnica nº 1258/2008/GGEFP/DIPRO. Conclui que a aplicação
do reajuste foi legítima, pois inexistiu violação ao próprio contrato e às
normas técnicas à época estatuídas pela Superintendência de Seguros Privados -
SUSEP. 7. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial
1568244, relatado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (14/12/2016), julgado
pela sistemática dos recursos repetitivos, definiu diversos parâmetros
acerca de reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos privados de
assistência à saúde em razão da idade do usuário. Da tese fixada (Tema 952),
merece destaque os seguintes pontos: "7. Para evitar abusividades (Súmula nº
469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde,
alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a expressa previsão
contratual; (ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou
aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com
a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção
ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta
última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua
permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos
governamentais: a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é,
aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº
9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à
abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista
e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa
nº 3/2001 da ANS. b) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado
entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na
Resolução CONSU nº 6/1998, a qual 2 determina a observância de 7 (sete) faixas
etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos
maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para
os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo também a variação de valor na
contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde
há mais de 10 (dez) anos. c) Para os contratos (novos) firmados a partir
de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a
observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do
valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis)
vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a
sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre
a primeira e sétima faixas. (...) 10. TESE para os fins do art. 1.040 do
CPC/2015: O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar
fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i)
haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos
órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais
desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea,
onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso." 8. Por sua vez,
a Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS dispõe que, nos contratos anteriores
à Lei 9.656/98, sem fixação dos percentuais de majoração, devem ser
considerados os valores das tabelas de venda, desde que comprovadamente
vinculadas ao contrato e entregues ao beneficiário. 9. Na hipótese, como
bem pontuou a Juíza sentenciante, notam-se dois aspectos relevantes: (1)
as Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro preveem expressamente
a possibilidade de reajuste, na Cláusula 13, desde que observada a Tabela
de Prêmios contendo a especificação dos percentuais aplicáveis. Percebe-se,
contudo, que não há, no próprio texto do contrato, a indicação expressa das
faixas etárias e os correspondentes reajustes; e (2) a tabela de reajuste
na verdade consta do "Manual do Segurado", mas não da apólice em si, motivo
pelo qual se conclui, como fez a magistrada singular, que deveria a usuária
do plano de saúde ter sido informada adequada e expressamente acerca do
reajuste, quando estivesse por ser realizado, ou seja, quando a usuária
completasse a idade para incidência do referido reajuste. 10. Tendo em
vista que o Código de Defesa do Consumidor estabelece como direito básico
do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos
e serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos
que apresentem (artigo 6º, inciso III), existe em desfavor do fornecedor um
ônus de demonstrar que tal informação foi prestada a contento. A outro giro,
não é razoável presumir que a usuária tivesse conhecimento da Tabela de
Prêmios, que constava de um documento apartado da própria apólice, esta sim
que é o instrumento do contrato de seguro, e tampouco das circunstâncias
de eventual reajuste. Em síntese: malgrado o reajuste em si tenha sido
realizado dentro dos patamares previstos no próprio contrato, não houve
prova sobre a adequada prestação de informações ao consumidor, mormente
porque a reclamação formulada pela beneficiária à ANS, veio vazada nestes
exatos termos: "Trata-se de demanda segundo a qual a interlocutora informa
que é beneficiária da operadora através de contrato individual firmado em
08/12/1994, não adaptado. Relata que completou 56 anos em 23/06/2008 e em
agosto de 2008 sua mensalidade que custava R$ 310,29 passou para R$ 545,42,
exite (sic) no contrato previsão de reajuste em tal faixa etária mas não tem
previsão de porcntagem (sic). Não consta no boleto nenhuma informação sobre
a aplicação do reajuste". Nos termos da legislação consumerista, que rege
também os planos de saúde, tal ônus não pode ser 3 repassado ao consumidor,
devendo a fornecedora do serviço providenciar a maior transparência, ainda
que o reajuste em si seja admitido pelo contrato. 11. Essa responsabil idade
de prestar adequadamente as informações sobre as contraprestações devidas
é ainda maior no contexto dos contratos de planos de assistência à saúde,
que são de adesão e de longa duração, situando-se o consumidor numa relação
de natural desvantagem, pois sequer pode negociar os termos da pactuação,
devendo optar por aderir integralmente ou não ao regime contratual oferecido,
ao qual provavelmente permanecerá vinculado por anos, como ocorreu no caso,
motivo pelo qual se conclui que deve haver a maior quantidade de informações
para que possa tomar suas decisões de forma racional e segura. 12. Se mostra
legal e legítimo o exercício do poder de polícia fiscalizatório da agência
reguladora, com a aplicação da sanção pecuniária prevista em seu ato normativo
- a Resolução Normativa nº 124/06, artigo 57 - fundamentada no permissivo do
artigo 25 da Lei nº 9.656/98, ante a ocorrência de infração administrativa
(fl. 112) e transgressão às normas de proteção do consumidor. 13. Quanto
a afirmação de que teria havido supressio sobre o direito da beneficiária
do plano de saúde sobre discordar dos futuros reajustes, pelo fato de ela
ter implicitamente aquiescido com o reajuste realizado quando completou 46
(quarenta e seis) anos, também não merece acolhimento. Em primeiro lugar,
porque não se concebe a perda de um direito relativo à reclamação em caso
de insatisfação com o serviço prestado, mormente em se verificando eventual
violação à transparência na relação contratual que tem por objeto um contrato
de adesão. Em segundo, tendo em vista que o contrato é cativo e de longa
duração, nele está implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que
o fato de a segurada não ter manifestado discordância com a majoração em
determinado momento não impede que, em outro momento, especialmente após
mais de 10 (dez) anos (considerando que os reajustes foram efetivados quando
completou 46 e 56 anos), modificadas as circunstâncias fáticas, venha a
contestar aumento de preço que entenda ser injustificado. Em terceiro, porque
tendo a própria seguradora faltado com seu dever de prestar informações claras
e adequadas sobre o reajuste, majorando automaticamente o valor do prêmio,
sem nem mesmo indicar o valor do percentual que estava sendo aplicado no
boleto de cobrança, a afirmação de violação da boa-fé objetiva pelo outro
contratante consubstancia também um comportamento contrário à boa-fé objetiva,
conhecido pelo brocardo latino "tu quoque". 14. Por tudo que foi exposto
linhas acima, também não merece acolhimento a tese de nulidade do auto de
infração por defeito na motivação do ato administrativo, tendo em vista
que, verificada a infração à norma regulatória da ANS, incumbia ao agente
público responsável a instauração do processo administrativo sancionador para
aplicação da penalidade. 15. Tampouco prospera a afirmação de irrazoabilidade
e desproporcionalidade da sanção aplicada, tendo em vista que o valor de R$
80.000,00 (oitenta mil reais) está expressamente cominado no artigo 78 da RN
nº 124/06 da ANS, e possui um caráter dúplice, pedagógico ou dissuasório, e
também punitivo ou repressivo, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao
administrador público, mormente a entidade responsável pela regulação do setor
econômico, com fito de transmudar a pena pecuniária numa pena de advertência.
Ementa
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA
IMPOSTA PELA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS. .... RECURSO
DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta pela SUL AMÉRICA COMPANHIA
DE SEGURO SAÚDE, tendo por objeto a sentença de fls. 268/271 nos autos
dos embargos à execução por ela proposta em face da AGÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS, objetivando a extinção da Execução Fiscal nº
0136950-22.2015.4.02.5101. 2. Como causa de pedir, alega a autora que
a pena pecuniária se mostra ilegal, por não ter sido cometida qualquer
infração administrativa, e, subsidiariamente, pede a substituição da sanção
de multa pela de advertência, com a consequente extinção do executivo
fiscal. 3. Primeiramente, a apelante sustenta que a Lei nº 9.656/98 não é
aplicável aos contratos celebrados em data anterior ao início de vigência da
lei, concluindo, na sequência, que a ANS não possui competência para autuar
as operadoras, em casos que se debrucem sobre contratos celebrados em data
anterior à lei e, por livre escolha dos beneficiários, não adaptados. Afirma
que a apreciação de eventuais ilegalidades deveria ter sido feita pela
Superintendência de Seguros Privados - SUSEP ou por órgãos de proteção
ao consumidor. O argumento não resiste a uma perfunctória compreensão do
regime jurídico criado pela Lei nº 9.656/98. 4. Esse diploma legal, de 03
de junho de 1998, pretende não somente disciplinar as relações jurídicas
estabelecidas entre as operadoras de planos de saúde e os consumidores
- regidas essencialmente pelo direito privado contratual -, mas também
as relações jurídicas entre aquelas e o Estado, aqui presentado por uma
autarquia em regime especial, a ANS, criada pela Lei nº 9.961/00 - e que são,
necessariamente, de direito público administrativo, por estarem inseridas
no escopo da atividade regulatória do Estado, a ele incumbida pelo artigo
174 da Constituição Federal. É dizer, em outras palavras, que o conteúdo
normativo da lei se presta não somente a balizar o exercício da autonomia
contratual no âmbito dos seguros de saúde, mas também a disciplinar as
condutas das próprias seguradoras enquanto agentes econômicos de um setor
regulado. Disso se conclui que, embora algumas normas da Lei nº 9.656/98 não
possam retroagir para atingir avenças celebradas anteriormente à vigência,
o que vulneraria a autonomia da vontade, como, aliás, reconhece o próprio
artigo 35, caput, desse diploma legal, outras delas, por constituírem
previsões legais para autorizar o exercício do poder de polícia pela
agência reguladora, se aplicam a quaisquer transgressões perpetradas após
a sua vigência, ainda que envolvendo um contrato anterior à lei, o que vem
expresso no seu artigo 25. 1 O artigo 35 consagra uma regra geral para as
situações que envolvam unicamente os aspectos internos da relação contratual
de plano de assistência à saúde, e, em relação a estas, somente se aplicará a
Lei nº 9.656/98 para os contratos celebrados posteriormente à sua vigência,
enquanto que o artigo 25 constitui uma regra de polícia administrativa, e,
portanto, se aplica a qualquer relação contratual de plano de assistência
à saúde, ainda que baseada em contrato anterior e não adaptado, desde que
em relação à infrações administrativas cometidas posteriormente, vez que
a lei punitiva não pode retroagir. 5. Recentemente, o Supremo Tribunal
Federal julgou o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1931/DF,
em acórdão conduzido pelo Min. Marco Aurélio. Malgrado a ementa possa levar
à equivocada conclusão de que deve ser levada em consideração a legislação
vigente à época da contratação, o que, na presente hipótese, afastaria a
Lei nº 9.656/98, deve-se ter em mente que a matéria levada à julgamento
para a Suprema Corte dizia respeito unicamente à constitucionalidade de
dispositivos legais que intervinham na própria relação jurídica contratual,
em seu aspecto intrínseco, não tendo sido discutida pela Corte, em nenhum
momento, qualquer norma atinente ao exercício do poder de polícia da agência
reguladora competente. Em relação à tais normas, como é o caso do supracitado
artigo 25, portanto, permanece intacta a presunção de constitucionalidade. Ora,
tendo a infração administrativa imputada sido cometida em agosto de 2008,
é evidente que está sujeita aos preceitos da Lei nº 9.656/98, bem assim ao
poder fiscalizatório e sancionador da ANS, ainda que tenha de tomar como
referência o disposto no próprio contrato celebrado em 1994. 6. No mérito
dos embargos à execução, tem-se que a embargante aduz a inexistência de
infração administrativa, pelo fato de que o contrato celebrado continha
tabela com a indicação dos reajustes de preços conforme as faixas etárias
(fl. 287). Nesse diapasão, assevera que a tabela de preços, referente ao
produto 102/302, havia sido submetida à ANS, tendo a agência reguladora a
validado na Nota Técnica nº 1258/2008/GGEFP/DIPRO. Conclui que a aplicação
do reajuste foi legítima, pois inexistiu violação ao próprio contrato e às
normas técnicas à época estatuídas pela Superintendência de Seguros Privados -
SUSEP. 7. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial
1568244, relatado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (14/12/2016), julgado
pela sistemática dos recursos repetitivos, definiu diversos parâmetros
acerca de reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos privados de
assistência à saúde em razão da idade do usuário. Da tese fixada (Tema 952),
merece destaque os seguintes pontos: "7. Para evitar abusividades (Súmula nº
469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde,
alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a expressa previsão
contratual; (ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou
aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com
a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção
ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta
última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua
permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos
governamentais: a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é,
aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº
9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à
abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista
e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa
nº 3/2001 da ANS. b) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado
entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na
Resolução CONSU nº 6/1998, a qual 2 determina a observância de 7 (sete) faixas
etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos
maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para
os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo também a variação de valor na
contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde
há mais de 10 (dez) anos. c) Para os contratos (novos) firmados a partir
de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a
observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do
valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis)
vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a
sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre
a primeira e sétima faixas. (...) 10. TESE para os fins do art. 1.040 do
CPC/2015: O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar
fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i)
haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos
órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais
desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea,
onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso." 8. Por sua vez,
a Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS dispõe que, nos contratos anteriores
à Lei 9.656/98, sem fixação dos percentuais de majoração, devem ser
considerados os valores das tabelas de venda, desde que comprovadamente
vinculadas ao contrato e entregues ao beneficiário. 9. Na hipótese, como
bem pontuou a Juíza sentenciante, notam-se dois aspectos relevantes: (1)
as Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro preveem expressamente
a possibilidade de reajuste, na Cláusula 13, desde que observada a Tabela
de Prêmios contendo a especificação dos percentuais aplicáveis. Percebe-se,
contudo, que não há, no próprio texto do contrato, a indicação expressa das
faixas etárias e os correspondentes reajustes; e (2) a tabela de reajuste
na verdade consta do "Manual do Segurado", mas não da apólice em si, motivo
pelo qual se conclui, como fez a magistrada singular, que deveria a usuária
do plano de saúde ter sido informada adequada e expressamente acerca do
reajuste, quando estivesse por ser realizado, ou seja, quando a usuária
completasse a idade para incidência do referido reajuste. 10. Tendo em
vista que o Código de Defesa do Consumidor estabelece como direito básico
do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos
e serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos
que apresentem (artigo 6º, inciso III), existe em desfavor do fornecedor um
ônus de demonstrar que tal informação foi prestada a contento. A outro giro,
não é razoável presumir que a usuária tivesse conhecimento da Tabela de
Prêmios, que constava de um documento apartado da própria apólice, esta sim
que é o instrumento do contrato de seguro, e tampouco das circunstâncias
de eventual reajuste. Em síntese: malgrado o reajuste em si tenha sido
realizado dentro dos patamares previstos no próprio contrato, não houve
prova sobre a adequada prestação de informações ao consumidor, mormente
porque a reclamação formulada pela beneficiária à ANS, veio vazada nestes
exatos termos: "Trata-se de demanda segundo a qual a interlocutora informa
que é beneficiária da operadora através de contrato individual firmado em
08/12/1994, não adaptado. Relata que completou 56 anos em 23/06/2008 e em
agosto de 2008 sua mensalidade que custava R$ 310,29 passou para R$ 545,42,
exite (sic) no contrato previsão de reajuste em tal faixa etária mas não tem
previsão de porcntagem (sic). Não consta no boleto nenhuma informação sobre
a aplicação do reajuste". Nos termos da legislação consumerista, que rege
também os planos de saúde, tal ônus não pode ser 3 repassado ao consumidor,
devendo a fornecedora do serviço providenciar a maior transparência, ainda
que o reajuste em si seja admitido pelo contrato. 11. Essa responsabil idade
de prestar adequadamente as informações sobre as contraprestações devidas
é ainda maior no contexto dos contratos de planos de assistência à saúde,
que são de adesão e de longa duração, situando-se o consumidor numa relação
de natural desvantagem, pois sequer pode negociar os termos da pactuação,
devendo optar por aderir integralmente ou não ao regime contratual oferecido,
ao qual provavelmente permanecerá vinculado por anos, como ocorreu no caso,
motivo pelo qual se conclui que deve haver a maior quantidade de informações
para que possa tomar suas decisões de forma racional e segura. 12. Se mostra
legal e legítimo o exercício do poder de polícia fiscalizatório da agência
reguladora, com a aplicação da sanção pecuniária prevista em seu ato normativo
- a Resolução Normativa nº 124/06, artigo 57 - fundamentada no permissivo do
artigo 25 da Lei nº 9.656/98, ante a ocorrência de infração administrativa
(fl. 112) e transgressão às normas de proteção do consumidor. 13. Quanto
a afirmação de que teria havido supressio sobre o direito da beneficiária
do plano de saúde sobre discordar dos futuros reajustes, pelo fato de ela
ter implicitamente aquiescido com o reajuste realizado quando completou 46
(quarenta e seis) anos, também não merece acolhimento. Em primeiro lugar,
porque não se concebe a perda de um direito relativo à reclamação em caso
de insatisfação com o serviço prestado, mormente em se verificando eventual
violação à transparência na relação contratual que tem por objeto um contrato
de adesão. Em segundo, tendo em vista que o contrato é cativo e de longa
duração, nele está implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que
o fato de a segurada não ter manifestado discordância com a majoração em
determinado momento não impede que, em outro momento, especialmente após
mais de 10 (dez) anos (considerando que os reajustes foram efetivados quando
completou 46 e 56 anos), modificadas as circunstâncias fáticas, venha a
contestar aumento de preço que entenda ser injustificado. Em terceiro, porque
tendo a própria seguradora faltado com seu dever de prestar informações claras
e adequadas sobre o reajuste, majorando automaticamente o valor do prêmio,
sem nem mesmo indicar o valor do percentual que estava sendo aplicado no
boleto de cobrança, a afirmação de violação da boa-fé objetiva pelo outro
contratante consubstancia também um comportamento contrário à boa-fé objetiva,
conhecido pelo brocardo latino "tu quoque". 14. Por tudo que foi exposto
linhas acima, também não merece acolhimento a tese de nulidade do auto de
infração por defeito na motivação do ato administrativo, tendo em vista
que, verificada a infração à norma regulatória da ANS, incumbia ao agente
público responsável a instauração do processo administrativo sancionador para
aplicação da penalidade. 15. Tampouco prospera a afirmação de irrazoabilidade
e desproporcionalidade da sanção aplicada, tendo em vista que o valor de R$
80.000,00 (oitenta mil reais) está expressamente cominado no artigo 78 da RN
nº 124/06 da ANS, e possui um caráter dúplice, pedagógico ou dissuasório, e
também punitivo ou repressivo, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao
administrador público, mormente a entidade responsável pela regulação do setor
econômico, com fito de transmudar a pena pecuniária numa pena de advertência.
Data do Julgamento
:
02/08/2018
Data da Publicação
:
07/08/2018
Classe/Assunto
:
AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
POUL ERIK DYRLUND
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
POUL ERIK DYRLUND
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