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Jurisprudência


TRF2 0026948-48.2016.4.02.5101 00269484820164025101

Ementa
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA IMPOSTA PELA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS. .... RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta pela SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE, tendo por objeto a sentença de fls. 268/271 nos autos dos embargos à execução por ela proposta em face da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS, objetivando a extinção da Execução Fiscal nº 0136950-22.2015.4.02.5101. 2. Como causa de pedir, alega a autora que a pena pecuniária se mostra ilegal, por não ter sido cometida qualquer infração administrativa, e, subsidiariamente, pede a substituição da sanção de multa pela de advertência, com a consequente extinção do executivo fiscal. 3. Primeiramente, a apelante sustenta que a Lei nº 9.656/98 não é aplicável aos contratos celebrados em data anterior ao início de vigência da lei, concluindo, na sequência, que a ANS não possui competência para autuar as operadoras, em casos que se debrucem sobre contratos celebrados em data anterior à lei e, por livre escolha dos beneficiários, não adaptados. Afirma que a apreciação de eventuais ilegalidades deveria ter sido feita pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP ou por órgãos de proteção ao consumidor. O argumento não resiste a uma perfunctória compreensão do regime jurídico criado pela Lei nº 9.656/98. 4. Esse diploma legal, de 03 de junho de 1998, pretende não somente disciplinar as relações jurídicas estabelecidas entre as operadoras de planos de saúde e os consumidores - regidas essencialmente pelo direito privado contratual -, mas também as relações jurídicas entre aquelas e o Estado, aqui presentado por uma autarquia em regime especial, a ANS, criada pela Lei nº 9.961/00 - e que são, necessariamente, de direito público administrativo, por estarem inseridas no escopo da atividade regulatória do Estado, a ele incumbida pelo artigo 174 da Constituição Federal. É dizer, em outras palavras, que o conteúdo normativo da lei se presta não somente a balizar o exercício da autonomia contratual no âmbito dos seguros de saúde, mas também a disciplinar as condutas das próprias seguradoras enquanto agentes econômicos de um setor regulado. Disso se conclui que, embora algumas normas da Lei nº 9.656/98 não possam retroagir para atingir avenças celebradas anteriormente à vigência, o que vulneraria a autonomia da vontade, como, aliás, reconhece o próprio artigo 35, caput, desse diploma legal, outras delas, por constituírem previsões legais para autorizar o exercício do poder de polícia pela agência reguladora, se aplicam a quaisquer transgressões perpetradas após a sua vigência, ainda que envolvendo um contrato anterior à lei, o que vem expresso no seu artigo 25. 1 O artigo 35 consagra uma regra geral para as situações que envolvam unicamente os aspectos internos da relação contratual de plano de assistência à saúde, e, em relação a estas, somente se aplicará a Lei nº 9.656/98 para os contratos celebrados posteriormente à sua vigência, enquanto que o artigo 25 constitui uma regra de polícia administrativa, e, portanto, se aplica a qualquer relação contratual de plano de assistência à saúde, ainda que baseada em contrato anterior e não adaptado, desde que em relação à infrações administrativas cometidas posteriormente, vez que a lei punitiva não pode retroagir. 5. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1931/DF, em acórdão conduzido pelo Min. Marco Aurélio. Malgrado a ementa possa levar à equivocada conclusão de que deve ser levada em consideração a legislação vigente à época da contratação, o que, na presente hipótese, afastaria a Lei nº 9.656/98, deve-se ter em mente que a matéria levada à julgamento para a Suprema Corte dizia respeito unicamente à constitucionalidade de dispositivos legais que intervinham na própria relação jurídica contratual, em seu aspecto intrínseco, não tendo sido discutida pela Corte, em nenhum momento, qualquer norma atinente ao exercício do poder de polícia da agência reguladora competente. Em relação à tais normas, como é o caso do supracitado artigo 25, portanto, permanece intacta a presunção de constitucionalidade. Ora, tendo a infração administrativa imputada sido cometida em agosto de 2008, é evidente que está sujeita aos preceitos da Lei nº 9.656/98, bem assim ao poder fiscalizatório e sancionador da ANS, ainda que tenha de tomar como referência o disposto no próprio contrato celebrado em 1994. 6. No mérito dos embargos à execução, tem-se que a embargante aduz a inexistência de infração administrativa, pelo fato de que o contrato celebrado continha tabela com a indicação dos reajustes de preços conforme as faixas etárias (fl. 287). Nesse diapasão, assevera que a tabela de preços, referente ao produto 102/302, havia sido submetida à ANS, tendo a agência reguladora a validado na Nota Técnica nº 1258/2008/GGEFP/DIPRO. Conclui que a aplicação do reajuste foi legítima, pois inexistiu violação ao próprio contrato e às normas técnicas à época estatuídas pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. 7. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1568244, relatado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (14/12/2016), julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, definiu diversos parâmetros acerca de reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário. Da tese fixada (Tema 952), merece destaque os seguintes pontos: "7. Para evitar abusividades (Súmula nº 469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde, alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a expressa previsão contratual; (ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos governamentais: a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS. b) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na Resolução CONSU nº 6/1998, a qual 2 determina a observância de 7 (sete) faixas etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo também a variação de valor na contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez) anos. c) Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas. (...) 10. TESE para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso." 8. Por sua vez, a Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS dispõe que, nos contratos anteriores à Lei 9.656/98, sem fixação dos percentuais de majoração, devem ser considerados os valores das tabelas de venda, desde que comprovadamente vinculadas ao contrato e entregues ao beneficiário. 9. Na hipótese, como bem pontuou a Juíza sentenciante, notam-se dois aspectos relevantes: (1) as Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro preveem expressamente a possibilidade de reajuste, na Cláusula 13, desde que observada a Tabela de Prêmios contendo a especificação dos percentuais aplicáveis. Percebe-se, contudo, que não há, no próprio texto do contrato, a indicação expressa das faixas etárias e os correspondentes reajustes; e (2) a tabela de reajuste na verdade consta do "Manual do Segurado", mas não da apólice em si, motivo pelo qual se conclui, como fez a magistrada singular, que deveria a usuária do plano de saúde ter sido informada adequada e expressamente acerca do reajuste, quando estivesse por ser realizado, ou seja, quando a usuária completasse a idade para incidência do referido reajuste. 10. Tendo em vista que o Código de Defesa do Consumidor estabelece como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (artigo 6º, inciso III), existe em desfavor do fornecedor um ônus de demonstrar que tal informação foi prestada a contento. A outro giro, não é razoável presumir que a usuária tivesse conhecimento da Tabela de Prêmios, que constava de um documento apartado da própria apólice, esta sim que é o instrumento do contrato de seguro, e tampouco das circunstâncias de eventual reajuste. Em síntese: malgrado o reajuste em si tenha sido realizado dentro dos patamares previstos no próprio contrato, não houve prova sobre a adequada prestação de informações ao consumidor, mormente porque a reclamação formulada pela beneficiária à ANS, veio vazada nestes exatos termos: "Trata-se de demanda segundo a qual a interlocutora informa que é beneficiária da operadora através de contrato individual firmado em 08/12/1994, não adaptado. Relata que completou 56 anos em 23/06/2008 e em agosto de 2008 sua mensalidade que custava R$ 310,29 passou para R$ 545,42, exite (sic) no contrato previsão de reajuste em tal faixa etária mas não tem previsão de porcntagem (sic). Não consta no boleto nenhuma informação sobre a aplicação do reajuste". Nos termos da legislação consumerista, que rege também os planos de saúde, tal ônus não pode ser 3 repassado ao consumidor, devendo a fornecedora do serviço providenciar a maior transparência, ainda que o reajuste em si seja admitido pelo contrato. 11. Essa responsabil idade de prestar adequadamente as informações sobre as contraprestações devidas é ainda maior no contexto dos contratos de planos de assistência à saúde, que são de adesão e de longa duração, situando-se o consumidor numa relação de natural desvantagem, pois sequer pode negociar os termos da pactuação, devendo optar por aderir integralmente ou não ao regime contratual oferecido, ao qual provavelmente permanecerá vinculado por anos, como ocorreu no caso, motivo pelo qual se conclui que deve haver a maior quantidade de informações para que possa tomar suas decisões de forma racional e segura. 12. Se mostra legal e legítimo o exercício do poder de polícia fiscalizatório da agência reguladora, com a aplicação da sanção pecuniária prevista em seu ato normativo - a Resolução Normativa nº 124/06, artigo 57 - fundamentada no permissivo do artigo 25 da Lei nº 9.656/98, ante a ocorrência de infração administrativa (fl. 112) e transgressão às normas de proteção do consumidor. 13. Quanto a afirmação de que teria havido supressio sobre o direito da beneficiária do plano de saúde sobre discordar dos futuros reajustes, pelo fato de ela ter implicitamente aquiescido com o reajuste realizado quando completou 46 (quarenta e seis) anos, também não merece acolhimento. Em primeiro lugar, porque não se concebe a perda de um direito relativo à reclamação em caso de insatisfação com o serviço prestado, mormente em se verificando eventual violação à transparência na relação contratual que tem por objeto um contrato de adesão. Em segundo, tendo em vista que o contrato é cativo e de longa duração, nele está implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que o fato de a segurada não ter manifestado discordância com a majoração em determinado momento não impede que, em outro momento, especialmente após mais de 10 (dez) anos (considerando que os reajustes foram efetivados quando completou 46 e 56 anos), modificadas as circunstâncias fáticas, venha a contestar aumento de preço que entenda ser injustificado. Em terceiro, porque tendo a própria seguradora faltado com seu dever de prestar informações claras e adequadas sobre o reajuste, majorando automaticamente o valor do prêmio, sem nem mesmo indicar o valor do percentual que estava sendo aplicado no boleto de cobrança, a afirmação de violação da boa-fé objetiva pelo outro contratante consubstancia também um comportamento contrário à boa-fé objetiva, conhecido pelo brocardo latino "tu quoque". 14. Por tudo que foi exposto linhas acima, também não merece acolhimento a tese de nulidade do auto de infração por defeito na motivação do ato administrativo, tendo em vista que, verificada a infração à norma regulatória da ANS, incumbia ao agente público responsável a instauração do processo administrativo sancionador para aplicação da penalidade. 15. Tampouco prospera a afirmação de irrazoabilidade e desproporcionalidade da sanção aplicada, tendo em vista que o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) está expressamente cominado no artigo 78 da RN nº 124/06 da ANS, e possui um caráter dúplice, pedagógico ou dissuasório, e também punitivo ou repressivo, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao administrador público, mormente a entidade responsável pela regulação do setor econômico, com fito de transmudar a pena pecuniária numa pena de advertência.

Data do Julgamento : 02/08/2018
Data da Publicação : 07/08/2018
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : POUL ERIK DYRLUND
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : POUL ERIK DYRLUND
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