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Jurisprudência


TRF2 0040761-49.2015.4.02.5111 00407614920154025111

Ementa
REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BOCAINA. OCUPAÇÃO IRREGULAR. DESMATAMENTO. INEPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS AMBIENTAIS. 1- Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade- ICMbio contra Adriano Lopes Moreira com vistas à responsabilização do Réu por supostos danos causados ao Parque Nacional da Serra da BocaIna, especificamente no local denominado Sertão do Corisquinho, Sítio de Santo Antônio, em Paraty/RJ. A sentença acolheu em parte o pedido para condenar o Réu "na obrigação de fazer consistente na demolição da construção erigida no local situado dentro do PNSB, na localidade do Patrimônio, à altura do KM 594 da BR 101 (Rio-Santos), em Paraty/RJ, bem como na obrigação de reparar o local dos danos ambientais, com supervisão da unidade de conservação e apresentação de plano de recuperação da área degradada, sob pena de, não o fazendo no prazo de 30 (trinta) dias após a intimação para cumprimento desta sentença (tutela de evidência), ter que arcar com os custos suportados pela autarquia que, desde logo, fica autorizada a demolir as construções e restaurar a área, caso a parte ré permaneça inerte". Além disso, a sentença também condenou o Réu "na obrigação de abster-se de realizar novas intervenções no local, sem prévia autorização da administração da unidade de conservação". 2- Ao contrário do que defende, a inicial não se ressente da adequada indicação da causa de pedir. A referida peça não se limitou a apontar ações genéricas perpetradas pelo Réu, imputando-lhe condutas concretas, devidamente discriminadas e datadas na Nota Técnica nº085/2014/PNSB, elaborado após a realização de diversas vistorias no local, no curso das quais, inclusive, foram embargadas as obras e intervenções realizadas pelo Apelante na área. 3- A obrigação de reparar o dano ambiental tem natureza propter rem e se transfere automaticamente com a transferência da posse ou da propriedade do bem, o que permite, na linha do entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, "cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos" (REsp 1622512/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11.10.2016) 4- O Decreto Federal n.° 68.172/1971 instituiu o Parque Nacional da Serra da Bocaina, definindo toda a área que passaria a ser afetada pelo regime jurídico especial de proteção então estabelecido. A partir da criação do referido Parque, ainda que não tenha havido regularização fundiária de cada uma das propriedades eventualmente atingidas, toda a área afetada passou a ser legalmente protegida, o que impôs aos eventuais ocupantes a obrigação de preservar o local 1 de acordo com o regime de proteção estabelecido, sob pena de atuação repressiva do Poder Público. Assim, para efeito de proteção do local não era necessária a efetivação de qualquer desapropriação. 5- De acordo com a Nota Técnica nº 85/2014, ato administrativo que goza de presunção de veracidade, "a ocupação sob a responsabilidade do Sr. Adriano Lopes Moereira está inserida no interior do Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB), na Zona de Recuperação", sendo certo que, para elidir tal presunção, caberia à parte ré requerer a oportuna produção de provas, o que não foi feito. 6- Também não há acolher a alegação de ilegalidade decorrente da criação da Unidade de Conservação sem a prévia oitiva da comunidade tradicional local, porquanto, além de não haver nos autos qualquer evidência de que o Réu pertença à comunidade de Trindade, tal exigência, instituída pela Lei nº 9.985/2000, é posterior à efetiva criação do Parque Nacional da Serra da Bocaina. 7- De acordo com a vistoria realizada no local pelo ICMBio, além de ter sido constatado que no local havia sido construído, sem autorização, um rancho e aberto um riacho, na área havia grande quantidade de penas de aves silvestres e pêlos de animais silvestres "além de armadilhas que foram encontradas próximas ao rancho", concluindo que o local "apresenta fortes indícios de ser utilizado de base para caçadores", o que teria sido confirmado pelo próprio Réu que, apesar de afirmar que não praticaria esse tipo de crime, ressaltou que "não tem como controlar o acesso das pessoas por se tratar de área aberta e que a estrutura existente no local é possivelmente usada por caçadores". 8- A vistoria foi acompanhada de várias fotos, nas quais, sem qualquer dificuldade, é possível identificar a cerca de arame que delimita a construção existente na área, composta de um barracão, construído de forma precária com madeiras e pedras, além de imagens sugestivas de corte de árvores e foto de uma horta cultivada no local. Somam-se às intervenções um muro e um calçamento de pedra, trilha de acesso exclusivo à área, havendo, ainda, imagens que comprovam utilização do local, tais como: foto de mantimentos ali encontrados e lixo descartado de forma irregular. 9- Por fim, e acerca da pretendida suspensão do feito, vale considerar que agiu acertadamente o Magistrado a quo ao não obstar o andamento da presente demanda diante da sabida independência entre as esferas cível e criminal. Além disso, o fato de a conduta imputada ao réu não se subsumir, conforme entendeu o Juízo Criminal, a quaisquer dos tipos enumerados na lei penal, não impede a condenação do Apelante em reparar o dano ambiental causado. Da mesma forma, pouco importa para a caracterização de sua responsabilidade no caso dos autos se ele tinha, ou não, consciência de que praticava um crime por se tratar de área legalmente protegida. 10 - Aqui o que é relevante é apenas o fato de o Réu ter construído, ou adquirido construção, efetivada dentro de área protegida, realizando várias intervenções na área, que vão desde o corte não autorizado de árvores até a postura complacente de permitir que terceiros utilizassem as instalações locais de suposta base para a realização de caça ilegal. Diferente do que era necessário para a configuração de um crime, não se exige que o Réu tivesse ciência de que se tratava de área ambientalmente protegida, embora se trate, na concepção deste Juízo, de área há muito protegida pela legislação federal, o que milita contra qualquer presunção de boa-fé em favor da parte ré. Sequer se exige que a violação tenha sido praticada pelo próprio Réu, porquanto, conforme já destacado, a obrigação em questão é propter rem, ou seja, se transfere 2 ao atual ocupante da área. 11- Em se tratando de danos reparáveis, conforme já atestado pelo próprio ICMBio, basta a condenação, já imposta, em reparar os danos causados, não havendo que se falar em eventuais danos residuais, sendo certo que, com relação aos danos coletivos, conquanto não se possa minimizar os malefícios causados pela intervenção imprudente do Réu, a verdade é que não há nos autos prova de que o dano tenha repercutido de tal forma a gerar uma intranquilidade social na comunidade envolvida. 12- Remessa necessária, tida por interposta, e apelo desprovidos.

Data do Julgamento : 01/09/2017
Data da Publicação : 06/09/2017
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 8ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : MARCELO PEREIRA DA SILVA
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : MARCELO PEREIRA DA SILVA
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