TRF2 0071971-51.2015.4.02.5101 00719715120154025101
ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAL DE
SAÚDE. ARTIGO 37, XVI, "C", CRFB. POSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE
HORÁRIOS. COMPROVAÇÃO NO CASO CONCRETO. DESPROVIMENTO. 1. A garantia de
acumulação de dois cargos privativos de profissionais de saúde encontra
previsão no artigo 37, inciso XVI, "c", da CRFB/88, com a redação da
Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001, desde que haja
compatibilidade de horários e seja respeitado o teto remuneratório previsto
no artigo 37, incisos XI e XVI, do mesmo dispositivo. 2. A CRFB/88 e a Lei
8.112/90 condicionam a acumulação de cargos à compatibilidade de horários,
não havendo qualquer previsão legal de carga horária semanal máxima. Daí
a necessidade da compatibilidade de horários ser aferida concretamente,
e não em um plano abstrato como deseja a Administração Pública, invadindo
a esfera de atuação do poder legislativo e, também indevidamente, criando
uma nova condição para a cumulatividade. 3. Tendo em vista que a temática
apresentada reveste-se de cunho constitucional, por estar contida expressamente
no texto da CRFB/88, depreende-se que cabe ao eg. Supremo Tribunal Federal
o entendimento final sobre o deslinde da controvérsia. 4. Nesse contexto,
frise-se que, no RE 351.905/RJ (Segunda Turma, DJ. 01.07.2005), de que foi
relatora a Min. ELLEN GRACIE, e de cujo voto extrai-se o seguinte trecho: "O
Tribunal a quo, ao afastar o limite de horas semanais estabelecido no citado
decreto, não ofendeu qualquer dispositivo constitucional...", o eg. STF já
entendia pelo critério da compatibilidade de horários como condicionante à
acumulação de cargos, de modo que, restando comprovada a ausência de choque
ou simultaneidade de horários em ambas as ocupações do servidor, descaberia
à Administração, sob pretexto de regulamentar dispositivo constitucional,
criar regra não prevista, na pretensão de regular abstratamente tema de nítido
cunho casuístico. Precedentes do STF. 5. O eg. STF, em decisão proferida
pelo Ministro Roberto Barroso, nos autos do ARE 782170/PE, em 28/11/2014,
também salientou que o Executivo não pode, sob o pretexto de regulamentar
dispositivo constitucional, criar regra não prevista em lei, de modo que, ainda
que a carga horária semanal dos dois cargos seja superior ao limite previsto
no parecer da AGU, deve ser assegurado o exercício cumulativo de ambos os
cargos públicos. 6. Apesar de manifestação do eg. STJ em sentido contrário
ao do eg. STF (STJ, MS nº 22002/DF, 1ª Seção - Rel. Min. Mauro Campbell
Marques - DJe de 17/12/2015, reforçando posição já anteriormente adotada por
unanimidade no MS nº 19300/DF, 1ª Seção - Rel. Min. Mauro Campbell Marques -
DJe 18/12/2014), necessário frisar que cabe a observância do entendimento
do eg. STF, ante a constitucionalidade do tema, mormente quando o eg. STJ
limitou-se a ratificar sua posição valendo-se da mesma ratio decidendi
anterior, com respaldo no Parecer GQ-145/98 da AGU, que trata da limitação
da carga horária semanal a sessenta horas 1 nas hipóteses de acumulação
de cargos públicos. 7. Não se mostra razoável aferir a compatibilidade de
horários dos servidores públicos com base em um critério tão genérico quanto
o mero somatório de horas trabalhadas. Impor a quantia inflexível de sessenta
horas semanais como limite ao cumprimento sadio da jornada de trabalho é
estipular presunção desfavorável ao servidor de que ir além comprometeria
a eficiência do serviço prestado, bem como desconsiderar as peculiaridades
existentes em cada caso concreto. 8. Imprescindível fixar que o parâmetro
a ser levado em consideração não deve estar no mero somatório de cargas
horárias, critério supérfluo que não retrata a realidade da vida funcional dos
servidores, devendo-se aferir, ao contrário, a compatibilidade dos horários
a serem cumpridos no caso concreto, cujo controle não só pode como deve ser
realizado pela Administração, principalmente no momento prévio à investidura,
quando, notadamente, o órgão já possui as necessárias informações acerca da
lotação e carga horária de seu futuro servidor. 9. Não se pode prejudicar
a Impetrante por mera presunção de que a realização de jornada de trabalho
cumulada compromete a qualidade do serviço prestado, salientando-se, ainda,
que a Administração, ao longo dos três primeiros anos em que a servidora se
encontra investida no cargo público, faz, obrigatoriamente, avaliação especial
de seu desempenho, por se tratar de condição para que este venha a adquirir
estabilidade no serviço público. 10. No caso dos autos, a Demandante ocupa o
cargo de Auxiliar de Enfermagem no Hospital Municipal Rocha Maia, com carga
horária de trinta horas semanais, em regime de plantão diurno de 12x60 horas,
desde 17/05/2002, tendo sido nomeada, em junho/2015, para o cargo de Técnica em
Saúde Pública junto à FIOCRUZ, ora Recorrente, com carga horária de quarenta
horas semanais. Contudo, recebeu a orientação de que não poderia tomar posse
no mesmo, ante suposta impossibilidade de acumulação com aquele cargo público
municipal. 11. Deferida a liminar, a servidora tomou posse em julho/2015,
tendo trazido comprovação documental de que compatíveis seus horários junto a
ambos os órgãos - Hospital Municipal Rocha Maia e Instituto Fernandes Figueira
(FIOCRUZ) -, nos quais labora em regime de plantão (12x60h), no horário de
7h às 19h (fls. 123/124, em que demonstra plena compatibilidade, a título
de exemplo, no mês de dezembro/2015). 12. Importante salientar o necessário
controle da Administração quanto à mencionada compatibilidade. Por um lado,
não se desconhece o descabimento da presunção, apenas pelo somatório das cargas
horárias, que a realização de jornada de trabalho cumulada comprometeria a
qualidade do serviço prestado; contudo, por outro viés, faz-se imprescindível
a verificação, caso a caso, da compatibilidade de horários pela Administração,
que possui o poder-dever de exercer, tanto em momento prévio à investidura
como posterior a ela, o contínuo controle de legalidade, podendo, para tanto,
exigir periodicamente a comprovação de aludido fato que, se inexistente,
poderá ensejar eventual processo administrativo, em que seja assegurado o
direito ao contraditório e à defesa. 13. Remessa necessária e recurso de
apelação desprovidos.
Ementa
ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAL DE
SAÚDE. ARTIGO 37, XVI, "C", CRFB. POSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE
HORÁRIOS. COMPROVAÇÃO NO CASO CONCRETO. DESPROVIMENTO. 1. A garantia de
acumulação de dois cargos privativos de profissionais de saúde encontra
previsão no artigo 37, inciso XVI, "c", da CRFB/88, com a redação da
Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001, desde que haja
compatibilidade de horários e seja respeitado o teto remuneratório previsto
no artigo 37, incisos XI e XVI, do mesmo dispositivo. 2. A CRFB/88 e a Lei
8.112/90 condicionam a acumulação de cargos à compatibilidade de horários,
não havendo qualquer previsão legal de carga horária semanal máxima. Daí
a necessidade da compatibilidade de horários ser aferida concretamente,
e não em um plano abstrato como deseja a Administração Pública, invadindo
a esfera de atuação do poder legislativo e, também indevidamente, criando
uma nova condição para a cumulatividade. 3. Tendo em vista que a temática
apresentada reveste-se de cunho constitucional, por estar contida expressamente
no texto da CRFB/88, depreende-se que cabe ao eg. Supremo Tribunal Federal
o entendimento final sobre o deslinde da controvérsia. 4. Nesse contexto,
frise-se que, no RE 351.905/RJ (Segunda Turma, DJ. 01.07.2005), de que foi
relatora a Min. ELLEN GRACIE, e de cujo voto extrai-se o seguinte trecho: "O
Tribunal a quo, ao afastar o limite de horas semanais estabelecido no citado
decreto, não ofendeu qualquer dispositivo constitucional...", o eg. STF já
entendia pelo critério da compatibilidade de horários como condicionante à
acumulação de cargos, de modo que, restando comprovada a ausência de choque
ou simultaneidade de horários em ambas as ocupações do servidor, descaberia
à Administração, sob pretexto de regulamentar dispositivo constitucional,
criar regra não prevista, na pretensão de regular abstratamente tema de nítido
cunho casuístico. Precedentes do STF. 5. O eg. STF, em decisão proferida
pelo Ministro Roberto Barroso, nos autos do ARE 782170/PE, em 28/11/2014,
também salientou que o Executivo não pode, sob o pretexto de regulamentar
dispositivo constitucional, criar regra não prevista em lei, de modo que, ainda
que a carga horária semanal dos dois cargos seja superior ao limite previsto
no parecer da AGU, deve ser assegurado o exercício cumulativo de ambos os
cargos públicos. 6. Apesar de manifestação do eg. STJ em sentido contrário
ao do eg. STF (STJ, MS nº 22002/DF, 1ª Seção - Rel. Min. Mauro Campbell
Marques - DJe de 17/12/2015, reforçando posição já anteriormente adotada por
unanimidade no MS nº 19300/DF, 1ª Seção - Rel. Min. Mauro Campbell Marques -
DJe 18/12/2014), necessário frisar que cabe a observância do entendimento
do eg. STF, ante a constitucionalidade do tema, mormente quando o eg. STJ
limitou-se a ratificar sua posição valendo-se da mesma ratio decidendi
anterior, com respaldo no Parecer GQ-145/98 da AGU, que trata da limitação
da carga horária semanal a sessenta horas 1 nas hipóteses de acumulação
de cargos públicos. 7. Não se mostra razoável aferir a compatibilidade de
horários dos servidores públicos com base em um critério tão genérico quanto
o mero somatório de horas trabalhadas. Impor a quantia inflexível de sessenta
horas semanais como limite ao cumprimento sadio da jornada de trabalho é
estipular presunção desfavorável ao servidor de que ir além comprometeria
a eficiência do serviço prestado, bem como desconsiderar as peculiaridades
existentes em cada caso concreto. 8. Imprescindível fixar que o parâmetro
a ser levado em consideração não deve estar no mero somatório de cargas
horárias, critério supérfluo que não retrata a realidade da vida funcional dos
servidores, devendo-se aferir, ao contrário, a compatibilidade dos horários
a serem cumpridos no caso concreto, cujo controle não só pode como deve ser
realizado pela Administração, principalmente no momento prévio à investidura,
quando, notadamente, o órgão já possui as necessárias informações acerca da
lotação e carga horária de seu futuro servidor. 9. Não se pode prejudicar
a Impetrante por mera presunção de que a realização de jornada de trabalho
cumulada compromete a qualidade do serviço prestado, salientando-se, ainda,
que a Administração, ao longo dos três primeiros anos em que a servidora se
encontra investida no cargo público, faz, obrigatoriamente, avaliação especial
de seu desempenho, por se tratar de condição para que este venha a adquirir
estabilidade no serviço público. 10. No caso dos autos, a Demandante ocupa o
cargo de Auxiliar de Enfermagem no Hospital Municipal Rocha Maia, com carga
horária de trinta horas semanais, em regime de plantão diurno de 12x60 horas,
desde 17/05/2002, tendo sido nomeada, em junho/2015, para o cargo de Técnica em
Saúde Pública junto à FIOCRUZ, ora Recorrente, com carga horária de quarenta
horas semanais. Contudo, recebeu a orientação de que não poderia tomar posse
no mesmo, ante suposta impossibilidade de acumulação com aquele cargo público
municipal. 11. Deferida a liminar, a servidora tomou posse em julho/2015,
tendo trazido comprovação documental de que compatíveis seus horários junto a
ambos os órgãos - Hospital Municipal Rocha Maia e Instituto Fernandes Figueira
(FIOCRUZ) -, nos quais labora em regime de plantão (12x60h), no horário de
7h às 19h (fls. 123/124, em que demonstra plena compatibilidade, a título
de exemplo, no mês de dezembro/2015). 12. Importante salientar o necessário
controle da Administração quanto à mencionada compatibilidade. Por um lado,
não se desconhece o descabimento da presunção, apenas pelo somatório das cargas
horárias, que a realização de jornada de trabalho cumulada comprometeria a
qualidade do serviço prestado; contudo, por outro viés, faz-se imprescindível
a verificação, caso a caso, da compatibilidade de horários pela Administração,
que possui o poder-dever de exercer, tanto em momento prévio à investidura
como posterior a ela, o contínuo controle de legalidade, podendo, para tanto,
exigir periodicamente a comprovação de aludido fato que, se inexistente,
poderá ensejar eventual processo administrativo, em que seja assegurado o
direito ao contraditório e à defesa. 13. Remessa necessária e recurso de
apelação desprovidos.
Data do Julgamento
:
28/04/2017
Data da Publicação
:
05/05/2017
Classe/Assunto
:
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e
do Trabalho
Órgão Julgador
:
5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES
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