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Jurisprudência


TRF2 0100082-56.2012.4.02.5002 01000825620124025002

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO. PAGAMENTO A MAIOR. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS/PROVENTOS. DIREITO ADQUIRIDO À MANUTENÇÃO DE ERRO NO SISTEMA REMUNERATÓRIO. INEXISTÊNCIA. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO DE VALORES PAGOS POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. BOA FÉ DA PENSIONISTA CARACTERIZADA. NATUREZA ALIMENTAR DAS VERBAS RECEBIDAS. DEVOLUÇÃO DOS VALORES EVENTUALMENTE DESCONTADOS. IMPOSSIBILIDADE. PARIDADE COM OS SERVIDORES DA ATIVA. DESCABIMENTO. BENEFÍCIO INSTITUÍDO APÓS O ADVENTO DA EC 41/2003 E DA EC 47/2005. RECURSOS E REEXAME OFICIAL CONHECIDOS, PORÉM IMPROVIDOS. 1. Cuida-se de remessa necessária e de apelações alvejando sentença que, nos autos de ação de conhecimento, sob o rito comum ordinário, julgou parcialmente procedente o pedido deduzido na peça vestibular, entinguindo o processo, com resolução do mérito, com espeque no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), para declarar a inexistência de obrigação da autora a proceder à reposição ao erário das quantias recebidas a maior no benefício de pensão por morte em virtude de erro da Administração Pública. 2. O cerne da controvérsia ora posta a deslinde cinge-se em verificar a possibilidade de a Administração rever ato que beneficiou administrado, no caso, a revisão do valor da pensão pago indevidamente, bem como a possibilidade de exigir o ressarcimento de valores recebidos de boa-fé. 3. A Administração Pública pode rever e invalidar seus próprios atos, apoiada no seu poder de autocontrole e autogestão, sobretudo quando se encontrem eles eivados de ilegalidade, em nome dos princípios que norteiam a probidade administrativa, quais sejam: da legalidade e da moralidade (inteligência da Súmula n.º 473 do Supremo Tribunal Federal - STF). 4. É certo que, até o advento da Lei n.º 9.784/99, a Administração podia revogar a qualquer tempo os seus próprios atos, quando eivados de vícios, na dicção das Súmulas 346 e 473/STF, sendo que a aludida lei, ao disciplinar o processo administrativo, estabeleceu o prazo de cinco anos para que pudesse a Administração revogar os seus atos (art. 54). Todavia, inaplicável o dispositivo legal na espécie, eis que, no âmbito do regime jurídico dos servidores públicos federais, a teor do artigo 114 da Lei n.º 8.112/90, regra especial, quer os atos sejam nulos, ou anuláveis, não há que se cogitar de qualquer prazo para o exercício da autotutela administrativa, corolário do princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, do Texto Básico), não incidindo a norma do artigo 54 da Lei n.º 9.784/99. 5. De qualquer sorte, o artigo 54 da Lei n.º 9.784/99 apenas teria derrogado o artigo 114 da Lei n.º 8.112/90, quanto aos atos anuláveis, restando íntegro quanto aos nulos, como reflexo do preceito 1 constitucional epigrafado, bem como do § 5.º, do art. 37, da Carta Magna, que estatui a imprescritibilidade, quanto às ações envolvendo os atos nulos que vulnerem o patrimônio público (STJ, REsp 328391, DJ 2/12/02; STJ, REsp 403153, DJ 20/10/03). 6. Na espécie, constata-se que inexistiu mera falha na atividade administrativa, mas verdadeiro erro de interpretação da Administração quanto ao valor a ser pago à autora a título de pensão. 7. Não se vislumbra, no caso ora em apreço, ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos/proventos por força da alteração do valor correto a ser pago, posto que a Administração Público tem o poder de autotutela, podendo rever seus próprios atos, desde que não operada a decadência. 8. Inexiste direito adquirido à manutenção de erro na estrutura de remuneração eventualmente constituída pela Administração Pública, decorrente de erro de lançamento de dados no sistema de cadastro de vencimentos percebidos pelos servidores públicos. Neste sentido, "É firme a jurisprudência do STF no sentido de que a garantia do direito adquirido não impede a modificação para o futuro do regime de vencimentos do servidor público. Assim, e desde que não implique diminuição no quantum percebido pelo servidor, é perfeitamente possível a modificação no critério de cálculo de sua remuneração." (AI 450.268-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 03.05.2005, Primeira Turma, DJ de 27.05.2005). 9. A reposição em folha é medida administrativa de ressarcimento ao erário que não se confunde com a impenhorabilidade de vencimentos ou proventos, em função de processo judicial executivo. O STJ interpretou a Lei n.º 8.112/90 no sentido de que existe a autorização para sua concretização, diploma especial e de idêntica hierarquia do CPC. 10. Não obstante o art. 46 da Lei n.º 8.112/90 autorize a reposição, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo sua efetivação apenas quando tenha sido ela precedida do devido processo legal administrativo ou de autorização do servidor/pensionista. 11. O poder da Administração Pública de revogar e anular seus atos não é absoluto nas hipóteses de situações constituídas com aparência de legalidade, sendo imprescindível a instauração do devido processo administrativo, com a observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e onde seja assegurado o direito ao contraditório, com a participação daqueles que terão modificada situação já alcançada. 12. In casu, as informações constantes do caderno processual ressaltaram que, muito embora tenha sido assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório, não houve autorização por parte da pensionista para que a União procedesse ao desconto, em folha de pagamento, dos valores indevidamente recebidos, a título de reposição ao erário. 13. A Constituição Federal, no capítulo que trata "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", enumerou, dentre outros princípios e garantias, aqueles consistentes no due process of law (devido processo legal), do contraditório e da ampla defesa. Assim, "ninguém será privado da liberdade de seus bens, sem o devido processo legal" (inciso LIV, do artigo 5.º); "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (inciso LV, do artigo 5.º). 14. A jurisprudência tem se manifestado reiteradamente no sentido de caracterizar a percepção como de boa-fé, pelo servidor/pensionista, nos casos de pagamento efetivado por interpretação equivocada da Administração sobre norma legal ou administrativa, afastando a restituição ao erário dos valores recebidos, em nome da segurança jurídica. 15. A hipótese encontra abrigo na Súmula n.º 249 do Tribunal de Contas da União, in verbis: "É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, 2 ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais." 16. A Súmula n.º 34, de 16/09/2008, de caráter obrigatório, da Advocacia-Geral da União, determinou: "Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública." 17. Ressalte-se, outrossim, a natureza de verba alimentar dos valores descontados, o que impossibilita a sua reposição ao Erário. Dessa forma, incorreto o desconto do que foi recebido indevidamente. 18. No que toca ao pleito de anulação do ato que promoveu a redução do benefício percebido pela autora, importante se faz exalçar que, de acordo com as Emendas Constitucionais 41/03 e 47/05, têm direito à paridade: (a) os aposentados e pensionistas que fruíam do benefício em 31/12/03 (data da publicação da EC 41/03) ou que tenham sido submetidos às regras de transição (art. 7.º da EC 41/03); (b) os servidores que tenham se aposentado "na forma do caput do art. 6º da EC 41/03" (art. 2.º da EC 47/05); (c) os servidores que tenham se aposentado com base no art. 3.º da EC 47/05 e respectivos pensionistas (parágrafo único do art. 3.º da EC 47/05). Portanto, após o advento da Emenda Constitucional n.º 41/2003, a paridade entre os servidores ativos e inativos somente ocorrerá em relação aos servidores públicos que, à época da mencionada emenda, já ostentavam a condição de aposentados/pensionistas ou tinham preenchido os requisitos para a aposentadoria, ou, ainda, aqueles submetidos à regra de transição nos moldes dos arts. 3.º e 6.º da EC n.º 41/2003 e do art. 3.º da EC n.º 47/2005. 19. Na hipótese em testilha, constata-se, a partir da análise dos documentos colacionados aos autos, que a pensão recebida pela demandante foi implementada em 24.07.2006, data posterior, portanto, à época em que a Lei n.º 10.404/2002 e as EC 41/2003 e 47/2005 entraram em vigor. Dessa forma, não assiste razão à autora quanto à existência do direito à paridade com os servidores da ativa, nos termos da jurisprudência do STF. 20. A despeito de o pagamento ter sido feito em virtude de verdadeiro erro de aplicação da lei pela Administração quanto ao pagamento da pensão, e de não ser devido eventual desconto lançado no contracheque da autora diretamente pela Administração, o fato é que a devolução dos valores porventura descontados geraria um novo pagamento indevido, não sendo possível, nesse caso, que a pensionista defendesse recebimento de boa-fé, considerando sua ciência quanto ao equívoco no pagamento. Precedente do TRF1R (1.ª Turma, AMS 2004.35.00.015976-9, Rel. Des.Fed. ANGELA CATÃO, e-DJF1 30.6.2011). 21. Apelações e remessa necessária conhecidas e improvidas.

Data do Julgamento : 17/06/2016
Data da Publicação : 23/06/2016
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
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