TRF2 0102516-16.2015.4.02.5001 01025161620154025001
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRÁFEGO DE VEÍCULOS COM
EXCESSO DE PESO. DANOS MATERIAIS ÀS RODOVIAS. EXTENSÃO DO DANO. AUSÊNCIA
DE DELIMITAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER. CORRELAÇÃO ENTRE SENTENÇA E
PEDIDO. INTERESSE PROCESSUAL. RECALCITRÂNCIA DA REQUERIDA. HABITUALIDADE DA
CONDUTA ILÍCITA. MEDIDAS COERCITIVAS. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DANO
MORAL COLETIVO. DETERIORAÇÃO DAS RODOVIAS. INSEGURANÇA. CAUSAS
DIVERSAS. INTERFERÊNCIA RELEVANTE NÃO IDENTIFICADA. I - Cinge-se, a
controvérsia, à configuração da recalcitrância da Parte Ré-Apelante em dar
cumprimento às regras de trânsito e, por conseguinte, à sua responsabilização
civil pelos danos materiais causados ao pavimento das rodovias e pelos danos
morais causados à coletividade, em decorrência da conduta ilícita de trafegar
com excesso de peso em seus veículos, gerando riscos à segurança viária. II -
Reexame Necessário conhecido, relativamente ao capítulo da Sentença que julgou
improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização pelos danos
materiais causados ao pavimento das rodovias (art. 19 da Lei nº 4.717/65). No
mérito, decidiu acertadamente o Magistrado de primeiro grau, tendo em vista
que é imprescindível, para a configuração de dano indenizável, a efetividade
ou certeza da lesão, que não poderá ser hipotética ou conjetural (DINIZ, Maria
Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 26. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012). III - Prescreve o art. 944 do Código Civil que "a
indenização mede-se pela extensão do dano", extensão esta que não é possível
ser aferida no caso concreto, pois inúmeros são os fatores que interferem
na qualidade da pavimentação das rodovias. Ante a ausência de delimitação
dos danos materiais efetivamente causados pela requerida, deve ser mantida a
improcedência do pedido de reparação dos mesmos. IV - Há congruência entre
o dispositivo da Sentença e o rol de pedidos da Petição Inicial. O simples
fato de o Juízo especificar os dispositivos legais afrontados pela conduta
da requerida não desnatura nem amplia o pedido inicialmente formulado pelo
Autor, mesmo porque os arts. 99 e 231, incisos V e X, da Lei nº 9.503/97,
apenas corroboram a vedação ao tráfego de veículos com excesso de peso. V - O
art. 492 do CPC não vincula o pronunciamento judicial a eventuais fundamentos
legais levantados pelas partes (indicação do artigo de lei aplicável),
cabendo ao Magistrado a aplicação da lei adequada a cada caso concreto,
notadamente diante do instituto iura novit 1 curia, representado pelo brocardo
da mihi factum, dabo tibi jus. VI - A presença do interesse processual,
composto pelo binômio utilidade-necessidade do provimento jurisdicional,
resta caracterizada diante da pretensão ministerial voltada a impedir,
de forma definitiva, a reiteração da conduta ilícita imputada à Apelante,
cuja recalcitrância em cumprir a legislação de trânsito denota que os meios
previstos em lei não tem sido suficientes para coibir a prática de permitir
que seus veículos trafeguem com excesso de peso. Por esse motivo, o MPF
busca a imposição de obrigação de não fazer, inclusive com o uso das medidas
coercitivas cabíveis, que garantam a eficácia do provimento. Precedente deste
E. TRF (AG 0002882-44.2017.4.02.0000, Rel. Desembargador Federal GUILHERME
CALMON NOGUEIRA DA GAMA, 6ª Turma Especializada, julgado em 14/06/2017,
e-DJF2R 26/06/2017). VII - É plenamente cabível que o MPF se socorra da
tutela jurisdicional para a proteção de interesses metaindividuais, à luz
do princípio da inafastabilidade da jurisdição, expresso no inciso XXXV,
do art. 5º, da Constituição Federal, bem como em decorrência do exercício
da função institucional do Ministério Público, a quem é dado "promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos"
(art. 129, inciso III, da CF/88). VIII - Ao contrário do que afirma a Parte
Recorrente, a habitualidade de sua conduta restou caracterizada diante da
elevada quantidade de multas aplicadas, isto sem mencionar as infrações que
sequer chegaram a ser constatadas e apuradas pelas autoridades competentes,
em razão da ausência de fiscalização ostensiva. O descaso da empresa no
cumprimento das normas de trânsito revela que o exercício do poder de polícia
da Administração, por meio da imposição de multas, não vem sendo suficiente
para inibir a conduta irregular da Apelante. IX - A jurisdição apresenta,
dentre suas características, o poder de coerção, consistente na capacidade de
subjugar a recalcitrância da parte em cumprir a determinação judicial. Isto é,
cabe ao juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, sempre
com adequada fundamentação, como ocorreu na hipótese em exame, em que foram
cominadas, em caso de descumprimento da obrigação de não fazer: i) multa no
valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada infração praticada; e ii)
vedação à participação em processo de licitação que tenha, como objeto, a
recuperação ou a realização de qualquer outro tipo de obras em rodovia. X -
As medidas coercitivas aplicadas guardam relação com o objeto do processo,
sendo adequadas e proporcionais à postura recalcitrante da Apelante,
sendo justificadas pela necessidade de se evitar a formação de título
judicial inócuo, ou seja, incapaz de compelir a demandada ao cumprimento
do comando judicial. Amparo legal no art. 139, inciso IV, do CPC/2015, in
verbis: "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento
da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação
pecuniária". XI - Muito embora reste caracterizada a existência de conduta
ilícita e culposa atribuível à Apelante, isso não é o bastante para lhe impor
o dever de reparar o dano moral coletivo, como pretendido pelo MPF, pois a
obrigação de reparar pressupõe a existência do dano diretamente resultante
da conduta ilícita, o qual não restou identificado no caso concreto. XII -
A deterioração das rodovias é resultante de vários fatores. Além do desgaste
pela 2 passagem do tempo e pela interferência de fenômenos naturais, há ainda
a reiterada prática de transporte com excesso de peso cometida por um número
indeterminado de agentes e a escassez de investimentos em obras de manutenção
e restauração. Em vista disso, não há como afirmar que a conduta da Apelante,
muito embora eivada de ilicitude, tenha sido capaz de, por si só, interferir
relevantemente na ordem extrapatrimonial coletiva, produzindo intranquilidade
social. XIII - Não sendo possível individualizar os danos materiais causados
pela Apelante às rodovias, eis que é inviável aferir, com exatidão, em que
medida a sua conduta contribuiu para a deterioração das estradas, revela-se
incabível, da mesma forma, imputar-lhe a responsabilidade pelo dano moral
coletivo resultante dessa degradação para a qual concorreram diversas
outras causas. XIV - A r. Sentença deve ser reformada, apenas em parte,
para julgar improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização
por dano moral coletivo, ficando prejudicada a análise da pretensão recursal
de redução do quantum indenizatório. XV - Reexame Necessário desprovido e
Apelação parcialmente provida.
Ementa
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRÁFEGO DE VEÍCULOS COM
EXCESSO DE PESO. DANOS MATERIAIS ÀS RODOVIAS. EXTENSÃO DO DANO. AUSÊNCIA
DE DELIMITAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER. CORRELAÇÃO ENTRE SENTENÇA E
PEDIDO. INTERESSE PROCESSUAL. RECALCITRÂNCIA DA REQUERIDA. HABITUALIDADE DA
CONDUTA ILÍCITA. MEDIDAS COERCITIVAS. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DANO
MORAL COLETIVO. DETERIORAÇÃO DAS RODOVIAS. INSEGURANÇA. CAUSAS
DIVERSAS. INTERFERÊNCIA RELEVANTE NÃO IDENTIFICADA. I - Cinge-se, a
controvérsia, à configuração da recalcitrância da Parte Ré-Apelante em dar
cumprimento às regras de trânsito e, por conseguinte, à sua responsabilização
civil pelos danos materiais causados ao pavimento das rodovias e pelos danos
morais causados à coletividade, em decorrência da conduta ilícita de trafegar
com excesso de peso em seus veículos, gerando riscos à segurança viária. II -
Reexame Necessário conhecido, relativamente ao capítulo da Sentença que julgou
improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização pelos danos
materiais causados ao pavimento das rodovias (art. 19 da Lei nº 4.717/65). No
mérito, decidiu acertadamente o Magistrado de primeiro grau, tendo em vista
que é imprescindível, para a configuração de dano indenizável, a efetividade
ou certeza da lesão, que não poderá ser hipotética ou conjetural (DINIZ, Maria
Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 26. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012). III - Prescreve o art. 944 do Código Civil que "a
indenização mede-se pela extensão do dano", extensão esta que não é possível
ser aferida no caso concreto, pois inúmeros são os fatores que interferem
na qualidade da pavimentação das rodovias. Ante a ausência de delimitação
dos danos materiais efetivamente causados pela requerida, deve ser mantida a
improcedência do pedido de reparação dos mesmos. IV - Há congruência entre
o dispositivo da Sentença e o rol de pedidos da Petição Inicial. O simples
fato de o Juízo especificar os dispositivos legais afrontados pela conduta
da requerida não desnatura nem amplia o pedido inicialmente formulado pelo
Autor, mesmo porque os arts. 99 e 231, incisos V e X, da Lei nº 9.503/97,
apenas corroboram a vedação ao tráfego de veículos com excesso de peso. V - O
art. 492 do CPC não vincula o pronunciamento judicial a eventuais fundamentos
legais levantados pelas partes (indicação do artigo de lei aplicável),
cabendo ao Magistrado a aplicação da lei adequada a cada caso concreto,
notadamente diante do instituto iura novit 1 curia, representado pelo brocardo
da mihi factum, dabo tibi jus. VI - A presença do interesse processual,
composto pelo binômio utilidade-necessidade do provimento jurisdicional,
resta caracterizada diante da pretensão ministerial voltada a impedir,
de forma definitiva, a reiteração da conduta ilícita imputada à Apelante,
cuja recalcitrância em cumprir a legislação de trânsito denota que os meios
previstos em lei não tem sido suficientes para coibir a prática de permitir
que seus veículos trafeguem com excesso de peso. Por esse motivo, o MPF
busca a imposição de obrigação de não fazer, inclusive com o uso das medidas
coercitivas cabíveis, que garantam a eficácia do provimento. Precedente deste
E. TRF (AG 0002882-44.2017.4.02.0000, Rel. Desembargador Federal GUILHERME
CALMON NOGUEIRA DA GAMA, 6ª Turma Especializada, julgado em 14/06/2017,
e-DJF2R 26/06/2017). VII - É plenamente cabível que o MPF se socorra da
tutela jurisdicional para a proteção de interesses metaindividuais, à luz
do princípio da inafastabilidade da jurisdição, expresso no inciso XXXV,
do art. 5º, da Constituição Federal, bem como em decorrência do exercício
da função institucional do Ministério Público, a quem é dado "promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos"
(art. 129, inciso III, da CF/88). VIII - Ao contrário do que afirma a Parte
Recorrente, a habitualidade de sua conduta restou caracterizada diante da
elevada quantidade de multas aplicadas, isto sem mencionar as infrações que
sequer chegaram a ser constatadas e apuradas pelas autoridades competentes,
em razão da ausência de fiscalização ostensiva. O descaso da empresa no
cumprimento das normas de trânsito revela que o exercício do poder de polícia
da Administração, por meio da imposição de multas, não vem sendo suficiente
para inibir a conduta irregular da Apelante. IX - A jurisdição apresenta,
dentre suas características, o poder de coerção, consistente na capacidade de
subjugar a recalcitrância da parte em cumprir a determinação judicial. Isto é,
cabe ao juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, sempre
com adequada fundamentação, como ocorreu na hipótese em exame, em que foram
cominadas, em caso de descumprimento da obrigação de não fazer: i) multa no
valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada infração praticada; e ii)
vedação à participação em processo de licitação que tenha, como objeto, a
recuperação ou a realização de qualquer outro tipo de obras em rodovia. X -
As medidas coercitivas aplicadas guardam relação com o objeto do processo,
sendo adequadas e proporcionais à postura recalcitrante da Apelante,
sendo justificadas pela necessidade de se evitar a formação de título
judicial inócuo, ou seja, incapaz de compelir a demandada ao cumprimento
do comando judicial. Amparo legal no art. 139, inciso IV, do CPC/2015, in
verbis: "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento
da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação
pecuniária". XI - Muito embora reste caracterizada a existência de conduta
ilícita e culposa atribuível à Apelante, isso não é o bastante para lhe impor
o dever de reparar o dano moral coletivo, como pretendido pelo MPF, pois a
obrigação de reparar pressupõe a existência do dano diretamente resultante
da conduta ilícita, o qual não restou identificado no caso concreto. XII -
A deterioração das rodovias é resultante de vários fatores. Além do desgaste
pela 2 passagem do tempo e pela interferência de fenômenos naturais, há ainda
a reiterada prática de transporte com excesso de peso cometida por um número
indeterminado de agentes e a escassez de investimentos em obras de manutenção
e restauração. Em vista disso, não há como afirmar que a conduta da Apelante,
muito embora eivada de ilicitude, tenha sido capaz de, por si só, interferir
relevantemente na ordem extrapatrimonial coletiva, produzindo intranquilidade
social. XIII - Não sendo possível individualizar os danos materiais causados
pela Apelante às rodovias, eis que é inviável aferir, com exatidão, em que
medida a sua conduta contribuiu para a deterioração das estradas, revela-se
incabível, da mesma forma, imputar-lhe a responsabilidade pelo dano moral
coletivo resultante dessa degradação para a qual concorreram diversas
outras causas. XIV - A r. Sentença deve ser reformada, apenas em parte,
para julgar improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização
por dano moral coletivo, ficando prejudicada a análise da pretensão recursal
de redução do quantum indenizatório. XV - Reexame Necessário desprovido e
Apelação parcialmente provida.
Data do Julgamento
:
15/10/2018
Data da Publicação
:
18/10/2018
Classe/Assunto
:
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e
do Trabalho
Órgão Julgador
:
6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
REIS FRIEDE
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
REIS FRIEDE
Observações
:
PA 1.22.003.000294/2014-31 Inclusão listisconsorte-decisão fl. 302
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