TRF2 0103798-97.2017.4.02.5105 01037989720174025105
ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO CIVIL POR MORTE PREVISTA NA LEI
Nº 3.373/58. FILHA MAIOR DE 21 ANOS, SOLTEIRA E NÃO OCUPANTE DE CARGO
PÚBLICO PERMANENTE. REQUISITOS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA LEI. INEXIGÊNCIA DE
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NO TEXTO LEGAL. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
QUE NÃO SE COADUNA COM O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NECESSIDADE
DE PRESERVAR AS SITUAÇÕES JURÍDICAS JÁ CONSTITUÍDAS SOB O IMPÉRIO DA LEI
REVOGADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de remessa necessária e apelação
interpostas pela UNIÃO FEDERAL, tendo por objeto a sentença de fls. 268/273,
nos autos da ação ordinária proposta por TANIA DE ALMEIDA CINTRA, com
pedido de antecipação de tutela, objetivando o arquivamento de procedimento
administrativo instaurado contra a autora, bem como a imposição de obrigação
de não fazer, consistente em não proceder ao cancelamento da pensão civil por
ela percebida por força da Lei nº 3.373/58. 2. Como causa de pedir, afirma
que foi notificada a respeito da instauração do Processo Administrativo nº
15604000197/2017-10, destinado à apuração de indício de pagamento indevido
de pensão a filha solteira, sustenta que não existe fundamento jurídico que
autorize o cancelamento do benefício, concedido em harmonia com a legislação
vigente à época do óbito do instituidor, e aduz que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal tem sido no sentido de preservar os benefícios
previdenciários concedidos com espeque na Lei nº 3.373/58. 3. Tem razão a
União quando afirma que a matéria não deveria ter sido tratada sob o prisma
da decadência do direito da Administração Pública de anular ou revogar ato
administrativo, com fulcro no artigo 54 da Lei nº 9.784/99. Com efeito,
o Poder Público não está aqui exercendo a autotutela, reconhecendo qualquer
vício no ato administrativo de concessão da pensão civil, ou entendendo que
ele está carece de conveniência e oportunidade (até porque se trata de ato
administrativo vinculado). Tendo a pensão civil da Lei nº 3.373/58 natureza
precária, a Administração tem o poder-dever de, uma vez reconhecendo o
implemento de condição prevista em lei para que cesse seus efeitos - como a
posse em cargo público permanente ou a modificação do estado civil -, exarar
novo ato administrativo reconhecendo-a. 4. A jurisprudência do Tribunal de
Contas da União, que até período relativamente recente, ainda zelava pela
aplicação integral do disposto na Lei nº 3.373/58 para as pensões instituídas
sob sua vigência, como se vê pelo que dispunha o Enunciado 168 da sua súmula,
passou a entender, no Acórdão 892/2012, que a pensão civil prevista naquela
lei só poderia subsistir, para mulheres maiores de 21 anos e solteiras,
acaso esta dependesse economicamente do 1 instituidor; se a beneficiária
passasse ter condições de prover seu próprio sustento, a hipótese seria de
cassar o benefício, a qualquer tempo. 5. De fato, embora seja compreensível
que a atual orientação da Corte de Contas seja primada por uma ideia de
(re)compreensão da realidade das pensões civis no Brasil à luz do atual
contexto histórico, o qual preconiza a igualdade de gênero, há que se filiar,
aqui, à orientação esposada pelo Min. Edson Fachin, uma vez que a lente sob
a qual a matéria deve ser apreciada é a da principiologia constitucional,
notadamente os preceitos da segurança jurídica e da legalidade. Em que pese
a orientação constar de decisões monocráticas, que ainda serão apreciadas
pelo Pleno do C. STF, e ainda que se conheçam precedentes do C. Superior
Tribunal de Justiça que parecem ser mais afiliados à jurisprudência do
TCU, deve-se lhe render homenagem por ter apreciado a matéria, em hipótese
idêntica à destes autos, de forma exaustiva e minuciosa. 6. A pensão por
morte, como qualquer benefício previdenciário, se constitui um direito
adquirido uma vez preenchidos os requisitos legais. A Lei nº 3.373/58,
é bom frisar, nunca exigiu a comprovação da dependência econômica (já
que esta era presumida). Logo, determinar o cancelamento do benefício,
décadas após sua concessão, por conta de uma mudança de interpretação
sobre a validade da pensão é afrontoso à segurança jurídica e à proteção ao
direito adquirido. Em outras palavras, ainda que se reconheça que o panorama
sociocultural tenha se modificado, a situação jurídica constituída sob o
império da norma anterior deve ser preservada. Também não há amparo legal
que fundamente o cancelamento do benefício, mas tão somente a orientação
jurisprudencial da Corte de Contas Federal, que não poderia ter o condão de
afastar o disposto na Lei nº 9.784/99, notadamente o artigo 2º, inciso XIII,
que veda a aplicação retroativa de nova interpretação sobre a norma jurídica
de direito administrativo. 7. Não se está aqui discutindo direito adquirido
a regime jurídico, até porque aquele constante da Lei nº 3.373/58 permaneceu
inalterado até a revogação expressa da Lei nº 1.711/52 pela Lei nº 8.112/90,
quando então aquele diploma também foi tacitamente revogado, uma vez que a
nova norma passou a tratar integralmente da matéria. O que se tem é o direito
subjetivo à ao benefício previdenciário por terem sido os seus requisitos
legais preenchidos quando ainda vigente a norma de regência. Tal direito
foi de fato incorporado ao patrimônio jurídico da pensionista, permanecendo
hígido enquanto preenchidos os requisitos expressamente previstos na redação
vigente quando do óbito do servidor público instituidor da pensão. 8. Negado
provimento à remessa necessária e apelação interpostas, majorando-se em 1%
a verba honorária, , na forma do artigo 85, § 11, do CPC.
Ementa
ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO CIVIL POR MORTE PREVISTA NA LEI
Nº 3.373/58. FILHA MAIOR DE 21 ANOS, SOLTEIRA E NÃO OCUPANTE DE CARGO
PÚBLICO PERMANENTE. REQUISITOS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA LEI. INEXIGÊNCIA DE
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NO TEXTO LEGAL. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
QUE NÃO SE COADUNA COM O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NECESSIDADE
DE PRESERVAR AS SITUAÇÕES JURÍDICAS JÁ CONSTITUÍDAS SOB O IMPÉRIO DA LEI
REVOGADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de remessa necessária e apelação
interpostas pela UNIÃO FEDERAL, tendo por objeto a sentença de fls. 268/273,
nos autos da ação ordinária proposta por TANIA DE ALMEIDA CINTRA, com
pedido de antecipação de tutela, objetivando o arquivamento de procedimento
administrativo instaurado contra a autora, bem como a imposição de obrigação
de não fazer, consistente em não proceder ao cancelamento da pensão civil por
ela percebida por força da Lei nº 3.373/58. 2. Como causa de pedir, afirma
que foi notificada a respeito da instauração do Processo Administrativo nº
15604000197/2017-10, destinado à apuração de indício de pagamento indevido
de pensão a filha solteira, sustenta que não existe fundamento jurídico que
autorize o cancelamento do benefício, concedido em harmonia com a legislação
vigente à época do óbito do instituidor, e aduz que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal tem sido no sentido de preservar os benefícios
previdenciários concedidos com espeque na Lei nº 3.373/58. 3. Tem razão a
União quando afirma que a matéria não deveria ter sido tratada sob o prisma
da decadência do direito da Administração Pública de anular ou revogar ato
administrativo, com fulcro no artigo 54 da Lei nº 9.784/99. Com efeito,
o Poder Público não está aqui exercendo a autotutela, reconhecendo qualquer
vício no ato administrativo de concessão da pensão civil, ou entendendo que
ele está carece de conveniência e oportunidade (até porque se trata de ato
administrativo vinculado). Tendo a pensão civil da Lei nº 3.373/58 natureza
precária, a Administração tem o poder-dever de, uma vez reconhecendo o
implemento de condição prevista em lei para que cesse seus efeitos - como a
posse em cargo público permanente ou a modificação do estado civil -, exarar
novo ato administrativo reconhecendo-a. 4. A jurisprudência do Tribunal de
Contas da União, que até período relativamente recente, ainda zelava pela
aplicação integral do disposto na Lei nº 3.373/58 para as pensões instituídas
sob sua vigência, como se vê pelo que dispunha o Enunciado 168 da sua súmula,
passou a entender, no Acórdão 892/2012, que a pensão civil prevista naquela
lei só poderia subsistir, para mulheres maiores de 21 anos e solteiras,
acaso esta dependesse economicamente do 1 instituidor; se a beneficiária
passasse ter condições de prover seu próprio sustento, a hipótese seria de
cassar o benefício, a qualquer tempo. 5. De fato, embora seja compreensível
que a atual orientação da Corte de Contas seja primada por uma ideia de
(re)compreensão da realidade das pensões civis no Brasil à luz do atual
contexto histórico, o qual preconiza a igualdade de gênero, há que se filiar,
aqui, à orientação esposada pelo Min. Edson Fachin, uma vez que a lente sob
a qual a matéria deve ser apreciada é a da principiologia constitucional,
notadamente os preceitos da segurança jurídica e da legalidade. Em que pese
a orientação constar de decisões monocráticas, que ainda serão apreciadas
pelo Pleno do C. STF, e ainda que se conheçam precedentes do C. Superior
Tribunal de Justiça que parecem ser mais afiliados à jurisprudência do
TCU, deve-se lhe render homenagem por ter apreciado a matéria, em hipótese
idêntica à destes autos, de forma exaustiva e minuciosa. 6. A pensão por
morte, como qualquer benefício previdenciário, se constitui um direito
adquirido uma vez preenchidos os requisitos legais. A Lei nº 3.373/58,
é bom frisar, nunca exigiu a comprovação da dependência econômica (já
que esta era presumida). Logo, determinar o cancelamento do benefício,
décadas após sua concessão, por conta de uma mudança de interpretação
sobre a validade da pensão é afrontoso à segurança jurídica e à proteção ao
direito adquirido. Em outras palavras, ainda que se reconheça que o panorama
sociocultural tenha se modificado, a situação jurídica constituída sob o
império da norma anterior deve ser preservada. Também não há amparo legal
que fundamente o cancelamento do benefício, mas tão somente a orientação
jurisprudencial da Corte de Contas Federal, que não poderia ter o condão de
afastar o disposto na Lei nº 9.784/99, notadamente o artigo 2º, inciso XIII,
que veda a aplicação retroativa de nova interpretação sobre a norma jurídica
de direito administrativo. 7. Não se está aqui discutindo direito adquirido
a regime jurídico, até porque aquele constante da Lei nº 3.373/58 permaneceu
inalterado até a revogação expressa da Lei nº 1.711/52 pela Lei nº 8.112/90,
quando então aquele diploma também foi tacitamente revogado, uma vez que a
nova norma passou a tratar integralmente da matéria. O que se tem é o direito
subjetivo à ao benefício previdenciário por terem sido os seus requisitos
legais preenchidos quando ainda vigente a norma de regência. Tal direito
foi de fato incorporado ao patrimônio jurídico da pensionista, permanecendo
hígido enquanto preenchidos os requisitos expressamente previstos na redação
vigente quando do óbito do servidor público instituidor da pensão. 8. Negado
provimento à remessa necessária e apelação interpostas, majorando-se em 1%
a verba honorária, , na forma do artigo 85, § 11, do CPC.
Data do Julgamento
:
05/04/2018
Data da Publicação
:
10/04/2018
Classe/Assunto
:
AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
POUL ERIK DYRLUND
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
POUL ERIK DYRLUND
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