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Jurisprudência


TRF2 0105538-84.2014.4.02.0000 01055388420144020000

Ementa
AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ARTIGO 485, INCISOS V E IX, DO CPC/73. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 37, § 6º, DA CF/88; ARTIGOS 475-C, II C/C 475-B, AMBOS DO CPC/73 E ARTIGO 884 DO CC/2002. INDENIZAÇÃO POR PREJUÍZOS SOFRIDOS EM RAZÃO DO TABELAMENTO DE PREÇOS IMPOSTO AO SETOR SUCRO- ALCOOLEIRO. APURAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR. LIQUIDAÇÃO POR A RBITRAMENTO. NECESSIDADE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - Cuida-se de ação rescisória, proposta pela UNIÃO FEDERAL, com fundamento no art. 485, incisos V e IX do CPC, objetivando desconstituir acórdão que, nos autos de demanda objetivando a reparação de danos sofridos pelas usinas autoras em razão da fixação de preços pelo Governo Federal para o setor sucroalcooleiro, deu parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora "para condenar a Ré no sentido de realizar indenização daqueles danos materiais causados às Autoras" arbitrado, "conforme o art. 944, caput, do CC/2002, em 80% (oitenta por cento) do valor correspondente a diferença entre os preços privados ao álcool etílico (ou etanol), tanto anidro quanto hidratado, e do açúcar cristal standart, praticados, e os praticáveis conforme os índices de revisão apurados pelo CPS/IBRE/FGV (fls. 234 e 282), do valor correspondente a soma dos preços privados de mais daqueles produtos industriais praticáveis conforme os índices de revisão apurados por esta entidade privada (fls. 252-6 e 307-10), e do valor correspondente a soma dos quanta debeatur acessórios creditícios (fls. 237/8/57 e 285-8/312)". Ressalte-se que, iniciada a fase de execução nos autos originários, a Companhia Agrícola do Norte 1 Fluminense apresentou como montante devido o valor de R$ 1.212.964.807,16 (um bilhão, duzentos e doze milhões, novecentos e sessenta e quatro mil, oitocentos e sete reais e dezesseis centavos), atualizado até agosto de 2013 (fls. 1188/1192 e 1209/1221) e a Usina São João (B. Lysandro) S/A o quantum de R$ 3.488.972.361,47 (três bilhões, quatrocentos e oitenta e oito milhões, novecentos e setenta e dois mil, trezentos e sessenta e um reais e quarenta e sete centavos), atualizado até outubro de 2013 (fls. 1226/1236), totalizando mais de R$ 4.600.000.000,00 (quatro bilhões e seiscentos m ilhões de reais). - In casu, a pretensão rescisória encontra-se fundada em violação literal a dispositivo de lei e em ocorrência de erro de fato, aduzindo a autora que o acórdão teria violado o disposto no artigo 37, § 6º, da CF/88; nos artigos 475-B e 475-C, inciso II, ambos do CPC e no artigo 883 do CC, ante a necessidade "de nova perícia para fixação do quantum d ebeatur, mediante liquidação por arbitramento". - O erro de fato sanável pela via da ação rescisória é aquele que consiste na admissão de fato inexistente como existente ou vice-versa na decisão rescindenda, impondo-se destacar que o erro deve se relacionar a fato que, na formação da decisão, não tenha sido objeto de controvérsia ou de pronunciamento judicial, hipótese que não parece ocorrer na espécie, tendo em vista que a controvérsia acerca apuração dos prejuízos alegados, considerando os documentos colacionados aos autos, foi enfrentada na demanda originária. Destarte, o expresso pronunciamento judicial sobre os fatos e as provas apresentadas, parece revelar-se suficiente para afastar a f igura do erro de fato. - Merece amparo a alegação de violação ao disposto no artigo 37, § 6º, da CF/88; nos artigos 475-B e 475-C, inciso II, ambos do CPC e no artigo 883 do CC, ante a necessidade "de nova perícia para fixação do quantum debeatur, mediante liquidação por arbitramento". Neste ponto, é de se ter claro que o inciso V, do artigo 485, do CPC/73, vigente à época do ajuizamento da demanda, que constitui um dos fundamentos da presente rescisória, contempla a hipótese de rescisão de 2 sentença transitada em julgado por violação literal a dispositivo de lei, o que pressupõe que a lesão seja direta e de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade, não se admitindo, pois, a veiculação de pedido c om base em mera injustiça ou má apreciação das provas. - No caso concreto, no qual a controvérsia cinge-se à apuração do quantum debeatur do dano a ser indenizado em razão dos prejuízos decorrentes da fixação de preços pelo governo federal para o setor sucroalcooleiro em desacordo com os critérios previstos na Lei 4.870/65, o acórdão rescindendo parece ter incorrido em violação a dispostivo de lei que macula a validade da coisa julgada formada pela decisão ora impugnada, encontrando-se, inclusive, em desacordo com o a tual entendimento jurisprudencial a respeito do tema. - Cumpre esclarecer que na presente ação rescisória, não se discute o direito à indenização e a existência de prejuízos, em tese, causados às usinas do setor sucroalcooleiro em virtude da fixação de preços pelo IAA, razão pela qual não há que se falar em reexame de laudo pericial elaborado no processo cognitivo originário, o qual, naqueles autos, serviu de amparo à comprovação do fato constitutivo do direito então alegado pelas autoras no sentido da responsabilidade civil da União. Na hipótese ora examinada, o cerne da controvérsia repousa na temática atinente à necessidade de apuração individualizada da extensão do dano já reconhecido, ou seja, do quantum debeatur, bem como do critério jurídico a ser adotado para que sejam observados os elementos caracterizadores da responsabilidade objetiva do Estado, em especial a observância do nexo de causalidade entre a conduta lesiva e o dano efetiva e concretamente experimentado. Nesse mesmo sentido, o Parquet Federal salientou, em seu parecer, que "não obstante o laudo pericial de fls. 230/339 servir de suporte probatório para se visualizar um cenário indenizatório às empresas, ora rés, não traz qualquer respaldo para a apuração das diferenças devidas caso a caso, sendo indispensável a liquidação por arbitramento do julgado p ara esse fim". - Com efeito, nas hipóteses de responsabilidade civil 3 objetiva do Estado, prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, o surgimento da obrigação indenizatória da Administração Pública decorre da verificação do nexo de causalidade entre o dano ocorrido e a conduta do Estado. Por tal razão, revela-se insuficiente a mera alegação genérica de existência de prejuízos decorrentes da intervenção estatal, bem como demonstra-se imprescindível a comprovação do dano efetivamente sofrido, tendo em vista não ser admitida indenização em caráter hipotético ou presumido, divorciada da realidade delineada pelo conjunto fático-probatório produzido nos autos. Destarte, tendo sido reconhecido o direito à indenização (an debeatur), a extensão do dano indenizável, efetivamente ocorrido e comprovado, deve ser discutida em sede de liquidação por arbitramento, com a correspodente realização de nova prova pericial, ocasião oportuna para a devida apuração dos prejuízos concretamente sofridos no caso e specífico. - Não parece se revelar adequada a utilização, como único parâmetro de definição do quantum debeatur, de critério genérico correspondente ao simples cálculo da diferença entre os preços praticados pelas empresas e os valores estipulados pelo IAA, tendo em vista a necessidade de identificação e quantificação do prejuízo efetivo, considerando as particularidades do caso concreto, a demonstrar a relação de causalidade entre o dano e o ato que fixou os preços do setor sucroalcooleiro, bem como a averiguação do real montante do p rejuízo decorrente da intervenção estatal. - O acórdão rescindendo, partindo da análise de perícia genérica que conduziu ao reconhecimento do direito à indenização, ao que tudo indica, antecipou-se, indevidamente, ao acolher critério de estipulação do quantum devido que posteriormente foi, inclusive, reconhecido pelo STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos, como inadequado para casos similares aos dos presentes autos, que versam especificamente a respeito da repercussão da fixação de p reços pelo IAA no setor sucroalcooleiro. - Neste aspecto, convém acentuar que, a respeito do tema, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça exarou manifestação, sob 4 a sistemática dos Recursos Repetitivos prevista no art. 543-C do CPC/73, no sentido de que "simples descumprimento de critério jurídico, consistente na fixação de preços em dissonância com critério fixado na Lei 4.870/1965, não pode servir como parâmetro para definição do "quantum debeatur" de indenização devida a empresa do setor sucroalcooleiro. Isso porque a indenização que visa a recomposição de danos emergentes e recebimento de lucros cessantes exige a demonstração de probabilidade razoável, objetiva e concreta. Dessa forma, não se admite indenização por danos emergentes ou lucros cessantes hipotéticos, sem suporte na realidade fática, alicerçada apenas em descumprimento de critério legal", tendo sido consignado que "a fixação do preço da cana para estipular o valor da indenização é um procedimento complexo, e não pode se dissociar da realidade do mercado brasileiro, devendo ser determinado levando em conta uma gama de informações sobre o mercado, e não apenas de dados sobre custos de produção" (REsp 1347136/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, DJe 07/03/2014). Deste modo, os prejuízos sofridos em decorrência da fixação de preços pelo IAA exigem efetiva comprovação, com suporte na realidade fática, não se admitindo indenização em caráter hipotético ou presumido, alicerçado apenas em descumprimento de critério legal, podendo, uma vez já reconhecido o direito à indenização (an debeatur), ser posteriormente discutido o quantum debeatur em liquidação de sentença por arbitramento, oportunidade em que as partes poderão demonstrar a extensão d os efeitos financeiros no caso concreto. - Muito embora tenham sido opostos embargos de declaração em face do aludido recurso especial, ocasião em que se reconheceu que "nos casos em que já há sentença transitada em julgado, no processo de conhecimento, a forma de apuração do valor devido deve observar o respectivo título executivo" (EDcl no REsp 1347136/DF, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/06/2014, DJe 02/02/2015), tal entendimento não parece se aplicar no âmbito da presente ação rescisória, tendo em vista que a mesma tem por objetivo justamente a desconstituição de coisa julgada. 5 - Nesta medida, observa-se que a adoção de critério de aferição de quantum indenizatório sem observância do correspondente processo de liquidação e da realização de prova pericial para verificação da extensão dos efetivos prejuízos sofridos nas situações concretas e individualizadas das usinas autoras, ao que tudo indica, além de deixar de observar os elementos necessários para caracterização da responsabilidade objetiva do Estado, parece violar a sistemática prevista no ordenamento processual pátrio, a qual constitui matéria de ordem pública, revelando-se contrária a entendimento jurisprudencial existente acerca do tema no sentido da necessidade de prévia liquidação de sentença nos casos em que o título judicial não se reveste de liquidez e c uja execução não depende de mero cálculo aritmético. - Sem se olvidar do princípio da fidelidade do título judicial, é necessário atentar para o entendimento que preconiza que a forma de liquidação especificada no decisum cognitivo não transita em julgado e que havendo vício de inadequação na espécie de liquidação, aplica-se o princípio da fungibilidade das formas de liquidação, segundo o qual a fixação do quantum debeatur deve processar-se pela via adequada, independentemente do preceito expresso no título executivo. Da mesma forma, orienta a Súmula 344 do STJ, ao estabelecer que "a liquidação por forma diversa da e stabelecida na sentença não ofende a coisa julgada". - Convém registrar que a rejeição de critério genérico de quantificação de dano encontra amparo na orientação no sentido de que "a liquidação de sentença consiste em um processo de conhecimento preparatório ao da execução", de que "se a condenação que deu origem ao título judicial, ou parte dela, for ilíquida, imperativo se mostra a liquidação, que completa a atividade jurisdicional de conhecimento" e de que "a sentença proferida no processo de conhecimento confere certeza ao direito do credor, enquanto que a sentença de liquidação lhe adiciona a liquidez e a conseqüente exigibilidade, ocasião em que o título será então revestido de executoriedade e, portanto, passível de execução" (REsp 758.275/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, 6 julgado em 09/03/2006, DJ 27/03/2006, p. 270. Nesta mesma linha: REsp 1361527/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 17/02/2017; AgRg no AREsp 501.880/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 09/06/2015). Desta forma, tendo em vista que o REsp 1.347.136/DF, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, apenas corroborou tal posicionamento ao prever sua adoção expressamente para os casos de indenização por prejuízos sofridos pelo setor sucroalcooleiro, não há que se falar em descabimento de ação rescisória baseada em mudança de entendimento j urisprudencial. - Precedentes citados. - Pedido rescisório julgado procedente a fim de que seja rescindido o acórdão proferido na ação nº 1990.51.01.001447- 2, tão somente para determinar que o quantum debeatur da indenização devida pela União deverá ser apurado por meio de liquidação por arbitramento, mediante nova perícia para a mensuração do prejuízo causado a cada uma das empresas no caso concreto, condenando a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios, na forma do artigo 85 do CPC/2015, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, pro r ata.

Data do Julgamento : 18/07/2017
Data da Publicação : 24/07/2017
Classe/Assunto : AR - Ação Rescisória - Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa - Procedimentos Especiais - Procedimento de Conhecimento - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 3ª SEÇÃO ESPECIALIZADA
Relator(a) : VERA LÚCIA LIMA
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : VERA LÚCIA LIMA
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