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Jurisprudência


TRF2 0108706-92.2015.4.02.5001 01087069220154025001

Ementa
APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO ÀS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS, A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO. RECONHECIMENTO PELOS TRIBUNAIS. NÃO COMPROVAÇÃO DO DESVIO FUNCIONAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROVIMENTO. 1. Discute-se a possibilidade de configuração de desvio de função de servidor público e o eventual pagamento de diferenças remuneratórias daí decorrentes, a título de indenização. 2. Quanto à prejudicial de mérito, no caso em análise, cuida-se, com efeito, de prescrição de trato sucessivo, e não de prescrição do próprio fundo do direito (não diz com a situação jurídico- fundamental de ser servidor público ou com modificações atinentes a essa especial condição), porquanto a tutela jurisdicional de direito subjetivo-material ou a posição jurídica de vantagem que o demandante visa a obter no caso não é senão as diferenças remuneratórias, decorrentes de suposto desvio de função, pelo que há de se reconhecer tão somente a prescrição quinquenal daí resultantes, como o fez a sentença objurgada. 3. Tanto o STF quanto o STJ têm reconhecido a servidores públicos em desvio de função o direito a pleitear, a título de verbas indenizáveis, as diferenças remuneratórias derivadas dessa peculiar situação jurídica, com fundamento na vedação geral do enriquecimento ilícito, por parte da Administração Pública. Verificada tal hipótese, não se admite, todavia, a possibilidade de reenquadramento ou ascensão funcionais, sob pena de violação à expressa regra de aprovação prévia por concurso público, nos termos do art. 37, II, da CF, para fins de investidura em cargo ou emprego públicos. Julgados do STF e súmula 378, do STJ. 4. Na hipótese vertente, tem-se que o desvio de função, a que supostamente se submeteu a demandante, perante a órgão hospitalar da ré, não ficou bem caracterizado, de acordo com o que se depreende dos elementos probatórios coligidos ao feito, diversamente do que foi reconhecido na sentença censurada. 5. Os documentos colacionados aos autos (contracheques) são aptos a comprovarem tão só a qualidade de servidora pública da autora, na condição de auxiliar de enfermagem, no hospital vinculado à ré. Todavia, tais provas documentais, à evidência, não têm o condão de, por si sós, configurarem a cabal demonstração de que a demandante exercera atribuições próprias de técnico de enfermagem e, portanto, que fora sujeita, de forma inconteste, a transvio de função na espécie. 6. Não se pode deduzir das provas orais - depoimento pessoal e testemunhais - força probante suficiente, para a efetiva configuração do vindicado desvio de função. 7. Verifica-se do depoimento pessoal da autora que ela executa tarefas de natureza simples, compatíveis com as atribuições típicas de seu cargo de auxiliar de enfermagem, previstas em seus diplomas normativos de regência (Lei nº 7.498/86 e o Decreto nº 94.406/87), as quais 1 muito se aproximam daquelas desempenhadas por técnicos de enfermagem, como admissão de pacientes, expurgo, exames e pré-partos. 8. Mesmo no que tange aos serviços de cuidados diretos de enfermagem a pacientes em estado grave, fica evidente que a demandante realizava tais tarefas em caráter de eventualidade e não de forma contínua e habitual, tanto que expressamente relatou em seu depoimento pessoal que, no setor de maternidade, no qual trabalhou de 2011 a 2014, logo após seu retorno da aposentadoria, procedeu ao atendimento de pacientes graves apenas por 2 vezes. Informou, igualmente, que no setor de radiologia, onde laborou no exíguo período de 2 a 3 meses, também ao regressar da aposentação, tão só atendeu a pacientes graves em 3 ou 4 oportunidades. 9. Da análise das provas testemunhais, por igual, não é possível haurir, com razoável segurança, que a demandante executava funções privativas de técnico de enfermagem, de forma habitual e ininterrupta. Especialmente quanto aos serviços pertinentes a cuidados diretos de enfermagem a pacientes em estado grave, não se pode extrair a firme convicção de que tais cuidados envolviam a assunção de responsabilidades e procedimentos complexos com certa frequência, ou, ao contrário, se eram efetivados de maneira eventual. 10. O desvio funcional de servidor público, para exercer atribuições típicas de cargo outro, distinto do que ocupa como resultado de provimento originário em virtude de aprovação em concurso público, por constituir situação fático-jurídica de absoluta anormalidade e excepcionalidade, nos domínios da estrutura organizacional da Administração Pública, há de ser, por isso mesmo, comprovado nos autos de maneira incontestável, com o escopo de se aferir, com redobrada cautela e rigor necessário, os seus pressupostos de real ocorrência, sob pena de vilipêndio a postulados caros, imanentes ao sistema republicano e ao Estado Democrático de Direito, como soem ser os princípios da legalidade, da isonomia, bem como a regra da estrita observância ao concurso público. 11. Diante de panorama de completa ausência de comprobatório desvio de função da autora, com indubitável atuação como técnico de enfermagem nos quadros funcionais do hospital da ré, cargo para o qual não se investira regularmente por concurso público, não há, pois, diferentemente do entendimento expressado na sentença objurgada, como reconhecer o pleiteado desvio de função na espécie, objeto desta demanda. 12. Ante a inversão da sucumbência, condena-se a autora ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados no patamar de 5% sobre o valor da causa atualizado, obedecidos os parâmetros, qualitativos e quantitativos, especialmente o trabalho desenvolvido pelo advogado da apelante e o tempo despendido para tal fim, estabelecidos no CPC/1973, legislação processual vigente à época da publicação da sentença, segundo apreciação equitativa prevista no art. 20, §4º, do referido código. Ressalte-se que a exigibilidade de tal verba honorária fica suspensa, na forma do art. 12, da Lei nº 1.060/50, por ser a autora beneficiária de gratuidade de justiça. Custas ex lege. 13. Publicada a sentença sob a vigência do CPC/1973, cujo regramento impõe-se incidir na causa em exame, descabe condenar a apelante ao pagamento de honorários de sucumbência recursal no caso em tela, disciplinado no art. 85, § 11, do CPC/2015, por força do princípio tempus regit actum (o tempo rege o ato). 14. Apelação e remessa necessária providas. 2

Data do Julgamento : 17/02/2017
Data da Publicação : 22/02/2017
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
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