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Jurisprudência


TRF2 0114529-67.2017.4.02.5101 01145296720174025101

Ementa
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA IMPOSTA PELA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS. REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS. SUBMISSÃO À REGULAÇÃO DA ANS. PLANO PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. CONTRATO ANTIGO. ANTERIOR À LEI Nº 9.656/98. APLICABILIDADE DA LEI PARA INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS COMETIDAS POSTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA. COMPETÊNCIA DA ANS. APLICABILIDADE DO CDC. SEM INDICAÇÃO DOS PERCENTUAIS DE REAJUSTE NA APÓLICE. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. REGULARIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE DA MULTA. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENA DE MULTA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta pela CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - CAARJ nos autos dos embargos à execução propostos em face da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS, objetivando a extinção da Execução Fiscal nº 0516952-42.2011.4.02.5101, a qual pretende a cobrança de multa administrativa imposta com fundamento na Lei nº 9.656/98 e na Resolução de Diretoria Colegiada nº 24/00. 2. Os presentes embargos à execução buscam desconstituir o título executivo representado pela CDA nº 000000003488-64, a qual incorpora crédito fiscal no montante global de R$ 31.915,80, atualizado em maio de 2011, correspondente à multa aplicada por cometimento da infração tipificada no artigo 5º, inciso VII, da RDC nº 24/00 da ANS, fundamentada no artigo 25, inciso II, da Lei nº 9.656/98 e no artigo 4º, inciso XVII, da Lei nº 9.961/00. 3. Não prospera a tese de que a CAARJ não se submete à disciplina regulatória da agência reguladora embargada. Já foi pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à qual a deste Tribunal Regional Federal presta deferência, o entendimento de que a CAARJ possui natureza jurídica de direito público, sendo dotada de personalidade própria em relação à Ordem dos Advogados do Brasil, mas, por operar planos privados de assistência à saúde, ela se sujeita à regulação do setor, realizada pela ANS. É harmônico, no mesmo sentido, o entendimento deste E. Tribunal Regional Federal: TRF-2 - AC 0122840-47.2017.4.02.5101 [TRF2 2017.51.01.122840-2] - 8ª Turma Especializada - Rel. Des. Fed. GUILHERME DIEFENTHAELER - Data de decisão: 07/05/2018 - Data de disponibilização: 11/05/2018. Logo, independentemente da qualidade do prestador de serviço, seja pessoa jurídica de direito público 1 ou privado, fato é que, atuando ela na iniciativa privada como operadora de planos privados de saúde suplementar, é certo que sua atividade deve ser exercida em conformidade com o regramento positivado pela agência reguladora dessa ramo da economia. 4. Na sequência, a embargante sustenta que a Lei nº 9.656/98 não é aplicável aos contratos celebrados em data anterior ao início de vigência da lei e, por livre escolha dos beneficiários, não adaptados à sistemática legal, concluindo, na sequência, que a ANS não possui competência para autuar as operadoras. Afirma, nessa senda, que a apreciação de eventuais ilegalidades deveria ter sido feita pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP ou por órgãos de proteção ao consumidor. O argumento não resiste a uma perfunctória compreensão do regime jurídico criado pela Lei nº 9.656/98. Esse diploma legal, de 03 de junho de 1998, pretende não somente disciplinar as relações jurídicas estabelecidas entre as operadoras de planos de saúde e os consumidores - regidas essencialmente pelo direito privado contratual -, mas também as relações jurídicas entre aquelas e o Estado, aqui presentado por uma autarquia em regime especial, a ANS, criada pela Lei nº 9.961/00 - e que são, necessariamente, de direito público administrativo, por estarem inseridas no escopo da atividade regulatória do Estado, a ele incumbida pelo artigo 174 da Constituição Federal. É dizer, em outras palavras, que o conteúdo normativo da lei se presta não somente a balizar o exercício da autonomia contratual no âmbito dos seguros de saúde, mas também a disciplinar as condutas das próprias seguradoras enquanto agentes econômicos de um setor regulado. Disso se conclui que, embora algumas normas da Lei nº 9.656/98 não possam retroagir para atingir avenças celebradas anteriormente à vigência, o que vulneraria a autonomia da vontade, como, aliás, reconhece o próprio artigo 35, caput, desse diploma legal, outras delas, por constituírem previsões legais para autorizar o exercício do poder de polícia pela agência reguladora, se aplicam a quaisquer transgressões perpetradas após a sua vigência, ainda que envolvendo um contrato anterior à lei, o que vem expresso no seu artigo 25. Assim, o artigo 35 consagra uma regra geral para as situações que envolvam unicamente os aspectos internos da relação contratual de plano de assistência à saúde, e, em relação a estas, somente se aplicará a Lei nº 9.656/98 para os contratos celebrados posteriormente à sua vigência, enquanto que o artigo 25 constitui uma regra de polícia administrativa, e, portanto, se aplica a qualquer relação contratual de plano de assistência à saúde, ainda que baseada em contrato anterior e não adaptado, desde que em relação à infrações administrativas cometidas posteriormente, vez que a lei punitiva não pode retroagir. 5. Importa ressaltar que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1931/DF, em acórdão conduzido pelo Min. Marco Aurélio. Malgrado a redação da ementa possa levar à equivocada conclusão de que deve ser levada em consideração a legislação vigente à época da contratação, o que, na presente hipótese, afastaria a Lei nº 9.656/98, deve-se ter em mente que a matéria levada à julgamento para a Suprema Corte dizia respeito unicamente à constitucionalidade de dispositivos legais que intervinham na própria relação jurídica contratual, em seu aspecto intrínseco, não tendo sido discutida pela Corte, em nenhum momento, qualquer norma atinente ao exercício do poder de polícia da agência reguladora competente. Em relação à tais normas, como é o caso do supracitado artigo 25, portanto, permanece intacta a presunção de constitucionalidade. Ora, tendo a infração administrativa imputada sido cometida em 2002, é evidente que está sujeita aos preceitos da Lei nº 9.656/98, bem assim ao poder fiscalizatório e sancionador da ANS, ainda que tenha de tomar como referência o disposto no próprio contrato celebrado em 2 12/05/1992. 6. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1568244, relatado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (14/12/2016), julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, definiu diversos parâmetros acerca de reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário. Por sua vez, a Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS dispõe que, nos contratos anteriores à Lei 9.656/98, sem fixação dos percentuais de majoração, devem ser considerados os valores das tabelas de venda, desde que comprovadamente vinculadas ao contrato e entregues ao beneficiário. 7. Na hipótese, observa-se que o instrumento do contrato prevê expressamente a possibilidade de reajuste, conforme determinadas faixas etárias, conforme suas Cláusulas 14ª e 15ª. Percebe-se, contudo, que não há, no próprio texto do contrato, a indicação expressa das faixas etárias e os correspondentes reajustes. A tabela de reajuste na verdade consta da chamada "tabela de vendas", mas não da apólice em si, motivo pelo qual se conclui que deveria a usuária do plano de saúde ter sido informada adequada e expressamente acerca do reajuste, quando estivesse por ser realizado, ou seja, quando a usuária completasse a idade para incidência do referido reajuste. Correta, portanto, a ponderação feita pela magistrada sentenciante, no sentido de que: "Insta ressaltar que não foi o fato da operadora ter praticado aumento em razão da mudança de faixa etária que teria configurado a infração passível de multa, mas sim o fato do percentual de reajuste não estar explícito na cláusula contratual, constando apenas menção a uma tabela de prêmios". Com efeito, a penalidade administrativa, no presente caso, se justifica em razão da violação ao dever de informação a ser prestada ao usuário, e não propriamente ao contrato em si, que realmente prevê, em abstrato, a possibilidade de reajuste da mensalidade conforme as faixas etárias. Ademais, tanto no processo administrativo sancionador, quanto no presente processo judicial, a CAARJ se resigna estriba em argumentos genéricos acerca da regularidade do contrato, apresentando modelos genéricos de minuta contratual, sem que de tal documentação possa se verificar se o segurado teve conhecimento do fato de que a tabela de reajustes constava, em verdade, do manual do usuário, e não do próprio corpo da apólice. 8. Tendo em vista que o Código de Defesa do Consumidor estabelece como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (artigo 6º, inciso III), existe em desfavor do fornecedor um ônus de demonstrar que tal informação foi prestada a contento. A outro giro, não é razoável presumir que a usuária tivesse conhecimento da Tabela de Prêmios, que constava de um documento apartado da própria apólice, esta sim que é o instrumento do contrato de seguro, e tampouco das circunstâncias de eventual reajuste. Em síntese: malgrado o reajuste em si tenha sido realizado dentro dos patamares previstos no próprio contrato, não houve prova sobre a adequada prestação de informações ao consumidor, mormente porque a reclamação formulada pela beneficiária à ANS. Nos termos da legislação consumerista, que rege também os planos de saúde, tal ônus não pode ser repassado ao consumidor, devendo a fornecedora do serviço providenciar a maior transparência, ainda que o reajuste em si seja admitido pelo contrato. Na situação concreta ora em julgamento, forçoso é concluir que, ainda que a beneficiária do seguro tivesse em mãos a apólice, sequer pelo instrumento do contrato ela poderia divisar os critérios de reajuste, vez que estes vinham indicados em instrumento apartado. Essa responsabilidade de prestar adequadamente as informações sobre as contraprestações devidas é ainda maior no contexto dos contratos de planos de assistência à 3 saúde, que são de adesão e de longa duração, situando-se o consumidor numa relação de natural desvantagem, pois sequer pode negociar os termos da pactuação, devendo optar por aderir integralmente ou não ao regime contratual oferecido, ao qual provavelmente permanecerá vinculado por anos, como ocorreu no caso, motivo pelo qual se conclui que deve haver a maior quantidade de informações para que possa tomar suas decisões de forma racional e segura. Confira-se: TRF-2 - 0066735-21.2015.4.02.5101 (2015.51.01.066735-1) - 6ª Turma Especializada - Rel. Des. Fed. REIS FRIEDE - Data de decisão: 22/02/2018 - Data de disponibilização: 10/04/2018. 9. Igualmente não socorre a pretensão recursal o fato de a magistrada singular ter feito alusão, quando fundamentou a sentença, ao Estatuto do Idoso, que realmente proíbe a aplicação de reajuste em razão da idade. Primeiro, porque se trata, nitidamente, de um reforço argumentativo. O fundamento da imposição da sanção administrativa continua sendo a norma regulamentar da ANS, sem prejuízo de a sentença aludir, a título de esclarecimento, à outra norma que corrobora o mesmo raciocínio. Segundo, porque o Estatuto do Idoso constitui norma de ordem pública, motivo pelo qual sua aplicação, in concreto, deve ser feita pelo Poder Judiciário mesmo sem a provocação das partes. 10. Também não merece acolhimento a tese de nulidade do auto de infração por suposta violação ao princípio da legalidade do ato administrativo, tendo em vista que, verificada a infração à norma regulatória da ANS, incumbia ao agente público responsável a instauração do processo administrativo sancionador para aplicação da penalidade. Já é de há muito pacificado o entendimento na jurisprudência no sentido de que, tendo as agências reguladoras sido criadas por lei, as quais, em geral, instituem para tais entidades a atribuição de normatização e fiscalização de determinado setor da atividade econômica, as normas por elas produzidas, e o exercício do seu poder de polícia, se realizados na exata medida da legislação de regência, como, no caso, as Leis nºs 9.656/98 e 9.961/00, não transgridem o princípio constitucional da legalidade. 11. Tampouco prospera a afirmação de irrazoabilidade e desproporcionalidade da sanção aplicada, tendo em vista que o valor de R$ 21.000,00, o qual constitui o principal da dívida exequenda, com os acréscimos dos juros e do Decreto-Lei nº 1.025/69, possuem um caráter dúplice, pedagógico ou dissuasório, e também punitivo ou repressivo, não cabendo ao Poder Judiciário substituir-se ao administrador público, mormente a entidade responsável pela regulação do setor econômico, com fito de transmudar a pena pecuniária numa pena de advertência, a qual sequer se mostra, em abstrato, cabível à hipótese. Nesse sentido: TRF-2 - 0140794-09.2017.4.02.5101 (2017.51.01.140794-1) - 5ª Turma Especializada - Rel. Juiz Federal Conv. FIRLY NASCIMENTO FILHO - Data de decisão: 08/05/2018 - Data de Disponibilização: 10/05/2018. 12. Negado provimento ao recurso. Tendo em vista que não houve condenação em honorários advocatícios na primeira instância, não se aplica o artigo 85, § 11, do CPC/15

Data do Julgamento : 20/09/2018
Data da Publicação : 25/09/2018
Classe/Assunto : AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : POUL ERIK DYRLUND
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : POUL ERIK DYRLUND
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