TRF2 0145396-81.2015.4.02.5111 01453968120154025111
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL E DE
CONDIÇÕES ADEQUADAS DE SANEAMENTO BÁSICO A DETERMINADAS ALDEIAS INDÍGENAS POR
PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. INTERVENÇÃO
DO PODER JUDICIÁRIO PARA DETERMINAR O CUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
JÁ ESTABELECIDAS E AFASTAR QUALQUER AMEAÇA DE DANO À SAÚDE E À VIDA DAS
COMUNIDADES INDÍGENAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Afastada a alegação de
ilegitimidade passiva da União, tendo em vista que o financiamento e execução
dos serviços de abastecimento de água e de saneamento básico às comunidades
indígenas compete ao Ministério da Saúde, que sucedeu a FUNASA na gestão do
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (artigo 5° do Decreto n° 7366/2010),
o qual deve ser custeado pela União, com recursos próprios (artigo 19-C
da Lei n° 8080/90). Ademais, o artigo 43, VIII, do Anexo I do Decreto n°
7530/2011, dispõe acerca da competência da SESAI - Secretaria Especial de Saúde
Indígena para estabelecer diretrizes e critérios no planejamento, execução,
monitoramento e avaliação das ações de saneamento ambiental e de edificações
nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Conforme destacado com acerto
pelo MM. Juiz a quo, "a competência do município está excepcionada neste caso,
sem prejuízo de eventual atuação complementar no custeio e execução das ações
e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas, nos
termos do artigo 19-E da Lei n° 8080/90." 2. O fornecimento de água potável é
uma das mais elementares prestações de serviços públicos do Estado, o que se
traduz na exigência da garantia que a doutrina denomina como do ‘mínimo
existencial’, segundo a qual não haveria dignidade humana sem um mínimo
necessário e indispensável para a existência. Na espécie dos autos, a vistoria
in loco realizada por analistas periciais do MPF constatou, de forma detalhada,
inclusive por meio de registros fotográficos, a situação grave e precária das
condições de saneamento básico e de fornecimento de água nas aldeias indígenas
situadas em Angra dos Reis e Paraty. 1 3. A precária situação vivenciada pelas
aldeias indígenas situadas em Angra dos Reis e Paraty foi evidenciada pelos
documentos que instruem a presente ação. Ou seja, os documentos acostados
à petição inicial demonstram a impropriedade da água consumida pelas
aldeias. Além disso, o único documento apresentado pela União, produzido
pela SESAI, denota o próprio reconhecimento, por parte da ora apelante, da
situação vivenciada pelos indígenas, na medida em que atesta a insuficiência
das medidas adotadas e aponta a necessidade de melhorias. 4. É inegável que o
direito à saúde é consequência imediata do princípio da dignidade humana e,
por isso, direito fundamental subjetivo do cidadão. Nele, está claramente
compreendido o acesso à água potável. E não há de se falar em reserva do
possível, pois, no caso, a garantia do mínimo existencial, do núcleo básico
dos direitos fundamentais, é inegociável. Caso o acesso a ele seja obstado,
ferir-se-á o princípio da dignidade da pessoa humana, norteador não só
do ordenamento jurídico pátrio, como também garantido internacionalmente
conforme Declaração de Direitos Humanos. Nesse cenário, evidente que a atuação
do Judiciário não extrapola a sua missão constitucional, sendo legítima
a atuação para fazer cessar omissão ilegal do Poder Público. In casu, a
situação ainda é mais grave diante da existência de previsão orçamentária
específica para o atendimento da demanda, embora os recursos previstos não
tenham sido integralmente utilizados, o que reforça a tese de que não se
trata de intervenção do Judiciário na definição de política pública ou de
violação ao princípio constitucional da separação dos poderes. O objetivo
aqui é garantir que seja efetivamente cumprida a destinação dos recursos
públicos, conforme previsto no Orçamento da União. Ou seja, o Judiciário
não está criando política pública, mas apenas determinando o cumprimento de
políticas já estabelecidas. 5. Na espécie, não se mostra razoável aguardar
pela morosa implementação do fornecimento de água potável e de condições
adequadas de saneamento básico a determinadas aldeias indígenas por parte
da Administração Pública, impondo-se a intervenção do Poder Judiciário
para determinar o cumprimento das políticas públicas já estabelecidas e
afastar qualquer ameaça de dano à saúde e à vida das comunidades indígenas,
que se encontram constitucionalmente tuteladas (CF, arts. 5º, XXXV, e 231,
caput, e respectivo parágrafo 3º). 6. Remessa necessária e apelo conhecidos
e desprovidos.
Ementa
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL E DE
CONDIÇÕES ADEQUADAS DE SANEAMENTO BÁSICO A DETERMINADAS ALDEIAS INDÍGENAS POR
PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. INTERVENÇÃO
DO PODER JUDICIÁRIO PARA DETERMINAR O CUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
JÁ ESTABELECIDAS E AFASTAR QUALQUER AMEAÇA DE DANO À SAÚDE E À VIDA DAS
COMUNIDADES INDÍGENAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Afastada a alegação de
ilegitimidade passiva da União, tendo em vista que o financiamento e execução
dos serviços de abastecimento de água e de saneamento básico às comunidades
indígenas compete ao Ministério da Saúde, que sucedeu a FUNASA na gestão do
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (artigo 5° do Decreto n° 7366/2010),
o qual deve ser custeado pela União, com recursos próprios (artigo 19-C
da Lei n° 8080/90). Ademais, o artigo 43, VIII, do Anexo I do Decreto n°
7530/2011, dispõe acerca da competência da SESAI - Secretaria Especial de Saúde
Indígena para estabelecer diretrizes e critérios no planejamento, execução,
monitoramento e avaliação das ações de saneamento ambiental e de edificações
nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Conforme destacado com acerto
pelo MM. Juiz a quo, "a competência do município está excepcionada neste caso,
sem prejuízo de eventual atuação complementar no custeio e execução das ações
e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas, nos
termos do artigo 19-E da Lei n° 8080/90." 2. O fornecimento de água potável é
uma das mais elementares prestações de serviços públicos do Estado, o que se
traduz na exigência da garantia que a doutrina denomina como do ‘mínimo
existencial’, segundo a qual não haveria dignidade humana sem um mínimo
necessário e indispensável para a existência. Na espécie dos autos, a vistoria
in loco realizada por analistas periciais do MPF constatou, de forma detalhada,
inclusive por meio de registros fotográficos, a situação grave e precária das
condições de saneamento básico e de fornecimento de água nas aldeias indígenas
situadas em Angra dos Reis e Paraty. 1 3. A precária situação vivenciada pelas
aldeias indígenas situadas em Angra dos Reis e Paraty foi evidenciada pelos
documentos que instruem a presente ação. Ou seja, os documentos acostados
à petição inicial demonstram a impropriedade da água consumida pelas
aldeias. Além disso, o único documento apresentado pela União, produzido
pela SESAI, denota o próprio reconhecimento, por parte da ora apelante, da
situação vivenciada pelos indígenas, na medida em que atesta a insuficiência
das medidas adotadas e aponta a necessidade de melhorias. 4. É inegável que o
direito à saúde é consequência imediata do princípio da dignidade humana e,
por isso, direito fundamental subjetivo do cidadão. Nele, está claramente
compreendido o acesso à água potável. E não há de se falar em reserva do
possível, pois, no caso, a garantia do mínimo existencial, do núcleo básico
dos direitos fundamentais, é inegociável. Caso o acesso a ele seja obstado,
ferir-se-á o princípio da dignidade da pessoa humana, norteador não só
do ordenamento jurídico pátrio, como também garantido internacionalmente
conforme Declaração de Direitos Humanos. Nesse cenário, evidente que a atuação
do Judiciário não extrapola a sua missão constitucional, sendo legítima
a atuação para fazer cessar omissão ilegal do Poder Público. In casu, a
situação ainda é mais grave diante da existência de previsão orçamentária
específica para o atendimento da demanda, embora os recursos previstos não
tenham sido integralmente utilizados, o que reforça a tese de que não se
trata de intervenção do Judiciário na definição de política pública ou de
violação ao princípio constitucional da separação dos poderes. O objetivo
aqui é garantir que seja efetivamente cumprida a destinação dos recursos
públicos, conforme previsto no Orçamento da União. Ou seja, o Judiciário
não está criando política pública, mas apenas determinando o cumprimento de
políticas já estabelecidas. 5. Na espécie, não se mostra razoável aguardar
pela morosa implementação do fornecimento de água potável e de condições
adequadas de saneamento básico a determinadas aldeias indígenas por parte
da Administração Pública, impondo-se a intervenção do Poder Judiciário
para determinar o cumprimento das políticas públicas já estabelecidas e
afastar qualquer ameaça de dano à saúde e à vida das comunidades indígenas,
que se encontram constitucionalmente tuteladas (CF, arts. 5º, XXXV, e 231,
caput, e respectivo parágrafo 3º). 6. Remessa necessária e apelo conhecidos
e desprovidos.
Data do Julgamento
:
07/06/2017
Data da Publicação
:
19/06/2017
Classe/Assunto
:
APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e
do Trabalho
Órgão Julgador
:
7ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
JOSÉ ANTONIO NEIVA
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
JOSÉ ANTONIO NEIVA
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