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Jurisprudência


TRF2 0147774-11.2013.4.02.5101 01477741120134025101

Ementa
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. REGISTRO NA ANVISA. NÃO DISPONIBILIZAÇÃO PELO SUS. IMPRESTABILIDADE DOS FÁRMACOS A LTERNATIVOS. RAZOABILIDADE DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. 1. A devolução cinge-se ao cabimento da determinação de fornecimento ao autor, portador de insuficiência renal crônica, associada à hiperparatiroidismo secundário, em tratamento de hemodiálise há anos, dos medicamentos PARCICALCITROL/ZEMPLAR, 60 ampolas/mês e MIMPARA/CINACALCET 30 mg, 4 comprimidos ao dia. 2. O art. 196 da Constituição da República assevera que a saúde é direito de todos e dever do Estado, competindo, na forma do art. 197, primordialmente ao Poder Público, a execução das ações e serviços que garantam ao cidadão, em última análise, o seu direito à vida. 3. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a n egativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. 4. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre esses (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO G ERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 ). 5. Sendo o direito à saúde bem constitucionalmente tutelado, não é possível que a norma programática do art. 196 da constituição seja interpretada de modo a tornar-se uma "promessa constitucional inconsequente", pois além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida, intrinsecamente ligado, ainda, ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é a razão, o centro gravitacional do do sistema jurídico-constitucional em vigor. 6. Embora o Poder Judiciário não possa editar leis ou adentrar na esfera das políticas públicas, deve buscar a efetividade da norma constitucional e a fiscalização do seu cumprimento, ainda que para assegurar o seu mínimo e xistencial, qual seja, as condições básicas da existência humana. 7. No julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal do Agravo Regimental na Suspensão da Tutela Antecipada nº 175 (STA 175-AgR/CE), de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em 16/06/2009, restou assentada a possibilidade de, após a análise minuciosa das circunstâncias de cada caso concreto e a realização de juízo de ponderação, o Poder Judiciário garantir o direito à saúde por meio do fornecimento de medicamento ou tratamento 1 i ndispensável para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida do paciente da rede pública de saúde. 8. Deve ser privilegiado o tratamento oferecido pelo SUS, o que não afasta a possibilidade do Poder Judiciário ou da própria administração decidir dispensar, em razão da condição específica de saúde de um dado paciente, o fornecimento de medicamento não incluído na lista padronizada fornecida pelo SUS, desde que reste a comprovação de que não haja nela opção de tratamento eficaz para a enfermidade (RE-AgR 831385, Rel. Min. Roberto Barroso, D Je 17/12/2014). 9. No caso dos autos, de acordo com laudo médico subscrito por profissional do Hospital Federal de Bonsucesso, Dr. Guilherme Fonseca Mendes, o autor, ora apelado, é "portador de insuficiência renal crônica (...) em programa de hemodiálise há 9 anos, já apresentando como complicação a presença de doença óssea: hiperparatiroidismo s ecundário (...)" (fls. 23/25). 10. Para o tratamento da doença que acomete o demandante, foi indicado o uso do medicamento PARICALCITROL/ZEMPLAR - 60 ampolas/mês e MIMPARA/CINACALCET 30 mg (4 comprimidos ao dia), para reposição de cálcio e controle de seu hiperparatireoidismo, evitando, assim, intervenção cirúrgica de p aratirectomia, que apresenta alta mortalidade. 11. O próprio médico subscritor do laudo afirma que a paratirectomia "em serviços públicos no Rio de Janeiro está muito difícil de ser realizada. Poucos centros oferecem este tipo de cirurgia e as filas são enormes, com o tempo de espera por vezes de anos, levando o paciente neste período a apresentar todo tipo de complicações ( fraturas ósseas, óbito por causa cardiovascular)". 12. Verifica-se, ainda, a existência de sentença transitada em julgado nos autos do processo nº 0081319- 02.2011.8.19.0001, que tramitou perante a 10ª vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, em face do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro, que determinou o fornecimento do medicamento CLORIDRATO DE C INACALCET (MIMPARA) a Paulo Roberto Lanção. 13. Com efeito, em relação ao medicamento CLORIDRATO DE CINACALCET (MIMPARA) impõe-se o reconhecimento da ausência de interesse processual recursal em relação ao Estado do Rio de Janeiro à pretensão de exclusão de fornecimento do referido medicamento, e, no tocante à União, a extinção do processo sem resolução de mérito em relação ao mesmo fármaco, assim como reconhecida em relação ao Município do Rio de Janeiro na s entença proferida na presente demanda. 14. Nesse contexto, descabe a manutenção da condenação da União, tendo em vista que consolidou-se o título em relação ao Estado do Rio de Janeiro e ao Município do Rio de Janeiro no processo nº 0081319- 02.2011.8.19.0001 que tramitou na 10ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, restando exaurido o objeto d a presente demanda. 15. Não se pode em nome da solidariedade, consolidar no âmbito federal um novo título judicial com relação ao mesmo medicamento já fornecido pelo Estado do Rio de Janeiro, sem restar comprovado nos autos que o m esmo não esteja sendo atendido. 16. A solidariedade pode ser fixada no mesmo título judicial, mas não pode consolidar-se como obrigação da mesma natureza em outro processo, sem incorrer no indevido "bis in idem". A decisão de obter a medicação através dos entes locais esgotou a pretensão do conteúdo do autor, uma vez que a mesma foi acolhida no âmbito estadual, sendo que outra solução poderia se dada, caso o resultado naquela seara fosse diverso, possibilitando ao apelado a utilização da via processual unicamente contra a União, em respeito a coisa julgada formada no âmbito estadual. Nesse contexto a recíproca quanto a fixação da solidariedade, deve prevalecer com relação ao acolhimento n a instância estadual. 17. No que tange ao fornecimento do PARICALCITROL, princípio ativo do ZEMPLAR, este, de acordo com informação fornecida pelo Ministério da Saúde na Nota Técnica nº 146/2012, é um análogo sintético da vitamina D que auxilia na redução dos níveis de hormônio paratireoide (PTH), encontrando-se registrado na ANVISA para tratamento e prevenção do hiperparatireoidismo secundário associado à insuficiência renal crônica. 2 18. A Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde -CITEC, deliberou por unanimidade, em sua 15ª reunião ordinária, realizada em 05/07/2011, pela não incorporação do ZEMPLAR, considerando que as evidências ciêntíficas apresentadas não são definitivas em relação ao calcitrol intravenoso, bem como a possibilidade de reações adversas relatadas, como náusea, calafrios, mal estar, febre, gripe, sepse, palpitação, boca seca, sangramento gastrintestinal, vômitos, edema, cefaleia, pneumonia, reações alérgicas, urticária, a ngioedema, edema da laringe, alteração no paladar, rash e prurido. 19. O medicamento não está incluído na lista de Assistência Farmacêutica do SUS, que fornece alternativamente tratamento com carbonato de cálcio, fosfato de cálcio tribásico + colecalciferol (vitamina D) e carbonato de cálcio + colecalciferol (vitamina D), fornecidos por meio do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, que é a primeira linha de cuidado medicamentoso do sistema. Esse componente é regulamentado pela P ortaria GM/MS 1.555, de 30 de julho de 2013. 20. Para o tratamento da doença renal em estágio final o SUS também disponibiliza medicamentos como a lfaepoetina, sacarato de hidróxido férrico, hidróxido de alumínio, sevelamer, alfacalcidol e calcitriol. 21. De acordo com o relatório médico de fls. 23/25, assinado por profissional do Departamento de Nefrologia do Hospital Federal de Bonsucesso, o paciente, ora apelado, não obteve êxito com o tratamento disponilizado pelo SUS, não conseguindo ter suas dosagens de paratormônio intacto normalizados após a utlização de todos os medicamentos indicados, como quelantes de fósforo do tipo carbonato, acetato de cálcio, cloridato de s evelamer, vitamina D3 ativa (calcitriol oral e endovenoso) e colecalciferol (vitamina D3 antes da ativação). 22. O PARICALCITROL encontra-se registrado na ANVISA, sendo prescrito por médico credenciado ao SUS, e apesar de possuir fármacos alternativos disponibilizados pelo Poder Público, estes se mostraram ineficazes para o tratamento do apelado, sendo, portanto, razoável a determinação judicial de seu fornecimento pelos entes p úblicos solidariamente. 23. Apelação do Estado do Rio de Janeiro não conhecida por ausência de interesse processual recursal, restando prejudicado o pleito subsequente em relação à nulidade, pelo acolhimento da coisa julgada, apelação da União e remessa necessária parcialmente providas, para, em relação ao fornecimento do medicamento CINACALCET/MIMPARA, julgar o processo extinto, sem resolução de mérito, por falta de interesse processual, consubstanciado no trinômio: necessidade/utilidade/proveito ma tutela jurisdicional, mantida a sentença quanto à c ondenação ao fornecimento do medicamento PARICALCITROL/ZEMPLAR.

Data do Julgamento : 08/02/2018
Data da Publicação : 19/02/2018
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 5ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : ALCIDES MARTINS
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : ALCIDES MARTINS
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